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Mozambique

Eventos de 2020

Mulheres transportam baldes nas cabeças enquanto caminham por entre os abrigos do campo 25 de Junho para deslocados em Metuge, Moçambique, em 9 de dezembro de 2020, onde agora vivem 6000 deslocados da região nortenha de Cabo Delgado.

© 2020 Alfredo Zuniga / AFP via Getty Images.

Em 2020, situação dos direitos humanos em Moçambique deteriorou-se, em grande parte devido ao conflito em curso no norte do país. A situação humanitária na província de Cabo Delgado, no norte do país, agravou-se devido à insegurança e à violência, deixando mais de 250 000 pessoas desalojadas. Um grupo islamista armado, conhecido localmente como Al-Sunna wa Jama'a, continuou a atacar aldeias, assassinando civis, raptando mulheres e crianças e incendiando e destruindo propriedades. As forças de segurança do Estado foram implicadas em abusos graves, incluindo prisões arbitrárias, raptos, torturas, uso de força excessiva contra civis desarmados, intimidações e execuções extrajudiciais. No centro de Moçambique, homens armados que se acredita fazerem parte de mais uma campanha insurgente de militantes dissidentes do partido da oposição, a Renamo, atacaram veículos privados e públicos, matando dezenas de pessoas em Agosto e Setembro de 2020.

Crise Humanitária em Cabo Delgado

A situação humanitária na província nortenha de Cabo Delgado continuou a deteriorar-se devido à insegurança e à violência causadas pelos combates entre as forças de segurança do Estado e um grupo islamista armado conhecido localmente como Al-Shabab e  Al-Sunna wa Jama'a (ASWJ). Em Setembro de 2020, as Nações Unidas estimavam que mais de 250 000 pessoas tinham sido deslocadas, forçando as autoridades a criar campos para deslocados internos por toda a província.

Em Setembro, o Programa Alimentar Mundial da ONU alertou para o facto de dezenas de milhares de pessoas terem sido privadas de ajuda humanitária no norte de Moçambique, à medida que os combates se intensificavam. O acesso humanitário a Cabo Delgado diminuiu em Junho, depois de o Comité Internacional da Cruz Vermelha e dos Médicos Sem Fronteiras ter suspendido as operações nos distritos de Macomia, Mocimboa da Praia e Quissanga devido à situação de insegurança. Em Setembro, a ONU  estimou que cerca de um milhão de pessoas em necessidade crítica ficaram isoladas devido à violência.

Abusos das Forças de Segurança do Estado

As forças de segurança do Estado foram implicadas em graves violações dos direitos humanos durante operações de contraterrorismo no norte da província rica em gás de Cabo Delgado, incluindo detenções arbitrárias, raptos, tortura de detidos, força excessiva contra civis desarmados, intimidação e execuções extrajudiciais. O governo não tomou qualquer medida pública para investigar estes abusos ou punir os envolvidos.

Em Maio, o bispo católico de Pemba, Luiz Lisboa, alertou que as forças de segurança estavam a usar força excessiva contra as pessoas deslocadas que procuravam refúgio na cidade de Pemba, depois de as suas aldeias terem sido atacadas pelo ASWJ. Em Abril, 17 grupos da sociedade civil escreveram uma carta ao presidente moçambicano, Filipe Jacinto Nyusi, manifestando preocupação com a deterioração da situação dos direitos humanos na província de Cabo Delgado.

Em Setembro, surgiram vídeos e imagens que mostravam atos de tortura e outros maus-tratos a prisioneiros cometidos por soldados moçambicanos em Cabo Delgado. Também em Setembro, foi divulgado um vídeo que mostrava homens de uniforme do exército a executar sumariamente uma mulher nua perto de Mocimboa da Praia a quem chamavam "Shabab". As Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) divulgaram um comunicado no qual se referem ao conteúdo do vídeo como sendo "chocante e horrível". No entanto, pouco tempo depois, o Ministro da Defesa moçambicano, Jaime Neto, disse que o vídeo foi criado por extremistas islamistas para manchar a reputação do exército moçambicano.

Abusos por Grupos Islamistas Armados

Os ataques do ASWJ continuaram na província de Cabo Delgado. O grupo está implicado na morte de civis, em ataques a transportes públicos e privados e no incêndio e destruição de edifícios, incluindo casas, escolas e hospitais. Em Janeiro, o grupo incendiou uma escola de formação de professores gerida por uma instituição local de beneficência social e um instituto de agricultura em Bilibiza, distrito de Quissanga. Em Abril, o grupo  terá alegadamente assassinado pelo menos 52 civis no distrito de Muidumbe, após estes se terem recusado a juntar-se ao grupo. Os rebeldes do ASWJ também foram acusados de raptar mulheres. Em Maio, duas raparigas que disseram ter fugido de um campo controlado pelo ASWJ disseram à polícia que os seus raptores as obrigavam a dormir nuas para impedir tentativas de fuga. No início de Fevereiro, a imprensa local noticiou que o ASWJ raptou duas mulheres durante um ataque a uma aldeia no distrito de Muidumbe. Em Julho, os rebeldes islamistas atacaram um veículo de uma empresa privada de gás em Mocimboa da Praia, matando oito trabalhadores. Em Agosto, capturaram um porto estratégico em Mocimboa da Praia. Os moradores  descreveram o pânico sentido quando os rebeldes incendiaram casas e forçaram as pessoas a abandonar a aldeia, que fugiram para o mato em busca de refúgio.

Violência nas Províncias Centrais

Continuaram os ataques contra veículos particulares e públicos que se deslocam nas províncias de Manica e Sofala, perto da Gorongosa, no centro de Moçambique, levados a cabo por homens armados que se acredita fazerem parte de um grupo dissidente de guerrilheiros da Renamo que rejeitaram o acordo de paz de Agosto de 2019. O líder do grupo, Mariano Nhongo,  assumiu a responsabilidade por alguns dos ataques, alegando tratar-se de uma retaliação pelo que chamou de "excessos" perpetrados pelas forças de segurança do Estado nas zonas rurais. A imprensa local noticiou que os ataques armados  mataram pelo menos 24 pessoas desde Agosto de 2019. Em Julho, os residentes do distrito de Gondola, que procuraram refúgio em campos criados pelas autoridades locais na província de Manica, acusaram os homens armados de incendiar, destruir e saquear as suas propriedades.

Ataques contra Jornalistas

Os jornalistas continuaram a ser assediados, intimidados e detidos arbitrariamente pelas forças de segurança do Estado, sem que as autoridades tenham investigado estes abusos contra a liberdade de imprensa com seriedade. Em Abril, Ibrahimo Mbaruco, jornalista da Rádio Comunitária da Palma, na província de Cabo Delgado, desapareceu quando voltava para casa vindo do trabalho, depois de ter enviado uma mensagem a um colega a dizer que estava a ser assediado por soldados.

Também em Abril, agentes da polícia detiveram Hizidine Acha, jornalista do SOICO, o maior grupo privado moçambicano de comunicação social, durante duas horas e obrigaram-no a apagar fotografias que tinha no telemóvel e máquina fotográfica. As imagens mostravam os agentes a agredir pessoas. Em Julho, um tribunal de Maputo condenou Omardine Omar, repórter do site de notícias privado Carta de Moçambique, acusado de desobediência civil, depois de ter sido detido enquanto investigava uma queixa de assédio policial e extorsão de vendedores ambulantes. Em Agosto, indivíduos não identificados invadiram o escritório do jornal independente CanalMoz e incendiaram a redação. Em Setembro, Luciano da Conceição, correspondente do Deutsche Welle na província de Inhambane, foi raptado por indivíduos desconhecidos que o espancaram e abandonarem gravemente ferido numa praia local. Em Setembro, também Leonardo Gimo, jornalista de uma estação de televisão local na cidade de Nampula, foi atacado por três homens que lhe apreenderam o equipamento.

Direitos Das Pessoas Com Deficiência

Há poucos dados oficiais sobre o número exato de pessoas com albinismo em Moçambique, mas as organizações da sociedade civil estimam que existam entre 20 000 e 30 000 pessoas com albinismo no país. A discriminação e a violência contra pessoas com albinismo continuaram. Em Moçambique e em países vizinhos, como o Malawi, as pessoas com albinismo têm sido caçadas pelos seus membros, que são usados para fins de bruxaria.

As pessoas com condições de saúde mental reais ou percecionadas correm o risco constante de serem acorrentadas ou trancadas em espaços confinados, em casas ou em centros de cura tradicionais ou religiosos, onde recebem frequentemente tratamento involuntário. Um homem em Maputo descreveu à Human Rights Watch a falta de humanidade com que foi acorrentado várias vezes ao longo da vida: "Isto é um castigo, não é um tratamento. Estão a tratar-nos como animais que são propriedade dos seus donos. Nenhum ser humano deve ser tratado assim.”

Principais Atores Internacionais

Apesar de a violência se ter vindo a intensificar há mais de um ano em Cabo Delgado, só em Fevereiro é que a União Africana mencionou, pela primeira vez, o "nível de violência sem precedentes contra os civis".

O enviado especial para Moçambique do secretário-geral da ONU, Mirko Manzoni, manifestou confiança no processo de desarmamento e reintegração de antigos combatentes do grupo da oposição, Renamo, iniciado em Julho de 2020.

Em Agosto, os chefes de Estado da SADC prometeram apoio, sem especificar que tipo de apoio, a Moçambique no "combate ao terrorismo", embora o comunicado final da cimeira não tenha abordado a questão. Durante a cimeira, o Presidente Nyusi assumiu a presidência da SADC.

Em abril, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE reiteraram o seu apoio ao Acordo de Paz e Reconciliação Nacional e exortaram todas as partes a cumprirem os seus compromissos. Também levantaram preocupações sobre a deterioração da situação em Cabo Delgado e exortaram as autoridades a tomar medidas eficazes para proteger os cidadãos, a realizar investigações para levar os autores à justiça e a identificar o papel das organizações extremistas violentas e as suas potenciais ligações internacionais.

Em Setembro, o Parlamento Europeu manifestou preocupação com o facto de a insurgência islamista em Moçambique ter ganho cada vez mais apoio entre organizações extremistas armadas regionais e internacionais. O PE também apelou a Moçambique para que abra uma investigação independente e imparcial sobre tortura e outras violações graves alegadamente cometidas pelas suas forças de segurança em Cabo Delgado.