A situação dos direitos humanos em Moçambique não apresentou melhorias, em 2024. A situação humanitária piorou devido ao deslocamento massivo decorrente do conflito na província de Cabo Delgado e a uma seca que afeta o sul da África. Em agosto, mais de 850.000 pessoas estavam deslocadas dentro de Moçambique devido ao conflito e ao impacto da crise climática, segundo a agência de refugiados das Nações Unidas(ACNUR). Os direitos de crianças e adolescentes continuaram a ser seriamente impactados pelo conflito na província de Cabo Delgado. A polícia foi implicada em abusos generalizados contra jornalistas, ativistas da sociedade civil e observadores eleitorais antes das eleições gerais de outubro. Autoridades parecem ter feito algum progresso no combate aos sequestros com pedido de resgate em todo o país.
Situação humanitária na região afetada pelo conflito
A situação humanitária piorou devido ao conflito na província de Cabo Delgado e a grave seca que afeta a região da África Austral, que levaram a um deslocamento generalizado de pessoas. O conflito continuou a ter um impacto significativo nos serviços de saúde pública, principalmente com a destruição de equipamentos de saúde por grupos armados, o que afetou gravemente o acesso da população a cuidados essenciais de saúde.
As partes envolvidas no conflito aumentaram o uso de dispositivos explosivos, resultando na morte de civis e membros das forças de segurança. Em junho, pelo menos cinco pessoas foram mortas em incidentes relacionados a dispositivos explosivos no distrito de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado.
A Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) em Moçambique (SAMIM) terminou em julho. No mesmo mês, uma nova onda de ataques letais por um grupo vinculado ao Estado Islâmico (ISIS), conhecido localmente como Al-Shabab ou Mashababos, nos distritos de Chiure, Macomia e Nangade, forçou a fuga de milhares de pessoas.
Direitos de crianças e adolescentes
Crianças e adolescentes continuam a serem os mais afetados pelo conflito na província de Cabo Delgado. Em maio, o grupo armado ligado ao ISIS recrutou meninos de apenas 13 anos e os usou para invadir e saquear a cidade de Macomia. Não está claro se crianças e adolescentes também se envolveram em combates contra forças armadas do governo. Algumas crianças que escaparam ou foram resgatadas enfrentaram grandes desafios educacionais e estigma durante os esforços das autoridades para reintegrá-las à sociedade.
Em julho, mais de 70 crianças e adolescentes desapareceram depois de um aumento nos ataques dos grupos armados Mashababos, e autoridades temem que muitos tenham se afogado num rio ou sido sequestrados pelos militantes.
Segundo a organização humanitária Save The Children, casos de casamento infantil aumentaram significativamente na província de Cabo Delgado. Num relatório, a organização identificou desafios socioeconômicos como sendo os “fatores-chave que levam as famílias a submeter as meninas ao casamento infantil”.
A taxa de gravidez na adolescência em Moçambique é a mais alta da África Oriental e Austral. Em abril, o Presidente Filipe Nyusi reconheceu que a gravidez na adolescência e o casamento infantil eram dois dos maiores desafios do país no caminho para a igualdade de gênero. Moçambique continua a apresentar uma das mais baixas taxas de matrícula de meninas no ensino médio em toda a África Austral. Milhares de meninas abandonaram a escola porque estavam grávidas ou eram mães e enfrentavam discriminação, estigma ou falta de apoio financeiro e social para permanecer na escola.
Nas províncias de Cabo Delgado e Nampula, mais de 100 escolas foram fechadas devido à insegurança, afetando o aprendizado de mais de 50.000 crianças e adolescentes, segundo o UNICEF.
Violência relacionada às eleições
A Policia foi implicada em abusos generalizados contra jornalistas e ativistas da sociedade civil, afetando seriamente o trabalho desses grupos antes das eleições de 9 de outubro. Autoridades raramente investigaram denúncias de assédio, ameaças, agressões físicas, prisões e detenções arbitrárias contra jornalistas, ativistas e outras pessoas que cobriam atividades relacionadas às eleições.
Em 21 de outubro, em Maputo, a polícia usou gás lacrimogêneo para dispersar pessoas durante um protesto contra irregularidades eleitorais e o assassinato de dois importantes membros da oposição. Em 19 de outubro, o advogado da oposição Elvino Dias e o dirigente partidário Paulo Guambe estavam a viajar de carro, na cidade de Maputo, quando homens armados seguiram o veículo e dispararam várias vezes.
Em agosto, o porta-voz da Comissão Eleitoral acusou a polícia moçambicana de ser responsável pela violência durante as campanhas e o sistema judiciário de “promover a impunidade”.
Durante a campanha, forças de segurança supostamente detiveram e perseguiram observadores eleitorais locais. Em pelo menos uma ocasião, membros da polícia de choque detiveram um observador na província de Cabo Delgado, acusando-o de ser um “terrorista”.
Pessoas não identificadas e supostos membros do partido no poder foram acusados de intimidar, assediar e destruir propriedades de membros da oposição durante as campanhas eleitorais. Apesar da insegurança em algumas áreas da província de Cabo Delgado, a Comissão Eleitoral disse que havia criado condições para garantir que a votação ocorresse em todos os distritos da província.
Em outubro, após eleições contestadas, observadores internacionais, incluindo representantes da União Africana, União Europeia e Commonwealth, expressaram preocupação com a credibilidade do processo e pediram uma investigação sobre as denúncias de irregularidades eleitorais.
Sequestros não resolvidos
Autoridades parecem ter feito algum progresso no combate aos sequestros com pedidos de resgate em todo o país.
Em agosto, a polícia deteve cinco cidadãos sul-africanos com ligação aos sequestros de moçambicanos. No mesmo mês, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) revelou que havia identificado três moçambicanos residentes na África do Sul como mentores dos sequestros de empresários. Anteriormente, o presidente Nyusi havia solicitado à polícia que intensificasse seus esforços e prendesse “pelo menos um mentor” dos sequestros para recuperar a confiança pública.
Segundo relatos da imprensa, mais de 100 empresários abandonaram Moçambique devido ao medo e à insegurança causados pela onda de sequestros em todo o país.
Em maio, o Reino Unido alertou aos seus cidadãos sobre o risco de sequestro em Moçambique, observando que “embora a maioria das vítimas seja moçambicana, cidadãos estrangeiros também poderiam ser alvos”. Em julho, o embaixador de Portugal em Moçambique pediu ao governo moçambicano que acabasse com a onda de sequestros, tendo em vista os prejuízos causados ao investimento estrangeiro no país.