(Antígua) – Políticas públicas que impõem sanções criminais para o consumo pessoal de drogas minam direitos humanos básicos, declarou hoje a Human Rights Watch. Para impedir o consumo prejudicial de drogas, os governos devem contar com políticas reguladoras não criminais e de saúde pública. A 43a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, realizada em Antígua, Guatemala, de 4 a 6 de junho de 2013, terá como foco a política de controle de drogas nas Américas.
Os governos também devem tomar medidas para reduzir os impactos sobre os direitos humanos das políticas atuais de produção e distribuição de drogas, afirmou a Human Rights Watch. Uma das medidas deve ser a reforma de práticas legislativas e o desenvolvimento de alternativas regulamentares, que reduziriam o poder de grupos criminosos violentos.
“A ‘guerra às drogas’ tem custado caro para as Américas, desde a carnificina das organizações de tráfico de drogas até os sérios abusos pelas forças de segurança que combatem tais organizações”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch. “Os governos devem buscar novas políticas para abordar as causas do consumo prejudicial de drogas e coibir a violência atual”.
Consumo pessoal de drogas
Sujeitar pessoas a sanções criminais pelo consumo pessoal de drogas ou posse de drogas para uso próprio viola a autonomia e o direito a privacidade, segundo a Human Rights Watch.
O direito à privacidade é amplamente reconhecido na legislação internacional, inclusive no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos. Limitações à autonomia e à privacidade somente se justificam quando atendem aos critérios de proporcionalidade, necessidade, não discriminação e um fim reconhecidamente legítimo.
Embora proteger a saúde seja um fim legítimo, criminalizar o consumo de drogas para impedir que as pessoas se prejudiquem não atende aos critérios de necessidade e proporcionalidade. Os governos dispõem de diversas alternativas não penais para reduzir os danos a usuários de drogas, como oferecer tratamentos para dependentes químicos e apoio social.
Pesquisas realizadas pela Human Rights Watch em diversos países apontam que a criminalização do consumo de drogas tem minado o direito à saúde. O temor de sanções criminais impede usuários de drogas de buscarem serviços e tratamentos de saúde, aumentando o risco de violência, discriminação e doenças graves. Proibições penais também têm impedido o uso de drogas para pesquisas médicas legítimas e o acesso de pacientes a drogas para tratamentos paliativos ou contra dor.
“Há muitas medidas que governantes podem e devem tomar para impedir e solucionar o consumo prejudicial de drogas”, disse Vivanco. “Mas eles não deveriam punir aqueles cuja saúde estão tentando proteger”.
Os governos têm um interesse legítimo em proteger terceiros contra danos causados pelo uso de drogas, como dirigir depois de consumi-las, disse a Human Rights Watch. Podem impor, em consonância com os direitos humanos, sanções criminais proporcionais para comportamentos que ocorram conjuntamente com o consumo de drogas, se este comportamento causar ou colocar terceiros em sério risco.
Em relação ao consumo de drogas por crianças, governos têm a obrigação de tomar as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas cabíveis para protegê-las do consumo ilícito de drogas. Não devem impor sanções criminais a crianças que consomem ou possuem drogas, afirmou a Human Rights Watch.
“Quando alguém sob o efeito de drogas faz algo que pode prejudicar terceiros, seja dirigindo um carro ou colocando uma criança em perigo por negligência, sanções criminais são totalmente apropriadas, assim como quando aplicadas a pessoas sob efeito de álcool e que, de alguma forma, colocam a vida de terceiros em risco”, disse Vivanco. “Entretanto, a sanção não é apenas para o consumo de drogas, mas por envolver atividades que podem colocar em risco a vida de terceiros”.
Produção e distribuição de drogas
A implementação de leis penais sobre a produção e distribuição de drogas nas Américas e em outras regiões tem resultado direta e indiretamente em sérias violações aos direitos humanos, por vezes disseminadas e sistemáticas, declarou a Human Rights Watch.
A criminalização da produção e distribuição de drogas aumentou o lucro dos mercados de drogas ilícitas. Isso, por sua vez, fomentou o crescimento e as operações de grupos, inclusive paramilitares e guerrilhas na Colômbia e no crime organizado no México, que cometem atrocidades, minam a segurança pública e enfraquecem o Estado de Direito.
No México, mais de 70.000 pessoas foram mortas em violência relacionada às drogas durante o mandato de seis anos do ex-presidente Felipe Calderón, que acionou o exército na “guerra às drogas”. Os abusos por parte das forças de segurança do Estado aumentaram dramaticamente nesse período. Por exemplo, a Human Rights Watch documentou mais de 150 casos em que provas indicam que soldados e policiais participaram de desaparecimentos forçados.
Na Colômbia, a Human Rights Watch documentou como, por décadas, grupos armados fortemente financiados pelo tráfico de drogas e, em alguns casos, motivados pelos lucros obtidos com a comercialização de drogas, cometeram graves abusos, incluindo massacres, torturas, violência sexual e deslocamento forçado. Os paramilitares e outros grupos de tráfico de drogas também têm minado o Estado de Direito por meio da corrupção disseminada e intimidação de servidores públicos.
No Brasil, a Human Rights Watch documentou como policias nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo têm respondido à violência praticada por quadrilhas de tráfico de drogas fortemente armadas com “autos de resistência” ou “resistências seguidas de morte”, incluindo casos de execuções extrajudiciais.
Nos Estados Unidos, a Human Rights Watch documentou disparidades injustificáveis e frequentemente raciais na implementação das leis para combate às drogas, que violam os princípios fundamentais de direitos humanos, de justiça e proteção igualitária pela lei. Sentenças judicias desproporcionais impostas por leis federais e estaduais nos EUA em casos de crimes de drogas também têm causado impactos negativos.
Convenções internacionais sobre drogas
As convenções internacionais sobre drogas devem ser interpretadas e, sempre que necessário, revistas, para que não proíbam ou desmotivem os governos a adotarem políticas para reduzir os custos relacionados aos direitos humanos, disse a Human Rights Watch.
Mais de 95 por cento dos países membros das Nações Unidas são parte dos três principais tratados internacionais sobre drogas que obrigam os governos a criminalizarem a posse, compra ou cultivo de drogas para consumo pessoal.
Embora os tratados ofereçam alguma margem para interpretação, o Conselho Internacional para Controle de Narcóticos que monitora o cumprimento da lei repreendeu países que tomaram medidas rumo à descriminalização.
A Human Rights Watch reconhece que a reforma de estratégias existentes para o controle de drogas pode gerar preocupações legítimas sobre custos imprevistos relacionados à saúde e aspectos sociais, tal como o aumento significativo do abuso de drogas. Os governos devem promover reformas com base em evidências sobre as melhores formas de conter danos a terceiros que podem acompanhar o uso e o controle de drogas.
“Considerando a violência e os abusos associados às políticas de combate às drogas existentes, é extremamente importante que os governos não deixem de explorar novas abordagens”, disse Vivanco.