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Rússia

eventos de 2023

Aleksandra (Sasha) Skochilenko, a 33-year-old artist and musician facing charges of spreading false information about the army after replacing supermarket price tags with slogans protesting Russia’s war in Ukraine reacts during a court hearing in St. Petersbur, Russia on November 16, 2023.

© 2023 Anton Vaganov/REUTERS.

No segundo ano da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, as autoridades russas intensificaram ainda mais os esforços para erradicar internamente qualquer dissidência sobre a guerra ou as políticas domésticas do Kremlin. Adotaram e aplicaram novas legislações repressivas, emitiram longas sentenças de prisão por discursos pacíficos contra a guerra e fecharam à força vários grupos notáveis de direitos humanos.

A Rússia continuou sendo o país mais sancionado do mundo.

A fracassada revolta do grupo mercenário Wagner levou o presidente Vladimir Putin a admitir que o grupo, conhecido por graves abusos de direitos humanos em suas operações no exterior e por recrutar condenados russos para lutar na Ucrânia em troca de anistia, era totalmente financiado por recursos da Rússia.

Em março, o Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de prisão contra Putin e contra a assessora especial para os direitos das crianças da Rússia, Maria Lvova-Belova, pela transferência forçada de crianças ucranianas de áreas ocupadas da Ucrânia e sua deportação ilegal para a Rússia. Em resposta, a Rússia adotou, em abril, uma lei criminalizando a assistência a organismos estrangeiros e internacionais “dos quais a Rússia não faz parte”. Para mais informações sobre as violações das leis de guerra na Ucrânia pelas forças russas, incluindo potenciais crimes de guerra e crimes contra a humanidade, consulte o capítulo sobre a Ucrânia.

Novas leis impuseram extensas limitações aos direitos e ao acesso a serviços estatais para supostos evasores do serviço militar.

Liberdade de Expressão

As autoridades russas continuaram a usar acusações administrativas e criminais de “descreditação” e “informações falsas” sobre as forças armadas da Rússia para suprimir discursos antiguerra e processar e prender indivíduos por suas expressões pacíficas e legais. De acordo com o grupo de direitos humanos OVD-info, em 2023, pelo menos 77 pessoas foram condenadas por “informações falsas” e 52 por acusações de “descreditação”; até outubro de 2023, foram abertos casos criminais contra mais de 350 pessoas por essas acusações. Entre elas, estavam figuras renomadas da oposição e pessoas sem antecedentes em ativismo.

Em dezembro de 2022, um tribunal de Moscou condenou o político de oposição Ilya Yashin a oito anos e meio de prisão por acusações de “informações falsas”. Em abril de 2023, após um ano em detenção preventiva, outro renomado político de oposição, Vladimir Kara-Murza, recebeu uma sentença de 25 anos em uma prisão de segurança máxima por acusações combinadas de traição, “informações falsas” e envolvimento com uma “organização indesejável”.

Em março, uma nova lei ampliou as disposições de “descreditação” e “informações falsas” para cobrir “voluntários” que participam ou “auxiliam” em conflitos armados.

Uma lei de abril permitiu que as autoridades retirassem a cidadania de russos naturalizados, mesmo que isso os tornasse apátridas, e os deportassem por cometerem crimes de “descreditação” e “informações falsas”.

As autoridades usaram cada vez mais a legislação russa sobre “organizações indesejáveis” para proibir meios de comunicação russos independentes exilados, incluindo TV Rain, Meduza, The Project e Novaya Gazeta Europe. Entre 2022 e 2023, pelo menos cinco pessoas foram condenadas por republicar publicações de meios de comunicação “indesejáveis”.

As autoridades russas também processaram cada vez mais pessoas por acusações falsa de traição, cooperação confidencial e espionagem. Em março, o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em inglês) prendeu o repórter do Wall Street Journal, Evan Gershkovich, por acusações de espionagem. No momento da redação, ele permanecia em detenção preventiva.

Somente no primeiro semestre de 2023, o FSB abriu mais investigações de novos casos de traição, contra uma variedade de indivíduos, do que em todo o ano de 2022. Uma lei de abril aumentou as penalidades por traição e outros crimes.

De acordo com o grupo de direitos humanos russo Primeiro Departamento, em 2023, as autoridades abriram pelo menos 21 casos criminais contra pessoas que supostamente se envolveram em “cooperação confidencial” com nacionais não russos com base em uma lei que lembra a proibição da era soviética de contato com estrangeiros.

Em outubro, uma jornalista da Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL) (uma organização de mídia financiada pelo governo dos EUA), Alsu Kurmasheva, foi presa por não se registrar como agente estrangeira enquanto supostamente coletava informações sobre o exército russo para fontes estrangeiras. Esta é a primeira aplicação conhecida desse tipo de acusação. Ela pode ser condenada até cinco anos de prisão. No momento em que este capítulo foi escrito, ela permanecia em prisão preventiva.

As autoridades russas também utilizaram legislação contra a reabilitação do nazismo para suprimir a liberdade de expressão legítima. Em janeiro, uma editora russa censurou seções de um livro de um autor americano que comparava a conduta do exército soviético na Polônia durante a Segunda Guerra Mundial com a da Alemanha nazista.

Em novembro, autoridades russas iniciaram um processo criminal contra o líder local de um partido de oposição na região russa de Kamchatka por publicações nas redes sociais que comparavam imagens do cantor “patriótico” Shaman (Yaroslav Dronov) com imagens de um jovem nazista do filme Cabaret, de 1972. Ele pode ser condenado até quatro anos de prisão por exibir símbolos nazistas. Em junho, um tribunal em Blagoveschensk, no extremo oriente da Rússia, multou um ex-deputado da assembleia legislativa local por acusações administrativas semelhantes por republicar nas redes sociais um vídeo de paródia mostrando trechos de um vídeo de Shaman lado a lado com um clipe de Cabaret. Shaman alcançou a fama após o início da invasão em grande escala da Ucrânia com uma série de lançamentos de videoclipes “patrióticos”.

Liberdade de Reunião

A liberdade de reunião permaneceu, na prática, inexistente. Desde 2020, as autoridades russas usaram repetidamente as restrições da Covid-19 como pretexto para proibir protestos de oposição e antiguerra no país, apesar de suspenderem todas as outras restrições relacionadas à Covid-19 e organizarem grandes multidões que não cumpriam os requisitos de quarentena para eventos pró-Kremlin, incluindo concertos em apoio à invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia. Em fevereiro, autoridades em várias regiões detiveram e processaram indivíduos que participaram de protestos dispersos no aniversário da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia.

Liberdade de Associação

As autoridades russas novamente expandiram a legislação sobre “agentes estrangeiros” e “organizações indesejáveis”. Foram adicionados pelo menos 192 indivíduos e organizações ao registro de “agentes estrangeiros”, com o total alcançando 707 até 3 de novembro. Pelo menos 44 organizações foram banidas como “indesejáveis” em 2023; de acordo com um site governamental russo, que em alguns países fora da Rússia só pode ser acessado com certos tipos de VPNs, o total acumulado foi de 116 organizações até o início de novembro.

Uma lei de dezembro de 2022 simplificou as acusações criminais por não conformidade com a lei de “agentes estrangeiros” e aumentou drasticamente as penalidades por criar ou participar de organizações não governamentais (ONGs) “destrutivas”, aumentando ainda mais as formas para as autoridades penalizarem ativistas. Em fevereiro, Artiom Vajenkov, coordenador da principal organização independente de monitoramento eleitoral da Rússia, Golos, tornou-se a primeira pessoa acusada segundo pelo novo formato do crime de “agente estrangeiro”.

Leis adotadas em julho e agosto endureceram ainda mais a legislação de “agentes estrangeiros”, proibiram organizações estrangeiras sem presença jurídica na Rússia e criminalizaram a participação em suas atividades.

Em março e abril, as autoridades baniram respectivamente a Transparência Internacional e o Fórum da Sociedade Civil UE-Rússia como “indesejáveis”.

Em agosto, a polícia deteve Grigoriy Melkonyants, presidente da Golos, e invadiu apartamentos de vários membros e supostos afiliados com alegações de participação contínua na Rede Europeia de Organizações de Monitoramento Eleitoral, apesar da saída da Golos da rede, após ser banida como “indesejável” em 2021. No momento da redação, Melkonyants permanecia em detenção preventiva.

Ataques a Defensores dos Direitos Humanos

As autoridades russas continuaram a perseguir, intimidar e processar defensores de direitos humanos e a fechar à força grupos de direitos humanos.

Em janeiro, um tribunal ordenou o fechamento do Grupo Helsinki de Moscou, o mais antigo grupo de direitos humanos da Rússia.

Em março, a polícia invadiu o escritório afiliados ao Memorial, um dos grupos de direitos humanos mais renomados da Rússia fechado à força em 2021, e as casas de nove de seus funcionários e membros do conselho. Anteriormente, em janeiro, o Ministério Público abriu um caso criminal contra membros não determinados do Memorial por acusações de “justificação do nazismo”. Em outubro, um tribunal de Moscou condenou Oleg Orlov, co-presidente do Memorial, a uma grande multa por acusações de “descreditação” por uma postagem nas redes sociais em novembro de 2022 sobre a aplicabilidade do termo “fascista” para a Rússia hoje. A promotoria recorreu da sentença, pedindo sua prisão.

Em abril, o Tribunal Municipal de Moscou decidiu liquidar a SOVA, uma organização de monitoramento do extremismo russo, sob o pretexto de realizar atividades fora de Moscou.

Em agosto, um tribunal ordenou o fechamento da ONG de direitos humanos Chelovek I Zakon (Homem e Lei, em tradução livre), sediada na República de Mari El, seguindo um processo judicial do Ministério da Justiça, alegando que operava fora da região onde estava registrada, descumprindo regras de rotulagem de “agentes estrangeiros” e supostas discrepâncias entre suas atividades e objetivos listados em documentos de estatutários.

Em dezembro de 2022, um tribunal multou o Centro Sakharov, um grupo de direitos humanos com sede em Moscou, em 5 milhões de rublos (cerca de US$50.000) por violar os requisitos de rotulagem de “agentes estrangeiros”. Em agosto de 2023, outro tribunal ordenou seu fechamento forçado após um processo do Ministério da Justiça alegando várias violações, incluindo não conformidade com esses requisitos. Em janeiro de 2023, as autoridades baniram a Fundação Andrei Sakharov, registrada nos EUA, como “indesejável”.

Em julho, as autoridades russas baniram a Human Rights House Foundation, sediada na Noruega, como “indesejável”, tornando a cooperação com ela uma ofensa criminal para os seus parceiros russos.

Em maio, um tribunal condenou Bakhrom Khamroyev a 14 anos de prisão por acusações relacionadas a terrorismo, supostamente por postagens em redes sociais e por preparar materiais relacionados ao Hizb ut-Tahrir (HuT), um movimento pan-islâmico que busca estabelecer um califado, mas repudia publicamente a violência para alcançar esse objetivo. Khamroyev era afiliado ao Centro de Direitos Humanos Memorial e nos últimos anos defendeu os direitos de trabalhadores migrantes da Ásia Central.

Maus Tratos sob Custódia

As autoridades russas submeteram pelo menos 40 ativistas e membros de minorias religiosas perseguidas a repetidas e prolongadas penalidades disciplinarias (solitárias) , de acordo com um observatório de direitos humanos russo. Esses detentos foram submetidos a outras formas de maus-tratos, incluindo detenção incomunicável durante longas transferências de instalações de detenção preventiva para prisões.

Em setembro,  o oposição Alexei Navalny foi submetido a penalidade disciplinar máxima de um ano. Após sua prisão em janeiro de 2021, ele já havia sido colocado em cela disciplinar pelo menos 20 vezes por vários períodos. As autoridades prisionais também colocaram o historiador e defensor dos direitos Yuri Dmitriyev em uma cela disciplinar por 15 dias, apesar de sua saúde supostamente debilitada.

Apesar dos riscos para aqueles com condições de saúde conhecidas, Crimean Tatars (russos com descendência turca)  que cumpriam penas na Rússia por suposto envolvimento com o HuT também foram repetidamente colocados por longos períodos em celas disciplinares. Uma pessoa passou cerca de quatro meses seguidos em uma cela disciplinar e outra acumulou mais de dois anos em celas disciplinares desde sua condenação em 2019.

Em janeiro de 2023, Andrey Pivovarov, ex-diretor executivo da Open Russia, foi efetivamente mantido em detenção incomunicável por um mês durante sua transferência de detenção preventiva para uma penitenciária. As autoridades russas ignoraram os questionamentos de seu advogado e familiares sobre seu paradeiro e bem-estar, prática à qual as autoridades também submeteram Vladimir Kara-Murza e muitos outros.

Chechênia

As autoridades chechenas sob o governador Ramzan Kadyrov continuaram a erradicar todas as formas de dissidência, visando críticos e fazendo retaliações contra seus familiares, inclusive obrigando homens à lutarem pelas forças russas na Ucrânia.

Em julho, homens armados com balaclavas atacaram violentamente Elena Milashina, jornalista do jornal independente Novaya Gazeta, e Alexander Nemov, advogado de direitos humanos, que chegaram em Grozny para participar de uma audiência judicial no caso politicamente motivado contra Zarema Mussaeva. Mussaeva foi considerada culpada e condenada a vários anos de prisão. Milashina e Nemov sofreram espancamentos severos, resultando em múltiplos traumas, incluindo fraturas. Os agressores também ameaçaram matá-los. No momento da redação, uma investigação estava em andamento.

Em fevereiro, as autoridades de Moscou prenderam Idris Arsamikov, que havia sido torturado anteriormente na Chechênia por sua suposta orientação sexual, sob acusações forjadas de fraude, e o transferiram para a Chechênia. A polícia na Chechênia se recusou a divulgar seu paradeiro ou dar acesso a seus advogados. Dois vídeos publicados na página de Arsamikov na rede social VKontakte o mostram em casa questionando os esforços para encontrá-lo e fazendo outras declarações que parecem ter sido extraídas à força.

Em agosto, um vídeo circulou nas redes sociais mostrando o filho de 15 anos de Kadyrov espancando um suspeito detido por destruir o Alcorão. Kadyrov expressou publicamente sua aprovação às ações de seu filho. Em outubro, o menino recebeu a premiação governamental “Herói da República Chechena”.

Contraterrorismo e “Contra-Extremismo”

Em meados de 2023, alguns dos antigos aliados de Alexei Navalny receberam longas sentenças por falsas acusações de extremismo e outras relacionadas, após julgamentos à portas fechadas. Eles incluíam Lilia Chanysheva, que em junho foi condenada a 7,5 anos de prisão em Ufa, Bashkortostan, por acusações de extremismo e “ONG destrutiva”; seu co-réu, Rustem Muliukov, que foi condenado a 2,5 anos por extremismo; e Vadim Ostanin, condenado a 9 anos pela mesma acusação em Barnaul. No momento da redação deste capítulo, Kseniya Fadeyeva permanecia em julgamento em Tomsk por acusações de “extremismo agravado” e participação em uma organização “destrutiva”.

Em agosto, um tribunal condenou Navalny a 19 anos em uma prisão de segurança máxima por acusações ilegítimas de extremismo e outras. Seu corréu, Daniel Kholodny, ex-diretor técnico do canal de Navalny no YouTube, foi condenado a oito anos.

Em setembro, várias pessoas foram presas por acusações de financiamento de uma organização “extremista” por doações à organização “Fundação Contra a Corrupção”, afiliada a Navalny.

Em outubro, três advogados de Navalny foram detidos por acusações de extremismo por supostamente facilitar o contato entre Navalny e seus assessores e apoiadores enquanto ele permanecia na prisão. Eles podem ser condenados a até seis anos de prisão.

Em junho, seis ativistas do movimento juvenil de oposição “Vesna” (“Primavera”, em tradução livre) foram detidos sob várias acusações espúrias, incluindo extremismo. Em setembro, as autoridades listaram 21 membros da Vesna, incluindo os seis acima mencionados, no registro de “extremistas” e “terroristas”. Em 2022, as autoridades russas abriram vários casos criminais contra ativistas da Vesna por organizar protestos pacíficos contra a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia. Um tribunal baniu a Vesna como extremista em dezembro de 2022 por seu ativismo cívico legítimo e pacífico.

Em maio, as autoridades prenderam Yevgeniya Berkovich, diretora de teatro, e Svetlana Petriychuk, dramaturga, sob acusações de “justificação do terrorismo” por uma peça premiada em que trabalharam juntas sobre mulheres que se tornaram noivas de membros do Estado Islâmico. No momento da redação, ambas permaneciam em prisão preventiva.

As autoridades russas abriram novos processos criminais por acusações de justificação do terrorismo contra pelo menos dois prisioneiros políticos já cumprindo penas de prisão, baseados em seus supostos comentários a outros prisioneiros. Em agosto e outubro,  casos foram abertos contra Azat Miftakhov e Alexei Gorinov. Miftakhov estava prestes a ser libertado após cumprir uma pena por suposta tentativa de incêndio criminoso de um escritório vazio do partido governante Rússia Unida, e Gorinov está cumprindo uma pena de prisão de sete anos por “informação falsa” sobre as forças russas e por falar publicamente sobre vítimas civis na Ucrânia. As novas acusações podem acarretar até cinco anos de prisão.

Em setembro, um tribunal condenou um jornalista do Daguestão, Abdulmumin Gadjiyev, a 17 anos em uma prisão de segurança máxima por três acusações espúrias relacionadas a terrorismo; seus corréus foram condenados a 17,5 e 18 anos. Organizações de direitos humanos afirmam que as acusações foram uma retaliação por suas reportagens.

As autoridades russas também continuaram a abusar da legislação contra o extremismo e o terrorismo para perseguir minorias religiosas. A polícia realizou operações em casas e abriu novos casos criminais contra as Testemunhas de Jeová (TJs), banidas como “extremistas” na Rússia desde 2017. Em 2023, pelo menos 38 TJs foram condenados a até 7 anos de prisão e 68 outros receberam várias penas não envolvendo prisão. Desde a proibição de 2017, mais de 410 TJs passaram tempo atrás das grades, aguardando julgamento ou cumprindo pena de prisão.

Em 2023, tribunais russos continuaram a emitir longas penas de prisão contra pessoas por acusações politicamente motivadas de associação com o Hizb ut-Tahrir (HuT), que foi proibido como organização terrorista na Rússia em 2003. De acordo com Memorial, até outubro de 2023, pelo menos 335 pessoas estavam sendo processadas por suposta afiliação ao HuT na Rússia e na Crimeia ocupada, 115 das quais foram condenadas a mais de 15 anos de prisão.

Várias pessoas também foram condenadas, indiciadas ou detidas por sua suposta afiliação ao Nurdzhular, um grupo de seguidores do falecido teólogo turco Said Nursi, que a Rússia proibiu como extremista em 2008, embora não tenha histórico de incitação ou violência.

As autoridades russas também continuaram a expandir a legislação contra o extremismo. Sob uma lei de junho, a posse ou distribuição de material que se enquadre na definição legal ampla e vaga de “extremista” pode desencadear punição administrativa, que pode então levar à responsabilidade criminal por uma ofensa repetida; anteriormente, a responsabilidade era desencadeada pela posse ou disseminação de materiais se estivessem na lista de “materiais extremistas” das autoridades.

Mudanças Climáticas, Meio Ambiente e Direitos Humanos

Grupos de monitoramento continuaram a relatar ataques físicos, perseguições e processos contra ativistas e grupos ambientais.

Entre abril e julho, as autoridades baniram cinco grupos ambientais, incluindo o Greenpeace e o World Wildlife Fund, como “indesejáveis”.

Incêndios florestais massivos voltaram a ocorrer em diferentes partes da Rússia, mas os recursos alocados pelas autoridades russas para gerenciá-los supostamente foram insuficientes. E as autoridades locais supostamente tentaram subnotificar a extensão dos incêndios florestais.

Em setembro, foi apresentada ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) a primeira “ação climática” contra o governo russo, exigindo uma drástica redução das emissões de gases de efeito estufa da Rússia.

Migrantes, Apátridas e Xenofobia

A polícia russa continuou a traçar perfis raciais de migrantes não eslavos e minorias étnicas, submetendo-os a verificações de identidade e detenções sem fundamento, muitas vezes prolongadas, em condições desumanas. Alguns foram fisicamente agredidos.

Em julho, a polícia invadiu mesquitas na região de Moscou sob o pretexto de controlar a imigração, interrompendo o culto e agredindo fisicamente e insultando verbalmente os fiéis.

Em alguns casos, durante as operações, a polícia procurou cidadãos russos com dupla nacionalidade entre os migrantes da Ásia Central e entregou-os à força em escritórios de recrutamento. Em agosto, as autoridades da região de Kaluga supostamente recusaram-se a aceitar pedidos de naturalização de trabalhadores migrantes a menos que assinassem contratos de serviço militar.

Desde o outono de 2022, as autoridades russas vêm recrutando ativamente migrantes da Ásia Central para assinar contratos militares, inclusive atraindo-os com o cancelamento de ordens de deportação e processos de naturalização simplificados ou usando coerção

 e engano. Em vários casos, as autoridades emitiram notificações de recrutamento para cidadãos da Ásia Central que não possuem passaportes russos e não podem ser recrutados.

Em janeiro, um alto funcionário declarou que as autoridades deveriam dar prioridade ao envio de cidadãos com dupla nacionalidade de países da Ásia Central para lutar na Ucrânia. Mais tarde, também propôs retirar a cidadania russa dos cidadãos naturalizados se eles se recusassem a lutar na Ucrânia. Em agosto, o chefe do Conselho Presidencial Russo de Direitos Humanos propôs sincronizar o procedimento de naturalização com o registro nos escritórios de recrutamento militar.

No momento da redação deste capítulo, o parlamento analisava um projeto de lei cuja versão oficial está disponível em um site do governo russo, que em alguns países fora da Rússia pode ser acessado apenas com certos tipos de VPNs – que permitiria retirar a nacionalidade russa de cidadãos naturalizados por evasão do recrutamento militar, mesmo que isso os torne apátridas.

Especialistas relataram um aumento nos ataques racistas xenófobos por neonazistas no país e observaram um aumento na retórica xenófoba anti-imigração no parlamento, na imprensa e na sociedade em geral.

No final de outubro, ocorreram pelo menos quatro incidentes antissemitas no Norte do Cáucaso, incluindo um ataque de uma multidão a um aeroporto em busca de passageiros israelenses. A polícia deteve 201 pessoas por participarem nos tumultos no aeroporto e abriu um processo criminal. No entanto, eles não reconheceram nenhum dos incidentes como antissemita.

Orientação Sexual e Identidade de Gênero

As autoridades russas intensificaram a repressão a pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT).

Em novembro, o Supremo Tribunal russo, em uma audiência fechada, considerou o movimento LGBT internacional uma organização extremista e o proibiu após um processo judicial movido pelo Ministério da Justiça. O Ministério acusou o “movimento LGBT” de incitar a discórdia social e religiosa.

Uma lei de julho proibiu cirurgias de afirmação de gênero e assistência de saúde para pessoas trans, dissolveu casamentos de pessoas trans, proibiu a alteração de registros de gênero em documentos oficiais, proibiu pessoas trans de adotarem ou assumirem a tutela de crianças e permitiu intervenções médicas coercivas em crianças intersexuais.

O regulador de imprensa e comunicações russo, Roskomnadzor, processou serviços de streaming por filmes com cenas de pessoas LGBT e ordenou o bloqueio de sites com qualquer conteúdo LGBT. Em fevereiro de 2023, o Roskomnadzor desenvolveu regulamentos que definem critérios para identificar “propaganda gay”.

As autoridades usaram designações de “agente estrangeiro” contra várias organizações LGBT, incluindo o Centro T, focado nos direitos e bem-estar de pessoas trans. Também bloquearam extrajudicialmente os sites de grupos de direitos LGBT, incluindo o Centro T e o Delo LGBT+.

Em junho de 2023, o ministro da saúde da Rússia afirmou que o presidente Putin instruiu o ministério a estabelecer um novo instituto de psiquiatria para estudar o comportamento das pessoas LGBT. Defensores dos direitos humanos estão preocupados que isto possa levar à introdução oficial da terapia de conversão.

Censura, Vigilância e Privacidade Online

As autoridades russas continuaram a bloquear arbitrariamente websites sem ordens judiciais e ampliaram ainda mais a lista de órgãos estatais encarregados de fazê-lo. O conteúdo bloqueado incluía meios de comunicação independentes, grupos de direitos humanos, milhares de websites que criticavam a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia e conteúdo sobre pessoas LGBT e cuidados de afirmação de gênero.

As autoridades também continuaram a reforçar o controle sobre a infraestrutura da Internet. Uma lei de julho exige que as entidades que prestam serviços de hospedagem na Internet se inscrevam em um registro estatal. Em setembro, entrou em vigor outra lei que exige que os pontos de troca de Internet e operadoras de telecomunicações instalem tecnologia de inspeção profunda de pacotes (DPI, na sigla em inglês) em suas redes, permitindo ao Estado filtrar e redirecionar diretamente o tráfego da Internet.

Em abril, autoridades de Moscou reconheceram o uso de videovigilância com tecnologia de reconhecimento facial para deter supostos evasores do recrutamento militar. As autoridades expandiram ainda mais o uso da tecnologia de reconhecimento facial, inclusive em pontos de passagem de fronteira e escolas.

Em dezembro de 2022, um vazamento de dados pessoais confirmou que o governo da cidade de Moscou fracassou em proteger dados pessoais sensíveis de milhões de crianças e pais. Em fevereiro, uma nova lei ampliou a coleta obrigatória e vitalícia de dados de DNA para milhões de pessoas suspeitas de qualquer crime ou condenadas por determinados delitos. Em setembro, entrou em vigor uma lei que permite ao serviço de segurança russo o acesso em tempo real aos dados das viagens de táxi.

Principais Atores Internacionais (ver também capítulo sobre a Ucrânia)

Em setembro, Mariana Katzarova, a primeira relatora especial das Nações Unidas para os direitos humanos na Rússia, apresentou seu primeiro relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, descrevendo a deterioração significativa dos direitos humanos na Rússia desde a invasão em grande escala da Ucrânia em 2022. Em outubro, o Conselho de Direitos Humanos da ONU votou pela prorrogação do seu mandato por um ano.

Ao longo do ano, instituições da ONU emitiram numerosas declarações sobre a situação dos direitos humanos na Rússia. O alto comissário da ONU para os direitos humanos expressou séria preocupação com a última sentença de Navalny, condenou a sentença de Kara-Murza em abril, expressou profunda preocupação com as legislações sobre “agentes estrangeiros” e anti-direitos LGBT, e o fechamento forçado de grupos de direitos humanos e de imprensa independente.

Da mesma forma, procedimentos especiais da ONU, individual ou em conjunto, instaram pela libertação imediata de Kara-Murza e Gershkovich; instaram a Rússia a investigar o ataque contra Milashina e Nemov, a retirar as acusações criminais contra Orlov; expressaram preocupação com a grave deterioração da saúde de Navalny e levantaram preocupações sobre três apoiadores de Navalny presos; e expressaram preocupações com o recrutamento de presos pela Wagner e “com a escalada da repressão contra a sociedade civil”.

Dois órgãos de tratados de direitos humanos da ONU emitiram observações finais sobre a Rússia. Em abril, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial expressou profunda preocupação com a definição pouco clara de “atividade extremista” na lei russa e instou a Rússia a combater discursos de ódio racista, ódio racial e discriminação. Em novembro de 2022, o Comitê de Direitos Humanos da ONU expressou profunda preocupação com as violações de direitos nos territórios ucranianos ocupados pela Rússia e sobre uma ampla gama de outras questões de direitos humanos, muitas das quais foram explicitadas anteriormente neste capítulo.

Em fevereiro, a União Europeia impôs novas sanções ao grupo mercenário patrocinado pelo Kremlin, Wagner, por graves violações de direitos humanos na República Centro-Africana e no Sudão, juntamente com sanções a mercenários do Wagner sob os regimes de sanções da UE no Mali e na Ucrânia. Em setembro, a UE condenou as “eleições” da Rússia em territórios ocupados da Ucrânia como uma “violação do direito internacional”.

Ao longo de 2023, a UE emitiu inúmeras declarações condenando as violações de direitos humanos na Rússia, incluindo as condenações de Navalny e Kara-Murza. Em julho, a UE instou a Rússia a retirar as acusações criminais de “descreditação” contra Orlov. Em junho e julho, o Conselho da UE anunciou sanções de direitos humanos contra indivíduos e entidades pela condenação de Kara-Murza e pela detenção de Navalny e outras violações de direitos humanos.

A UE emitiu várias declarações expressando solidariedade com a sociedade civil independente da Rússia e com aqueles que foram perseguidos por criticar a guerra da Rússia na Ucrânia. O Parlamento Europeu também adotou várias resoluções condenando o histórico de direitos humanos da Rússia.

Em fevereiro, ao delinear as prioridades da UE em fóruns de direitos humanos da ONU, o Conselho da UE condenou as violações do direito internacional dos direitos humanos e do direito internacional humanitário decorrentes da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia.

Em setembro, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) proferiu uma decisão no caso de Maxim Lapunov, a única vítima da perseguição “antigay” na Chechênia em 2017 que ousou buscar justiça apesar do grande risco pessoal. O tribunal constatou que Lapunov foi “detido e submetido a maus-tratos por agentes do Estado”, o que “constituiu tortura” e foi perpetrado “unicamente em razão de sua orientação sexual”.

Em julho, o TEDH decidiu a favor de um cidadão russo em um caso sobre o uso pela polícia da tecnologia de reconhecimento facial para processar manifestantes pacíficos. O tribunal concluiu que o uso de dados pessoais — incluindo tecnologia de reconhecimento facial — para identificar e posteriormente prender um manifestante constituiu uma interferência injustificada em sua vida privada. Também expressou “fortes dúvidas” sobre as disposições da lei russa de fato fornecem uma base legal apropriada para o processamento de dados biométricos.

Em outubro, a Rússia não conseguiu ser eleita para o Conselho de Direitos Humanos da ONU durante a eleição na Assembleia Geral. A Assembleia Geral havia suspendido a adesão de Moscou ao conselho em 2022 devido à sua invasão em grande escala da Ucrânia e aos relatados de atrocidades e histórico de direitos humanos em seu próprio país.