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Brasil

Eventos de 2020

Uma mulher abraça sua mãe de 85 anos através de uma cortina de plástico transparente em um asilo para idosos em São Paulo, Brasil, em junho de 2020.

© 2020 Nelson Almeida/AFP via Getty Images

O presidente Jair Bolsonaro tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter a propagação da pandemia de Covid-19, mas o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e governadores defenderam políticas para proteger os brasileiros da doença.

O governo Bolsonaro tem enfraquecido a fiscalização ambiental, na prática dando sinal verde às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal na Amazônia e que usam a intimidação e a violência contra os defensores da floresta.

O presidente Bolsonaro acusou, sem qualquer prova, indígenas e organizações não governamentais (ONGs) de serem responsáveis pela destruição da floresta. Ele também fez ataques a jornalistas.

Em 2019, a polícia matou 6.357 pessoas, uma das maiores taxas de mortes pela polícia no mundo. Quase 80 por cento das vítimas eram negras. As mortes causadas por policiais aumentaram 6 por cento no primeiro semestre de 2020.

Covid-19

O presidente Bolsonaro minimizou a Covid-19, a qual chamou de  “gripezinha”; recusou-se a adotar medidas para proteger a si mesmo e as pessoas ao seu redor; disseminou informações equivocadas; e tentou impedir os governos estaduais de imporem medidas de distanciamento social. Seu governo tentou restringir a publicação de dados sobre a Covid-19. Ele demitiu seu ministro da saúde por defender as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e seu substituto deixou o cargo no ministério em razão da defesa do presidente de um medicamento sem eficácia comprovada para tratar a Covid-19.

O Brasil teve 5,4 milhões de casos confirmados de Covid-19 e 158.969 mortes até 29 de outubro. Brasileiros negros tiveram maior probabilidade do que outros grupos raciais de apresentarem sintomas consistentes com Covid-19 e de morrerem no hospital. Entre outros fatores, os especialistas atribuíram essa disparidade às taxas mais altas de informalidade entre trabalhadores negros, impedindo muitos de trabalharem de casa, e à prevalência de doenças pré-existentes.

O acesso insuficiente a cuidados de saúde e a prevalência de doenças respiratórias ou outras doenças crônicas deixaram indígenas particularmente vulneráveis a complicações decorrentes da Covid-19. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) registrou 38.124 casos e 866 mortes de indígenas por Covid-19 até 29 de outubro.

Em junho, o Congresso aprovou um projeto de lei obrigando o governo a fornecer atendimento médico emergencial e outras formas de assistência para ajudar indígenas a lidarem com a pandemia. O presidente Bolsonaro o vetou parcialmente, mas o Congresso derrubou vetos. Em julho, o Supremo Tribunal Federal ordenou ao governo Bolsonaro que elaborasse um plano de enfrentamento da Covid-19 para povos indígenas.

Com instalações superlotadas, pouca ventilação e cuidados de saúde inadequados, as prisões e unidades socioeducativas no Brasil reuniam condições favoráveis a surtos de Covid-19.

Em dezembro de 2019, mais de 755.000 adultos estavam privados de liberdade, excedendo a capacidade máxima do sistema prisional em cerca de 70 por cento, de acordo com o Ministério da Justiça. As prisões contavam com um médico clínico general para cada 900 detidos e um ginecologista para cada 1.200 mulheres encarceradas.

O governo Bolsonaro não tomou medidas para reduzir  a superlotação das prisões, mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que supervisiona o funcionamento do sistema judiciário, recomendou aos juízes que reduzissem prisões provisórias durante a pandemia e considerassem a saída antecipada de alguns presos. Em resposta à Covid-19, até 16 de setembro, juízes tinham autorizado quase 53.700 presos a cumprirem a pena em prisão domiciliar, de acordo com dados oficiais obtidos pela Human Rights Watch.

Em julho, o presidente Bolsonaro vetou um artigo de um projeto de lei exigindo o uso de máscaras em unidades prisionais e centros socioeducativos, mas o Supremo Tribunal Federal concluiu que o veto não atendeu ao trâmite processual e restabeleceu o artigo da lei. A corte também ressaltou a “precariedade estrutural” das políticas de saúde nas unidades prisionais e socioeducativas em sua decisão.

De acordo com o CNJ, cerca de 46.210 presos e servidores tinham contraído Covid-19 e 205 tinham falecido até 26 de outubro.

O CNJ também pediu aos juízes que reavaliassem as medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei durante a pandemia. Após essa recomendação, o número de jovens e adolescentes em unidades socioeducativas caiu para cerca de 14.600, com base em dados de inspeções por autoridades judiciárias obtidos pela Human Rights Watch. Ainda assim, pelo menos 38 unidades do sistema socioeducativo excediam sua capacidade máxima em até 90 por cento em meio a pandemia.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal determinou a juízes que acabassem com a superlotação em unidades do sistema socioeducativo, inclusive aplicando medidas alternativas à internação em meio fechado.

Pessoas com deficiência confinadas em instituições de acolhimento correm maior risco de contrair Covid-19 devido à superlotação e a condições de higiene geralmente precárias, embora a falta de dados centralizados torne impossível avaliar o impacto do vírus. Em maio, a Secretaria Nacional de Assistência Social pediu às autoridades locais que considerassem alternativas à institucionalização e adotassem medidas contra a Covid-19 nas instituições.

Segurança pública e conduta policial

No Rio de Janeiro, a polícia matou 744 pessoas entre janeiro e maio de 2020—o número mais alto para o período desde pelo menos 2003—apesar dos níveis de criminalidade terem diminuído em razão da redução do número de pessoas nas ruas decorrente da imposição de medidas de distanciamento social com a Covid-19.

Em maio, a polícia abriu fogo enquanto voluntários distribuíam alimentos próximo a uma escola, em um bairro pobre do Rio, causando a morte de um estudante de 19 anos. Os policiais afirmaram que estavam respondendo a disparos de suspeitos não identificados. Tiroteios envolvendo a polícia já tinham interrompido ações de distribuição de alimentos em pelo menos quatro ocasiões no período de um mês.

Em junho, o STF proibiu a polícia de realizar operações em bairros de baixa renda no Rio de Janeiro durante a pandemia, exceto em “casos excepcionais”. Em consequência, as mortes por policiais caíram 72 por cento de junho a setembro.

Em São Paulo, mortes por policiais em serviço aumentaram 9 por cento no período de janeiro a setembro.

Em agosto de 2020, policiais iniciaram uma operação em Nova Olinda do Norte, no estado do Amazonas, depois de traficantes de drogas terem supostamente atirado em um barco que pescava sem a devida licença ambiental, ferindo levemente o secretário-executivo do fundo de promoção social do Amazonas. Pelo menos sete pessoas foram mortas durante as operações no local, incluindo dois policiais, e três pessoas continuavam desaparecidas até 24 de setembro, o Ministério da Justiça informou à Human Rights Watch. Moradores relataram que a polícia cometeu execuções extrajudiciais e outros abusos, incluindo a tortura de um líder comunitário.

Em todo o país, as mortes por policiais aumentaram 6 por cento no primeiro semestre de 2020, de acordo com dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2019, a polícia matou 6.357 pessoas. Quase 80 por cento delas eram negras.

Enquanto algumas mortes por policiais ocorrem em legítima defesa, muitas outras são resultado do uso excessivo da força. Os abusos da polícia contribuem para um ciclo de violência que compromete a segurança pública e põe em risco a vida de civis e dos próprios policiais. De janeiro a junho de 2020, 110 policiais foram mortos, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

As mortes violentas intencionais aumentaram 7 por cento no primeiro semestre de 2020, revertendo dois anos de declínio das taxas.

Direitos das crianças e adolescentes

Cerca de 150 projetos de lei que proíbem a discussão sobre orientação sexual, identidade de gênero ou opiniões políticas nas escolas tinham sido aprovados ou tramitaram no Congresso e nos legislativos estaduais e municipais até setembro de 2020, segundo um site mantido por professores universitários. Até outubro, o Supremo Tribunal Federal tinha derrubado oito leis contra a “doutrinação política” ou a promoção da “ideologia de gênero”, concluindo que elas violavam a liberdade de ensinar e o direito à educação.

Em setembro, o ministro da educação disse que gênero não deveria ser discutido nas escolas e que as pessoas que “optam” pelo “homossexualismo” muitas vezes vêm de “famílias desajustadas”.

Um levantamento do Senado Federal estimou que 18 por cento dos alunos de instituições de ensino particular matriculados no ensino fundamental, médio e superior, e 40 por cento dos alunos no ensino público, estavam com suas aulas suspensas devido à pandemia em julho. O restante teve aulas à distância; mas 20 por cento não tinham acesso à Internet em casa.

Orientação sexual e identidade de gênero

Em maio de 2020, o STF derrubou uma restrição que impedia que homens que mantiveram relações sexuais com outros homens doassem sangue.

Entre janeiro e junho de 2020, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu 1.134 denúncias de violência, discriminação e outros abusos contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

Direitos de mulheres e meninas

A aprovação da Lei “Maria da Penha” de 2001 foi um passo importante no combate à violência doméstica, mas sua implementação tem sido falha.

Em 2019, estavam em tramitação na justiça um milhão de casos de violência doméstica e 5.100 casos de feminicídio, definido pela legislação brasileira como homicídio de mulheres “por razões da condição de sexo feminino”.

Os registros de ocorrência de casos de violência contra as mulheres caíram significativamente em meio à pandemia de Covid-19, enquanto denúncias a uma linha direta (Ligue 180) aumentaram 27 por cento no período de março a abril de 2020 em comparação com o ano anterior, sugerindo que as mulheres podem ter encontrado dificuldades para ir às delegacias para registrar a violência.

O aborto é legal no Brasil apenas em casos de estupro, quando necessário para salvar a vida da mulher ou quando o feto sofre de anencefalia, uma condição que dificulta a sobrevivência do feto.

Em junho, o governo Bolsonaro exonerou dois servidores públicos de seus cargos após a edição de uma nota técnica recomendando que as autoridades mantivessem serviços de saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia de Covid-19, incluindo “abortamento seguro para os casos previstos em Lei”.

Em agosto, o governo Bolsonaro ergueu novas barreiras ao acesso ao aborto legal, incluindo uma portaria que obriga profissionais de saúde a notificarem a polícia quando sobreviventes de estupro buscarem interromper a gravidez.

Apenas 42 hospitais—em um país com 212 milhões de pessoas—estavam realizando abortos legais durante a pandemia de Covid-19, informaram a ONG Artigo 19 e as plataformas de jornalismo AzMina e Gênero e Número, em comparação com 76 no ano de 2019. Em agosto, um hospital no estado do Espírito Santo negou o aborto a uma menina de 10 anos que foi estuprada durante anos, alegando que não tinha autoridade para conduzi-lo. Após a intervenção de um juiz, a menina fez um aborto em outro estado.

Mulheres e meninas que fazem abortos ilegais e inseguros não só correm o risco de lesões e morte, mas podem ainda ser condenadas a até três anos de detenção. As pessoas envolvidas na prática do aborto ilegal podem ser condenadas a até quatro anos.

Um surto do vírus Zika entre 2015 e 2016 foi particularmente prejudicial para mulheres e meninas. Quando uma mulher grávida é infectada, o Zika pode causar complicações no desenvolvimento fetal, inclusive do cérebro. Em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal rejeitou, por questões técnicas, uma ação que buscava descriminalizar o aborto para pessoas infectadas com Zika durante a gravidez e expandir benefícios do Estado às famílias afetadas pelo Zika.

Em setembro de 2020, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) anunciou a equiparação salarial para mulheres e homens nas seleções.

Em 2018, várias decisões do Supremo Tribunal Federal e uma nova lei determinaram prisão domiciliar em vez de prisão preventiva para gestantes, mães de pessoas com deficiência e mães de crianças menores de 12 anos, exceto para aquelas acusadas de crimes violentos ou crimes contra seus dependentes. Dados oficiais mostram que juízes concederam prisão domiciliar a mais de 3.380 mulheres em 2019, mas 5.111 mulheres que poderiam ter se beneficiado das novas regras ainda aguardavam julgamento atrás das grades, disse o Ministério da Justiça à Human Rights Watch. Entre janeiro e julho de 2020, juízes concederam prisão domiciliar a pelo menos mais 938 mulheres, mas o ministério não forneceu dados sobre quantas ainda aguardavam uma decisão.

Em outubro de 2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as regras para prisão domiciliar em vez de prisão preventiva deveriam ser aplicadas também aos pais que são o único responsável pelos cuidados de criança menor de 12 anos ou de pessoa com deficiência, bem como a outras pessoas “imprescindíveis” aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência.

Liberdade de expressão

Em março, o Presidente Bolsonaro suspendeu os prazos para órgãos e entidades do governo federal responderem aos pedidos de acesso informação no contexto do estado de emergência de saúde pública da Covid-19 e impediu que cidadãos recorressem dos pedidos declinados. O Supremo Tribunal Federal suspendeu as restrições instituídas pelo presidente.

Desde que tomou posse, o Presidente Bolsonaro, autoridades de seu governo e outros políticos aliados ao governo proferiram ataques a jornalistas mais de 400 vezes, de acordo com a Artigo 19. O presidente ameaçou um jornalista em agosto de 2020, afirmando que queria “encher tua boca de porrada”. Seus apoiadores atacaram repórteres durante manifestações e em frente ao palácio presidencial, o que fez com que diversos veículos de imprensa suspendessem a cobertura nesse local em maio. O governo pediu à Polícia Federal que investigasse dois jornalistas e um cartunista por suposta difamação ou calúnia após críticas ao presidente.

O Ministério da Justiça produziu um relatório confidencial sobre quase 600 policiais e três acadêmicos identificados como “antifascistas”. O Supremo Tribunal Federal determinou ao ministério a suspensão da coleta de informações sobre pessoas que exerçam seus direitos à liberdade de expressão e de associação.

O Senado brasileiro aprovou um projeto de lei sobre “fake news” que ameaça o direito à privacidade e à liberdade de expressão. O projeto tramitava na Câmara dos Deputados até a elaboração deste relatório.

Direitos das pessoas com deficiência

Milhares de adultos e crianças com deficiências estão confinados sem necessidade em instituições onde podem enfrentar negligência e abuso, às vezes por toda a vida.

Em setembro de 2020, o governo editou uma nova política nacional que incentiva a criação de escolas segregadas para certas pessoas com deficiência, apesar do direito de todas as pessoas com deficiência a uma educação inclusiva.

Migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio

Milhares de venezuelanos, incluindo centenas de crianças desacompanhadas, atravessaram a fronteira com o Brasil nos últimos anos fugindo da fome, da falta de cuidados básicos de saúde ou de perseguições. Mais de 262.000 venezuelanos residiam no Brasil até agosto de 2020.

O reconhecimento do Brasil, em junho de 2019, de uma “grave e generalizada violação dos direitos humanos” na Venezuela acelerou a concessão de refúgio a venezuelanos. Em agosto de 2020, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) prorrogou a política por mais um ano. De janeiro a agosto, o Brasil tinha reconhecido o status de refugiado para cerca de 38.000 venezuelanos.

Em março, em resposta à pandemia de Covid-19, o governo federal proibiu venezuelanos de entrarem no Brasil por via terrestre, e mais tarde estendeu as restrições a outras nacionalidades. Até outubro, a maioria dos estrangeiros, excetuando-se aqueles com residência de caráter definitivo no Brasil, estava impedida de entrar no país por meios terrestres ou por transporte aquaviário. Os residentes permanentes podiam retornar ao Brasil, exceto quando provenientes da Venezuela. Além disso, a portaria do governo federal previa a repatriação ou deportação daqueles que conseguissem entrar no país, mesmo que fossem solicitantes de refúgio.

Essas medidas violam as obrigações internacionais do Brasil. Mesmo em tempos de emergência, os governos continuam obrigados a não forçar o retorno de refugiados a uma ameaça de perseguição, exposição a condições desumanas ou degradantes, ou ameaças à vida e à segurança física, e tampouco devem impor restrições que sejam discriminatórias.

Meio ambiente e direitos dos povos indígenas

Redes criminosas que, em grande parte, são responsáveis pelo desmatamento ilegal na Amazônia continuaram a ameaçar e até mesmo a matar indígenas, moradores locais e servidores públicos que defendem a floresta.

Entre 2015 e 2019, mais de 200 pessoas foram mortas no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos na Amazônia—muitos delas por pessoas supostamente envolvidas no desmatamento ilegal—segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na grande maioria desses casos, os responsáveis não foram levados à justiça.

Desde que tomou posse em janeiro de 2019, Bolsonaro enfraqueceu a fiscalização das leis ambientais. Em abril de 2020, após uma operação bem-sucedida de combate ao garimpo ilegal, o governo exonerou três servidores que ocupavam os cargos mais importantes na área de fiscalização do Ibama, principal órgão de proteção ambiental do país.

Em outubro de 2019, o Ministério do Meio Ambiente adotou novos procedimentos estabelecendo que as multas ambientais não precisam ser pagas até que sejam revistas em uma audiência de conciliação. Os agentes de fiscalização ambiental emitiram milhares de multas desde então, mas apenas cinco dessas audiências tinham sido realizadas até agosto de 2020.

Em maio de 2020, o governo transferiu a responsabilidade de liderar os esforços de combate ao desmatamento da Amazônia dos órgãos ambientais para as forças armadas, apesar de sua falta de expertise e treinamento.

O desmatamento na Amazônia cresceu 85 por cento em 2019, segundo dados do DETER, um sistema de alertas do governo federal. De janeiro a setembro de 2020, o desmatamento caiu 10 por cento, mas o número de fogos atingiu o nível mais alto em dez anos.

O fogo havia queimado mais de um quarto do Pantanal, a maior planície inundável do mundo, até outubro de 2020, a maior destruição em mais de duas décadas. A Polícia Federal e os promotores acreditam que grandes proprietários de terras atearam fogo à vegetação ilegalmente para limpar terras para o gado.

A poluição do ar causada por queimadas tem um grande impacto sobre a saúde pública. Um estudo da Human Rights Watch, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) constatou que milhões de pessoas foram expostas a níveis nocivos de poluição do ar devido às queimadas na Amazônia em 2019, resultando em cerca de 2.195 internações hospitalares.

O Presidente Bolsonaro chamou as ONGs que trabalham na Amazônia de “câncer” que ele não consegue “matar” e as acusou, sem nenhuma prova, de serem responsáveis pela destruição da floresta amazônica. Ele também culpou os povos indígenas e caboclos pelo fogo na Amazônia.

Em setembro de 2020, o ministro do meio ambiente solicitou a um tribunal federal que pedisse explicações a um importante defensor do meio ambiente sobre comentários criticando o ministro, uma medida aparentemente destinada a intimidar o defensor. Em outubro, a imprensa noticiou que o governo Bolsonaro teria enviado agentes do serviço de inteligência para espionar a delegação brasileira, ONGs e outros participantes na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Madri, em dezembro de 2019.

Em 2019, danos e invasões de territórios indígenas para explorar seus recursos aumentaram 135 por cento, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário, organização sem fins lucrativos.

Em fevereiro de 2020, o Presidente Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei para abrir territórios indígenas ao garimpo, hidrelétricas e outros projetos com grandes impactos ambientais. O projeto de lei ainda tramitava até a elaboração deste relatório.

Os abusos da ditadura

Os autores de violações de direitos humanos durante a ditadura de 1964 a 1985 estão protegidos da justiça por uma lei de anistia de 1979. A lei foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010, em uma decisão que a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu como uma violação das obrigações do Brasil sob o direito internacional.

Desde 2010, procuradores federais denunciaram cerca de 60 ex-agentes da ditadura militar por assassinatos, sequestros e outros crimes graves. Os tribunais de instâncias inferiores rejeitaram a maioria dos casos, citando a lei de anistia ou o prazo de prescrição. 

Em maio de 2020, um tribunal federal rejeitou as acusações contra pessoas supostamente envolvidas na tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975. O Ministério Público Federal tinha reaberto as investigações após uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2018.

Em setembro, a empresa alemã Volkswagen reconheceu que representantes haviam colaborado com a ditadura do Brasil. A Comissão Nacional da Verdade tinha descoberto em 2014 que representantes da empresa tinham fornecido informações sobre seus trabalhadores às autoridades, o que poderia ter resultado em prisões ilegais, tortura e outros abusos. Como parte de um acordo com promotores brasileiros, a Volkswagen concordou em pagar 36 milhões de reais em indenizações às vítimas, para apoiar esforços de identificação de ossadas e educação do público sobre abusos durante a ditadura.

O Presidente Bolsonaro elogiou repetidamente a ditadura. Em outubro, seu vice-presidente, um general da reserva, expressou sua admiração por um coronel falecido, identificado como comandante de um centro de tortura.

Principais atores internacionais

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) expressou preocupação quanto aos ataques a defensores dos direitos humanos, quanto à minimização da Covid-19 por “líderes políticos” e quanto ao aumento do envolvimento de militares nos assuntos públicos e na segurança pública.

Cinco relatores da ONU disseram que o Presidente Bolsonaro tem minimizado as violações dos direitos humanos durante a ditadura e alertaram para a disseminação de “desinformação” sobre o regime militar.

Alguns líderes europeus, o Parlamento Europeu e vários parlamentos nacionais em toda a Europa expressaram fortes reservas sobre a ratificação de um acordo comercial pendente entre a União Europeia e o Mercosul. Eles disseram que as políticas ambientais do governo de Bolsonaro colocam em questão a disposição do Brasil em cumprir os compromissos ambientais incluídos no acordo para combater o desmatamento e respeitar o Acordo Climático de Paris.

O Brasil endossou a Chamada à Ação Solidária da Organização Mundial da Saúde para a Covid-19 Technology Access Pool (C-TAP), uma iniciativa destinada a fornecer “um único lugar para o conhecimento científico, dados e propriedade intelectual serem compartilhados de forma equitativa pela comunidade global”.

Política externa

Em 2019, o Brasil concorreu a um dos dois assentos disponíveis no Conselho de Direitos Humanos da ONU junto com a Venezuela, e com a Costa Rica apresentando sua candidatura pouco antes das eleições. A vitória estreita da Venezuela foi provavelmente facilitada pela pressão do Brasil junto aos países latino-americanos contra a apresentação de um terceiro candidato.

Em 2020, o Ministério de Relações Exteriores pressionou pela exclusão de referências à “saúde sexual e reprodutiva” em resoluções da ONU, as quais, segundo o Itamaraty, poderiam “imprimir conotação positiva ao aborto”. Por exemplo, ao disputar uma resolução da ONU—que, no entanto, foi aprovada em julho—o Brasil se opôs à afirmação dos direitos ao acesso universal à “educação sexual”, ao “aborto seguro onde não seja contra a legislação nacional” e à “assistência pós-aborto”.