Os Estados Unidos possuem uma vibrante sociedade civil e proteções constitucionais consolidadas a muitos direitos civis e políticos. No entanto, muitas leis e práticas norte-americanas violam direitos humanos reconhecidos internacionalmente, especialmente nas áreas da justiça criminal e juvenil, imigração e segurança nacional. Frequentemente, aqueles que menos conseguem defender seus direitos por meio da justiça ou do sistema político – integrantes de minorias raciais ou étnicas, imigrantes, crianças, pobres e presos – são aqueles que correm mais riscos de sofrer abusos.
A eleição de Donald Trump para a presidência dos EUA em novembro de 2016 coroou uma campanha marcada pela retórica misógina, xenofóbica, racista, e pela defesa de políticas defendidas causariam danos imensos às comunidades mais vulneráveis e violariam os principais compromissos de direitos humanos dos Estados Unidos. As propostas de sua campanha incluíram a deportação de milhões de imigrantes ilegais, a mudança de leis norte-americanas para permitir a tortura de suspeitos de terrorismo e a “lotação” da prisão de Guantánamo.
O presidente eleito Trump também prometeu revogar boa parte do Affordable Care Act (mais conhecido como “Obamacare”), lei que tornou seguros de saúde acessíveis a 20 milhões de americanos que antes não os possuíam. Ele prometeu ainda nomear ministros “pró-vida” à Suprema Corte que “automaticamente” reverteriam o caso Roe vs Wade (caso judicial no qual o direito ao aborto foi reconhecido nos EUA), o que permitiria aos estados criminalizar o aborto.
Pena de morte
Os Estados Unidos executaram 18 pessoas em 2016 até a elaboração deste relatório, o número mais baixo desde 1992.
Trinta e um estados norte-americanos ainda permitem a pena de morte. No entanto, em 2016, apenas cinco deles efetivamente promoveram execuções, que ocorreram principalmente nos estados do Texas e da Geórgia. A Suprema Corte do estado de Delaware determinou que a pena de morte é inconstitucional, e o Procurador-Geral de Delaware afirmou que não apelaria da decisão. O estado do Nebraska restabeleceu a pena de morte após realizar um referendo popular em novembro. Moradores da Califórnia votaram pela manutenção da pena de morte no estado.
Penas severas
Os Estados Unidos mantêm a maior população carcerária do mundo – são 2,3 milhões de pessoas atrás das grades. Dentre elas, 211.000 estão em presídios federais e 2 milhões em prisões estaduais ou cadeias locais.
O Congresso continua a debater reformas à legislação federal de sentenças, mas não aprovou nenhuma reforma significativa no ano de 2016.
Até a elaboração deste relatório, as penas de 944 presos em prisões federais por crimes de drogas haviam sido comutadas pelo presidente Obama em 2016; outros 12.245 pedidos de comutação estavam sob avaliação. Mais de um terço das comutações foi de prisões perpétuas – a liberdade condicional não é permitida para crimes federais cometidos após 1987.
A Comissão de Sentenciamento dos EUA alterou suas diretrizes em 2016 para ampliar o conceito de “libertação compassiva”, aumentando a elegibilidade para soltura tanto por motivos de saúde quanto por razões familiares.
Forças policiais
Os homicídios cometidos pela polícia de Alton Sterling, em Baton Rouge, Louisiana, de Philando Castile, em Falcon Heights, Minnesota, entre outros, redobraram a atenção para o uso excessivo da força pela polícia dos EUA na abordagem de negros. Manifestantes que protestavam contra a morte de Sterling em Baton Rouge foram violentamente confrontados por policiais de choque, de forma similar ao que aconteceu após o assassinato de Michael Brown em Ferguson, Missouri, no ano de 2014.
Em Dallas, cinco policiais sofreram uma emboscada e foram assassinados no mês de julho por um atirador.
Crianças e adolescentes no sistema de justiça criminal
Aproximadamente 50.000 crianças e adolescentes estão em centros de detenção juvenis nos Estados Unidos. Esse número representa uma queda de 50 por cento em relação aos números de 1999, mas ainda é uma das mais altas taxas do mundo. Todos os estados norte-americanos permitem que crianças e adolescentes sejam julgadas como adultos em algumas circunstâncias, e aproximadamente 5.000 crianças e adolescentes em conflito com a lei são mantidos em prisões para adultos.
Os estados de Iowa, Utah e Dakota do Sul proibiram penas perpétuas que excluem a possibilidade de liberdade condicional para adolescentes em conflito com a lei – 17 estados atualmente mantêm essa proibição.
Foi aprovado em 2016 o Projeto de Lei n. 57 da Califórnia, que concede aos juízes o poder exclusivo de deferir ou negar o pedido de promotores para transferir o julgamento de uma criança do sistema de justiça juvenil para o sistema de adulto. Uma mudança similar proposta na Flórida não foi aprovada pelo segundo ano consecutivo.
Condições das prisões e cadeias
Agências federais, seguindo uma diretiva do presidente Obama, submeteram em março à Casa Branca propostas de reformas às políticas de confinamento solitário. A Agência Federal de Prisões reduziu pela metade a duração média das detenções em unidades administrativas especiais, uma forma de confinamento solitário para pessoas suspeitas de pertencerem a facções criminosas ou com histórico de graves infrações disciplinares.
O estado de Maryland aprovou uma proposta que exige relatórios com informações sobre pessoas sob confinamento solitário em estabelecimentos prisionais. A Carolina do Norte baniu o uso da solitária para todas as crianças e adolescentes de até 18 anos. Nova York, Nova Jersey, Delaware e outros estados consideraram propostas de lei para reformar o uso da solitária. Rikers Island, o principal complexo de cadeias da cidade de Nova York, pôs fim ao uso da solitária para jovens entre 16 e 18 anos, e o prefeito da cidade, Bill de Blasio, anunciou em outubro o fim da solitária para pessoas menores de 21 anos.
O Departamento de Justiça dos EUA anunciou em agosto que a Agência Federal de Prisões começaria o seu processo de eliminação progressiva do uso de prisões privadas. O Departamento de Segurança Nacional, responsável pela alocação de imigrantes detidos, anunciou uma revisão do seu uso de instalações privadas. Os resultados dessa revisão ainda não estavam disponíveis até a elaboração deste relatório. A proposta do presidente eleito Trump de deter e deportar milhões de imigrantes tornaria difícil ao Departamento de Segurança Nacional fechar qualquer instalação, seja privada ou pública.
Direito ao voto
Em abril, o governador da Virgínia, Terry McAuliffe, emitiu uma ordem executiva restaurando o direito ao voto a todas as pessoas do estado que haviam sido condenadas criminalmente e cumprido suas sentenças. Essa restauração do direito ao voto impactaria 206.000 pessoas na Virgínia. No entanto, a suprema corte do estado invalidou a ordem, alegando que faltava ao governador autoridade para emitir uma restauração do direito ao voto de forma tão genérica. O governador respondeu por meio da criação de um processo para restaurar individualmente os direitos, e até os últimos meses do ano 67.000 residentes do estado tinham recuperado o direito ao voto.
Política de drogas
O governo federal e todos os estados criminalizam a posse de drogas ilícitas para consumo próprio (embora alguns tenham legalizado o uso medicinal ou recreacional da maconha). Todo ano, forças de segurança dos estados usam essas leis para realizar 1,3 milhões de prisões. Mais de uma em cada nove prisões efetuadas é relacionada à posse de drogas, tornando-se o o crime pelo qual mais se prende nos EUA. Como resultado dessa política, centenas de milhares de indivíduos circulam pelo sistema de justiça criminal todos os anos. Aqueles que são condenados frequentemente descobrem que seus antecedentes criminais os privam de oportunidades de emprego, moradia, educação, assistência social, voto e muito mais, além de sofrerem com o estigma e a discriminação.
A aplicação das leis de combate às drogas discrimina adultos negros. Eles usam entorpecentes em taxas similares ou até menores do que adultos brancos, mas têm probabilidade 2,5 maior de serem presos por porte de drogas nos EUA.
Califórnia, Massachusetts, Nevada e Maine realizaram referendos em 2016 que legalizaram o uso recreacional da maconha, seguindo os passos de iniciativas de legalização anteriores ocorridas no Colorado e no estado de Washington. Flórida, Dakota do Norte e Arkansas legalizaram o uso medicinal da maconha. A administração Obama ressaltou a necessidade de novas abordagens de saúde pública para o uso de drogas, mas não chegou a pedir abertamente pela descriminalização.
Armas e violência
Em junho, um massacre que deixou 49 pessoas mortas em uma boate gay de Orlando, aparentemente cometido por motivos políticos, reacendeu o debate público sobre o controle de armas e a alta frequência de tiroteios a multidões nos EUA.
Em janeiro, Obama anunciou uma série de medidas que o poder executivo tomaria para reduzir a violência associada às armas. No entanto, reformas legislativas pararam no Congresso.
Direitos dos não-cidadãos dos EUA
O governo norte-americano continua a deter crianças migrantes vindas da América Central com suas mães, muitas das quais em busca de refúgio. Embora modestas reformas anunciadas em 2015 tenham reduzido o número de famílias presas, os EUA ainda mantêm algumas famílias presas por períodos prolongados de tempo. A Human Rights Watch documentou o grave impacto psicológico causado pelas detenções prolongadas em mães e crianças em busca de refúgio, além das barreiras que levantam ao devido processo judicial.
Condições abusivas de detenção também são preocupantes. A Human Rights Watch publicou uma análise das investigações do governo dos EUA sobre a morte de 18 imigrantes sob custódia entre 2012 e 2015. A análise revelou cuidados médicos perigosamente precários em 16 casos, o que contribuiu para a morte de pelo menos 7 das vítimas. Outras organizações documentaram problemas similares em instalações pelo país, indicando fiscalizações seriamente inadequadas ao sistema de detenção de mais de 200 estabelecimentos, incluindo instalações privadas e cadeias locais.
Em junho de 2016, a Suprema Corte bloqueou medidas executivas da administração de Obama que previam a concessão de proteção temporária a alguns imigrantes ilegais. A decisão dividida da corte fez com que permanecesse a determinação de uma corte de instância inferior.
Em novembro de 2016, o presidente eleito Trump reiterou suas promessas de campanha para a construção de um muro na fronteira com o México e para a rápida deportação ou prisão de 2 a 3 milhões de imigrantes com ficha criminal. A administração de Obama, que também fez esforços para a deportação de imigrantes condenados, deportou em seus dois mandatos um número recorde de 2,5 milhões de pessoas, com ou sem antecedentes criminais. Num sistema já mal fiscalizado como o dos EUA, os estímulos para rápidas deportações de milhões de imigrantes poderiam levar a um cenário de agravamento das condições abusivas nas detenções, além de debilitar ainda mais as proteções aos devidos processos criminais.
Direitos trabalhistas
Os EUA não tem uma lei nacional sobre licenças familiares remuneradas. Uma proposta de lei federal para a criação de um programa de licença familiar paga está tramitando no Congresso. Nesse meio tempo, alguns estados aprovaram programas de cobertura de licenças familiares. Em abril de 2016, o estado de Nova York aprovou tal programa, juntando-se à Califórnia, Nova Jersey e Rhode Island. Segundo esses programas, trabalhadores têm direito a essa licença paga para cuidar de filhos recém-nascidos, cuidar de um familiar em estado de saúde debilitado ou para ajudar com as obrigações familiares caso um membro da família seja convocado para o serviço militar.
Na força de trabalho norte-americana, mulheres que trabalharam em período integral por todo o ano de 2014 receberam o equivalente a 79 por cento do que os homens ganharam, e a diferença salarial foi ainda maior para mulheres negras e hispânicas. A Comissão para Oportunidades Iguais de Emprego recebe milhares de denúncias de discriminação a grávidas e de assédio sexual todos os anos.
Brechas em leis e regulamentações dos EUA permitem que trabalhadores rurais infantis comecem a trabalhar cada vez mais cedo, em jornadas mais compridas e sob condições mais perigosas do que jovens trabalhando em qualquer outro setor. As crianças que trabalham no campo frequentemente o fazem expostas ao extremo calor, a pesticidas tóxicos e a outros riscos à saúde. Nas fazendas de tabaco, as crianças são expostas à nicotina, e muitos dos sintomas relatados são consistentes com envenenamento agudo por essa substância. Algumas empresas proíbem o trabalho de menores de 16 anos em fazendas de tabaco, mas essas medidas ainda deixam desprotegidos os jovens acima dessa idade. O governo Obama fracassou em mudar as regulamentações dos EUA, e o Congresso não alterou a lei trabalhista dos EUA para proteger trabalhadores rurais infantis. Empresas de tabaco não tomaram medidas suficientes para eliminar os perigosos trabalhos infantis empregados por seus fornecedores.
Direito à saúde
O sistema de justiça criminal continua a funcionar como um obstáculo para o cuidado de saúde adequado daqueles mais vulneráveis ao HIV, especialmente negros, usuários de drogas, profissionais do sexo, mulheres transgênero e outras populações altamente policiadas.
Os EUA estão passando pelo que o Centro para Controle e Prevenção de Doenças chamou de “epidemia” do uso de opiáceos, com 78 mortes por dia causadas pela overdose de drogas desse tipo. O Congresso respondeu por meio da Lei de Recuperação Compreensiva do Vício, que autoriza um maior apoio à prevenção da dependência de drogas, ao tratamento e a programas de prevenção de overdoses. O financiamento, no entanto, permanece incerto, e os cuidados de saúde continuam inacessíveis para muitos, especialmente nos 19 estados que continuam a rejeitar a expansão do Medicaid conforme previsto pelo Obamacare.
Em junho de 2016, a Suprema Corte dos EUA derrubou partes de uma lei do Texas que estabeleciam pesadas restrições a clínicas que realizam abortos. A lei texana exigia que clínicas abortivas cumprissem os mesmos requisitos de uma unidade cirúrgica de hospital e que médicos que realizam abortos solicitassem uma autorização com antecedência para a admissão de seus pacientes em hospitais locais.
Abuso sexual no exército
Apesar das reformas no Departamento de Defesa, membros do serviço militar dos EUA que denunciam violências sexuais frequentemente sofrem retaliações, incluindo assédio, atribuição de tarefas de pouca importância, perda de oportunidades de promoção, ações disciplinares e até mesmo acusações criminais. Em fevereiro de 2016, a agência de supervisão da justiça militar dos EUA adotou recomendações destinadas a acabar com tais retaliações. Uma estratégia do Departamento de Defesa para combatê-las, publicada em abril de 2016, reconhece o problema, visa a coleta e a comunicação de informações sobre como os casos são conduzidos e dá ênfase a uma variedade de opções aos comandantes para enfrentar as retaliações contra as vítimas. Diversas versões da Lei de Autorização de Defesa Nacional melhorariam a transparência e adotariam maiores proteções para delatores, entre outras medidas. Até a elaboração deste relatório, a proposta ainda estava sendo discutida no Congresso.
Orientação sexual e identidade de gênero
Em 2016, o poder Legislativo dos estados introduziu um número recorde de projetos de lei para restringir o direito de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBT). A Carolina do Norte eliminou proteções locais contra a discriminação da identidade de gênero e da orientação sexual e exigiu que pessoas transgênero utilizem banheiros públicos que correspondam ao sexo atribuído a eles no nascimento. O Mississippi aprovou uma lei que permite a discriminação por parte de religiosos contra LGBT e casais que não se casaram formalmente. Uma lei aprovada no Tennessee permite que terapeutas e conselheiros se recusem a atender clientes LGBT.
Em maio, os Departamentos de Educação e do Trabalho lançaram em conjunto orientações indicando que a discriminação baseada em identidade de gênero constitui discriminação sexual proibida conforme lei federal. Após 22 estados e diversas autoridades estaduais e locais ameaçarem contestar as orientações, um tribunal federal temporariamente impediu os departamentos de aplicarem essa interpretação. O impasse ainda não tinha sido resolvido até a elaboração deste relatório.
Mulheres transgênero em detenções para imigrantes têm sido sujeitas ao abuso sexual e a maus-tratos, incluindo a imposição de confinamento solitário por tempo indeterminado simplesmente porque autoridades locais não têm instalações apropriadas para abrigá-las.
Violência contra mulheres
Em 2016, Obama assinou a Lei de Direitos dos Sobreviventes de Abuso Sexual, que visa levantar e preservar provas em casos de agressão sexual. A Lei também garante a sobreviventes o acesso aos exames médicos forenses iniciais e o direito de terem preservadas as evidências de estupro até sua prescrição e de serem notificadas se forem destruir essas.
Estima-se que 32 por cento das mulheres nos EUA já tenham sofrido algum tipo de violência física nas mãos de parceiros, e aproximadamente 19 por cento tenham sido estupradas, sendo quase metade por parceiros íntimos. Mulheres nos EUA têm mais chances de serem assassinadas por parceiros, ex-parceiros ou familiares do que qualquer outro tipo de pessoa.
Segurança nacional
O governo Obama obteve avanços significativos na libertação de presos da Baía de Guantánamo para seus países de origem ou para países terceiros, reduzindo a população da prisão de 107 no fim de 2015 para 60 até a elaboração deste relatório. No entanto, também continuou com os planos de manter 30 a 40 pessoas sem condenação presas por tempo indeterminado, alegando que embora elas não possam ser processadas, apresentam riscos à segurança nacional. O governo não jusitificou adequadamente o fundamento dessas determinações e nem permitiu que os presos pudessem contestá-las.
A administração de Obama deu seguimento aos processos criminais contra sete homens por meio das fundamentalmente falhas comissões militares em Guantánamo – um fórum que não atende aos padrões internacionais de julgamentos justos. Cinco homens supostamente envolvidos nos ataques de 11 de setembro de 2001 estão entre os processados. O caso estava já em seu quarto ano de audiências preliminares quando os ataques às torres gêmeas completaram 15 anos, e uma data para o julgamento ainda estava longe de ser marcada. Esse lento progresso é resultado do sigilo por parte do governo em relação à tortura dos acusados sob custódia da Agência Central de Inteligência (CIA), da natureza inovadora dos procedimentos e regras ainda não testadas da corte , e das dificuldades logísticas para a realização de audiências em Guantánamo.
Os EUA não abriram novas investigações em 2016 sobre torturas cometidas pela CIA após os ataques de 11 de setembro de 2001, mesmo com provas abundantes de violações da legislação criminal federal. O governo também não fez reparações às vítimas de tortura pela CIA. Tanto as reparações quanto os devidos processos criminais para apurar os casos são exigidos pela legislação internacional. No entanto, em uma ação movida por três homens contra dois funcionários da CIA pelas torturas que praticaram no Afeganistão, o Departamento de Justiça decidiu não emitir uma defesa da segurança nacional conhecida como “privilégio de segredos de Estado”. O fracasso em emitir tal defesa permitiu que o caso, uma ação civil indenizatória, avançasse mais do que qualquer outro processo anterior.
Os EUA continuaram a realizar execuções de supostos militantes fora de zonas de guerra convencionais, incluindo no Iêmen, Paquistão, Líbia e Somália, frequentemente com o uso de drones aéreos. Em julho de 2016, o diretor de inteligência nacional divulgou dados afirmando que os EUA haviam matado entre 64 e 166 “não combatentes” em ataques como esses em 2009, números contestados por diversos grupos de advocacy – entre os quais a Human Rights Watch, que investigou muito dos ataques – que afirmam que os dados parecem desconsiderar um número significativo de civis mortos. Quando o governo divulgou esses dados, Obama emitiu uma ordem executiva prometendo a oferta de pagamentos voluntários aos sobreviventes e às famílias de civis mortos, independente da legalidade do ataque que os afetou. Ainda não está claro se a ordem foi ou não implementada.
Durante o ano de 2016, os Estados Unidos continuaram com programas de inteligência de vigilância não autorizados em grande escala e falharam em solucionar a grave falta de transparência, fiscalização e responsabilidade nessa área. Agências federais de segurança também pediram por maiores poderes de monitoramento e hacking. Os EUA continuaram a buscar a extradição de Edward Snowden, a fonte que denunciou as vigilâncias em massa dos EUA em 2013, hoje refugiado na Rússia.
Atualmente, a seção 702 do Ato de Vigilância de Inteligência Estrangeira é uma das principais leis sobre as quais os EUA apoiam-se para a condução de vigilâncias em grande escala, incluindo de pessoas além de suas fronteiras. A lei é datada para sair de vigor no fim de 2017, e debates no Congresso sobre a possível reforma da lei estão sendo antecipados durante o ano. Em julho, uma corte federal de apelação recebeu um questionamento sobre a constitucionalidade da seção 702 no contexto de um caso criminal no estado de Oregon; a decisão da corte estava pendente até a elaboração deste relatório.
Nesse meio tempo, as práticas de vigilância de comunicações globais dos EUA sob uma diretiva conhecida como Ordem Executiva 12333 permanecem protegidas pelo sigilo, já que nem o Congresso nem o Judiciário desempenham um papel de fiscalização significativo. O esforço de longa data do grupo independente Conselho de Supervisão da Privacidade e das Liberdades Civis para a revisão de algumas atividades do governo sob a Ordem Executiva 12333 foi aparentemente rebatido: até a elaboração deste relatório, por exemplo, o Senado estava considerando leis que proibiriam o Conselho de Supervisão de analisar a privacidade ou outros direitos de pessoas que não fossem cidadãs dos EUA ou residentes permanentes regularizados no país.
O FBI criou uma campanha para forçar empresas norte-americanas de tecnologia a enfraquecer a criptografia que usam para proteger comunicações privadas – uma medida que colocaria em risco direitos humanos ao redor de todo o mundo. O FBI também pediu ao Congresso para que adote leis que lhe permitiriam obter históricos de navegação individuais e outros registros da internet sem autorização prévia; a medida não foi aprovada por uma margem apertada de votos, aumentando o risco de ser retomada em 2017. Já as forças de segurança federais foram mais bem sucedidas na obtenção de uma nova norma administrativa que aumentou seus poderes de hacking global; até a elaboração deste relatório, a norma tinha previsão de entrar em vigor em dezembro de 2016, apesar de esforços legislativos terem sido introduzidos para bloquear ou adiar sua adoção final.
Política externa
Em fevereiro, o presidente Obama fez uma visita histórica à Cuba para marcar a retomada das relações diplomáticas. Apesar de ter levantado a questão dos presos políticos em uma coletiva de imprensa junto ao presidente cubano Raúl Castro, Obama não expressou publicamente as outras preocupações dos EUA, como a detenção arbitrária, bloqueio a sites na internet e as leis usadas para punir dissidentes. Em março, Obama viajou para a Argentina, onde anunciou a desclassificação de documentos militares e de inteligência norte-americanos relacionados ao envolvimento do país na chamada “Guerra suja” argentina.
A versão final do acordo de Parceria Transpacífico, que inclui acordos multilaterais sobre questões trabalhistas no Vietnã, Malásia e Brunei, foi assinada em fevereiro pelos Estados Unidos, mas não avançou no Congresso até o fim das eleições presidenciais. A vitória de Donald Trump e de sua retórica de campanha contra o acordo tornam bastante improvável que as leis necessárias para a aprovação passem no Congresso, o que significa que o acordo está sem efeitos ou que precisará ser significativamente renegociado.
Os esforços liderados pelos EUA no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas levaram, em março, à primeira declaração conjunta do Conselho sobre o histórico de direitos humanos na China. No entanto, Obama não expressou outras grandes preocupações de direitos humanos durante sua visita à China para a cúpula do G20 em setembro.
Obama viajou ao Vietnã em maio, onde anunciou que, apesar da falta de progresso em direitos humanos no país, os EUA dariam fim à proibição de vendas de armas letais aos vietnamitas. Em setembro, durante a visita do líder birmanês Aung Sun Suu Kyi à capital norte-americana, Washington, o governo anunciou que afrouxaria significantemente as sanções ao Myanmar devido às históricas eleições democrática no país.
Em suas visitas ao Quênia e à Nigéria em agosto, o Secretário de Estado John Kerry expressou preocupação com as conexões entre violações de direitos humanos e a falta de segurança, mas pouco fez para pressionar governos parceiros a adotar, de fato, seus compromissos. Após o presidente da República Democrática do Congo, Joseph Kabila, ter tomado medidas para permanecer no poder em um inconstitucional terceiro mandato, os EUA impuseram sanções contra diversas autoridades congolesas.
Tendo em vista o retorno da violência na capital do Sudão do Sul em julho, os EUA finalmente começaram a pressionar por um embargo de armas do Conselho de Segurança da ONU às partes em conflito no país, num esforço para conter as atrocidades que aconteciam.
Em setembro, o Senado propôs uma resolução bipartidária para suspender a venda de armas para a Arábia Saudita, à medida que mais provas de ataques aéreos ilegais feitos pelo país no Iêmen apareciam. Embora a resolução não tenha sido aprovada, ela foi apoiada por mais de um quarto dos senadores, evidenciando o enfraquecimento do antes sólido apoio à Arábia Saudita por parte das forças de segurança dos EUA.
Os EUA continuam a fornecer significativa assistência financeira e de segurança técnica ao Egito, apesar de um relatório da Ouvidoria Geral do Governo dos EUA (GAO, em inglês) mostrar que ambas as autoridades egípcias e as norte-americanas foram negligentes em relação aos direitos humanos na atuação das forças de segurança e no uso de equipamentos.
Os EUA sediaram o encontro da Cúpula de Líderes sobre a Crise Global de Refugiados junto à Assembleia Geral da ONU em setembro. O encontro resultou em novos compromissos de países doadores para quase dobrarem o número de refugiados reassentados globalmente e para fornecerem US$4,5 bilhões adicionais aos fundos humanitários em relação a 2015.
Em setembro, Obama ignorou as medidas da Lei de Prevenção de Crianças Soldados para permitir que seis países que seguem a usar crianças como soldados – República Democrática do Congo, Iraque, Nigéria, Somália, Sudão do Sul e Ruanda – continuem a receber uma assistência militar dos EUA passível de sanções conforme a lei. Obama também dispensou as restrições legais a Myanmar, apesar do país não estar na agenda para receber assistência militar dos EUA no ano fiscal de 2017. Os únicos países que foram completamente descartados para receber assistências militares dos EUA foram o Sudão, a Síria e o Iêmen.
O Tribunal Penal Internacional está analisando crimes cometidos no Afeganistão por grupos armados não-estatais, forças nacionais do governo e forças internacionais, incluindo alegações de desaparecimentos e tortura de detidos cometidos pelas forças armadas dos EUA e pela CIA durante o governo Bush.