O governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Congresso dos EUA deram passos favoráveis em relação aos direitos humanos ao defenderem os direitos das mulheres e de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI+) – os quais haviam sido enfraquecidos no governo anterior –, comprometerem-se com a igualdade racial e tomaram medidas concretas para enfrentar a pandemia de Covid-19 e seus graves impactos econômicos.
No entanto, os Estados Unidos seguem não cumprindo seus compromissos com os direitos humanos, principalmente no âmbito da justiça racial, o que se reflete no fracasso do país em acabar com o racismo sistêmico vinculado aos legados da escravidão; estruturas abusivas de encarceramento, imigração e controle social que afetam muitas minorias raciais e étnicas; e a desigualdade de renda entre negros e brancos que persiste, juntamente com um leve aumento geral na desigualdade econômica.
Justiça racial
As comunidades negras, latinas e indígenas têm sido prejudicadas de maneira desproporcional pelos impactos da Covid-19, o que aprofundou as injustiças raciais existentes na saúde, moradia, trabalho, educação e acúmulo de riqueza. Embora a pobreza tenha tido uma redução geral devido aos auxílios emergenciais e ao auxílio-desemprego, a desigualdade entre negros e brancos persiste com a mesma proporção de 1968.
Em todo o país, autoridades estaduais e locais lançaram esforços de reparação visando combater os danos evidentes das disparidades raciais contemporâneas relacionados aos legados da escravidão. Em abril, o Comitê Judiciário da Câmara dos EUA votou o projeto de lei H.R. 40 que visa criar a Comissão para Estudar e Desenvolver Propostas de Reparação para Afro-Americanos. O projeto foi enviado para análise por toda a Câmara pela primeira vez nos 32 anos da sua história.
Em maio, a Human Rights Watch testemunhou, ao lado de sobreviventes e descendentes de sobreviventes do massacre racial de Tulsa em 1921, o fracasso das autoridades municipais e estaduais em Tulsa, Oklahoma, em fornecer reparações abrangentes antes do centenário do massacre racial. Após o centenário do massacre em junho, a Câmara Municipal de Tulsa aprovou um pedido de perdão, mas não abordou a responsabilidade – já documentada – da cidade no massacre nem em propôs reparações completas e efetivas.
Casos de crimes de ódio contra pessoas negras e de descendência asiática aumentaram significativamente em 2021 em comparação aos níveis de 2019.
Pobreza e desigualdade
A desigualdade econômica continua alta e sofreu um leve aumento nos Estados Unidos com as disparidades de riqueza aumentando mais rapidamente do que a desigualdade de renda. A riqueza total combinada dos bilionários dos EUA aumentou de US$ 2,9 trilhões em março de 2020 para US$ 4,7 trilhões em julho de 2021. Segundo fontes do governo dos EUA, a pobreza caiu e os indicadores de pobreza mostraram melhora desde dezembro de 2020, condições impulsionadas principalmente pelos auxílios governamentais.
O Plano de Resgate Americano (em inglês, American Rescue Plan), promulgado em 11 de março, que foi construído com base nos pagamentos diretos da administração do ex-presidente Donald Trump, incluiu pagamentos de US$ 1.400 para a maioria dos adultos nos Estados Unidos, juntamente com outras assistências a famílias em dificuldades. A falta de comida em lares com crianças também foi reduzida depois que o governo federal começou a pagar mensalmente o crédito fiscal infantil em 15 de julho, junto com um aprimoramento da assistência alimentar. Moratórias federais e estaduais que impedem despejos durante a pandemia protegeram milhões de inquilinos.
Ainda assim, os dados do Departamento do Censo dos EUA mostram que em setembro de 2021 cerca de 19 milhões de adultos viviam em lares com comida insuficiente, 11,9 milhões de adultos estavam com o aluguel atrasado e parte do progresso do final de março estagnou com a redução das medidas de emergência em negociações legislativas. Os impactos da pandemia e suas consequências econômicas foram generalizadas, mas predominam particularmente entre adultos negros, latinos e outras minorias étnicas e raciais.
Sistema de justiça penal
Os Estados Unidos continuam registrando as taxas de encarceramento mais altas do mundo, com quase 2 milhões de pessoas detidas em cadeias e presídios estaduais e federais, além de outras milhões de pessoas em liberdade condicional. Apesar de algumas reduções nas taxas de encarceramento de pessoas negras, o grupo permanece sendo majoritário no sistema penitenciário. Seguindo uma tendência iniciada em 2009, a população carcerária tem diminuído progressivamente, mas sem desmontar significativamente o sistema de encarceramento em massa.
Muitas prisões falharam na contenção da disseminação de Covid-19. Um terço de todas as pessoas encarceradas nos Estados Unidos contraíram o vírus e mais de 2.700 morreram por sua causa. Muitas jurisdições reduziram o encarceramento em resposta à pandemia, mas a população prisional começou a retornar aos seus números pré-pandêmicos em 2021, mesmo com o aumento de casos da variante Delta.
Apesar dos pedidos generalizados por uma reforma sistêmica durante o verão de 2020, especialmente pela redução do policiamento excessivo e pela resposta aos problemas sociais com investimento em serviços de apoio, poucas jurisdições promulgaram medidas significativas. Algumas localidades têm feito esforços para enviar profissionais de saúde mental em vez de policiais em circunstâncias apropriadas; alguns financiaram “interruptores de violência” não-policiais. No entanto, os orçamentos gerais da polícia não foram reduzidos. O Congresso não aprovou nem mesmo as reformas mais leves da proposta de Lei Federal “Justice in Policing” (Justiça no Policiamento, na tradução literal).
A maioria dos departamentos de polícia dos Estados Unidos se recusa a apresentar dados sobre o uso de força, tornando necessária a coleta e análise de dados não governamentais. Até 3 de novembro, a polícia havia matado mais de 900 pessoas em 2021, números similares aos dos anos anteriores. Em uma base per capita, a polícia mata negros três vezes mais do que mata brancos.
Crianças nos sistemas de justiça penal e juvenil
Apesar do declínio do número de jovens encarcerados, as disparidades raciais e étnicas continuam. O Sentencing Project relata que a probabilidade de encarceramento entre jovens negros é quatro vezes maior; entre jovens latinos, 1,3 vezes maior; e entre jovens indígenas é mais de três vezes maior do que para jovens brancos.
Quase dois em cada três jovens enviados para instituições de medidas socioeducativas foram colocados em instituições com mais restritivas.
Progressos lentos têm ocorrido para pôr fim às sentenças de prisão perpétua sem liberdade condicional para crianças. De acordo com a Campaign for the Fair Sentencing of Youth (Campanha para o Julgamento Justo de Jovens, na tradução literal), 30 estados não possui menores de 18 anos cumprindo pena ou proibiram a sentença.
Política de drogas
As mortes por overdose de drogas atingiram o maior número já registrado durante a pandemia de Covid-19. De acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), mais de 93.000 pessoas morreram por overdose de drogas em 2020 – um aumento de 30% em comparação a 2019.
As mortes por overdose fazem parte de um aumento na mortalidade associada ao desemprego, intoxicação alcoólica e suicídio, circunstâncias relacionadas à insegurança econômica e desafios de saúde mental. Um estudo em Rhode Island constatou um aumento nas mortes por overdose entre pessoas que perderam o emprego e em subgrupos com diagnósticos de saúde mental durante a pandemia de Covid-19 em 2020, em comparação a 2019.
Leis de drogas nos Estados Unidos que priorizam a criminalização não apresentam respostas adequadas às causas fundamentais das overdoses e tiveram impactos devastadores nas comunidades negras e pardas. O foco constante dessas leis na criminalização segue sendo um obstáculo aos serviços de redução de danos que salvam vidas em muitos estados, e ainda existem falhas no tratamento baseado em evidências, acessível e barato para transtornos por uso de substâncias.
Direitos dos não cidadãos
Apesar das promessas feitas durante a campanha presidencial, o governo Biden manteve as políticas da era Trump que negam o acesso ao asilo nas fronteiras dos Estados Unidos. No momento em que este relatório foi elaborado, o governo havia realizado 753.038 expulsões sob o Título 42, uma política ilegal para expulsar migrantes que chegam às fronteiras terrestres com base em falsos pretextos de saúde pública.
As expulsões sob o Título 42 afetam de forma discriminatória migrantes que chegam pelas fronteiras terrestres, que em sua maioria negros, indígenas e latinos particularmente vindos da América Central, África e Haiti. Enquanto milhares de outros viajantes conseguem cruzar a fronteira sem qualquer exame de saúde. As expulsões sob o Título 42 colocam os migrantes em perigo, com milhares sofrendo sequestros, estupros, agressões, extorsões e outros abusos após serem expulsos sem nenhuma assistência para o México. Em setembro, o governo mostrou total desrespeito ao direito de solicitação de asilo quando agentes da imigração a cavalo usaram longas rédeas como chicotes para controlar e deter um grupo de cerca de 15.000 imigrantes, em sua maioria negros haitianos, em Del Rio, Texas.
Ao longo de 2021, o governo Biden enviou uma série de voos de expulsão para o Haiti, expondo aproximadamente 10 mil migrantes à condições que o governo dos Estados Unidos atualmente reconhece como muito perigosas para o retorno seguro de haitianos já presentes nos Estados Unidos.
Em outubro, a Human Rights Watch publicou um relatório sobre documentos do Departamento de Segurança Interna dos EUA que catalogam mais de 160 relatórios internos sobre abusos e violações dos processos legais cometidos por oficiais de fronteira do país contra requerentes de asilo.
Antes que um tribunal federal bloqueasse o encerramento dos Protocolos de Proteção à Migração da era Trump pela administração Biden – conhecidos como “Remain in Mexico”, ou “Fique no México” em português –, cerca de 13 mil das 70 mil pessoas que retornaram ao México foram autorizadas a entrar nos Estados Unidos para fazer seus pedidos de asilo. A pressão diplomática do governo sobre o México, Guatemala, El Salvador e Honduras para interromper os fluxos de migrantes resultou em graves abusos contra os migrantes devido às políticas dos EUA, mesmo estando longe das fronteiras dos EUA.
Depois que os níveis de detenção atingiram quedas históricas devido às liberações provocadas pela pandemia de Covid-19, a administração Biden aumentou drasticamente o número de pessoas detidas por motivos relacionados a imigração e também expandiu o monitoramento eletrônico, facilitando a vigilância invasiva.
De acordo com dados atuais até agosto de 2021, os Estados Unidos concluíram mais de 18 mil casos de solicitação de asilo no ano fiscal de 2021 (que terminou em 30 de setembro), dos quais 63% tiveram asilo negado, 36% receberam asilo e 1% obteve algum status legal diferente. Apesar da decisão do governo de aumentar o limite para 62.500, apenas 11.445 refugiados foram admitidos nos EUA durante o ano fiscal de 2021.
Saúde e direitos humanos
O governo dos EUA não conseguiu conter a propagação do Coronavírus que causa a Covid-19 e, em setembro de 2021, a pandemia se tornou a doença infecciosa mais letal da história do país, totalizando 676.000 mortes, 94% das quais eram de pessoas com idade superior a 50 e incluindo pelo menos 3.600 profissionais da saúde, sendo que a maioria era composta por minorias. O racismo estrutural acarretou experiências pessoais diferentes na pandemia: negros e pardos estiveram mais propensos a desenvolver doenças graves e morrer de Covid-19, além de enfrentarem maiores obstáculos a vacinação. Em abril, os Centros de Controle de Doenças (CDC na sigla em inglês) reconheceram o racismo como uma séria ameaça à saúde pública.
Algumas escolas permaneceram fechadas por um ano letivo inteiro ou mais, impactando quase 78 milhões de estudantes. Estudantes de minorias raciais sofreram impactos particularmente desfavoráveis, pois tendem a frequentar escolas com menos recursos e têm acesso mais limitado à internet para o ensino à distância. Enquanto isso, os preços não regulamentados dos medicamentos nos Estados Unidos contribuíram para uma crise na acessibilidade à remédios essenciais. E apesar das decisões judiciais positivas, as comunidades indígenas nos Estados Unidos continuam enfrentando barreiras significativas no acesso a serviços de saúde adequados.
Direito a voto
O país enfrentou acusações infundadas de fraude eleitoral, repressão recorrente, privação de direitos eleitorais de minorias raciais e esforços para enfraquecer os procedimentos eleitorais estabelecidos para garantir que todos os elegíveis possam votar facilmente nas eleições nos Estados Unidos. Após a não aprovação de uma legislação abrangente sobre direito de voto pelo Senado dos EUA em junho, um projeto de lei conciliatório, o Freedom to Vote Act (Lei da Liberdade de Votar, na tradução literal), foi apresentado em setembro. Também tramita a John Lewis Voting Rights Advancement Act (Lei do Avanço dos Direitos de Voto John Lewis, na tradução literal), destinada a restaurar e atualizar a histórica Lei dos Direitos de Voto de 1965.
Política sobre mudanlas climáticas e seus impactos
Historicamente, os Estados Unidos são de longe o país que mais contribuiu para a crise climática que está afetando cada vez mais os direitos humanos em todo o mundo, além de permanecer entre os maiores emissores do mundo.
O presidente Biden anunciou que priorizaria a resposta à mudança climática e voltou a aderir ao Acordo de Paris em seu primeiro dia de mandato. No entanto, a meta de redução de emissões de gases do efeito estufa pelos Estados Unidos em seu plano climático nacional não é suficiente para cumprir a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, segundo o Climate Action Tracker. Se os compromissos de todos os países mantivessem o mesmo padrão, o aquecimento atingiria quase 2°C, ameaçando causar danos catastróficos aos direitos humanos. Além disso, embora o governo Biden tenha tomado medidas significativas para a redução das emissões, os Estados Unidos não estão no caminho para atingir sua meta.
Ondas de calor, furacões e outros eventos climáticos extremos associados ao clima afetam desproporcionalmente as populações em situação de vulnerabilidade nos Estados Unidos. As autoridades não protegeram adequadamente as populações sob risco – incluindo grávidas, pessoas com deficiência e idosos – de tais impactos.
Saúde e direitos das mulheres e meninas
A falta de acesso a seguro de saúde e devidos cuidados contribuiu para maiores taxas de mortalidade por câncer materno e cervical do que em outros países comparáveis, sendo que foram constatadas taxas mais altas entre mulheres negras. O presidente Biden emitiu um memorando presidencial sobre a proteção da saúde das mulheres em 28 de janeiro, dissolvendo as ações do governo Trump que criavam dificuldades para as mulheres falarem livremente com médicos, acessar serviços de saúde e obter informações sobre saúde.
Em 8 de março, Biden emitiu uma ordem executiva constituindo o Conselho de Política de Gênero da Casa Branca com a tarefa de aumentar o acesso a cuidados de saúde, abordando disparidades de saúde e promovendo saúde e direitos sexuais e reprodutivos, entre outros objetivos. Em 22 de outubro de 2021, publicou uma estratégia nacional sobre equidade e igualdade de gênero.
Os estados continuam a aprovar restrições ao aborto. As leis prejudiciais na maioria dos estados dos EUA forçam as jovens com menos de 18 anos a envolver um dos pais em sua decisão sobre o aborto ou ir ao tribunal para obter uma autorização judicial. Essas leis podem atrasar ou impedir o acesso aos cuidados.
Em setembro, uma nova lei no Texas proibiu na prática quase todos os abortos após seis semanas de gravidez, tempo inferior ao qual a maioria das pessoas sabem que estão grávidas, sem exceção para estupro ou incesto. Até o momento da elaboração deste relatório a lei permanecia em vigor após a Suprema Corte se recusar a negar um pedido de emergência; uma segunda contestação seguia pendente na corte.
No momento da redação, a Suprema Corte estava programada para ouvir os argumentos orais no processo Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, um caso sobre uma restrição ao aborto no Mississippi que poderia ter implicações significativas para os direitos ao aborto nos Estados Unidos. A decisão é prevista para 2022.
Como o acesso ao aborto em alguns estados se tornou mais restrito, a Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês) emitiu em abril uma permissão para que a mifepristona, um medicamento usado em abortos medicamentosos, fosse prescrito e administrado pelo correio durante a pandemia.
Direitos das pessoas com deficiência
A violência policial contra negros e latinos com deficiência (especialmente pessoas com transtornos psicológicos, mas não exclusivamente) continuou em 2021, em parte devido à falta de serviços de apoio comunitário para crises de saúde mental. Illinois e Califórnia aprovaram legislações para lidar com a preocupação crescente.
Direitos das pessoas idosas
Até setembro, aproximadamente um terço das mortes por Covid-19 ocorreram em instituições de longa permanência para idosos. Também houve sérias preocupações com o abuso e a negligência em lares para idosos durante a pandemia. A falta de funcionários, um problema de longa data, e os limites de visitas familiares, que muitas vezes ajudavam os funcionários, podem ter contribuído para a negligência e o declínio. Em junho, os Centros de Serviços Medicare e Medicaid desfizeram uma regra do governo Trump que restringia multas monetárias para certas violações em lares para idosos. O Congresso deliberou projetos de lei para aumentar a prestação de contas de lares para idosos, tratar do abuso de idosos, expandir os serviços domiciliares e comunitários e melhorar os salários e benefícios dos trabalhadores de assistência direta.
Orientação sexual e identidade de gênero
O governo Biden deu passos rápidos para restaurar os direitos limitados pelo governo Trump, instruindo as agências federais a combater a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero.
O governo também emitiu um memorando para promover os direitos humanos das pessoas LGBTI+ na política externa dos EUA e reverteu a proibição militar discriminatória para transgêneros.
Os parlamentares nos estados dos EUA apresentaram mais de 110 projetos de lei que têm como alvo as pessoas transgênero, particularmente crianças transgênero, ameaçando sua saúde e seus direitos. Alabama, Arkansas, Flórida, Mississippi, Montana, Tennessee, Texas e Virgínia Ocidental promulgaram leis que proíbem crianças transgênero de participarem de esportes correspondentes com sua identidade de gênero. Arkansas e Tennessee promulgaram leis que impedem crianças e adolescentes de obter assistência médica de confirmação de gênero.
O Senado não aprovou a Lei de Igualdade, que proibiria expressamente a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero sob várias leis federais de direitos civis.
Segurança nacional
Em 6 de janeiro, manifestantes armados encorajados pelo então presidente Trump invadiram o capitólio dos Estados Unidos na tentativa de interromper a validação da contagem de votos da eleição presidencial. Cinco pessoas morreram e mais de 600 pessoas foram responsabilizadas pelo ataque. Os manifestantes incluíam supremacistas brancos e membros de milícias antigovernamentais e demonstraram que a extrema direita continua sendo uma grande ameaça à segurança interna.
O governo Biden anunciou que revisaria as estruturas jurídicas e políticas que regulam ataques letais a suspeitos de terrorismo no exterior, mas essa revisão não foi tornada pública. Em 29 de agosto, dois dias após o atentado suicida no aeroporto de Cabul reivindicado pelo Estado Islâmico da Província de Khorasan (ISIS-K ou ISKP, na sigla em inglês), que matou pelo menos 170 afegãos e 13 militares dos EUA, os EUA lançaram um ataque de drones a um carro supostamente cheio de explosivos a caminho do aeroporto. Em 17 de setembro, o Departamento de Defesa admitiu que o ataque foi um “erro trágico”, matando 10 civis, incluindo sete crianças. Após uma investigação, os Estados Unidos concluíram que não houve “negligência criminosa entre militares” envolvidos na operação. Os EUA anunciaram que forneceriam “pagamentos de condolências ex gratia” às famílias das vítimas.
O presidente Biden prometeu acabar com a prisão da Baía de Guantánamo, mas os EUA libertaram apenas um detido em 2021. Trinta e nove homens permanecem detidos até o momento: 10 estavam sendo processados por uma comissão militar e dois cumpriam penas. Embora algumas audiências pré-julgamento nas ineficientes comissões militares de Guantánamo tenham sido retomadas em setembro após longos atrasos, nenhum julgamento é esperado até 2022, incluindo dos cinco supostos conspiradores do 11 de setembro.
Política externa
Ao assumir o cargo, o governo Biden anunciou estar comprometido com uma política externa “centrada na defesa da democracia e na proteção dos direitos humanos”, bem como com a ampliação de cooperações multilaterais. Os Estados Unidos foram reeleitos para o Conselho de Direitos Humanos da ONU e voltaram a integrar a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Acordo de Paris.
Em abril de 2021, o presidente Biden suspendeu as sanções contra altos funcionários do Tribunal Penal Internacional (TPI), mas se opôs às investigações do TPI que poderiam analisar a conduta de cidadãos estadunidenses e israelenses. Os Estados Unidos sediaram uma Cúpula pela Democracia com o objetivo de incentivar os compromissos dos países convidados com os direitos humanos, a anticorrupção e o antiautoritaríssimo.
O governo Biden revogou a Política de Proteção à Vida na Saúde Global, também conhecida como “Lei da Mordaça Global”, que prejudicava a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos em todo o mundo. Também se comprometeu a restaurar a cautela com a saúde e os direitos reprodutivos em seu relatório global anual de direitos humanos.
Um enviado especial dos EUA para o avanço dos direitos humanos de pessoas LGBTQI + foi nomeado, um cargo vago desde 2017. O secretário de Estado, Antony Blinken, rejeitou as conclusões da Comissão sobre Direitos Inalienáveis do Departamento de Estado – uma iniciativa da administração de Trump que defende uma abordagem hierárquica dos direitos humanos — notando que os direitos humanos são “interdependentes” e não podem ser ranqueados.
Embora o governo Biden tenha adotado a determinação do governo Trump de genocídio e crimes contra a humanidade pelo governo da China por seu tratamento aos uigures, não anunciou nenhuma determinação legal em relação aos abusos militares contra os rohingya em Mianmar ou aos abusos cometidos na região de Tigray, na Etiópia. Os Estados Unidos instaram o Conselho de Segurança da ONU a discutir as crises humanitárias e de direitos em Mianmar e no Tigray, mas, quando este relatório foi escrito, não haviam pedido ao conselho que impusesse um embargo de armas ou sanções individuais da ONU aos responsáveis pelos abusos.
Os Estados Unidos aplicaram sanções a uma série de violações de direitos humanos. Em resposta ao uso de trabalho forçado pela China e outros abusos contra uigures em Xinjiang, o governo Biden emitiu um aviso informando que as empresas dos EUA que conduzem negócios na região correm um “alto risco de violar a lei dos EUA”. O governo impôs sanções às autoridades e empresas chinesas e de Hong Kong por causa da repressão à democracia em Hong Kong. Em Mianmar, o governo impôs sanções à junta após o golpe de fevereiro. Os Estados Unidos tomaram medidas semelhantes contra Belarus, Cuba e Nicarágua em resposta à governança cada vez mais autoritária e às violações de direitos. O presidente Biden também emitiu uma ordem executiva permitindo sanções dos EUA contra indivíduos que cometeram abusos no conflito da Etiópia e retirou benefícios comerciais da Etiópia sob a Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (AGOA, na sigla em inglês) devido às violações dos direitos humanos.
O governo Biden não impôs sanções ao príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, após a divulgação de um relatório da inteligência dos EUA que concluiu que ele aprovou o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi em 2018.
Em julho, o presidente Biden lançou uma estratégia para responder às principais causas da migração na América Central, incluindo a promoção do respeito aos direitos humanos. O impacto dessa estratégia foi limitado.
O presidente Biden anunciou a retirada total das tropas dos EUA do Afeganistão, sem garantir que os afegãos aceitos no programa Visto de Imigração Especial (SIV, na sigla em inglês) e outros em risco seriam evacuados e reassentados. Em 15 de agosto, o Talibã realizou uma rápida tomada de controle do Afeganistão e do governo apoiado pelos EUA, criando condições caóticas e perigosas para os afegãos que temem alguma retaliação pelo Talibã. Os EUA evacuaram mais de 60 mil afegãos, muitos dos quais trabalharam diretamente com o governo dos EUA ou organizações americanas, além de milhares de defensores dos direitos humanos e jornalistas, enquanto outros deixados para trás continuam em risco. O status legal no exterior de muitos outros afegãos evacuados permanece obscuro. Os EUA também evacuaram milhares de afegãos que trabalharam para forças apoiadas pela CIA, incluindo alguns acusados de execuções sumárias e outros abusos.
O governo Biden realizou vendas de armas e forneceu assistência de segurança para países com histórico desfavorável de direitos humanos. Embora os Estados Unidos tenham prometido acabar com as vendas de armas para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos devido ao seu envolvimento na guerra no Iêmen, eles realizaram acordos de venda de armamento com os dois governos. O governo Biden autorizou mais de US$ 2,5 bilhões em vendas de armas para as Filipinas e solicitou US$ 1,3 bilhão em assistência de segurança ao Egito, apesar da deterioração dos direitos humanos em ambos os países. O presidente Biden contornou a legislação do Congresso que exige que os US$ 300 milhões voltados à assistência de segurança dos EUA ao Egito sejam condicionados aos direitos humanos, retendo apenas US$ 130 milhões, apesar dos abusos em curso.
Os Estados Unidos financiaram mais de US$ 735 milhões em vendas de armas para Israel ao longo do compromisso anual de US$ 3,8 bilhões, mesmo quando as forças israelenses usaram armas fabricadas nos EUA em ataques aéreos em maio em Gaza, violando leis de guerra e, aparentemente, equivalendo a crimes de guerra.
O governo Biden declarou sua intenção de retomar o cumprimento do Plano de Ação Conjunto Global de 2015 se o Irã fizer o mesmo. No momento da redação, os EUA e o Irã concordaram em retomar as negociações multilaterais no final de novembro. As amplas sanções dos EUA ao Irã continuam em vigor.