A repressão aumentou em toda a China em 2022. Xi Jinping garantiu um terceiro mandato sem precedentes como secretário-geral do Partido Comunista Chinês, tornando-se o líder mais poderoso do país desde Mao Tsé-Tung. Em outubro, um homem pendurou duas faixas em uma ponte em Pequim, pedindo a remoção do “traidor ditatorial” Xi, liberdade e sufrágio universal para o povo na China. O manifestante solitário inspirou protestos de solidariedade em todo o mundo.
O governo chinês reforçou suas restrições à Covid-19, impondo seguidas medidas imprevisíveis de confinamento a centenas de milhões de pessoas. Em alguns casos, as autoridades usaram arame farpado, barras de metal e grandes barreiras para impedir que as pessoas saíssem de suas casas. Na província de Sujuão, os moradores não conseguiam deixar os edifícios, mesmo durante um episódio de terremoto. Durante esses confinamentos – que duraram de dias a semanas – as pessoas relataram dificuldades de acesso a alimentos e cuidados médicos, em alguns casos levando à morte. Outros relataram violações de privacidade, censura, interrupções em seus meios de subsistência e brutalidade do governo, enquanto policiais e autoridades de saúde chutavam e empurravam pessoas que resistiam às restrições da Covid. No Tibete e em Xinjiang, os moradores relataram controles ainda mais severos da Covid-19 impostos pelas autoridades locais, que já limitavam severamente seus direitos.
A China sofreu com a onda de calor mais severa já registrada, causando escassez de energia generalizada e levando as autoridades a voltarem a usar carvão, que ressaltou a urgência de uma transição para energias limpas.
As autoridades de Pequim e Hong Kong continuaram os ataques aos direitos humanos na região, uma trajetória de retrocessos que deve continuar, já que Pequim nomeou John Lee, um ex-policial repressor, como chefe executivo da cidade.
A atenção internacional às violações de direitos humanos do governo chinês aumentou. Oito governos se engajaram em um boicote diplomático em protesto aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim em 2022. Em junho, a entrada em vigor da Lei de Prevenção ao Trabalho Forçado Uigur dos Estados Unidos (em inglês, United States Uyghur Forced Labor Prevention Act) estabeleceu a presunção de que os produtos de Xinjiang são feitos de trabalho forçado e, portanto, não podem ser importados. Em agosto, a antiga Alta Comissária das Nações Unidas para os direitos humanos divulgou seu relatório sobre Xinjiang, concluindo que os abusos na região “podem constituir crimes contra a humanidade”.
Hong Kong
As autoridades de Hong Kong conduziram ataques à liberdade de imprensa. A polícia de segurança nacional invadiu o escritório do influente meio de comunicação Stand News em 29 de dezembro de 2021, acusou seus editores de insubordinação e forçou-os a efetivamente fechar suas portas; em seguida, sete outros veículos encerraram suas atividades em duas semanas. Em abril, a polícia prendeu Allen Au, ex-colunista do Stand News e jornalista veterano, sob acusações infundadas de insurreição. Ainda naquele mês, o Clube de Correspondentes Estrangeiros de Hong Kong cancelou o Prêmio de Imprensa de Direitos Humanos (em inglês, Human Rights Press Awards), alegando medo de prisão. Em setembro, a polícia acusou o presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, Ronson Chan, de “obstruir policiais” durante uma reportagem.
Em agosto, a Suprema Corte decidiu que materiais jornalísticos não são legalmente protegidos segundo a severa Lei de Segurança Nacional (NSL, na sigla em inglês). A decisão confirmou a legalidade das buscas policiais nos telefones do magnata da mídia Jimmy Lai, que enfrenta três acusações pela NSL e uma acusação de insurreição, junto com outros seis executivos do antigo jornal pró-democracia de Hong Kong, Apple Daily.
Pelo menos 231 pessoas foram detidas por supostamente violar a NSL desde que foi imposta em 30 de junho de 2020 por “insurreição”, uma lei da era colonial que as autoridades reviveram para reprimir os dissidentes. A NSL impõe uma presunção de responsabilidade, uma regra inconsistente com a da presunção de inocência. Entre os 138 indivíduos acusados, a maioria se encontrava em prisão preventiva há quase um ano ou mais.
Em maio, a polícia acusou o cardeal de 90 anos Joseph Zen, ativista pró-democracia, e outros cinco por não registrarem adequadamente o grupo de assistência jurídica 612 Humanitarian Relief Fund (em português, Fundo de Alívio Humanitário 612). Sob pressão da polícia, em julho, a Ordem dos Advogados abriu inquéritos de conduta profissional de pelo menos 35 advogados que representavam os beneficiários do fundo.
Depois que a polícia prendeu sindicalistas e forçou de maneira efetiva a dissolução de muitos sindicatos, em setembro o governo restringiu ainda mais as atividades sindicais ao exigir que os fundadores de novos sindicatos prometessem que não ameaçariam a “segurança nacional”.
A censura agora é comum em Hong Kong. Em maio, uma feira de livros administrada pelo governo proibiu a participação de várias editoras de livros políticos. Bibliotecas públicas, franquias de livrarias comerciais e algumas bibliotecas escolares continuam a retirar de suas prateleiras títulos “politicamente sensíveis”.
Vários filmes que retratam questões políticas de Hong Kong foram proibidos pelo novo regime de censura, que proíbe filmes que possam “pôr em risco a segurança nacional”. Em agosto, um festival de cinema abandonou um filme premiado depois que seu diretor se recusou a ceder à exigência das autoridades de remover uma cena que retratava o movimento pró-democracia de 2014 “Revolta do Guarda-Chuva” (em inglês, Umbrella Movement).
As universidades foram cúmplices da repressão das autoridades aos estudantes, que têm sido fundamentais para o movimento pró-democracia. No final de 2021, depois que quatro universidades removeram obras de arte sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989, a Universidade de Hong Kong encobriu ainda mais os slogans relacionados à Praça da Paz Celestial pintados na calçada da universidade em janeiro de 2022. Todas as oito universidades públicas obstruíram as operações de suas associações estudantis, inclusive deixando de reconhecê-las e recusando-se a ajudá-las a cobrar taxas de associação. As universidades incorporaram cursos obrigatórios de direito de segurança nacional, enquanto a Universidade Chinesa de Hong Kong começou a realizar cerimônias semanais de hasteamento da bandeira chinesa.
A polícia intensificou a vigilância da sociedade de Hong Kong. Em junho, a polícia criou uma linha telefônica direta de “contraterrorismo”, além da já existente linha direta de “antiviolência” para receber denúncias de violações da segurança nacional. Em agosto, a polícia disse que iria “dissipar a desinformação” sobre a corporação por meio de um “sistema de rastreamento de opinião pública 24 horas por dia”.
A população de Hong Kong continuou a protestar, apesar do risco de serem detidos. Em 4 de junho, muitas pessoas homenagearam as vítimas do Massacre da Praça da Paz Celestial de 1989 em público; a polícia realizou seis prisões naquele dia. Em setembro, enquanto centenas de pessoas se reuniam do lado de fora do consulado britânico para lamentar a morte da rainha britânica Elizabeth II, algumas cantavam a canção de protesto proibida “Glória a Hong Kong”. A polícia prendeu um homem por insurreição por tocar a música de protesto em uma gaita. Mais de 150.000 pessoas deixaram Hong Kong desde que a NSL foi imposta; muitos continuaram seu ativismo no exterior.
Xinjiang
Em dezembro de 2021, as autoridades substituíram o secretário do partido de Xinjiang, Chen Quanguo, que supervisionava a repressiva campanha “Strike Hard Campaign against Violent Terrorism” (em português, “Campanha de ataque ao terrorismo violento”), por Ma Xingrui, um tecnocrata experiente que governava regiões costeiras mais ricas. Em julho, o presidente Xi visitou Xinjiang e disse que, embora a região deva “manter um firme controle da estabilidade”, ela também deve “caminhar para a prosperidade”.
Apesar da propaganda do governo retratando suas políticas na região como esforços bem-sucedidos para combater o terrorismo, as investigações internacionais de crimes contra a humanidade na região aumentaram. Em maio, uma fonte anônima divulgou arquivos policiais da região hackeados que incluíam quase 3.000 fotos de uigures detidos, juntamente com documentos-chave que delineavam as duras políticas da alta liderança da China. Cerca de um milhão de pessoas foram detidas injustamente em campos de educação política, centros de detenção provisória e prisões no auge da “Campanha de ataque ao terrorismo violento”. Embora alguns tenham sido libertados, as autoridades chinesas também condenaram cerca de meio milhão de pessoas, muitas das quais permaneciam presas, constatou a Human Rights Watch em um relatório de setembro.
Tibete
As autoridades na região tibetana continuam a restringir severamente a liberdade de religião, de expressão, de circulação e de reunião. Preocupações populares sobre questões como realocações em massa, degradação ambiental ou a eliminação gradual da língua tibetana na educação primária foram recebidas com repressão. As autoridades locais são obrigadas a educar o público em “obediência à lei” e recompensas financeiras são oferecidas aos cidadãos dispostos a delatar outros.
Sob intensa censura, os tibetanos continuam detidos por ofensas on-line, como guardar conteúdo proibido em seus telefones ou “espalhar boatos”. As autoridades baniram publicações sobre ensino religioso e outros conteúdos online, com o objetivo de impor um controle oficial rígido sobre instituições religiosas e professores. Na região tibetana da província de Sujuão, as autoridades regionais ordenaram a demolição de estátuas e templos ao ar livre, cujas construções haviam sido inicialmente aprovadas.
Surgiram relatos da prisão e condenação de figuras religiosas e culturais tibetanas suspeitas de dissidência, e de maus-tratos sofridos na detenção – em particular sobre os escritores Go Sherab Gyatso, Rongwo Gendun Lhundrup e Tubten Lodro (também conhecido como Sabuchey). Em março, o jovem cantor pop Tsewang Norbu organizou um protesto de autoimolação em frente ao Palácio de Potala, o primeiro de um tibetano de origem urbana.
Liberdade de religião
O controle do Estado sobre a religião aumentou desde 2016, quando Xi pediu a “sinização das religiões”. Para além do controle da religião, ditando o que constitui atividade religiosa “normal” e, portanto, legal, as autoridades agora procuram reformular as religiões de forma abrangente de modo que sejam coerentes com a ideologia do partido e ajudem a promover a lealdade a Xi e seu partido.
A polícia continua perseguindo, prendendo e aprisionando líderes e membros de “igrejas domésticas”, congregações que se recusam a ingressar nas igrejas católicas e protestantes oficiais. As autoridades também interrompem suas atividades pacíficas e as proíbem completamente. Em setembro, dezenas de membros de uma igreja de Shenzhen fugiram para a Tailândia em busca de refúgio depois de terem deixado a China há três anos devido ao aumento do assédio policial e após não conseguirem obter o status de refugiado na Coreia do Sul. O grupo relatou estar sendo monitorado por agentes do governo chinês na Tailândia.
As novas Medidas sobre a Administração de Serviços de Informação Religiosa na Internet entraram em vigor em março, proibindo indivíduos ou grupos de ensinar ou propagar religião online sem aprovação oficial. Um aplicativo católico amplamente usado, o “CathAssist”, foi encerrado em agosto porque não conseguiu obter uma licença. Os regulamentos interromperam severamente a vida religiosa das pessoas, já que muitos confiavam cada vez mais em reuniões e informações religiosas online, especialmente durante a pandemia de Covid-19.
Em outubro de 2022, o Vaticano e o governo chinês renovaram um acordo assinado em 2018. Ele foi renovado apesar da prisão do cardeal Joseph Zen pelo governo chinês e das detenções contínuas dos bispos Zhang Weizhu e Cui Tai, entre outros.
COVID-19
As autoridades mantiveram uma política rígida de “Covid zero”, considerando inaceitável até mesmo uma única infecção, embora vacinas e medicamentos eficazes estejam amplamente disponíveis.
Em Ruili, uma cidade fronteiriça na província de Yunnan, os residentes enfrentaram sete bloqueios diferentes entre março de 2021 e abril de 2022, totalizando 119 dias confinados em suas casas, exceto para testes obrigatórios de Covid. Em Xangai, um centro comercial de 25 milhões de pessoas, os residentes enfrentaram um bloqueio igualmente rigoroso de março a maio. Chengdu, uma cidade de 21 milhões de habitantes, ficou fechada sob confinamento por duas semanas em setembro.
Embora essas medidas severas tenham evitado mortes e doenças relacionadas à Covid, elas impediram significativamente o acesso das pessoas a cuidados de saúde, alimentação e outras necessidades. Um número desconhecido de pessoas morreu após ter sido negado tratamento médico para doenças não relacionadas à Covid. Em alguns casos, pessoas tiveram que recorrer a ameaças de automutilação ou violência para que seus familiares fossem aceitos em hospitais. Em Xangai, as autoridades separaram crianças pequenas de seus pais após testes positivos de Covid, o que exigia que aqueles com resultado positivo se isolassem em um hospital ou instalação designada, revertendo a política somente após protestos públicos. Diversas pessoas relataram ter enfrentado grave escassez de alimentos, medicamentos, produtos de higiene menstrual e outros itens essenciais. As pessoas em instalações de quarentena obrigatória também recorreram às redes sociais para expor as condições de insalubridade e de lotação.
Embora as autoridades tenham se desculpado por “falhas e deficiências” em suas respostas à Covid, elas continuaram a controlar o fluxo de informações sobre a pandemia. Agentes da censura removeram várias publicações nas mídias sociais criticando o governo, como um vídeo que viralizou nas redes protestando contra o bloqueio em Xangai e comentários raivosos depois que um ônibus que transportava dezenas de pessoas a um centro de quarentena colidiu, deixando 27 mortos no meio da noite, enquanto a polícia em todo o país detinha internautas que criticavam a resposta do governo à Covid.
Confinamentos e outras medidas de controle da Covid também forçaram fábricas, restaurantes e empresas a cortar empregos e salários ou fechar completamente. Vídeos postados nas redes sociais mostraram pessoas implorando às autoridades que as liberassem do confinamento para que pudessem trabalhar e alimentar suas famílias.
Defensores de direitos humanos
As autoridades continuaram a perseguir, deter e processar judicialmente defensores dos direitos humanos. Em dezembro de 2021, as autoridades da província de Jilin detiveram arbitrariamente o advogado de direitos humanos Tang Jitian. Antes de seu desaparecimento, as autoridades impediram Tang de viajar ao Japão para visitar sua filha, que estava em coma devido a uma doença.
Em junho, um tribunal na província de Shandong conduziu julgamentos secretos do proeminente jurista Xu Zhiyong e do advogado de direitos humanos Ding Jiaxi por “subversão”. Seus veredictos eram desconhecidos até a elaboração deste relatório. Eles tinham sido detidos em 2020 e 2019, respectivamente, após organizarem uma pequena reunião para discutir questões de direitos humanos e democracia. Li Qiaochu, um ativista dos direitos das mulheres e companheira de Xu, também está detida desde fevereiro de 2021.
Em setembro, Dong Jianbiao, pai de Dong Yaoqiong, que autoridades desapareceram à força por jogar tinta em um pôster do presidente Xi Jinping em 2018, morreu em uma prisão na província de Hunan. Familiares disseram que o corpo apresentava sinais de ferimentos. Dong protestou contra o desaparecimento de sua filha e foi preso por uma disputa. Também em setembro, a polícia de Xangai deteve Ji Xiaolong, um ativista que havia reivindicado a renúncia do secretário do Partido de Xangai, Li Qiang por má administração da Covid.
Huang Xueqin, jornalista e liderança do movimento #MeToo da China, detida pelas autoridades de Guangdong em setembro de 2021, se encontrava com saúde debilitada, segundo relatos. As autoridades dispensaram o advogado indicado pela família de Huang, obrigando-a a ter um advogado indicado pelo governo.
Li Yuhan, advogado de direitos humanos de Shenyang detido desde 2017, teria sido maltratado pelas autoridades do centro de detenção e se encontraria gravemente doente. Li foi julgado em 2021, mas nenhum veredicto foi emitido até a elaboração deste relatório. O paradeiro do advogado de direitos humanos Gao Zhisheng, que desapareceu em agosto de 2017, ainda não está claro. A família de Gao continuou a pedir ao governo chinês que divulgasse se ele ainda está vivo.
Liberdade de expressão
As autoridades continuam a perseguir, deter e processar judicialmente pessoas por suas publicações online e mensagens privadas críticas ao governo, apresentando acusações falaciosas como “difundir rumores”, “provocar confusão e causar problemas” e “insultar os líderes do país”. Em maio, um tribunal na província de Hainan condenou o ex-jornalista Luo Changping a sete meses de prisão por uma postagem na rede social Weibo que questionava a justificativa da China em seu envolvimento na Guerra da Coreia.
As autoridades continuaram a remover conteúdo online considerado “politicamente sensível”. No início de 2022, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, agentes da censura removeram publicações críticas ao governo russo ou que defendiam a paz. Em junho, o conhecido streamer Li Jiaqi ficou offline por três meses depois de exibir um bolo em forma de tanque antes do 33º aniversário do Massacre da Praça da Paz Celestial, embora provavelmente não soubesse do simbolismo do tanque. Em agosto, a Administração do Ciberespaço da China anunciou que “lidou com” 1,34 bilhão de contas nas redes sociais, “limpou” 22 milhões mensagens ilegais e tirou do ar 3.200 sites.
Apesar do sofisticado aparato de censura de Pequim, os internautas continuaram desenvolvendo formas criativas de fugir do controle. Em Guangzhou, os residentes usaram expressões cantonesas vernaculares, ao invés do mandarim padrão, para expressar suas frustrações com as severas políticas do governo contra a Covid.
Direitos das mulheres e meninas
O movimento #MeToo da China continuou a ganhar força, apesar da censura online e da repressão de ativistas dos direitos das mulheres. A postagem da estrela do tênis chinesa Peng Shuai no Weibo em novembro de 2021 alegando ter sido agredida sexualmente por um alto funcionário aposentado do partido, levou as acusações #MeToo aos altos escalões do Partido Comunista Chinês. Embora sua postagem no Weibo, assim com as discussões em torno dela, tenham sido rapidamente censuradas dentro do país, gerou enorme interesse fora do país enquanto o governo chinês se preparava para sediar as Olimpíadas de Inverno em fevereiro. Peng não foi vista em público por semanas depois de fazer o post. Acredita-se que suas aparições posteriores em vídeos e fotos foram encenadas pelas autoridades.
Em agosto, um tribunal de Pequim rejeitou o recurso de Zhou Xiaoxuan, que iniciou um processo judicial de assédio sexual contra um importante apresentador de TV da emissora estatal CCTV, declarando que as provas apresentadas eram “insuficientes”. Este caso emblemático inspirou muitas outras pessoas a compartilharem suas histórias de agressão sexual.
Em setembro, a polícia chinesa deteve Du Yingzhe, um notável diretor de cinema chinês, por abuso sexual. Vinte e uma mulheres e meninas o acusaram de coagir alunas e funcionárias a ter relações sexuais com ele durante um período de 15 anos. Em outubro, Richard Liu, um bilionário chinês da tecnologia, propôs um acordo para resolver um caso de estupro cujo processo estava em andamento em Minnesota, nos Estados Unidos, depois que Jingyao Liu, uma ex-aluna da Universidade de Minnesota, o processou judicialmente em 2018.
Dois casos envolvendo violência sexual geraram indignação nacional em 2022. Em janeiro, um vídeo mostrando uma mulher acorrentada pelo pescoço em uma cabana na província rural de Jiangsu viralizou. Uma investigação do governo descobriu que a mulher foi traficada e vendida como noiva duas vezes no final dos anos 90. As autoridades censuraram o vídeo e as discussões, detiveram ativistas que tentaram visitar o vilarejo da mulher, ameaçaram pessoas que fizeram suas próprias pesquisas online e questionaram as conclusões oficiais.
Em junho, imagens de câmeras de segurança que circularam online mostravam quatro mulheres sendo violentamente atacadas depois que uma delas rejeitou a investida sexual de um homem em um restaurante na cidade de Tangshan, no nordeste do país. O vídeo gerou debates acalorados sobre violência de gênero. Em seguida, vinte e oito pessoas enfrentaram acusações em relação ao incidente.
Orientação Sexual e Identidade de Gênero
A China descriminalizou a relação entre pessoas do mesmo sexo em 1997. Não há leis no país que protejam as pessoas de discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero, e as uniões entre pessoas do mesmo sexo não são reconhecidas.
As autoridades continuaram a proibir representações de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo no cinema e na televisão. Em fevereiro, a popular série americana “Friends” voltou a ser exibida em vários sites de streaming chineses, mas as cenas com personagens lésbicas foram cortadas. Em abril, as referências a um relacionamento gay no filme "Animais Fantásticos 3", da Warner Brothers, foram eliminadas. Em junho, as autoridades proibiram a animação “Lightyear”, da Disney, depois que a empresa se recusou a cortar uma cena com um casal do mesmo sexo se beijando.
Direitos das pessoas com deficiência
Na China, pessoas com deficiências psicossociais podem ser acorrentadas – algemadas ou trancadas em confinamento – devido ao apoio inadequado de serviços de saúde mental, bem como crenças generalizadas que estigmatizam as pessoas com deficiências psicossociais.
Em setembro, o Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência recomendou que o governo chinês “revogue as disposições e práticas que permitam a privação de liberdade de adultos e crianças com deficiência com base em debilitações reais ou percebidas”.
A Belt and Road Initiative
A Iniciativa do Cinturão e Rota (em inglês, Belt and Road Initiative, ou BRI, na sigla em inglês), anunciada em 2013, é o programa de investimento e infraestrutura de trilhões de dólares do governo que se estende por cerca de 100 países. Alguns projetos do BRI foram criticados por falta de transparência, por desconsiderar preocupações das comunidades locais e impactos ambientais negativos, provocando protestos generalizados.
Em agosto, as autoridades chinesas anunciaram que revogariam 23 empréstimos sem juros para 17 países africanos, totalizando cerca de 1% do total de empréstimos, segundo um estudo da Universidade de Boston. Um estudo do Instituto de Estudos de Segurança sobre práticas trabalhistas de empresas chinesas em seis países africanos constatou violações generalizadas dos direitos trabalhistas, incluindo salários não pagos, violência física, demissão imediata em caso de lesão ou doença e falta de segurança no local de trabalho.
Em agosto, manifestantes na cidade portuária de Gwadar, no Paquistão, um corredor econômico China-Paquistão, saíram às ruas exigindo água, eletricidade e o fim da pesca ilegal de traineiras chinesas na área. Os pescadores locais expressaram preocupações sobre a falta de transparência e de consultas e os possíveis impactos em seus meios de subsistência. Isso foi visto como parte de uma reação crescente contra o BRI no Paquistão.
Políticas e ações de mudança climática
A China continua sendo o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, embora suas emissões per capita a coloque entre os 40 países mais poluidores. Grande parte da energia que alimentou o crescimento econômico provém do carvão, responsável por essas emissões. O país produz metade do carvão mundial e é o maior importador de petróleo, gás e carvão.
O governo chinês anunciou em 2021 que atingiria a neutralidade de carbono antes de 2060 e alcançaria o pico de emissões de carbono antes de 2030. Apesar dessas metas aprimoradas, o Climate Action Tracker (em português, Rastreador de Ação Climática) classifica a meta nacional como “altamente insuficiente” para cumprir o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
A China também lidera a produção de energia renovável no mundo e é o maior financiador de projetos renováveis no exterior, alguns dos quais, no entanto, estão relacionados a violações dos direitos humanos. Grande parte da capacidade de produção global de minerais e materiais necessários para tecnologias de energia renovável, incluindo turbinas eólicas, painéis solares e baterias de carros elétricos, está na China. Alguns desses materiais são produzidos em Xinjiang, suscitando preocupações sobre o uso de trabalho forçado.
As operações de empresas chinesas no exterior frequentemente causaram ou contribuíram para violações dos direitos humanos e danos ambientais. Na Guiné, a Human Rights Watch documentou o envolvimento de uma empresa chinesa em um consórcio de mineração de bauxita (matéria-prima do alumínio) que explorou terras de agricultores sem compensação adequada e destruiu as fontes de água locais.
As importações de commodities agrícolas da China geram mais desmatamento globalmente do que as de qualquer outro mercado. Esse desmatamento é, em grande parte, ilegal. Em novembro, os EUA e a China se comprometeram conjuntamente a eliminar o desmatamento ilegal global, aplicando suas respectivas leis que proíbem as importações ilegais de madeira. A China ainda não aplica a restrição às importações ilegais de madeira que adotou em 2019.
Principais atores internacionais
Em maio, Michelle Bachelet visitou a China – a primeira visita do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em 17 anos; as autoridades controlaram de perto suas atividades. Em agosto, Bachelet divulgou um relatório avaliando as violações generalizadas dos direitos humanos em Xinjiang, concluindo que as violações “podem equivaler a crimes contra a humanidade”.
O governo chinês tentou reiteradamente impedir a divulgação do relatório. Após a publicação do relatório, mais de 40 especialistas independentes da ONU divulgaram uma declaração conjunta apoiando suas descobertas. Em setembro, EUA, Austrália, Canadá, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Lituânia, Noruega, Suécia e Reino Unido lançaram uma iniciativa no Conselho de Direitos Humanos da ONU para discutir o relatório durante a sessão de março de 2023. O esforço não teve resultados por conta de uma votação apertada de 17 votos contra 19, com apoio de todos os grupos regionais da ONU. A Ucrânia posteriormente expressou apoio, estreitando a margem para um voto único. No entanto, o número de delegações da ONU dispostas a condenar publicamente os abusos do governo em Xinjiang continua crescendo. Em outubro, um recorde de 50 países membros da ONU aderiram a uma declaração conjunta liderada pelo Canadá pedindo a Pequim que acabasse com as violações de direitos humanos em Xinjiang e implementasse as recomendações do relatório de Bachelet.
Governos adotaram cada vez mais medidas para garantir que atividades comerciais não fomentem a repressão em toda a China. Além da entrada em vigor da Lei de Prevenção de Trabalho Forçado Uigur dos EUA, a União Europeia estava deliberando proibir a importação e exportação de todos os produtos de trabalho forçado, motivada em parte por preocupações com os abusos de Xinjiang. A UE apresentou um projeto de lei para estabelecer padrões globais de devida diligência em direitos humanos para empresas. O Comitê Olímpico Internacional e seus principais patrocinadores não publicaram suas análises da devida diligência processo de direitos humanos antes dos Jogos de Inverno de 2022 na China.
Em março, o Departamento de Justiça dos EUA indiciou cinco pessoas por perseguir críticos do governo chinês nos EUA, refletindo a crescente preocupação com as ameaças às comunidades da diáspora. Na Austrália, o campus da Universidade de Tecnologia de Sydney deu um importante passo para melhor proteger a liberdade acadêmica dos alunos que desejam oferecer opiniões críticas ao governo chinês adicionando aos materiais de orientação um novo aviso informando aos alunos sobre o direito de serem livres de qualquer forma de perseguição estatal ou intimidação política.
Política externa
Em fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, visitou a China, onde ele e Xi publicaram uma declaração prometendo uma “amizade sem limites” dos dois governos. O governo chinês não condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia ou as inúmeras violações das leis de guerra cometidas pelas forças russas no conflito.
O governo chinês continua a fornecer assistência direta e ajuda militar a vários governos altamente abusivos, como o regime do Talibã, no Afeganistão, e a junta militar em Mianmar.
Em outubro, o cônsul-geral chinês em Manchester, Inglaterra, e outros funcionários do consulado arrastaram um manifestante pró-democracia de Hong Kong para o complexo e o espancaram; o cônsul-geral justificou sua conduta como seu “dever”.
Diplomatas chineses também atacaram os mandatos dos órgãos de direitos humanos da ONU em resposta às crescentes declarações de preocupação com as violações dentro da China. Pequim rejeitou o relatório da Alta Comissária sobre Xinjiang como uma “farsa” e os esforços para promover um debate sobre a situação como “ilegais e inválidos”.