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Moçambique

Eventos de 2022

Famílias desalojadas da comunidade de Impire, no distrito de Metuge, na província de Cabo Delgado, fugindo no dia 14 de Junho de 2022, de insurgentes armados que atacaram a sua comunidade no dia 12 de Junho.

© 2022 ALFREDO ZUNIGA/AFP via Getty Images

Em 2022, houve um agravamento da situação humanitária em Moçambique devido aos ataques contínuos de um grupo ligado ao Estado Islâmico (ISIS), conhecido localmente como “Mashababos” ou Al-Shabab. As forças moçambicanas, com o apoio de tropas do Ruanda e da força regional da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), aumentaram significativamente a sua presença na região e recuperaram áreas controladas pelos insurgentes.

A situação continuou volátil em 2022, com os combates a deslocarem-se para as áreas do sul de Cabo Delgado e do norte da província de Nampula que ainda não tinham sido alvo de ataques.

As forças de segurança do governo continuaram a usar a força e detenções arbitrárias por todo o país para restringir o direito dos cidadãos a manifestar-se pacificamente. A liberdade de imprensa esteve sob pressão devido às novas leis que limitam a liberdade de expressão e o trabalho dos jornalistas que foram debatidas ou aprovadas no parlamento nacional. A União Europeia autorizou o envio de apoio militar adicional à missão da SADC em Moçambique (SAMIM). Moçambique foi eleito membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas por um período de dois anos a partir de janeiro de 2023.

Violência no norte de Moçambique

A situação humanitária no norte de Moçambique agravou-se quando os ataques de um grupo ligado ao Estado Islâmico (ISIS), conhecido localmente como Al-Shabab ou “Mashababos”, conduziram a um aumento dos sequestros e da destruição de casas pelo mesmo. A violência deslocou milhares de pessoas. Até ao final de agosto, mais de 946 000 pessoas em fuga abandonaram as suas casas na província de Cabo Delgado no norte de Moçambique.

No início de março, combatentes locais do Al-Shabab terão alegadamente matado pelo menos 15 civis nas aldeias de Mbuidi, Malamba e Nangõmba, no distrito de Nangade, província de Cabo Delgado.

Em junho, o grupo protagonizou uma série de ataques no distrito de Ancuabe, a 45 quilómetros da capital provincial, Pemba, uma zona que, no passado, era considerada segura, tendo matado pelo menos sete pessoas, quatro das quais foram decapitadas, e obrigando milhares a abandonar as suas casas. Várias pessoas que fugiram dos ataques disseram à Human Rights Watch que há centenas de crianças desaparecidas, que se perderam dos pais, vizinhos e familiares durante a fuga.

Em setembro, o grupo ligado ao ISIS reivindicou a responsabilidade pelos ataques levados a cabo em várias aldeias no norte de Moçambique, incluindo dois na província de Nampula. Várias testemunhas disseram à Human Rights Watch que homens armados incendiaram casas, uma escola e uma igreja na Missão Católica Comboni na cidade de Chipene, em Nampula. Vários civis foram mortos, incluindo uma freira italiana.

Direito à manifestação pacífica

As forças de segurança do governo continuaram a fazer uso letal da força e de detenções arbitrárias em todo o país para restringir o direito dos cidadãos a manifestar-se pacificamente.

Em janeiro, um grupo de mulheres ativistas liderado pelo Observatório da Mulher apresentou uma queixa formal na Procuradoria-Geral da República contra agentes da polícia que, em dezembro de 2021, interromperam à força uma manifestação pacífica contra a violência de género. Durante o protesto, organizado no âmbito da campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, a polícia deteve arbitrariamente pelo menos 17 mulheres, que foram libertadas no mesmo dia. Em setembro de 2022, o caso ainda estava sob investigação.

Em abril, durante a sessão no parlamento, a Ministra do Interior, Arsénia Massingue, prometeu punir os agentes da polícia que impedissem ilegalmente o direito à manifestação pacífica.   Apesar dos comentários da ministra, os membros das forças de segurança continuaram a sair impunes nos seus esforços para impedir a realização de protestos pacíficos.

Em agosto, a polícia disparou balas reais para dispersar centenas de vendedores de mercado desarmados em Gondola, província de Manica, que exigiam melhores condições de trabalho. Pelo menos três pessoas ficaram feridas e 21 foram detidas. Também em agosto, a polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar uma multidão no mercado de peixe de Maputo, onde maioritariamente mulheres protestavam contra a falta de compensação pela sua transferência do antigo mercado para o novo.

Liberdade dos meios de comunicação social e de expressão

A liberdade de imprensa esteve sob pressão devido às novas leis que limitam a liberdade de expressão e o trabalho dos jornalistas que foram debatidas ou aprovadas no parlamento nacional.

Os legisladores continuaram a realizar audiências públicas sobre os projetos de uma nova lei da comunicação social e uma nova lei da radiodifusão que foram introduzidas em 2021, que grupos locais e internacionais disseram que viriam “criminalizar o trabalho dos jornalistas”.

O projeto de lei proíbe a retransmissão de programas políticos estrangeiros e limita o número de correspondentes de emissoras internacionais e outros órgãos de comunicação estrangeiros a dois por instituição. O projeto de lei também inclui uma disposição que limita o direito dos jornalistas de se defenderem em casos de difamação contra o presidente. Aquando da redação deste capítulo, o parlamento ainda não havia agendado uma data para a discussão final e aprovação dos projetos de lei.

Em maio, o parlamento aprovou uma nova lei de contraterrorismo com uma cláusula que estabelece que qualquer pessoa que dissemine informações falsas intencionalmente sobre um ato terrorista pode ser punida com uma pena de oito a 12 anos de prisão. A lei também inclui penas de prisão entre 12 e 16 anos para quem publicar “informações classificadas”.

O grupo de direitos de comunicação social MISA-Moçambique instou o parlamento a alterar a lei, afirmando que “criminalizar a publicação de informação classificada pune os jornalistas e os cidadãos comuns, ao invés dos funcionários que falharam no seu dever de salvaguardar os segredos de Estado”. Apesar da crescente oposição de grupos locais e internacionais de direitos da comunicação social, a lei foi publicada no diário do governo em julho.

Raptos por desvendar  

Continuou a haver casos de agentes de polícia implicados em casos de rapto para pedido de resgate em todo o país. Em Maio, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) de Moçambique anunciou a detenção de três membros de um grupo de raptores, dois dos quais eram membros da Polícia Nacional e um agente do próprio SERNIC.

 

Em abril, a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, denunciou a cumplicidade da polícia em casos de raptos em Moçambique no seu relatório anual sobre o estado da justiça no país. A Procuradora-Geral alegou que o envolvimento de alguns “membros da polícia, advogados, magistrados e outros atores do poder judiciário cria fragilidades” na investigação destes casos. Em fevereiro, o Presidente Filipe Nyusi disse ser inaceitável que as esquadras tenham sido transformadas “em criadouros de raptores”.

Em maio, o chefe da Polícia Nacional, Bernardino Rafael, anunciou que dos seis casos de rapto de empresários, ou de familiares destes, que foram denunciados no primeiro trimestre de 2022, apenas um foi resolvido, após a família ter pago um valor de resgate não revelado.

Só em maio, foram reportados dois casos de rapto na capital, Maputo. Um dos casos envolveu o filho de um empresário que foi raptado perto de casa numa área bem protegida, perto do gabinete do presidente.

Em Julho, um empresário e proprietário de um hotel em Maputo foi raptado por homens desconhecidos à frente de sua casa, situada entre as casas do chefe da Polícia Nacional e do chefe do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE).

Principais parceiros internacionais

Os parceiros internacionais continuaram a responder aos pedidos do governo moçambicano para apoiar as suas operações militares contra grupos islâmicos armados no norte de Moçambique.

Em abril, o governo dos Estados Unidos nomeou Moçambique como um país prioritário para a Estratégia dos EUA para Prevenir Conflitos e Promover a Estabilidade. A Estratégia dos EUA visa apoiar uma abordagem conduzida localmente para abordar as causas do conflito e reforçar os alicerces da estabilidade. Em julho, o Congresso dos EUA enviou uma delegação bipartidária a Moçambique e, em agosto, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou uma resolução que apelava ao governo de Moçambique para proteger os seus cidadãos e restaurar a segurança em Cabo Delgado.

Em junho, o SAMIM começou a implementar as iniciativas de Apoio à Construção da Paz na zona norte do país. O programa foi concebido para melhorar os mecanismos de proteção social, lei e ordem, assistência humanitária e iniciativas de capacitação em áreas sob ataque de grupos armados.

Também em junho, Moçambique foi eleito membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Durante o mandato de dois anos com início em 1 de Janeiro de 2023, o Presidente Nyusi disse que Moçambique vai contribuir para a construção da paz no mundo, defendendo o diálogo e o multilateralismo.

Em setembro, a União Europeia aprovou cerca de 15 milhões de dólares em apoio militar adicional ao SAMIM, em Cabo Delgado, ao abrigo da Facilidade de Apoio à Paz do bloco. Também em Setembro, durante uma visita ao país, o Alto Representante da UE, Josep Borrell, anunciou que as tropas ruandesas em Moçambique iriam receber apoio financeiro da UE. Borrell referiu a necessidade de uma abordagem multifacetada e de respeitar os direitos humanos e o direito humanitário internacional para combater com sucesso o terrorismo, mas não pediu a responsabilização das forças de segurança pelos abusos cometidos.