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Venezuela

Eventos de 2024

Relatives of political prisoners light candles during a vigil calling for their freedom in Caracas, Venezuela on Sunday, December 1, 2024. 

© 2024 AP Photo/Ariana Cubillos

No período que antecedeu as eleições presidenciais de 28 de julho na Venezuela, as autoridades intensificaram a repressão contra defensores dos direitos humanos e membros da oposição com detenções e inabilitações, além de restrições mais rígidas ao espaço cívico.

Após as eleições, observadores internacionais levantaram sérias preocupações sobre a declaração do conselho eleitoral de que Nicolás Maduro havia sido reeleito como presidente. Quando milhares de manifestantes saíram às ruas, as autoridades responderam com uma repressão brutal, incluindo assassinatos, detenções e outras táticas repressivas.

Mais de 20 milhões de venezuelanos vivem em situação de pobreza multidimensional, sem acesso adequado a bens e serviços essenciais, incluindo alimentos e medicamentos. Muitos são forçados a adotar estratégias extremas de sobrevivência, como fugir do país. Cerca de 8 milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2014.

Eleições

Em 28 de julho, um grande número de venezuelanos votou nas eleições presidenciais, apesar do governo ter sido responsável de irregularidades e de violações de direitos humanos, incluindo detenções de membros da oposição e inabilitações arbitrárias de candidatos da oposição, como a líder da oposição María Corina Machado.

Na noite da eleição, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela declarou que o atual presidente, Nicolás Maduro, havia vencido a eleição com mais de 51% dos votos. Até o momento, o CNE não divulgou as atas de cada distrito eleitoral, nem conduziu auditorias eleitorais ou processos de verificação cidadã exigidos por lei.

painel de especialistas eleitorais das Nações Unidas e o Centro Carter, que observaram as eleições na Venezuela a convite da autoridade eleitoral, disseram que o processo carecia de transparência e integridade, e questionaram o resultado declarado. Ao mesmo tempo, eles afirmaram que atas eleitorais publicadas pela oposição são confiáveis e que, segundo o Centro Carter, indicam que o candidato da oposição Edmundo González venceu a eleição por uma margem significativa.

Em 2 de setembro, um juiz emitiu um mandado de prisão contra González por “conspiração”, “incitação à desobediência” e outros crimes. González foi forçado a fugir do país.

As Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanosa União Europeiaos Estados Unidos e vários governos latino-americanos e europeus instaram Maduro a publicar as atas de cada distrito eleitoral, realizar uma “verificação imparcial” dos resultados e respeitar a vontade do povo.

Os governos do Brasil, Colômbia, e México promoveram diálogos com o governo venezuelano, com resultados limitados.

Repressão à dissidência

O governo da Venezuela intensificou a repressão antes das eleições, que incluiu detenções de membros da oposição — muitos dos quais permanecem arbitrariamente detidos, com paradeiro desconhecido —, inabilitações arbitrárias de candidatos da oposição e medidas para restringir ainda mais o espaço cívico.

Em janeiro, o governo lançou um plano chamado “Fúria Bolivariana” com o suposto objetivo de prevenir tentativas de golpe. Pouco tempo depois, pessoas não identificadas vandalizaram escritórios de veículos de comunicação, de grupos da sociedade civil e de partidos de oposição. De dezembro de 2023 a março de 2024, pelo menos 48 pessoas, incluindo membros das forças armadas, defensores de direitos humanos, jornalistas e membros da oposição política, foram detidas por suposta conspiração.

Após o anúncio dos resultados das eleições, milhares de manifestantes saíram às ruas em protestos majoritariamente pacíficos para exigir uma contagem justa dos votos. Houve protestos massivos inclusive em regiões de baixa renda, tradicionalmente apoiadoras do chavismo — movimento político criado pelo falecido presidente Hugo Chávez. As autoridades responderam com violência e abusos generalizados, incluindo assassinatos, detenções e processos arbitrários e perseguição a críticos.

A Human Rights Watch recebeu informação confiável de 23 assassinatos de manifestantes e transeuntes, e identificou evidências que ligam as forças de segurança e grupos armados pró-governo conhecidos como “colectivos” a vários desses assassinatos. O Foro Penal, uma organização venezuelana de assistência jurídica gratuita, documentou mais de 1.900 “presos políticos” que foram detidos desde 29 de julho, incluindo 42 adolescentes, entre 14 e 17 anos, que permaneciam detidos até o final de novembro. Segundo o Foro Penal, esses casos contribuem para um total de 17.882 detenções motivadas politicamente desde 2014.

Muitas detenções ocorreram como parte de uma operação das forças de segurança que o governo chama de “Operação Tun Tun”, a qual envolve detenções em massa de manifestantes, detenções de críticos e uso de mídias sociais pelo governo e pelas forças de segurança para espalhar medo na população. O governo também incentivou cidadãos a denunciarem manifestantes por meio de aplicativos como o Ven App, e as forças de segurança realizaram operações abusivas, especialmente em comunidades de baixa renda.

Promotores acusaram centenas de pessoas de crimes, às vezes vagamente definidos e com penas severas, como “incitação ao ódio”, “resistência à autoridade” e “terrorismo”.

Frequentemente, detidos foram mantidos incomunicáveis por semanas, lhes negaram o direito de serem representados por um advogado particular de sua escolha e foram apresentados em audiências virtuais, o que compromete o acesso adequado à justiça. Algumas pessoas, incluindo adolescentes, teriam sido espancadas e submetidas a outros maus-tratos durante a detenção.

O escritório do secretário-geral da ONU, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a Missão de Averiguação de Fatos das Nações Unidas (FFM) e alguns especialistas independentes da ONU criticaram a repressão pós-eleitoral. A FFM disse que o governo operou de “maneira deliberada” e empregou “os mecanismos mais duros e violentos de seu aparato repressivo”, gerando um “clima generalizado de medo na população”.

Impunidade

O Judiciário deixou de funcionar como um poder independente do governo em 2004, quando o então presidente Chávez aprovou uma reforma judicial e preencheu o Tribunal Supremo de Justiça com seus aliados. Desde então, o Tribunal tem apoiado o poder executivo na repressão a críticos. O ACNUDH relatou atrasos persistentes nas investigações das mortes ocorridas durante protestos e operações de forças de segurança, e disse que as investigações “não abordaram a cadeia de responsabilidade”.

Em 15 de fevereiro, o governo venezuelano anunciou sua decisão de suspender as atividades do ACNUDH no país. Essa decisão foi tomada após o escritório expressar preocupação com a detenção da renomada defensora dos direitos humanos Rocío San Miguel, alertando que o caso poderia configurar um desaparecimento forçado.

Em 1º de março, uma câmara de apelação do Tribunal Penal Internacional autorizou o promotor do tribunal a retomar a sua investigação sobre supostos crimes contra a humanidade na Venezuela. O promotor montou um escritório em Caracas para facilitar a colaboração com as autoridades venezuelanas caso realizassem suas próprias investigações.

Em setembro, um tribunal na Argentina convocouemitiu mandados de prisão contra Nicolás Maduro, seu Ministro do Interior, Diosdado Cabello, e mais de uma dúzia de outros funcionários do governo e membros das forças de segurança, para garantir seu testemunho em um caso movido contra eles sob o princípio da jurisdição universal por supostos crimes contra a humanidade.

Em outubro, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução proposta por vários governos do continente americano — Canadá, Argentina, Chile, Equador, Guatemala, Paraguai e Uruguai — renovando o mandato da Missão Internacional Independente de Apuração dos Fatos (FFM) por um período de dois anos. O Conselho solicitou à FFM que investigasse a repressão pós-eleitoral, incluindo a violência dos “coletivos”.

Ataques contra defensores de direitos humanos

Medidas repressivas contra o trabalho de defensores de direitos humanos foram relatadas ao longo de 2024, com mais de 592 ataques registrados no primeiro semestre de 2024, um aumento de 92% em comparação com o mesmo período de 2023.

Desde as eleições de 28 de julho, as autoridades cancelaram passaportes de defensores de direitos humanos, críticos, lideranças políticas e jornalistas independentes, impedindo-os de deixar o país. Até agosto, a CIDH registrou 36 casos. É provável que o número total seja maior.

Em 15 de agosto, a Assembleia Nacional, controlada pelo governo, aprovou um projeto de lei que concede ao governo amplo controle sobre a operação e o financiamento de organizações não governamentais. O projeto, que até o momento da redação deste texto ainda não havia sido sancionado por Maduro, exige que todas as organizações que operam no país se registrem e enviem documentos detalhados ao poder executivo. O projeto inclui vagas “proibições”, “infrações” e critérios para dissolver essas entidades, comprometendo severamente a liberdade de associação.

No momento da elaboração deste relatório continuavam na prisão os defensores de direitos humanos Javier Tarazona, detido em julho de 2021, e Rocío San Miguel, detida no Aeroporto de Caracas em fevereiro de 2024, entre outros.

Liberdade de expressão

As autoridades estigmatizaram, assediaram e reprimiram a imprensa, muitas vezes fechando veículos críticos ao governo.

A organização de sociedade civil Espacio Público registrou 507 violações ao direito à liberdade de expressão ocorridas entre janeiro e agosto, incluindo casos de intimidação (168), censura (101) e assédio judicial (65). A maioria dos casos foi registrada em julho, no contexto das eleições. No mesmo período, Espacio Público informou que as forças de segurança detiveram pelo menos 19 profissionais da imprensa, que a autoridade nacional de telecomunicações fechou 15 rádios e que autoridades governamentais bloquearam pelo menos 35 sites de notícias digitais, de ONGs e plataformas de conteúdo político, bem como plataformas como X, Wikipedia e o aplicativo de mensagens criptografadas Signal.

Emergência humanitária

Mais de 20 milhões de venezuelanos, de uma população de 28,8 milhões, vivem em situação de pobreza multidimensional devido à precariedade econômica e à deterioração dos serviços públicos, tendo perdido irreversivelmente seus meios de apoio e subsistência. Segundo a plataforma independente de organizações da sociedade civil HumVenezuela, 14,2 milhões de venezuelanos enfrentam graves necessidades humanitárias.

Em março, a organização humanitária venezuelana Convite estimou que pelo menos alguns medicamentos essenciais não estavam disponíveis em 28,4% dos estoques farmacêuticos do país, e vários dos medicamentos disponíveis eram inacessíveis financeiramente para grande parte da população.

A população venezuelana enfrenta fome, que afeta 5,1 milhões de pessoas. O Relator Especial da ONU sobre o direito à alimentação identificou as sanções econômicas e a instrumentalização política dos programas estatais de alimentação como fatores que impedem o acesso ao direito à alimentação.

A crise humanitária em curso obriga muitas pessoas a adotar estratégias extremas de sobrevivência, como restringir o orçamento ao limite, aumentar a carga de trabalho, pular refeições, trocar alimentos por sexo ou fugir do país.

No início de dezembro, o Plano de Resposta Humanitária da ONU continuava subfinanciado, com menos de 28% dos recursos necessários.

Crise de refugiados

Aproximadamente 8 milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2014, dos quais cerca de 6,5 milhões se estabeleceram na América Latina e no Caribe. Segundo uma pesquisa local, após a eleição, 43% dos venezuelanos entrevistados consideravam deixar o país. Algumas pessoas já fugiram do país, incluindo políticos, membros de seções eleitorais e eleitores.

Uma combinação de fatores leva os venezuelanos a fugirem, incluindo severas condições econômicas e perseguição.

Restrições de deslocamento em outros países, como exigências de visto, algumas promovidas pelos EUA, bem como acesso limitado a asilo, políticas deficientes de regularização e insuficientes e discriminação e xenofobia nos países vizinhos levam muitas pessoas a rotas perigosas, como o estreito do Darién uma selva perigosa na fronteira entre a Colômbia e o Panamá, onde ficam expostas a abusos. Entre janeiro e outubro, mais de 198.000 venezuelanos cruzaram essa selva.

Grupos armados

Grupos armados — incluindo o Exército de Libertação Nacional (ELN), as Forças Patrióticas de Libertação Nacional (FPLN) e grupos que surgiram após a desmobilização das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) — operam principalmente nos estados fronteiriços, impondo brutalmente normas que regem atividades cotidianas.

Colectivos”, grupos criminosos e grupos armados teriam intimidado candidatos e eleitores da oposição durante a campanha eleitoral, especialmente nas áreas de fronteira e mineração.

Direitos de mulheres e meninas

O aborto é criminalizado, exceto quando há risco à vida da pessoa gestante.

O acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva para mulheres e meninas, incluindo cuidados maternos, planejamento familiar e acesso à contracepção, continua inadequado.

A organização Centro de Justiça e Paz (Cepaz), documentou 127 feminicídios e 51 tentativas de feminicídio entre janeiro e setembro. O governo não divulga dados sobre feminicídios desde 2016.

Direitos de povos indígenas

Povos indígenas continuam a “sofrer com a escassez de recursos e acesso a alimentos adequados”, segundo um especialista da ONU, sendo desproporcionalmente afetados pela “desnutrição e a pobreza extrema, bem como exposição a doenças e degradação ambiental, em parte devido a atividades extrativistas em seus territórios”. As atividades ilegais de mineração e a violência causada pela presença de grupos armados e criminosos em seus territórios forçaram o deslocamento de muitas comunidades indígenas.

A mineração, juntamente com a agricultura, é uma das principais causas de desmatamento na Amazônia venezuelana. Forças de segurança supostamente colaboram com garimpeiros, inclusive fornecendo mercúrio para a mineração de ouro e atacando civis com o uso desproporcional da força. O ouro venezuelano extraído ilegalmente é traficado para o Brasil, Colômbia e República Dominicana e depois exportado para outros destinos.