As forças de segurança do Estado angolano foram implicadas em graves violações dos direitos humanos, incluindo mais de uma dúzia de execuções extrajudiciais e outros assassinatos ilegais, uso excessivo de força contra manifestantes pacíficos e detenções arbitrárias. As autoridades continuaram a despejar pessoas à força e a realizar demolições sem cumprir com as necessárias garantias processuais ou a disponibilização de adequada habitação ou compensação para os residentes despejados. A imprensa foi alvo de ataques em diversas ocasiões ao longo do ano, com as autoridades impondo leis draconianas a imprensa para reprimir e assediar jornalistas. A liberdade de associação esteve sob pressão, com o governo a tentar aprovar uma nova lei relativa às organizações não-governamentais, que limita as atividades dos grupos da sociedade civil. Mulheres e meninas, em particular as vendedoras ambulantes e as migrantes, continuam a sofrer abusos por parte das forças de segurança. Em agosto, Angola assumiu a presidência rotativa de um ano do órgão regional Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Abusos Cometidos pelas Forças de Segurança do Estado
As forças de segurança do Estado angolano foram implicadas em graves violações dos direitos humanos, incluindo mais de uma dúzia de execuções extrajudiciais e outros assassinatos ilegais, uso excessivo da força contra manifestantes pacíficos e detenções arbitrárias ao longo de 2023.
Em fevereiro, homens que se identificaram como funcionários do Serviço de Investigação Criminal (SIC) detiveram um grupo de jovens cujos os corpos foram encontrados três dias depois, na morgue de um hospital, em Luanda. A irmã de uma das vítimas disse que o corpo foi encontrado com ferimentos de bala e “buracos na cabeça” e que os familiares das outras sete vítimas também encontraram ferimentos de bala nos corpos destas.
Em junho, agentes da polícia na cidade do Huambo abriram fogo sobre taxistas que protestavam contra o aumento dos preços dos combustíveis, os quais subiram a pique após a remoção parcial dos subsídios aos combustíveis, financiados pelo governo no contexto de um programa de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) em vigor. Uma declaração da polícia, revisada pela Human Rights Watch, confirma a morte de cinco pessoas. A imprensa noticiou que, em 7 de junho, o número de mortes aumentou para oito, depois de três pessoas terem morrido, em decorrência dos ferimentos, no hospital. Num comunicado ao qual a Human Rights Watch teve acesso, a polícia do Huambo afirmou que não foi possível evitar” os assassinatos, pois os agentes tentaram conter “atos de violência” por parte dos manifestantes que destruíram propriedades, confrontaram as autoridades e usaram pneus em chamas para bloquear estradas.
Também em junho, a polícia disparou gás lacrimogéneo na capital, Luanda, e noutras cidades, como Benguela e Namibe, enquanto milhares de manifestantes pacíficos saíam às ruas por causa dos aumentos dos preços dos combustíveis causados pela remoção dos subsídios financiados pelo governo. No mesmo mês, a polícia deteve dezenas de ativistas e artistas, incluindo o músico Pedro Sapalo, conhecido como “Pedrito de Bié”. Sapalo disse à Human Rights Watch que foi acusado de “incitar o tribalismo”, por ter, alegadamente, feito a comparação entre as províncias do Bié e do Bengo.
Despejos Forçados e Demolições Ilegais
As autoridades angolanas continuaram a despejar pessoas à força e a realizar demolições sem cumprir com as necessárias garantias processuais ou com a disponibilização de adequada habitação alternativa ou de adequada compensação para as pessoas despejadas.
Em fevereiro, as forças de segurança angolanas entraram no bairro Zango 3, em Luanda, despejando pessoas à força e demolindo mais de 300 casas, deixando centenas de desalojados. Os moradores disseram que aqueles que se recusaram a abandonar as suas casas ou se reuniram para se manifestar pacificamente contra as ações das forças de segurança foram espancados e detidos. As autoridades locais alegaram que as casas foram construídas ilegalmente. Em junho, reconheceram o que chamaram de “excessos” na atuação das forças de segurança durante os despejos, e comprometeram-se a transferir e realojar as famílias sem-abrigo noutra zona. No momento em que este relatório foi escrito, os moradores despejados ainda não haviam sido transferidos para outro local.
Liberdade de Imprensa e Liberdade de Expressão
A imprensa foi alvo de ataques em diversas ocasiões ao longo de 2023, com as autoridades a fazer uso de leis draconianas de comunicação social para reprimir e assediar jornalistas.
Em setembro, as autoridades acusaram o jornalista angolano Liberato Furtado Pereira de difamação, insulto e falsificação, após ter sido feita uma denúncia, pelapromotora Elizete Francisco, relacionada com um relatório de novembro de 2020, o qual alegava que Elizete Francisco usou a sua conta pessoal para cobrar pagamentos devidos ao Ministério Público. Segundo o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), a promotora apresentou a denúncia no dia imediatamente seguinte a Liberato Furtado Pereira ter solicitado o seu comentário sobre as acusações feitas.
Em março, o site de notícias privado Camunda News suspendeu suas operações indefinidamente, após meses de assédio governamental. Em outubro de 2022, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) da polícia angolana interrogou o proprietário da publicação, David Boio, sobre um ativista e coapresentador de um dos programas do canal, contra quem foram feitas acusações de incitação à rebelião e indignação contra o presidente. Segundo o CPJ, em fevereiro e março de 2023, Boio e outros funcionários do Camunda News foram novamente interrogados durante várias horas sobre o meio de comunicação, o estatuto jurídico da publicação e o seu financiamento.
Em outubro, a pena de prisão de Ana da Silva Miguel, influenciadora em redes sociais, popularmente conhecida como Neth Nahara, foi aumentada de seis meses para dois anos, por “insultar” e “desrespeitar” o presidente, depois de ter usado a sua conta no TikTok para o acusar de anarquia e desorganização.
Liberdade de Associação
A liberdade de associação esteva sob pressão, com o governo a tentar aprovar uma nova lei que limita o trabalho dos grupos da sociedade civil.
Em maio, o parlamento angolano votou o primeiro projeto de lei sobre o Estatuto das Organizações Não Governamentais, o qual grupos da sociedade civil afirmam “contradizer os compromissos de Angola perante o direito internacional de defender a liberdade de expressão e de reunião”.
Entre outras coisas, a lei estabelece um órgão de supervisão, que tem o poder de dissolver uma organização da sociedade civil sem recorrer a processos judiciais, e proíbe as organizações não governamentais (ONG) de se envolverem em “atos subversivos ou que possam ser entendidos como tal”.
A lei está, atualmente, a ser revista por uma comissão especial do parlamento, antes de ser novamente aprovada e, posteriormente, enviada ao presidente para aprovação final.
A repressão dos manifestantes e ativistas pacíficos no enclave de Cabinda continuou em 2023, violando o direito internacional. As autoridades recusaram todos os pedidos dos ativistas pró-independência de Cabinda para se reunirem pacificamente. Sempre que houve reuniões, a polícia interrompeu-as violentamente, detendo os participantes de forma arbitrária.
Em março, agentes das forças de segurança angolanas invadiram o Colégio Privado, uma instituição privada de ensino, em Cabinda, entrando em uma das salas de aula onde dezenas de pessoas participavam de um workshop sobre direitos humanos, organizado por uma ONG cristã. Três organizadores e quarenta e cinco participantes foram detidos. A maioria deles foi interrogada e libertada em 48 horas, mas seus advogados disseram que sete foram acusados de associação criminosa e rebelião, que acarretam penas criminais que podem ir até oito anos de prisão.
Direitos das Mulheres, Meninas e Migrantes
As forças de segurança continuaram a cometer graves violações dos direitos humanos contra mulheres e meninas, em particular vendedoras ambulantes e migrantes.
Em fevereiro, o Movimento de Mulheres de Direitos Cívicos e Políticos de Angola denunciou ataques físicos, maus-tratos e assédio sexual por parte de agentes da polícia contra vendedoras ambulantes locais, também conhecidas como “zungueiras”.
Também em fevereiro, os meios de comunicação noticiaram que membros das forças de segurança angolanas e outros indivíduos estupraram mulheres e crianças congolesas, tendo cometido também outros abusos durante as expulsões em massa de trabalhadores migrantes, que ocorreram nos seis meses anteriores. Vários relatos da comunicação social em abril citaram um relatório da ONU ainda não publicado, que corrobora as notícia dos abusos.
Em maio, agentes da polícia acompanhados de cães dispararam gás lacrimogéneo, sem aviso prévio, contra uma multidão de vendedoras ambulantes que se reuniram para marchar do mercado local de São Paulo até à residência oficial do governador de Luanda, em protesto contra a decisão da cidade de reorganizar os mercados informais de rua em algumas áreas da capital.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), cerca de 30% das raparigas angolanas casam-se antes dos 18 anos, bem como 6% dos rapazes.
Principais Parceiros Internacionais
Em janeiro, a União Europeia concedeu 850 mil dólares a Angola para financiar quatro projetos de direitos humanos, incluindo a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, o combate à violência baseada no gênero e o reforço do direito à informação e à liberdade de expressão.
A Angola continuou os seus esforços de resolução de conflitos e construção da paz em toda a África Central, particularmente no leste da República Democrática do Congo. Em março, o governo anunciou que iria enviar tropas para a região, dias após as negociações de paz que mediou não terem posto fim aos conflitos. Um comunicado do gabinete do presidente angolano disse que os soldados seriam movidos para ajudar a proteger áreas que foram controladas pelo grupo rebelde M23 e para proteger os monitores do cessar-fogo.
Em agosto, Angola assumiu a presidência rotativa de um ano do órgão regional Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Em setembro, o Secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, visitou Angola e comprometeu-se a aprofundar a cooperação “na modernização militar, na formação em segurança marítima e na prontidão médica”