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Relatório Mundial 2015: Rússia

Eventos de 2014

A man tries to stop LGBT rights activists from holding a flag during a protest in Moscow, Russia on May 31, 2014.

© 2014 Reuters

O Kremlin deu mais um passo para trás em 2014 com a intensificação da repressão em relação à sociedade civil, à mídia e à Internet, ao procurar controlar a narrativa sobre os acontecimentos na Ucrânia, incluindo a ocupação russa da Crimeia e o apoio aos insurgentes no leste da Ucrânia.

Tanto o comportamento das autoridades, quanto as leis aprovadas pelo parlamento, isolaram ainda mais o país e inflamaram o nível de histeria antiocidental não vista no país desde a era soviética.

Liberdade de Associação

Em junho, o Parlamento alterou a lei de “Agentes Estrangeiros” de 2012, que busca demonificar os grupos de defesa de direitos e advocacy que aceitam financiamento estrangeiro, para autorizar o Ministério da Justiça a registrar esses grupos como agentes estrangeiros sem o seu consentimento. Em novembro, o ministério havia realizado o registro forçado de 17 grupos independentes como agentes estrangeiros.

A apreciação de uma denúncia do Ministério da Justiça contra a organização guarda-chuva, Memorial, estava marcada para 17 de dezembro na Suprema Corte. O ministério solicitou que a organização fosse impedida de exercer suas atividades devido a uma suposta violação da legislação russa sobre organizações não-governamentais (ONG).

Em setembro, um tribunal rejeitou uma decisão anterior contra Golos, um grupo de monitoramento de eleições, por não ter se registrado como um “agente estrangeiro” devido à falta de evidências de que o grupo recebe financiamento estrangeiro. No entanto, até o momento da elaboração deste relatório, Golos continuava no registro de “agentes estrangeiros”.

Liberdade de Expressão

As autoridades russas bloquearam vários sites de mídia independente, adotaram novas leis e propuseram novas medidas que sufocariam ainda mais a liberdade de expressão.

Em janeiro de 2014, a TV Rain, uma das poucas estações de televisão independentes da Rússia, perdeu acesso a televisão a cabo e satélite após ter postado uma enquete com os telespectadores sobre se a URSS deveria ter cedido Leningrado durante a 2ª Guerra Mundial para salvar vidas.

Em março, a agência estatal que fiscaliza a mídia bloqueou três sites independentes e um blog do líder da oposição, de acordo com uma nova lei que autoriza o procurador-geral a solicitar que a agência bloqueie sites sem uma ordem judicial. Também em março, o editor e diretor-executivo do portal independente de atualidades Lentra.ru foram demitidos e substituídos por executivos de mídia pró-Kremlin.

Em abril, o fundador e CEO da VKontakte, a rede social mais popular em russo, anunciou que tinha deixado a Rússia por causa das persistentes exigências do Serviço de Segurança Federal em bloquear comunidades e usuários da oposição. Em setembro, uma empresa de Internet controlada por um oligarca próximo ao Kremlin assumiu total controle sobre a VKontakte por meio da aquisição de suas ações remanescentes.

Com o recrudescimento da crise na Ucrânia , os legisladores russos adotaram leis impondo restrições ainda mais severas para a mídia e grupos independentes. Em maio, o Presidente Vladimir Putin sancionou uma lei obrigando blogueiros com mais de 3.000 acessos diários a se registrarem como grande mídia. Em junho, Putin sancionou uma lei determinando medidas que implicam em privação de liberdade para manifestações extremistas na Internet, incluindo por meio de re-postagens nas mídias sociais. Em julho, uma nova lei proibiu a publicidade comercial em canais de televisão a cabo e satélite, privando centenas de canais de propriedade privada de uma renda essencial. Também em julho, o presidente assinou leis que criminalizam manifestações “separatistas” e proíbem o armazenamento de dados pessoais de usuários de Internet russos em servidores estrangeiros. Esta última medida entrará em vigor em 2016. Uma lei aprovada em outubro restringe sobremaneira a propriedade estrangeira de mídia russa.

Vários acadêmicos e figuras públicas que trabalham para instituições culturais financiadas pelo governo foram ora demitidos, ora “convidados a deixar"seus cargos como, por exemplo, o historiador Andrei Zubov, que perdeu o emprego depois de ter criticado publicamente a ocupação russa da Crimeia em um comentário de jornal.

Orientação sexual e identidade de gênero

As autoridades russas multaram quatro pessoas durante o ano por violação à lei de 2013 proibindo a distribuição entre as crianças de “propaganda” sobre "relacionamentos sexuais não-tradicionais," que significam na prática relacionamentos lésbicos, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).

Gangues anti-LGBT continuaram atacando homossexuais em toda a Rússia. As autoridades têm conduzido algumas investigações isoladas, mas em grande parte deixam de promover a responsabilização criminal por atos de  violência homofóbica e transfóbica.

Os ataques a ativistas LGBT também persistem. Em abril, um grupo nacionalistas interrompeu uma transmissão em Moscou de um documentário sobre a discriminação LGBT. Em setembro, grupos nacionalistas interromperam a noite de abertura de um evento anual de LGBT em São Petersburgo, o QueerFest, jogando bombas de fumaça. Outros eventos do QueerFest foram cancelados tendo em vista ameaças recebidas e a quebra de contratos de aluguel com os operadores do local.

Campanhas difamatórias têm como alvo pessoas LGBT trabalhando no sistema de educação pública. Em pelo menos seis casos, os empregadores não renovaram os respectivos contratos, pressionaram-os a se demitirem ou simplesmente os demitiram. Algumas pessoas LGBT decidiram deixar a Rússia devido à homofobia e o medo da violação dos seus direitos por causa de sua orientação sexual.

Liberdade de Reunião

A intervenção da polícia em reuniões públicas pacíficas continuou em 2014. As autoridades detiveram centenas de manifestantes pacíficos durante os Jogos Olímpicos de Inverno de 2014 e após a ocupação da Crimeia, a maioria de forma arbitrária e em alguns casos, com força desnecessária. Entre 21 de fevereiro e 4 de março, a polícia deteve pelo menos 1.300 manifestantes pacíficos em Moscou. Em março e setembro, duas marchas pacíficas protestando contra a interferência da Rússia na Ucrânia ocorreram sem incidentes em Moscou.

O governo endureceu as penas para reuniões públicas não autorizadas. Uma nova lei aumentou para até 15 anos a prisão por "perturbação da ordem pública em massa", infração pela qual respondem dezenas de pessoas que protestaram na Praça de Bolotnaya de Moscou na véspera da posse de Putin em 2012. A lei também introduziu um novo crime — "treinamento para perturbação da ordem pública em massa" — cuja a pena vai até 10 anos de prisão. Novas alterações aumentaram de forma significativa as multas para reuniões públicas não autorizadas e introduziram a punição de até três anos de prisão para reincidentes.

Perseguição de Defensores dos Direitos Humanos e Políticos da Oposição

Em um discurso feito em março, Putin chamou grupos independentes e políticos da oposição de "traidores nacionais" e uma "quinta coluna" trabalhando para desestabilizar o país.

O maior julgamento político da Rússia, contra os manifestantes da Praça Bolotnaya, continuou. Em dezembro de 2013, quatro dos acusados foram soltos com base em uma anistia federal. Entre fevereiro e agosto de 2014, 13 foram condenados a penas de até quatro anos e meio de prisão por perturbação da ordem pública em massa, violência contra a polícia e a organização de protestos.

Em junho, um tribunal libertou Mikhail Kosenko, um manifestante de Bolotnaya condenado em 2013, para tratamento psiquiátrico forçado.

Em fevereiro, criminosos desconhecidos tentaram incendiar a casa de Igor Sazhin, um proeminente defensor dos direitos humanos na região de Komi. As autoridades não investigaram o caso. Também em fevereiro, a polícia em Voronezh prendeu Roman Khabarov, um ex-policial e defensor dos direitos humanos, por acusações forjadas de associação a um grupo criminoso organizado que operava uma rede de pontos de apostas ilegais na região. Seu julgamento foi agendado para começar no final de 2014.

Em 2 de abril, um tribunal em Krasnodar condenou Mikhail Savva, um ativista cívico e acadêmico, por fraude, imputando-lhe uma pena de prisão suspensa e uma multa de 70.000 rublos (US$ 1.945). Savva havia passado mais de sete meses na condição de preso provisório.

No dia 9 de junho, cinco homens foram condenados por participação no homicídio de uma das jornalistas investigativas mais ativas da Rússia, Anna Politkovskaya, em 2006. Dois deles receberam prisão perpétua; os outros receberam penas de prisão que variam de 12 a 20 anos. Outrossuspeitos de terem encomendado o crime continuaram impunes. Os responsáveis pelo homicídio da defensora chechena dos direitos humanos, Natalia Estemirova, em 2009, ainda não haviam sido levados à justiça até o momento da elaboraçãoo deste relatório.

Cáucaso do Norte

Os confrontos entre a insurgência islâmica e as forças de segurança continuaram no Cáucaso do Norte, especialmente no Daguestão. De acordo com o Caucasian Knot, um portal independente de comunicação online, 239 pessoas, incluindo 31 civis, foram mortas na região do Cáucaso do Norte durante os primeiros nove meses de 2014, e 117 pessoas ficaram feridas, entre elas, 15 civis. Mais de dois terços desses eventos ocorreram no Daguestão.

As forças de segurança invadiram mesquitas Salafi em todo o Daguestão detendo, interrogando, fotografando e tirando as impressões digitais de centenas de pessoas. A polícia também sujeitou vários salafistas a testes forçados de DNA. Operações especiais abusivas nas aldeias de Gimry e Vremennyi duraram meses, envolvendo a destruição de propriedades e desaparecimentos forçados.

As detenções na forma de rapto, tortura e desaparecimentoscontinuaram no Cáucaso do Norte, assim como os ataques contra os opositores do governo. Em agosto, Timur Kuashev, um jornalista freelance e ativista dos direitos humanos, foi encontrado morto perto de Nalchik, em Kabardino-Balkaria. A investigação oficial não havía gerado  resultados tangíveis até o momento da elaboração deste relatório. Vários advogados e ativistas do Dagestão informaram o Human Rights Watch que frequentemente recebem ameaças com o objetivo de silenciá-los. Em julho, um tribunal na Chechênia condenou Ruslan Kutaev, um proeminente ativista local, quatro anos de prisão sob acusações forjadas relacionadas a crimes de drogas. O Tribunal ignorou as alegações de tortura que ele fez durante seu julgamento. Em 31 de outubro, um tribunal de apelação diminuiu a pena de prisão de Kutaev em três meses. Dois dias antes de sua prisão, Kutaev criticou publicamente uma ordem emitida por Ramzan Kadyrov, o líder da Chechênia.

As autoridades chechenas exigem que as mulheres usem véus em lugares públicos. Em setembro, Kadyrov fez uma declaração na televisão avisando que como parte de sua luta contra o "Islã não-tradicional", as autoridades deteriam  mulheres que usassem lenços estilo "Wahabi", cobrindo a testa e o queixo.

Abusos relacionados à preparação para os Jogos Olímpicos de 2014

As autoridades perseguiram e intimidaram organizações, indivíduos e jornalistas em Sochi antes dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014. Em fevereiro, um tribunal de apelação manteve uma sentença de prisão por motivação política para Evgenii Vitishko, um ativista ambiental e crítico dos preparativos olímpicos na Rússia.

Em janeiro, as autoridades anunciaram que uma inspeção em mais de 500 empresas envolvidas na construção olímpica expôs 277 milhões de rublos (US$ 8,34 milhões) em salários não pagos aos trabalhadores. No entanto, ativistas locais relatam que centenas de trabalhadores migrantes ainda não receberam os salários completos. 

As autoridades não reassentaram ou compensaram de forma justa algumas famílias despejadas para o desenvolvimento do projeto  olímpico, cujas casas ou propriedades muitas vezes sofreram danos com isso.

Cuidados Paliativos

O ano de 2014 viu vários avanços em relação a cuidados paliativos, incluindo a introdução de diretrizes clínicas no tratamento de dor para crianças. A falta de acesso aos cuidados de tratamento de dor e cuidados paliativos de qualidade continua sendo um problema sistêmico. O acesso à morfina continua sendo demasiadamente restrito para a grande maioria dos pacientes.

Um médico em Krasnoyarsk e outra mulher que ajudaram um homem em fase final de um câncer a obter acesso a medicação para dor, foram finalmente absolvidos durante um novo julgamento em outubro, depois de inicialmente terem sido condenados e multados sob a acusação de tráfico ilegal de substâncias controladas.

Direitos de Pessoas com Deficiência

Adultos e crianças que vivem com várias deficiências enfrentam muitas barreiras para participar em suas comunidades. Estas incluem barreiras físicas, tais como a falta de rampas e elevadores e acomodações inadequadas nos sistemas de transporte; barreiras políticas, como a falta de educação inclusiva; e barreiras sociais, como a falta de vontade dos empregadores de contratarem pessoas com deficiência.

Medidas positivas foram tomadas pelo Minsitério do Trabalho e Proteção Social em 2014, tendo este apresentado alterações à legislação para expandir as acomodações obrigatórias para pessoas com deficiências físicas e sensoriais e proibir a discriminação baseada em deficiência. A Rússia hospedou com sucesso os Jogos Paraolímpicos de Inverno de Sochi de 2014. No entanto, em Sochi, moradores e turistas com deficiências ainda enfrentam barreiras quanto ao uso de serviços públicos e instalações devido à falta de acessibilidade.

Centenas de milhares de adultos e crianças com deficiência atualmente vivem em instituições fechadas. Cerca de 45 por cento das crianças em orfanatos possuem deficiências. Muitas dessas crianças com deficiência enfrentam negligência e violência física e psicológica, além de terem negados o direito de brincar, estudar e ter acesso a cuidados de saúde adequados. A Rússia comprometeu-se em abordar as elevadas taxas de crianças em instituições do estado, mas as políticas atuais não são implementadas concretamente ou falta-lhes monitoramento.

Rússia e Ucrânia

Moscou deixou claro seu apoio político aos insurgentes armados no leste da Ucrânia e exerce clara influência sobre eles. Há também evidências de que forneçam suporte material aos insurgentes em termos de armas e treinamento. Evidências crescentes, incluindo imagens de manobras militares e a captura de soldados russos na Ucrânia, mostraram que as forças russas estão participando das hostilidades. Mesmo assim, a Rússia não tomou nenhuma medida pública para frear os abusos dos insurgentes (consulte o capítulo sobre a Ucrânia).

Principais Atores Internacionais

A interferência da Rússia na Ucrânia contribuiu bastante para a drástica deterioração das relações entre a Rússia e seus parceiros internacionais, incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, tendo ambos determinado sanções contra as ações da Rússia na Ucrânia. Embora o conflito na Ucrânia tenha acobertado preocupações sobre a escalada da repressão na Rússia, vários atores aumentaram sua crítica pública sobre o desempenho doméstico da Rússia, condenando a nova legislação restritiva e o clima hostil contra os defensores de direitos humanos e ativistas da sociedade civil.

Em fevereiro de 2014, o Comitê Olímpico Internacional (COI) pressionou as autoridades russas para que investigassem  os salários em atraso devidos aos trabalhadores migrantes envolvidos nos preparativos para os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi de 2014, mas deixou de condenar a lei anti-LGBT de 2013, apesar da proibição de discriminação constante da Carta Olímpica.

Em maio, o comissário de direitos humanos do Conselho da Europa observou que a pressão sobre os jornalistas independentes na Rússia havia aumentado.

Em 3 de junho, a Assembleia Parlamentar da Relatoria do Conselho da Europa sobre os defensores dos direitos humanos expressou pesar sobre a contínua repressão aos defensores e da sociedade civil e o fato de que a Rússia não cumpriu suas promessas de rever a lei de "agentes estrangeiros".

O promotor do Tribunal Penal Internacional continuou a monitorar as investigações russas e da Geórgia sobre os crimes cometidos durante o conflito Geórgia-Rússia sobre a Ossétia do Sul em 2008.