Violações crônicas de direitos humanos assolam o Brasil, incluindo execuções extrajudiciais pela polícia, a superlotação das prisões, tortura e maus-tratos a pessoas detidas. Alguns esforços recentes para reformar o sistema de justiça criminal procuraram solucionar alguns desses problemas, mas outras iniciativas poderiam agravá-los.
Em 2015, o Poder Judiciário trabalhou em conjunto com os governos estaduais para garantir que as pessoas detidas sejam conduzidas sem demora à presença de um juiz, conforme exigido pela legislação internacional. Entretanto, no mês de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda constitucional que permitiria que adolescentes de 16 e 17 anos de idade fossem julgados como adultos por crimes graves, violando as normas internacionais de direitos humanos. Até a elaboração deste relatório, a adoção dessa emenda ainda dependia de aprovação em duas votações no Senado.
Internacionalmente, o Brasil continuou a liderar esforços para fortalecer as proteções ao direito à privacidade em 2015, mas sua atuação junto ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas foi inconsistente Entre 2010 e 2015, o número de refugiados acolhidos no país dobrou, alcançando um total de 8.400 pessoas.
Segurança Pública e Conduta Policial
O número de pessoas mortas pela polícia, incluindo por policiais fora de serviço, aumentou em quase 40 por cento em 2014, chegando a mais de 3.000, de acordo com dados oficiais compilados pela organização não-governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No Rio de Janeiro - estado com a maior taxa de mortes causadas pela polícia - 569 pessoas morreram em operações policiais entre janeiro e outubro de 2015, um aumento de 18 por cento em relação ao mesmo período de 2014. Em São Paulo, policiais em serviço mataram 494 pessoas nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 1 por cento em relação ao mesmo período de 2014.
Com frequência, a polícia registra essas mortes como resultantes de confrontos com criminosos. Enquanto algumas mortes resultam do uso legítimo da força pela polícia, outras não, um fato documentado pela Human Rights Watch e outros grupos e reconhecido pelos agentes do sistema de justiça criminal brasileira.
Policiais de vários estados também foram acusados de participar em chacinas. No estado do Pará, 10 pessoas foram assassinadas em novembro de 2014 após a morte de um policial que, de acordo com a investigação conduzida pelo legislativo do estado, liderava uma milícia. Os promotores denunciaram 14 policiais militares por não socorrerem as vítimas nem perseguirem os autores do crime. No estado do Amazonas, 12 policiais e três civis foram detidos por supostamente fazerem parte de um grupo de extermínio que matou pelo menos oito pessoas em julho, durante um fim de semana em que 36 pessoas foram assassinadas em Manaus, a capital do estado. Em São Paulo, oito policiais foram presos sob acusação de envolvimento com os assassinatos de 19 pessoas, incluindo dois adolescentes, poucas horas após a morte de um policial, em agosto.
Também em São Paulo, três policiais foram presos pelo envolvimento com as mortes, em setembro, de dois adolescentes de 16 anos e dois rapazes de 18. Investigadores acreditam que as mortes foram uma vingança contra os jovens, pelo suposto roubo da bolsa da esposa de um dos policiais detidos.
Condições das Prisões
Muitas prisões e cadeias brasileiras enfrentam problemas de grave superlotação e violência. O número de adultos atrás das grades no país aumentou 80 por cento na última década, superando 600.000 pessoas até junho de 2014 - mais de 60 por cento acima da capacidade oficial das prisões - de acordo com os dados mais recentes do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Ministério da Justiça.
A superlotação e a falta de pessoal comprometem a capacidade das autoridades penitenciárias de manter o controle sobre as prisões, o que deixa os presos vulneráveis à violência e às facções criminosas. A superlotação também afeta a saúde dos presos. Segundo o InfoPen, a prevalência de infecções pelo HIV nas prisões brasileiras é mais de 60 vezes superior à média da população do país, e a prevalência de tuberculose é cerca de 40 vezes maior. A ausência de uma triagem, prevenção e tratamento adequados, aliada às condições precárias de ventilação e saneamento, contribuem para a disseminação de doenças entre os presos.
Com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que supervisiona o poder judiciário em todo o país, todos os estados brasileiros começaram a conduzir os detidos à presença de um juiz logo após sua prisão, conforme exigido pela legislação internacional - embora os programas estejam circunscritos apenas a certas localidades em cada estado, por enquanto. Na ausência dessas "audiências de custódia", pessoas presas frequentemente têm de esperar muitos meses até sua primeira audiência perante um juiz, contribuindo para a superlotação das prisões.
O Maranhão foi o primeiro estado a implementar a prática, em outubro de 2014. De acordo com dados do CNJ de novembro de 2015, em metade das audiências de custódia conduzidas nesse estado os juízes entenderam que a prisão preventiva não era aplicável, determinando que os detidos aguardassem julgamento em liberdade. Em comparação, em casos em que as audiências de custódia não foram realizadas, os juízes decidiram pela libertação dos detidos em apenas 10 por cento dos casos, de acordo com dados do judiciário do estado. Até a publicação deste relatório, o Congresso brasileiro discutia um projeto de lei que tornaria as audiências de custódia obrigatórias em todo o país.
Essas audiências também permitem que os juízes identifiquem sinais de tortura ou maus-tratos aos detidos, um grave problema no Brasil. No Rio de Janeiro, quase 20 por cento das pessoas que tiveram uma audiência de custódia durante o primeiro mês de funcionamento do programa relataram ter sofrido “violencia policial”, de acordo com a Defensoria Pública do Estado.
Em março, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura começou a operar, estabelecendo um plano de ação para monitorar centros de detenção no país. De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os 11 membros do órgão poderão conduzir visitas não-anunciadas a qualquer centro de detenção do país e fazer recomendações às autoridades. O mecanismo faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado por lei em agosto de 2013.
Direitos das Crianças
Em duas votações realizadas em julho e agosto de 2015, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de emenda constitucional que visa permitir que adolescentes de 16 e 17 anos acusados de crimes graves sejam julgados e condenados como adultos. A proposta, que ainda precisa passar por duas votações no Senado para entrar em vigor, viola os padrões internacionais que orientam os Estados a não submeter adolescentes menores de 18 anos às regras do sistema penal aplicáveis aos adultos.
Em julho, o Senado aprovou um projeto de lei que aumenta de três para 10 anos o período máximo pelo qual adolescentes em conflito com a lei podem ficar detidos em estabelecimentos do sistema socioeducativo. Se aprovada pela Câmara dos Deputados, a lei agravará a atual superlotação desses centros. O sistema socioeducativo abrigava cerca de 22.000 jovens em 2014, em instalações projetadas para apenas 18.000, de acordo com os dados mais recentes publicados pelo Conselho Nacional do Ministério Público, que inspeciona essas unidades.
Liberdade de Expressão e Associação
Em outubro, o Senado aprovou uma lei de combate ao terrorismo que contém termos excessivamente genéricos e linguagem vaga, que poderiam ser equivocadamente utilizados para processar criminalmente como terroristas manifestantes e membros de movimentos sociais. O projeto ainda não havia sido votado pela Câmara dos Deputados até a elaboração deste relatório.
Pelo menos sete jornalistas e blogueiros foram mortos em 2015 até a elaboração deste relatório. Dois foram torturados antes de serem executados. Todos haviam publicado informações sobre casos de corrupção e outros crimes, ou criticado políticos locais. Durante os últimos cinco anos, pelo menos 17 jornalistas perderam a vida por motivos diretamente relacionados a seu trabalho, de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, um grupo internacional de defesa da liberdade de imprensa.
Direitos Reprodutivos
O aborto é proibido no Brasil, exceto em casos de estupro, anencefalia - caso em que o feto possui má-formação cerebral congênita fatal - ou quando necessário para salvar a vida da mãe. Em 2015, parlamentares conservadores apresentaram um projeto de lei e uma proposta de emenda constitucional que eliminariam essas exceções ao conceder direitos aos embriões e fetos. Ambas as propostas estão sob análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.
Mulheres e meninas que buscam realizar abortos ilegais estão sujeitas a penas de até três anos de prisão, enquanto pessoas que realizam esses procedimentos podem ser condenadas a até quatro anos. Abortos conduzidos em clínicas clandestinas colocam as mulheres em risco. Em um exemplo, Tatiana Camilato, de 31 anos, que criava três filhos sozinha no Rio de Janeiro, morreu em julho de 2015 durante um procedimento clandestino inseguro, de acordo com declarações de seus parentes à imprensa.
Direitos das Pessoas com Deficiência
Em junho, o Congresso aprovou uma lei que exige que instituições públicas deem prioridade a pessoas com deficiência ao oferecer serviços relacionados à saúde, educação, emprego, moradia, cultura e esportes. A nova lei também orienta os municípios a adaptarem suas calçadas e espaços públicos para pessoas com deficiência.
Orientação Sexual e Identidade de Gênero
Em março, o Supremo Tribunal Federal manteve o direito de casais homoafetivos à adoção, baseando-se na aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo pela mesma Corte, ocorrida em 2011. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça determinou que todos os cartórios públicos registrem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, à época da elaboração deste relatório, um comitê da Câmara dos Deputados ainda discutia um projeto de lei que define a família como sendo a união entre um homem e uma mulher.
A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 522 denúncias de violência e discriminação contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros na primeira metade de 2015.
Direitos Trabalhistas
Desde 1995, o Ministério do Trabalho documentou mais de 48.000 casos de trabalhadores sujeitos a trabalhos forçados, condições degradantes e outras situações abusivas de trabalho que configuram "condições análogas à escravidão" sob a lei brasileira. De maio de 2013 a maio de 2015, 420 empresas sofreram sanções por empregarem pessoas em condições análogas à escravidão.
Em dezembro de 2014, em resposta à petição de uma associação empresarial, o Supremo Tribunal Federal ordenou que o governo federal interrompesse a publicação de uma lista das empresas penalizadas pelo Ministério do Trabalho por empregarem trabalhadores em condições abusivas. ONGs locais conseguiram contornar a ordem ao invocar a Lei de Acesso à Informação para exigir que o Ministério do Trabalho continuasse a publicar as informações.
Violência no Campo
Camponeses e líderes indígenas envolvidos em conflitos de terra continuam enfrentando ameaças e violência. De acordo com os números mais recentes da Comissão Pastoral da Terra, um grupo católic0, 46 pessoas envolvidas em conflitos por terra foram assassinadas entre janeiro e novembro de 2015. Muitas das mortes, de acordo com a comissão, foram supostamente ordenadas ou executadas por grandes fazendeiros ou madeireiras ilegais.
No Mato Grosso do Sul, por exemplo, o povo Guarani-Kaiowá, que luta para reaver suas terras ancestrais, sofreu violentos ataques em 2015 por parte de grupos ligados a fazendeiros, de acordo com o Conselho Missionário Indígena da Igreja Católica. Um membro do povo Guarani-Kaiowá foi morto em agosto, após a chegada de um grupo de fazendeiros a um terreno sob litígio, ocupado e reclamado pelos Guaraní-Kaiowá. Até a elaboração deste relatório, a polícia ainda não havia identificado quaisquer suspeitos do assassinato.
Confrontando Abusos do Regime Militar
Em dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade publicou seu relatório final, depois de mais de dois anos de investigação sobre as violações dos direitos humanos cometidas pelo regime militar que governou o país entre 1964 e 1985. A comissão concluiu que as violações constituíram "uma ação generalizada e sistemática", tendo sido planejadas por agentes do mais alto escalão do regime. O relatório identificou 377 indivíduos responsáveis por violações dos direitos humanos, incluindo tortura, assassinatos, e desaparecimentos forçados.
Os responsáveis por esses crimes têm sido protegidos da justiça em virtude de uma lei de anistia de 1979. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal confirmou decisões de cortes inferiores que determinavam que a lei de anistia impedia a maioria dos processos contra os agentes estatais envolvidos. Seis meses depois, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que essa interpretação viola as obrigações do Brasil sob a lei internacional.
Membros do Ministério Público Federal apresentaram denúncias contra ex-militares por assassinatos cometidos durante o regime militar. Cortes federais do Rio de Janeiro e São Paulo acolheram denúncias dessa natureza em pelo menos dois casos. O Supremo Tribunal Federal, em decisões ocorridas em 2014 e 2015, suspendeu temporariamente ambos os processos, que aguardam uma reavaliação da corte sobre a lei de anistia.
Principais Atores Internacionais
Após uma visita ao Brasil realizada em agosto, o relator especial das Nações Unidas sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes pediu que o governo combata a superlotação das prisões e demonstre um "compromisso genuíno" no combate à tortura. Em setembro, após uma visita ao país, a relatora especial das Nações Unidas sobre questões das minorias pediu ao país que "cumpra suas promessas de igualdade" para as minorias.
Em uma declaração conjunta feita em novembro, quatro relatores da ONU criticaram o projeto de lei de combate ao terrorismo aprovado pelo Senado, afirmando que o mesmo "está redigido em termos demasiado amplos e poderia restringir indevidamente as liberdades fundamentais".
Ainda em novembro, dois relatores da ONU declararam que as medidas adotadas pelo governo brasileiro e por duas companhias mineradoras para remediar os danos causados pelo rompimento de uma barragem que continha rejeitos de mineração eram "claramente insuficientes". O acidente matou pelo menos 15 pessoas, deixou quatro desaparecidos e despejou substâncias químicas tóxicas no Rio Doce. O governo brasileiro considerou este o maior desastre ambiental da história do país.
Política Externa
Como membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a atuação do Brasil foi inconsistente, abstendo-se de votar, em março, uma resolução importante sobre as contínuas violações de direitos humanos no contexto do conflito na Síria, mas votando a favor de outra resolução, em junho, que novamente condenava esses abusos. O Brasil também se absteve em uma resolução para renovar o mandato do relator especial para o Irã, que denunciou violações dos direitos humanos ocorridas naquele país.
O Brasil continuou a liderar a defesa ao direito à privacidade na era digital, juntando-se à Alemanha na autoria de uma resolução, aprovada por unanimidade pelo Conselho de Direitos Humanos, para nomear um relator especial para promover e proteger o direito à privacidade em todo o mundo. O Brasil também patrocinou resoluções do Conselho de Direitos Humanos que condenaram o racismo e destacaram o efeito corrosivo da corrupção institucional sobre os direitos humanos.
Em maio, o Brasil endossou a Declaração das Escolas Seguras, comprometendo-se a fazer mais pela proteção de estudantes, professores e escolas durante conflitos armados, incluindo a implementação das Diretrizes para a Proteção de Escolas contra o Uso Militare. As diretrizes foram desenvolvidas em 2014 por representantes de 14 países, além de organizações humanitárias e de defesa dos direitos humanos.
O número de refugiados acolhidos pelo Brasil dobrou ao longo dos últimos cinco anos, atingindo um total de mais de 8.400 em 2015, de acordo com o Ministério da Justiça. Cerca de um quarto dos refugiados recebidos desde 2011 são sírios. O Brasil renovou uma resolução que facilita a emissão de vistos concedidos por razões humanitárias para cidadãos sírios e adotou novas medidas para atender melhor às necessidades dos refugiados, especialmente na obtenção de documentos de identidade.