Os Estados Unidos continuaram a retroceder no respeito aos direitos humanos no país e no exterior, no segundo ano da administração do presidente Donald Trump. Com o Partido Republicano de Trump controlando o poder legislativo em 2018, seu governo e o Congresso conseguiram aprovar leis, implementar regulamentos e executar políticas que violam ou prejudicam os direitos humanos.
Apesar de Trump sinalizar apoio a reformas modestas, seu governo retrocedeu em iniciativas destinadas a reduzir as altas taxas de encarceramento nos EUA, implementou uma série de políticas anti-imigração, e contribuiu para enfraquecer o programa de seguridade nacional que ajuda cidadãos estadunidenses a ter acesso à assistência médica, incluindo importantes serviços de saúde reprodutiva para mulheres.
O governo Trump também continuou a apoiar militarmente, financeiramente e diplomaticamente governos abusivos no exterior. Embora tenha demonstrado apoio a algumas iniciativas internacionais no sentido de imporsanções a indivíduos e governos que cometem abusos de direitos humanos, a política geral do governorevelou um desprezo pelas instituições multilaterais e órgãos judiciais internacionais que promovem a responsabilização de indivíduos por flagrantes violações de direitos humanos.
Penas severas
As prisões estaduais e federais ainda mantêm mais de 2 milhões de pessoas encarceradas, com outros 4,5 milhões em regime condicional. A taxa de mulheres encarceradas tem crescido a um ritmo mais acelerado em todo o país, aumentando em mais de 700% entre 1980 e 2016. Oklahoma encarcera mais mulheres per capita do que qualquer outro estado dos EUA. Em setembro, a Human Rights Watch documentou os persistentes danos causados pelo encarceramento de mães em caráter provisório, muitas das quais simplesmente não conseguem pagar a fiança em Oklahoma.
O ex-procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, revogou políticas que instruíam promotores a evitardenúncias que levassem a longas penas mínimas obrigatórias, e que tinham por objetivo reduzir disparidades raciais no sistema federal. Jeff Sessions também revogou uma diretriz do Departamento de Justiça que autorizava os promotores federais a não processarem crimes relacionados à maconha nos 10 estados onde a maconha foi legalizada para consumo adulto.
Milhões de pessoas ainda não podem votar devido a disparidades nas leis sobre restrições ao direito de voto por parte de condenados em todo o país. No entanto, durante as eleições de meio mandato em novembro, os eleitores da Flórida aprovaram uma iniciativa que garante o direito ao voto a 1,4 milhão de residentes do estado com condenações criminais. A iniciativa foi uma das várias aprovadas pelos estados para fazer avançar reformas no âmbito da justiça criminal, incluindo: uma iniciativa no Colorado que altera a constituição estadual para impedir que condenados sejam submetidos a trabalhos forçados, sem devida remuneração; uma iniciativa na Flórida que garante efeito retroativo para revisões de sentenças; uma iniciativa em Michigan que legalizou a maconha para uso recreativo; e outra no estado de Washington que fortaleceu o controle da polícia e sua responsabilização por abusos.
A pena de morte ainda é permitida em 30 estados. Segundo o Death Penalty Information Center, 21 pessoas em oito estados tinham sido executadas até o final de novembro, todas no sul e centro-oeste do país. Foram 11 execuções no Texas. Todas, exceto uma delas, foram cometidas via injeção letal - a exceção sendo por cadeira elétrica. Trump e funcionários do governo têm apoiado a pena de morte para fornecedores de drogas.
Disparidades raciais, política de drogas e policiamento
As disparidades raciais permeiam todas as áreas do sistema de justiça criminal dos EUA. Os negros são 13% da população, mas representam cerca de 40% da população prisional. A taxa de encarceramento de negros é mais de cinco vezes maior que a de pessoas brancas. Pessoas negras usam drogas ilegais em taxas semelhantes às pessoas brancas, mas sofrem prisões por drogas a taxas significativamente mais altas.
De acordo com o Washington Post, a polícia teria matado 876 pessoas nos EUA até o início de outubro. Dos mortos, cuja raça é conhecida, 22% eram negros. Das pessoas desarmadas mortas pela polícia, 39% eram negras. O Departamento de Justiça reduziu os esforços para investigar delegacias de polícia locais que foram objeto de relatos críveis de violações constitucionais sistêmicas. Alguns governos estaduais assumiram esse papel de supervisão. Disparidades raciais no uso da força por policiais, bem como prisões, citações e abordagens de trânsito continuam a existir.
Crianças e adolescentes no sistema de justiça criminal
De acordo com o Departamento de Justiça, a taxa de detenção juvenil tem diminuído, mas disparidades raciais dramáticas persistem: crianças e adolescentes negros são desproporcionalmente representados em todas as fases e, em 37 estados, as taxas de encarceramento eram mais altas para crianças e adolescentes negros do que para brancos, segundo o Sentencing Project.
De acordo com o Citizens Committee for Children, cerca de 32.000 crianças menores de 18 anos são anualmente encaminhadas a prisões para adultos. Todos os 50 estados continuam a julgar algumas crianças em varas criminais para adultos. Aproximadamente 1.300 pessoas estão condenadas sem direito à liberdade condicional por crimes cometidos quando tinham menos de 18 anos, de acordo com a Campaign for the Fair Sentencing of Youth.
Em outubro, a Suprema Corte do estado de Washington decidiu que sentenças de prisão perpétua sem liberdade condicional por crimes cometidos antes dos 18 anos violam a constituição estadual. Ao todo, 21 estados e o Distrito de Columbia agora proíbem a aplicação de prisão perpétua a crianças. A Califórnia adotou uma lei em outubro que põe fim ao julgamento de crianças de 14 e 15 anos como se fossem adultos. E em abril, Nova York eliminou o julgamento automático de jovens de 16 e 17 anos como se fossem adultos, embora adolescentes dessa idade – ou mais jovens – acusados de crimes violentos, ainda terão seus casos inicialmente apresentados em varas de adultos com a possibilidade de transferência para o sistema de justiça juvenil.
Pobreza e justiça criminal
Pessoas de baixa renda que enfrentam processos criminais nos EUA acabam presas com frequência porque juízes exigem pagamento de fiança como condição para sua liberação. Isso força pessoas ainda não condenadas por qualquer crime a ficarem atrás das grades por longos períodos de tempo enquanto aguardam seu julgamento, e as coage a se declararem culpadas. É crescente o movimento para reduzir o uso da fiança em dinheiro, mas muitos estados – incluindo a Califórnia, que aprovou um projeto de lei que elimina o pagamento de fiança em agosto – estão substituindo a fiança em dinheiro por instrumentos de avaliação de risco que podem consolidar ainda mais a discriminação e fracassar na redução das taxas de detenção provisória.
Muitas jurisdições locais impõem taxas e multas excessivas até mesmo por delitos menos graves. Quando não pagas, essas dívidas podem resultar em prisões que alimentam um ciclo de encarceramento e aumento da pobreza. Da mesma forma, alguns estados privatizam serviços de liberdade condicional, o que penaliza pessoas de baixa renda que cometem delitos menos graves e leva a abusos de direitos.
Em junho de 2018, o relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre pobreza extrema e direitos humanos divulgou um relatório criticando fortemente os EUA por suas políticas em relação a pessoas de baixa renda.
Incidentes de crimes de ódio
Durante uma semana em outubro, homens que defendiam visões de extrema-direita e de supremacia branca supostamente cometeram três diferentes atos violentos: um deles promoveu um tiroteio em massa em uma sinagoga em Pittsburgh, matando 11 fiéis e ferindo outros; o segundo enviou pelo correio bombas mortíferas a destacados membros dos Democratas; e o terceiro atirou contra dois afro-americanos em uma loja em Louisville, matando ambos. Múltiplas organizações e o governo, que empregam diferentes metodologias para coletar diferentes tipos de informações sobre crimes de ódio, relataram um aumento no número de incidentes motivados por ódio nos últimos anos.
Direitos dos não-cidadãos
Mais de 2.500 famílias foram separadas à força na fronteira dos EUA, depois que pais que viajavam com suas crianças se tornaram alvos de processos criminais pelo governo Trump. Como resultado dessa política, até mesmo crianças com deficiência foram separadas de suas famílias, incluindo uma menina de 10 anos com Síndrome de Down que foi afastada de sua mãe.
Embora um tribunal federal e um enorme clamor público tenham colocado fim às separações em massa no final de junho, as reunificações de centenas de famílias demoraram meses. De acordo com relatos da imprensa, famílias continuaram a ser separadas, embora em menor escala, depois que Trump editou uma diretriz que supostamente dava fim à prática. Segundo consta, muitas dessas separações contínuas tiveram por base acusações vagas ou infundadas contra os pais de irregularidades ou delitos não graves. O crescente número de processos criminais por entrada ilegal no país continuou. Profissionais de saúde mental alertaram que a separação provavelmente causaria trauma, tanto imediato como duradouro.
Centenas de pais foram separados de seus filhos e deportados, incluindo muitos cujos pedidos de refúgio foram indevidamente recusados pelos agentes de fronteira dos EUA. Uma decisão administrativa de junho expedida pelo ex-procurador-geral Jeff Sessions tentou restringir o acesso à proteção do refúgio para pessoas que reivindicavam perseguição por parte de atores não-estatais, incluindo vítimas de violência doméstica e de facções criminosas. Em novembro, o governo editou uma decisão final interina que impede migrantes que chegam ao país entre postos de fronteira de solicitarem refúgio – constituindo violação do direito internacional e do direito interno dos EUA. A regra foi temporariamente suspensa por um juiz federal. Em 26 de novembro, na fronteira EUA-México, uma marcha pacífica de imigrantes que buscam refúgio terminou com agentes de fronteira dos EUA lançando granadas de gás lacrimogêneo contra imigrantes, incluindo crianças pequenas.
A Suprema Corte dos EUA manteve um decreto editado por Trump que proibia a entrada de pessoas vindas de diversos países predominantemente muçulmanos, e que a Human Rights Watch e outros críticos da proibição afirmam ser discriminatório. O governo também anunciou que o Status de Proteção Temporária expiraria para quase 400.000 imigrantes com fortes vínculos nos EUA vindos do Sudão, Haiti, El Salvador, Nicarágua, Honduras e Nepal entre o final de 2018 e o início de 2020, colocando-os em risco de deportação e separação de suas famílias e lares. Detenções e deportações de pessoas sem documentos presas no interior dos Estados Unidos, principalmente em razão de mínima interação com o sistema de justiça criminal ou de operações de fiscalização nos locais de trabalho, continuaram a aumentar – sem levar em consideração seus direitos ao lar e à família.
As autoridades de imigração tentaram deter mais pessoas – incluindo populações vulneráveis, como crianças e mulheres grávidas – no já expansivo sistema de detenção de imigrantes. Autoridades de imigração tentaram remover barreiras legais à detenção de crianças em família indefinidamente. De 15 mortes recentes em centros de detenção de imigrantes, a Human Rights Watch constatou que oito estavam ligadas a cuidados médicos insuficientes.
O destino de quase 800.000 jovens imigrantes que possuem permissão de trabalho e proteção contra a deportação sob o DACA - Deferred Action for Childhood Arrivals (em português, Ação Diferida para as Chegadas na Infância), permaneceu incerto – os tribunais continuaram a questionar a decisão de 2017 do governo Trump de encerrar o programa. Propostas de mudanças regulatórias da definição de “encargos públicos” na lei de imigração dos Estados Unidos ameaçam a participação em programas essenciais de saúde pública e de repasse de benefícios de crianças cidadãs nascidas de não-cidadãos.
Direito à saúde
Até a publicação deste relatório, tentativas no Congresso de revogar o ACA - Affordable Care Act (Lei de Cuidados de Saúde Acessíveis, em tradução livre para o português) – legislação que expandiu enormemente o acesso a cuidados de saúde para milhões de americanos – falharam. No entanto, uma reforma tributária eliminou sanções relativas à não participação na adesão individual obrigatória conforme exigido por lei. A Comissão de Orçamento do Congresso estimou que isso poderia deixar 13 milhões de pessoas sem cobertura de seguro. Além disso, o programa Medicaid de subsídios para a obtenção de seguro privado, as proteções contra discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBTs), bem como outros aspectos essenciais do ACA, foram alvo de medidas federais e estaduais que ameaçam restringir o acesso à saúde. Muitos estados que contam com o suporte do governo federal impuseram exigências de trabalho, testes de drogas e outras barreiras à elegibilidade ao Medicaid para indivíduos de baixa renda.
Em 2017, um recorde de 72.000 americanos morreram de overdose. A resposta do governo Trump a esse problema crônico foi cada vez mais punitiva, com penas robustecidas por venda e distribuição de fentanil. Em muitos estados, as leis penais impedem a expansão de comprovadas intervenções de saúde pública, como programas de distribuição de seringas e locais de consumo supervisionados, que reduzem a transmissão de doenças infecciosas e evitam a superdosagem. O acesso reduzido ao Medicaid ameaça colocar o tratamento de drogas fora do alcance de milhões de americanos.
Direitos das pessoas idosas
A Human Rights Watch relatou, em fevereiro de 2018, que os lares para idosos nos EUA frequentemente medicam residentes com demência com drogas antipsicóticas para controlar seu comportamento – muitas vezes sem o consentimento das pessoas. Esta prática abusiva continua generalizada e pode constituir tratamento cruel, desumano ou degradante.
Direitos das mulheres e meninas
Denúncias de assédio sexual e má conduta por parte de figuras públicas masculinas continuaram a surgir à medida que o movimento #MeToo viralizou, destacando abusos sofridos por mulheres no ambiente de trabalho e em locais públicos. O Senado aprovou a nomeação vitalícia de Brett Kavanaugh para a Suprema Corte dos EUA sem investigar minuciosamente as alegações críveis de abuso sexual, ou outros aspectos de seu histórico, a respeito dos quais a Human Rights Watch expressou grande preocupação.
O Congresso aprovou em 2017, uma legislação que torna mais fácil para estados restringirem subsídios ao programa federal de planejamento familiar e serviços de saúde preventiva, o Título X, criando requisitos de elegibilidade que poderiam excluir certos provedores da prestação desses serviços, a exemplo da Planned Parenthood. O Título X financia serviços prestados a mais de 4 milhões de americanos. Em maio, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS, na sigla em inglês) propôs uma “política da mordaça” para impedir que médicos que recebem financiamento do Título X ofereçam às mulheres uma gama completa de opções à gravidez e para eliminar a exigência de que médicos devem fornecer informações neutras e factuais às mulheres grávidas. O HHS recebeu mais de meio milhão de comentários em resposta ao anúncio de criação da política. Até a elaboração deste relatório, uma decisão final sobre a política ainda não havia sido emitida.
Em 2017, o HHS editou uma norma que isenta praticamente qualquer empregador que alegue objeções religiosas ou morais a determinado método de controle de natalidade de cumprir o requisito do ACA de fornecer cobertura contraceptiva como parte de seus planos de seguro de saúde para funcionários. Em março de 2018, o HHS propôs uma outra política que ampliaria drasticamente a possibilidade deprofissionais de saúde recusarem pacientes com base em objeções religiosas ou morais, incluindo mulheres que buscam serviços de saúde reprodutiva e pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero. Até a elaboração deste relatório, a política não havia sido finalizada.
Alguns estados tomaram medidas para proativamente proteger ou expandir as proteções à saúde das mulheres. No entanto, vários estados adotaram leis altamente restritivas sobre o aborto e a saúde reprodutiva. Em 2018, dois estados – Delaware e New Jersey – proibiram todo casamento antes dos 18 anos, mas o casamento infantil permanece legal nos 48 estados restantes.
Orientação sexual e identidade de gênero
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) anunciou planos para reverter uma política federal que estipula que a proibição de discriminação sexual prevista no ACA inclui a proibição de discriminação com base na identidade de gênero.
Em 2018, os estados de Oklahoma, Kansas e Carolina do Sul promulgaram leis que permitem que assistentes sociais recusem a adoção e acolhimento familiar de crianças por pessoas LGBT com base em objeções religiosas. Uma disposição similar foi adicionada a uma proposta de lei orçamentária na Câmara dos Deputados dos EUA, mas não foi aprovada.
Até a elaboração deste relatório, 19 estados tinham leis que proíbem expressamente a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de gênero no emprego, moradia e espaços públicos. Wisconsin e Nova York proíbem a discriminação com base na orientação sexual, mas não na identidade de gênero, e Utah apenas proíbe a discriminação no emprego e na moradia. Michigan, Nova York e Pensilvânia interpretam sua proibição legal de discriminação sexual para incluir a discriminação baseada na orientação sexual e/ou identidade de gênero.
Segurança nacional
Em março, o Senado dos EUA confirmou Gina Haspel para a direção da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês). Em 2002, Gina Haspel dirigia um centro de detenção da CIA na Tailândia, onde foi responsável por casos de tortura e, em 2005, ela defendeu e ajudou na destruição de provas em vídeo de tortura pela CIA.
Os EUA estão ajudando as Forças Democráticas Sírias (FDS) a administrar e manter centros de detenção no norte da Síria, onde as FDS mantinham cerca de 600 homens de 47 países acusados de serem combatentes ou membros do Estado Islâmico (ISIS). Até a elaboração deste relatório, os EUA também tinham transferido pelo menos oito detentos sob custódia das FDS para o Líbano, sete para a Macedônia e outros estrangeiros para o Iraque. Um cidadão de dupla nacionalidade americana-saudita ficou sob custódia dos EUA por mais de um ano até outubro, quando os EUA foram pressionados em litígio a libertá-lo. Os EUA também estavam considerando transferir centenas de pessoas da custódia das FDS para o Iraque, Tunísia e outros países para detenção. Não ficou claro qual método de proteção contra abusos os EUA providenciavam aos presos transferidos, mas as transferências levantaram preocupações de que esses detidos poderiam enfrentar tortura e julgamentos injustos e não terem a chance de contestarem suas transferências antes que elas fossem realizadas.
Os EUA também estavam considerando a transferência de dois detentos que as FDS mantinham no norte da Síria para o centro de detenção da Baía de Guantánamo. Os homens, ambos acusados pelos britânicos de serem membros do ISIS que tiveram sua cidadania britânica revogada, foram acusados de terem matado cidadãos dos EUA, entre outros crimes, em território outrora mantido pelo ISIS na Síria.
Os EUA continuam a manter 31 homens indefinidamente sem acusação em Guantánamo,todos detidos há 12 anos ou mais. Os EUA também mantiveram os processos contra sete homens acusados de crimes de terrorismo, incluindo os ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, no sistema de comissões militares de Guantánamo – o qual não atende a padrões internacionais de devido processo legal e está contaminado por falhas processuais e anos de atraso – e mantiveram presos dois homens que já foram condenados pelas comissões.
Após relatos de que as forças armadas dos EUA teriam interrogado detentos em prisões secretas mantidas por forças estrangeiras no Iêmen que torturaram detidos, o que reforça relatos similares de 2017, os EUA promulgaram uma lei exigindo que seu Secretário de Defesa determine se as forças dos EUA ou seus parceiros de coalizão no Iêmen violaram as leis de guerra ou as leis dos EUA que proíbem assistência dos EUA a forças estrangeiras que cometem graves violações dos direitos humanos.
Vigilância e proteção de dados
Em janeiro, o Congresso dos EUA autorizou novamente a Seção 702 da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira, uma lei que permite a vigilância, sem autorização judicial, de estrangeiros e entidades no exterior, bem como a captura e busca de comunicações “de americanos” envolvidos.
Em janeiro, a Human Rights Watch revelou que as autoridades norte-americanas podem ter deixado de notificar réus sobre como informações usadas em seus casos criminais foram obtidas, ocultando deliberadamente as origens das evidências ao associá-las a uma forma alternativa de obtenção das informações – uma prática conhecida como "construção paralela" (ou parallel construction, em inglês).
O Diretor de Inteligência Nacional informou em maio que o número de registros de chamadas telefônicas que as autoridades de inteligência coletam sob o USA Patriot Act mais que triplicou em 2017, subindo para mais de 534 milhões. No mês seguinte, a Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) revelou que estava apagando o que corresponderia a anos de registros telefônicos depois de ter recebido dados que "não estava autorizada a receber".
O Congresso adotou a Lei para Esclarecer o Uso Legal de Dados no Exterior (ou CLOUD Act, na sigla em inglês), que permite que governos estrangeiros autorizados solicitem dados de empresas dos Estados Unidos, seguindo uma legislação frágil e incompleta. Até a elaboração deste relatório, os EUA negociavam um acordo com o Reino Unido seguindo a lei, o que daria ao Reino Unido o poder de exigir dados seguindo proteções legais inferiores às exigidas pela Constituição dos EUA. O Reino Unido poderia então repassar esses dados aos EUA, permitindo que as autoridades do país evitem suas próprias leis de privacidade.
Em um avanço positivo, a Suprema Corte decidiu no caso Carpenter vs. Estados Unidos que a polícia precisa de um mandado para ter acesso a amplos registros de dados de geolocalização de celulares – os quais revelam os movimentos anteriores de uma pessoa e podem ser dados altamente sensíveis. No entanto, a tecnologia em evolução criou novos riscos aos direitos, conforme ilustrado por revelações sobre a divulgação da Amazon de sua tecnologia de reconhecimento facial aos departamentos de polícia. Nos EUA, as proteções legais para dados pessoais mantidos por empresas permaneceram insuficientes, como demonstrado pelo acesso maciço da empresa de análise de dados Cambridge Analytica aos dados de usuários do Facebook.
Liberdade de expressão e de reunião
O presidente Trump continuou a criticar a imprensa publicamente ao longo de 2018, inclusive ao caracterizar "uma grande porcentagem da mídia" como "o inimigo do povo". Seus comentários levaram centenas de meios de comunicação a coordenarem publicações em defesa da liberdade de imprensa em agosto. Jornalistas também sofreram ameaças de morte e violência, incluindo a morte de cinco funcionários de um jornal em Annapolis, no estado de Maryland, em junho.
As iniciativas de monitoramento de manifestantes pela polícia, incluindo monitoramento de manifestantes negros, foram denunciadas ou contestadas judicialmente ao longo de 2018. Empresas de tecnologia dos EUA enfrentaram aumentada pressão dos legisladores para restringirem a liberdade de expressão em suas plataformas. Em abril, uma nova lei destinada a combater o tráfico sexual on-line tornou os sites responsáveis pelo que os usuários dizem e fazem em suas plataformas. A lei também ameaçou silenciar a manifestação de opiniões sobre trabalho sexual consentido e outras atividades sexuais.
Política externa
Os Estados Unidos continuaram a reter ou realocar a ajuda humanitária e o financiamento de organismos internacionais, eliminando todas as contribuições à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (ou UNRWA, na sigla em inglês), e reduzindo significativamente as contribuições financeiras do país ao Fundo de População da ONU.
Em 7 de fevereiro, o Departamento de Estado publicou uma análise sobre os seis meses da Política da Cidade do México do governo Trump – que bloqueia o financiamento federal para organizações não-governamentais que fornecem aconselhamento ou encaminhamento de mulheres a aborto ou defendem a descriminalização do aborto ou a expansão de serviços – e não apresentou informações sobre o impacto disso paramulheres e meninas.
Em março, o Departamento de Estado aprovou uma venda de armas de quase US$ 1bi à Arábia Saudita, que foi em última instância aprovada pelo Congresso. No mesmo mês, o Senado fracassou por pouco na aprovação de uma medida que cessaria o apoio militar dos EUA à Arábia Saudita, restringindo a participação dos EUA no conflito do Iêmen tida como supostamente ilegal.
Os EUA continuaram a vender armas para a coalizão, além de fornecer informações sobre alvos e, em setembro, certificaram ao Congresso que a coalizão liderada pela Arábia Saudita havia tomado medidas para reduzir os riscos a civis. Em novembro, os EUA anunciaram que cessariam o reabastecimento de aeronaves sauditas que combatem no Iêmen. A resposta dos EUA à morte do colunista do jornal Washington Post e residente do estado de Virginia, Jamal Khashoggi, por agentes do Estado saudita foi incoerente, inicialmente com uma severa repreensão do presidente Trump, que em seguida questionou os relatos conclusivos da CIA de que o príncipe herdeiro teria ordenado a morte de Khashoggi. O governo emitiu sanções a 17 sauditas que supostamente estavam envolvidos no assassinato de Khashoggi, mas o secretário de Estado, Mike Pompeo, afirmou que a parceria EUA-Arábia Saudita continua sendo vital.
O presidente Trump demitiu o Secretário de Estado Rex Tillerson em março e nomeou o então diretor da CIA, Mike Pompeo, como seu sucessor. Em abril, o Senado aprovou a nomeação de Pompeo.
Em março, o relatório anual do Departamento de Estado sobre a situação dos direitos humanos em diversos países foi divulgado com reduzidas referências aos direitos reprodutivos e à violência contra as mulheres. Em maio, Trump anunciou que os Estados Unidos se retirariam do acordo nuclear com o Irã, apesar da confirmação da ONU de que o Irã continua mantendo sua parte do acordo.
Durante semanas de protestos na fronteira de Gaza com Israel, os Estados Unidos celebraram a mudança de embaixada para Jerusalém Ocidental, em 14 de maio de 2018. A mudança coincidiu com um dos dias mais letais dos protestos, com mais de 60 manifestantes palestinos mortos. Os EUA não condenaram publicamente o uso excessivo da força por parte de Israel.
Em junho, Trump se reuniu com o líder norte-coreano Kim Jong Un em Singapura. No mês seguinte, ele se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin. Em agosto, ele se reuniu com o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, seu segundo encontro com um líder africano. Ele não disse nada publicamente sobre o triste histórico de direitos humanos dos três governos.
Os Estados Unidos se retiraram oficialmente do Conselho de Direitos Humanos da ONU em junho de 2018, citando parcialidade contra Israel e o fracasso do órgão em conduzir sua reforma, tornando-se o primeiro país a se retirar do órgão. Pouco depois, a embaixadora dos EUA na ONU, Nikki Haley, escreveu à Human Rights Watch e a outros 16 grupos culpando-os pela decisão dos EUA de se retirarem, citando tentativas de comprometer os esforços de melhorar o conselho.
No geral, o histórico de Nikki Haley sobre direitos humanos na ONU foi misto. Ela defendeu os abusos israelenses, mas pressionou o Conselho de Segurança a aprovar um embargo de armas ao Sudão do Sul e continuou a pressionar a República Democrática do Congo. Haley anunciou que renunciaria no final de 2018.
Os Estados Unidos continuaram a impor restrições de vistos e congelamento de bens a perpetradores de graves violações de direitos humanos e corrupção. Até a elaboração deste relatório, segundo o Departamento do Tesouro, os Estados Unidos sancionaram 101 pessoas sob a Ordem Executiva 13818 “Bloqueando Bens de Pessoas Envolvidas em Graves Abusos de Direitos Humanos ou Corrupção”, que detalha a Lei Magnitsky sobre Responsabilidade Global de Direitos Humanos, além das inúmeras outras determinações sob diferentes programas de sanções. Usando essa premissa legal, assim como outras, os Estados Unidos ampliaram as sanções de direitos humanos contra o governo iraniano, autoridades venezuelanas e vários oficiais e entidades militares de Mianmar.
O Departamento de Estado organizou seu primeiro encontro “Ministerial para o Avanço da Liberdade Religiosa” em Washington em julho de 2018 – evento que contou com a participação de governos estrangeiros, da sociedade civil e de líderes religiosos, com o objetivo de promover as liberdades religiosas em todo o mundo. Países como Iraque, Myanmar e China, entre outros, foram discutidos. Os EUA retoricamente condenaram e sugeriram sanções em resposta aos abusos da China, mas esses esforços foram minados pelo forte apoio retórico do presidente Trump ao presidente Xi Jinping.
Em agosto, o Departamento de Estado divulgou um relatório há muito esperado sobre os abusos cometidos pelos militares de Mianmar contra a população Rohingya desde agosto de 2017, mas ele incluiu nenhuma obrigação legal ou recomendação de políticas.
Também em setembro, o Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, anunciou que o governo Trump não cooperaria com o Tribunal Penal Internacional (TPI) e ameaçou adotar uma série de medidas retaliativas caso as investigações do TPI se estendessem aos EUA, Israel ou outros países aliados. Ele deixou claro que uma das razões para essa posição era uma solicitação pendente de um promotor do TPI para abrir um inquérito no Afeganistão que poderia incluir crimes de tortura supostamente cometidos por militares dos EUA e agentes da CIA. O Presidente Trump reiterou essa posição em um discurso na Assembleia Geral da ONU.