O governo do presidente Daniel Ortega e de sua esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, continua reprimindo todas as formas de dissidência e promovendo o isolamento da Nicarágua.
O governo tem reforçado seu controle sobre o poder, por meio da repressão a críticos – inclusive membros da Igreja Católica – e do desmantelamento do espaço cívico. O Estado nicaraguense também vem promovendo fechamentos em larga escala de meios de comunicação, ONGs e universidades, violando a liberdade de expressão e de associação e restringindo o direito à educação.
Ainda persistem problemas como a proibição total do aborto, ataques às comunidades indígenas e afrodescendentes e impunidade generalizada das violações aos direitos humanos.
Perseguição aos Críticos
Em outubro, 81 pessoas tidas como críticas do governo continuavam encarceradas, conforme relato de um grupo de direitos humanos da Nicarágua. A maioria desses indivíduos foi acusada de “comprometer a integridade nacional” e “propagar notícias falsas”.
Em fevereiro, o governo removeu a nacionalidade de 317 cidadãos, incluindo 222 prisioneiros políticos expulsos, pelo governo, para os EUA, classificando-os como “traidores” e confiscando seus bens. A decisão, que viola o direito internacional dos direitos humanos, deixou muitos apátridas.
As autoridades retiraram do Registro Civil de Pessoas Naturais certidões de nascimento e registros acadêmicos de algumas pessoas expulsas, impedindo o exercício do direito de acesso a informações pessoais. Também apagaram do Instituto Nicaraguense de Seguridade Social dados pessoais vinculados a críticos do governo, privando muitas pessoas de suas pensões. Em maio, a Corte Suprema suspendeu permanentemente as licenças de 25 advogados e tabeliães, determinando que, em razão de serem agora considerados “estrangeiros”, não poderiam mais exercer sua profissão na Nicarágua.
Liberdade Religiosa
Houve uma escalada dos ataques à Igreja Católica, iniciados em 2018.
Em agosto de 2022, policiais detiveram o bispo Rolando Álvarez, um crítico declarado do governo, e o acusaram de “comprometer a integridade nacional” e “propagar notícias falsas”. Em fevereiro, Álvarez recusou-se a ser expulso do país, e um juiz o condenou a 26 anos de prisão. Em junho, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgou que Álvarez estava detido sem comunicação.
Em maio, a polícia anunciou que as autoridades estavam investigando a Igreja Católica por suposta lavagem de dinheiro e que haviam congelado contas bancárias de várias dioceses.
Em agosto, as autoridades cancelaram o registro legal da Universidade Centro-Americana (UCA), instituição administrada por jesuítas, confiscando seus bens e deixando milhares de estudantes no limbo. O fechamento eleva para 28 o número de universidades fechadas desde dezembro de 2021.
Em outubro, o governo libertou e enviou à Roma 12 padres católicos, acatando o que descreveu como um “acordo com o Vaticano”.
As autoridades também proibiram as procissões de Páscoa de 2023 e dissolveram a ordem jesuíta no país, em agosto, confiscando suas propriedades. Ademais, continuaram a expulsar padres e freiras estrangeiros.
Liberdade de Expressão e de Associação
Defensores de direitos humanos, jornalistas e críticos são alvos de ameaças de morte, agressões, intimidações, assédio, vigilância, campanhas de difamação na internet e, conforme discorrido acima, detenções arbitrarias, perseguição e privação da nacionalidade.
Em novembro de 2023, as autoridades já haviam fechado mais de 3.500 ONGs, incluindo organizações de mulheres, religiosas, de ajuda internacional e de cuidados médicos. Isso equivale a cerca de 50%das ONGs que estavam oficialmente em operação na Nicarágua antes de abril de 2018. Os fechamentos acarretaram o corte de serviços essenciais para muitos beneficiários.
Entre 2018 e 2022, o governo fechou pelo menos 57 veículos de imprensa, 30 em 2022 e 2 em 2023, segundo a Plataforma Nicaraguense de Redes de ONGs.
A legislação abusiva viabilizou muitos dos fechamentos. Uma lei de 2020 que regulamenta “agentes estrangeiros” permite, por exemplo, a extinção da situação legal de organizações que obtêm recursos estrangeiros para atividades que “interferem nos assuntos internos da Nicarágua”.
Entre abril e junho, 23 jornalistas deixaram o país, conforme relato de grupos da sociedade civil, elevando para 208 o total de trabalhadores de meios de comunicação que fugiram da Nicarágua desde 2018.
As autoridades impuseram restrições para impedir as operações de diversos meios de comunicação, incluindo censura e bloqueio do acesso a materiais de impressão. A polícia fez operações de busca e apreensão nas sedes dos jornais Confidencial, 100% Noticias e La Prensa.
Em agosto, um tribunal condenou o jornalista Victor Ticay a oito anos de prisão sob a acusação de comprometimento da integridade nacional e disseminação de notícias falsas.
Direitos dos Povos Indígenas
Indígenas e afrodescendentes enfrentam discriminação, reflexo da desproporcionalidade dos índices de pobreza, das invasões ilegais de seus territórios tradicionais e da violência contínua.
Em outubro, o Conselho Supremo Eleitoral extinguiu o reconhecimento legal do partido político indígena Yatama, acusando-o de “comprometer a integridade nacional da Nicarágua”. A polícia havia detido dois dos principais líderes do Yatama, Brooklyn Rivera e Nancy Henríquez, no fim de setembro. No momento da elaboração deste relatório e, com base nas informações de seus familiares, não se sabe qual o paradeiro de Rivera, único representante do Yatama no Congresso.
Entre agosto de 2022 e junho de 2023, o ACNUDH registrou oito ataques violentos aos povos indígenas, especialmente no território Mayangna Sauni As, da Reserva de Biosfera de Bosawás.
Em março, colonos atacaram a comunidade Wilú no território Mayangna Sauni As, matando 5 pessoas, deslocando 28 famílias e incendiando todas as construções.
Os colonos tomaram aproximadamente 21.000 hectares do povo Miskitu e deslocaram à força cerca de 1.000 pessoas, que estariam presumivelmente atendendo a interesses de exploração florestal e mineral. Ameaças de morte obrigaram algumas autoridades indígenas a fugirem para o exílio, e o governo impediu o retorno de outras ao país.
O território autônomo Rama Kriol, que representa dois terços da Reserva Biológica Indio Maiz e abriga o povo indígena Rama e o povo afrodescendente Kriol, também está sob a forte pressão de pecuaristas ilegais.
Impunidade à Repressão de 2018
A polícia, em coordenação com grupos armados pró-governo, reprimiu protestos massivos contra o governo em 2018, deixando pelo menos 328 pessoas mortas, ferindo cerca de 2.000 pessoas e detendo centenas. As autoridades informaram que 21 policiais foram mortos no contexto das manifestações.
Muitos manifestantes foram detidos por meses, submetidos a tortura e outros maus-tratos, incluindo choques elétricos, espancamentos, remoção de unhas, asfixia e estupro. Graves violações do devido processo legal e de outros direitos também marcaram os processos contra os manifestantes.
Nenhum policial foi condenado por esses abusos.
Direitos das Mulheres e Meninas
A Nicarágua proíbe, desde 2006, o aborto em todas as circunstâncias. Quem pratica o aborto enfrenta sentenças de prisão de até dois anos. Já os profissionais médicos enfrentam penas de até seis anos. A proibição obriga mulheres e meninas a levarem adiante uma gravidez indesejada, o que coloca em risco a saúde e a vida da gestante.
As leis restritivas ao aborto, somadas à falta de informação e de educação sexual mais ampla, impõem barreiras à identificação da violência sexual. Em maio de 2019, ONGs apresentaram à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos os casos de ‘Susana’ e ‘Lucía’, duas meninas que sobreviveram à violência sexual e foram forçadas a assumir a maternidade.
As taxas de violência doméstica, violência contra mulheres e feminicídio, que a lei nicaraguense define como “o homicídio de uma mulher na esfera pública ou privada”, aumentaram, de agosto de 2019 a dezembro de 2020, conforme informou o ACNUDH.
O governo não publicou números sobre feminicídios e outras formas de violência contra as mulheres em 2022 e 2023. A ACNUDH documentou 36 feminicídios entre janeiro e junho de 2023, incluindo 4 assassinatos de meninas menores de 16 anos.
Direitos das Pessoas com Deficiência
A discriminação contra pessoas com deficiência na Nicarágua é generalizada. Pessoas com deficiência enfrentam sérios problemas de acesso à educação, instalações de saúde pública e outras instituições. De acordo com as leis nicaraguenses, 2% do quadro de funcionários públicos deveria ser preenchido por pessoas com deficiência, mas a cota não é respeitada e há poucas oportunidades de emprego para as pessoas com deficiência.
Solicitantes de Refúgio e Imigrantes da Nicarágua
Entre abril de 2018 e junho de 2022, mais de 260.000 cidadãos nicaraguenses, o equivalente a cerca de 4% da população estimada, fugiram do país, principalmente para a Costa Rica e os Estados Unidos.
Muitos foram obrigados a abandonar o país em decorrência de perseguição política e falta de oportunidades.
Principais Atores Internacionais
Em abril, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas renovou por dois anos os mandatos do Grupo de Especialistas em Direitos Humanos da ONU sobre a Nicarágua e o mandato destinado à produção do relatório do ACNUDH. O Grupo de Especialistas havia divulgado um relatório em março, por meio do qual encontrou motivos razoáveis para acreditar que autoridades haviam cometido crimes contra a humanidade, incluindo assassinato, prisão, tortura, violência sexual, deportação forçada e perseguição política.
Em março, o Papa Francisco chamou o governo de Ortega de “ditadura grotesca”. O Vaticano fechou sua embaixada na Nicarágua em abril, após o poder público ter sugerido a suspensão das relações diplomáticas.
No mês de setembro, Volker Türk, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, denunciou a existência de uma “deterioração contínua e generalizada dos direitos humanos” e que o governo continua “punindo e prendendo aqueles que expressam seus pontos de vista” e “intensificando o isolamento do país”.
Nenhum órgão internacional de monitoramento foi autorizado a entrar no país desde 2018, quando as autoridades expulsaram o Mecanismo Especial de Monitoramento para a Nicarágua (Meseni, na sigla em espanhol) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (Giei) nomeado pela CIDH e o ACNUDH.
Em julho, a Nicarágua participou da Cúpula da União Europeia com a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac-UE). A Nicarágua foi o único país que não apoiou um parágrafo da declaração final da Cúpula Celac-UE que expressava a preocupação com a guerra na Ucrânia. Ao longo dos últimos anos, a Rússia tem fornecido à Nicarágua equipamentos militares e de infraestrutura de segurança.
Em setembro, o conselho do Fundo Verde para o Clima (GCF, na sigla em inglês) da ONU suspendeu temporariamente o financiamento do projeto ambiental Bio-CLIMA, fazendo referência a “episódios de descumprimento de políticas”. O Bio-CLIMA tinha o objetivo de reduzir o desmatamento e fortalecer a resiliência nas Biosferas de Bosawás e de Río San Juan, mas a ONG nicaraguense Fundación del Río denunciou a inexistência de consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas e afrodescendentes. Espera-se que uma decisão final sobre a suspensão dos recursos seja proferida no início de 2024.
O Relatório sobre Agentes Corruptos e Antidemocráticos do Departamento de Estado dos EUA, publicado em julho, impôs sanções ao procurador-geral e a lideranças parlamentares. Em março de 2023, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos havia imposto congelamento de bens de 11 entidades e 43 pessoas, incluindo membros do poder executivo, legislativo e judiciário. Em abril, o Departamento de Estado dos EUA sancionou três juízes que haviam ajudado a retirar a cidadania dos 317 nicaraguenses mencionados acima. Entre agosto e setembro, o departamento também impôs sanções a 200 funcionários públicos municipais, acusados de violações de direitos humanos com relação ao fechamento da Universidade Centro-Americana e do Instituto Centro-Americano de Administração de Empresas (Incae).
A UE renovou as sanções contra 21 indivíduos e 3 entidades vinculadas ao Estado nicaraguense em outubro. Em junho, o Parlamento Europeu condenou fortemente “a perpetração generalizada, pelo regime nicaraguense, de violações sistemáticas e deliberadas de direitos humanos contra sua população por motivos puramente políticos” e instou a libertação de todos os prisioneiros políticos detidos arbitrariamente.
O Reino Unido e o Canadá, respectivamente, sancionaram 13 e 35 indivíduos implicados em violações de direitos humanos.
Em novembro de 2021, a Nicarágua anunciou sua saída da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Nicarágua deixou a OEA em 2021, e a decisão passou a vigorar em novembro de 2023. O Conselho Permanente da OEA afirmou ter aprovado uma deliberação, em novembro de 2023, para que o órgão continue “prestado especial atenção à situa