Em maio de 2014, a Índia elegeu como primeiro-ministro Narendra Modi, do partido Hindu Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês). Após 10 anos na oposição, o BJP ganhou um mandato decisivo com uma significativa maioria no Parlamento. O partido prometeu retomar o crescimento, acabar com a corrupção e promover projetos de desenvolvimento.
Modi tem enfatizado a proteção das mulheres contra a violência e outros abusos e o acesso à assistência a saúde e ao saneamento. Também tem chamado a atenção dos parlamentares para o estabelecimento de “vilas modelo” com melhor infraestrutura e modernas instalações sanitárias em áreas rurais. Além disso, em seu primeiro discurso público, pediu uma moratória de dez anos em relação às divisões entre comunidades e discriminação.
O novo governo manifestou um compromisso com a liberdade de expressão, mas não deu fim à censura do Estado nem tomou uma medida decisiva contra grupos ultranacionalistas e outros militantes religiosos que respondem com violência a pontos de vista que não compartilham. Em 2014, as autoridades aumentaram as restrições impostas a organizações não governamentais (ONGs). Um dos motivos foi que os grupos da sociedade civil vêm sendo extremamente críticos em relação a grandes projetos de desenvolvimento que, segundo eles, terão um impacto negativo sobre o meio ambiente, bem como sobre a saúde e os meios de subsistência das comunidades afetadas.
Embora Modi tenha assumido o cargo de primeiro-ministro da Índia com uma reputação prévia de ter liderado um crescimento econômico e melhorias na governança do estado de Gujarati, no qual foi ministro-chefe, a sua incapacidade de defender os muçulmanos gujarati nos distúrbios religiosos de 2002 e de prontamente promover a responsabilização dos envolvidos continua causando preocupação. Alguns comentários provocativos por parte de políticos do BJP geraram uma sensação de insegurança entre minorias religiosas.
A discriminação baseada em castas e a negligência das comunidades tribais também é um problema contínuo na Índia, assim como o abuso sexual e outras formas de violência contra mulheres e crianças. O Prêmio Nobel da Paz concedido ao ativista Kailash Satyarthi em 2014 destacou o fato de que milhões de crianças na Índia ainda estão envolvidas nas piores formas de trabalho. A falta de responsabilização das forças de segurança e dos funcionários públicos responsáveis por abusos perpetua a impunidade e gera mais abusos. É preciso colocar em prática reformas policiais que façam com que a força respeite os direitos e seja responsabilizada por seus atos.
Tratamento das Minorias
Em 2013, durante a corrida para as eleições nacionais, surgiram incidentes de violência contra minorias religiosas. Fontes oficiais indicam que 133 pessoas foram mortas e 2.269 ficaram feridas em um total de 823 incidentes.
Mais de um ano após a violência comunal que matou mais de 60 pessoas, a maioria muçulmanos, e deslocou dezenas de milhares de pessoas para os distritos de Muzaffarnagar e Shamli, no estado de Uttar Pradesh, os governos central e estaduais ainda não tinham provido assistência adequada às vítimas ou justiça. Inclusive, o BJP escolheu Sanjeev Balyan, acusado de incitar a violência durante os distúrbios, como candidato do partido nas eleições parlamentares e o nomeou ministro, aumentando a insegurança dos muçulmanos. O governo estadual o fechou à força os acampamentos para assistência às vítimas e nada fez em relação às alegações sobre a falta de assistência adequada que causou a morte de mais de 30 crianças nos acampamentos.
Em junho de 2014, um grupo ultranacionalista hindu organizou protestos violentos na cidade de Pune, situada na parte ocidental da Índia, contra um post publicado em redes sociais que depreciava algumas figuras históricas e políticas hindus. Alguns membros do grupo, supondo que os muçulmanos eram autores da postagem anônima, arbitrariamente agrediram e mataram Mohsin Shaikh – que não tinha ligações com a postagem –, mas que foi facilmente identificado como muçulmano em razão do chapéu característico que estava usando.
Os dalits (chamados Intocáveis) e grupos tribais continuaram enfrentando discriminação e violência. As dificuldades em obter justiça, com as quais a comunidade dos dalits lida, ficaram evidentes em sentenças recentes em quatro casos judiciais em Bihar e um no estado de Andhra Pradesh. Em cada um desses casos, a justiça anulou as condenações nos incidentes relevantes ocorridos entre 1991 e 2000 que envolveram mortes de dalits, por falta de provas, ressaltando o fracasso das autoridades do Ministério Público.
Apesar das inúmeras iniciativas e leis que proíbem "a lavagem manual" – limpeza à mão de resíduos humanos, executada por membros de comunidades consideradas de baixa casta – a prática persiste. Aqueles que tentam sair desse tipo de trabalho enfrentam retaliação, inclusive ameaças de violência ou de desalojamento. Em março de 2014, a Suprema Corte decidiu que a constituição da Índia precisa de intervenção do Estado para que a prática seja abolida.
Impunidade
Membros das forças de segurança da Índia continuam impunes após sérias violações dos direitos humanos.
Em um caso raro ocorrido em novembro de 2014, o exército informou que um tribunal militar condenou cinco soldados, dentre eles dois policiais, à prisão perpétua em razão de uma execução extrajudicial de três inocentes aldeões, em 2010. O exército determinou ojulgamento militar, utilizando-se da severa lei de poderes especiais das forças armadas (AFSPA, na sigla em inglês) para bloquear a ação penal em tribunais civis.
O exército também escolheu um julgamento militar para a alegação de execução extrajudicial de cinco civis em Pathribal, no norte de Jammu e Caxemira. No entanto, em janeiro, o tribunal do exército rejeitou as denúncias contra cinco agentes. A AFSPA, que está em vigor há décadas em Jammu e Caxemira e nos estados do nordeste da Índia, tem resultado em efetiva imunidade para os membros das forças armadas pelas mortes de civis e outras violações graves dos direitos humanos. Inúmeras comissões independentes na Índia recomendaram a revogação ou alteração da lei, mas o governo não pôde fazê-lo diante da forte oposição do exército.
As propostas para reformar a política também definharam mesmo com a polícia continuando a violar os direitos humanos com impunidade, promovendoprisões e detenções arbitrárias, tortura e execuções extrajudiciais. Em vários estados, a polícia é mal treinada e enfrenta excessivo volume de trabalho.
Dois diferentes relatórios – um de um “think tank” e outro de três policiais do alto escalão – apontaram a falta de confiança entre as comunidades muçulmanas e a polícia. Para os muçulmanos a polícia favorece certos grupos, é tendenciosa e insensível, em parte por causada má conduta de alguns de seus membros, especialmente em episódios de violência comunal.
Direitos das Mulheres
Em novembro de 2014, mais de doze mulheres morreram e muitas outras ficaram gravemente comprometidas após terem sido submetidas a procedimentos de esterilização no estado central indiano de Chhattisgarh. Isso levou a um clamor contra abordagens direcionadas em programas de planejamento familiar.
Reformas legais foram anunciadas em resposta ao estupro coletivo e homicídio em Deli, em 2012, mas até o momento de elaboração deste relatório o governo indiano ainda estava para introduzir mecanismos de controle e comunicação para acompanhar a sua implementação. Relatos de estupro – inclusive de mulheres dalits, de pessoas com deficiência e crianças – continuaram estampando os noticiários nacionais em 2014, levando a protestos.
No início de 2014, o governo apresentou diretrizes que ofereceriam tratamento médico e exames para mulheres e crianças que denunciam estupro, mas não conseguiu destinar os recursos necessários para que fossem implementadas. Até o momento de elaboração deste relatório, apenas dois estados tinham adotado as diretrizes.
Houve uma queda nas taxas de mortalidade materna na Índia, mas elas continuam sendo uma preocupação em virtude dos frágeis sistemas de referenciamento para consulta e da falta de acesso a assistência médica em muitas partes do país.
Direitos das Crianças
Ao conceder o prêmio da paz a Kailash Satyarthi, o comitê do prêmio Nobel chamou a atenção para a frequente contratação de crianças para trabalho em péssimas condições. A Lei de Direito à Educação e os programas do governo resultaram na matrícula quase universal de crianças em séries escolares iniciais. Mas milhões de crianças, principalmente de comunidades vulneráveis dalits, tribais e muçulmanas, que enfrentam discriminação, assistência inadequada nas escolas públicas e pressões para ganharem dinheiro, logo saem da escola e começam a trabalhar.
Em agosto de 2014, o governo apresentou alterações à Lei de Justiça Juvenil que, se aprovada, sujeitaria adolescentes entre 16 e 18 anos a responderem ações penais em tribunais para adultos quando fossem acusados de crimes graves, como estupro e homicídio. Ativistas dos direitos da criança e a Comissão Nacional para a Proteção dos Direitos da Criança se opuseram veementemente.
Em junho de 2014, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança identificou várias áreas nas quais o governo indiano não tinha conseguido garantir a proteção das crianças contra discriminação, práticas nocivas, abuso sexual e trabalho infantil. A Comissão também demonstrou preocupações sobre militantes maoístas que recrutam crianças e atacam escolas e sobre as forças armadas do governo que ocupam escolas nas áreas maoístas afetadas, apesar das decisões da Suprema Corte que proíbem a prática.
Proteção dos Direitos LGBT
Os direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) sofreram um retrocesso em dezembro de 2013, quando a Suprema Corte reverteu uma decisão do Supremo Tribunal de Deli, de 2009, revogando uma lei da era colonial que criminaliza relações sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo. Até o momento de elaboração deste relatório, havia uma petição para revisão dessa decisão pendente na Suprema Corte.
Em abril de 2014, a Suprema Corte reconheceu os transgêneros como um terceiro gênero e determinou que o governo os trate como uma minoria elegível a cotas de emprego e educação.
Cuidados Paliativos
Em fevereiro de 2014, o Parlamento da Índia alterou as leis de entorpecentes do país para permitir um melhor acesso a medicamentos analgésicos, inclusive morfina. As alterações cruciais à Lei de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas eliminaram regras arcaicas que obrigavam hospitais e farmácias a obterem quatro ou cinco licenças, cada uma de um órgão diferente do governo, sempre que quisessem comprar medicamentos fortes para alívio da dor. Anualmente, mais de 7 milhões de pessoas na Índia precisam de cuidados paliativos; as novas revisões da lei ajudarão a poupar-lhes sofrimento indígno e desnecessário proveniente de dor severa.
Direitos das Pessoas com Deficiência
Serviços voltados à saúde mental e de apoio estão severamente escassos na Índia. Menos de 20 por cento das pessoas que precisam de cuidados de saúde mental têm acesso ao tratamento. Devido ao estigma e à escassez de serviços básicos oferecidos pelo governo, as famílias acham difícil lidar com eles e muitas vezes acabam abandonando ou institucionalizando à força parentes com deficiências intelectuais ou psicossociais.
Restrições à Liberdade de Expressão
Leis formuladas de forma vaga, que criminalizam a liberdade de expressão, continuam sendo distorcidas. A polícia de vários estados apresentou denúncias com base no Código Penal indiano ou na Lei de Tecnologia da Informação por críticas na internet feitas a figuras políticas importantes, dentre elas o primeiro-ministro. Em um exemplo, cinco jovens foram interrogados pela polícia por fazerem comentários anti-Modi via telefone. A polícia também mirou duas revistas estudantis por comentários críticos sobre algumas figuras políticas, dentre elas Modi.
Apesar dos compromissos para proteger a liberdade de expressão, o governo não tomou medidas decisivas contra grupos militantes que ameaçam e atacam pessoas que têm pontos de vista contrários aos deles. Diante das frágeis respostas do governo e de ameaças de processos judiciais por parte de grupos ultranacionalistas hindus, algumas editoras retiraram livros de circulação ou cancelaram livros que estavam para serem publicados.
Sociedade Civil e Liberdade de Associação
As autoridades reforçaram as restrições impostas às organizações da sociedade civil. Os agentes utilizam a Lei de Regulamentação da Contribuição Estrangeira (FCRA, na sigla em inglês), que monitora fundos provenientes de doadores estrangeiros, para perseguirem as organizações que questionam ou criticam as políticas do governo, para bloquearem as suas atividades e para cortarem fundos vindos do exterior.
É grave o impacto sobre a sociedade civil indiana. Quando o Ministério do Interior da Índia realiza uma investigação nos termos da FCRA, muitas vezes ele congela as contas da ONG que está sendo investigada, cortando sua fonte de financiamento e obrigando-a a interromper suas atividades. Táticas como essas têm um efeito de arrefecimento mais amplo sobre o trabalho de outros grupos.
Em 2014, o governo Modi pediu ao banco central do país que buscasse autorização prévia antes de permitir a transferência de fundos estrangeiros para as contas do Greenpeace na Índia, intensificando a preocupação de que o governo seria menos tolerante com as organizações que questionavam os projetos de desenvolvimento e infraestrutura do governo.
Pena de Morte
Embora nenhuma execução tenha ocorrido em 2014, a pena de morte continuou sendo proferida. Isso ocorreu apesar de uma decisão da Suprema Corte, em novembro de 2012, afirmar que a categoria "mais rara das raras" não teria sido aplicada de maneira uniforme ao longo dos anos e que precisava ser revista.
Numa decisão judicial em janeiro de 2014, a Suprema Corte da Índia comutou as penas de morte de 15 presos e determinou que penas de morte podem ser comutadas nos casos em que os réus sofram de enfermidade mental ou quando houver atrasos inexplicáveis do governo em deliberar sobre pedidos de misericórdia. Também determinou diretrizes para proteger os direitos de presos que estão no corredor da morte e os direitos de suas famílias.
Política Externa
O novo governo intensificou o envolvimento com líderes mundiais para promover o comércio e os investimentos, bem como reanimar a economia indiana. Para sua cerimônia de posse, Modi convidou todos os chefes de Estado vizinhos, dentre eles o Paquistão, apontando para o seu compromisso de criar laços mais fortes na região.
Apesar dos repetidos ataques de militantes a propriedades indianas – inclusive um ataque ao consulado em Herat, em maio de 2014 –, a Índia continuou prestando significativa assistência aos esforços de reconstrução no Afeganistão, bem como treinamento para seguranças afegãos. Também prestou assistência aos esforços de reconstrução no Sri Lanka.
Tanto o governo do ex-primeiro-ministro Manmohan Singh quanto o governo de Modi foram reticentes em muitas questões de direitos humanos regionais e globais, nos quais suas vozes poderiam ter feito a diferença. O governo Modi tem focado em política externa para revitalizar o comércio e investimento, apelando para a cooperação internacional a fim de combater as ameaças de terrorismo e lavagem de dinheiro. No entanto, não fez nenhum anúncio significativo, sugerindo maior compromisso com a proteção dos direitos humanos, mesmo em países como Bangladesh, Nepal, Sri Lanka ou Birmânia, onde exerce uma influência considerável. O governo se absteve em resoluções importantes da ONU, inclusive na Coreia do Norte, em novembro de 2014.
Depois de apoiar duas resoluções no Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre o Sri Lanka em 2012 e 2013, em março de 2014 a Índia se absteve em uma resolução que solicitava que o Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos investigasse violações graves durante o conflito entre o governo do Sri Lanka e os Tigres de Libertação do Tamil Eelam, encerrado em maio de 2009. A Índia afirmou que o Sri Lanka deveria ser apoiado na abordagem dessas preocupações por meio de esforços totalmente nacionais.
Os direitos humanos não mereceram manifestações públicas muito contundentes quando os líderes indianos se reuniram com líderes dos Estados Unidos, Austrália, China e Japão, embora tenham concordado em cooperar em questões regionais.
Mesmo sem ratificar as convenções sobre refugiados da ONU, a Índia continuou aceitando refugiados do Tibete, de Burma e, nos últimos anos, do Afeganistão.
Entretanto, a Índia falhou em condenar publicamente os esforços da Austrália de repatriar refugiados do Sri Lanka sem avaliar adequadamente o risco de tortura. A Índia também não se manifesta no sentido de solicitar a proteção dos muçulmanos rohingya em Burma.
Principais Atores Internacionais
Estados Unidos, Reino Unido, Japão, China e Austrália, entre outros, viram a eleição de Modi como uma oportunidade de fortalecer os laços comerciais com a Índia. Com foco em investimento e comércio, e dada a tradicional sensibilidade indiana à perceptível interferência em seus assuntos internos, esses países mantiveram uma abordagem discreta aos direitos humanos, preferindo ignorar preocupações sobre a proteção das minorias religiosas.
O desempenho da Índia em relação aos direitos das crianças e os direitos das mulheres foram revistos em 2014 pelo Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança e pelo Comitê da ONU sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres. Os dois comitês levantaram preocupações sobre o fracasso da Índia em implementar leis e políticas relevantes, bem como assegurar a não discriminação.