Em 2014, as forças de segurança usaram força excessiva contra manifestantes, em grande parte, pacíficos, muitos dos quais foram presos arbitrariamente, submetidos a severos espancamentos e outros abusos durante a sua detenção, além de terem os seus direitos ao devido processo legal negados. Essas violações dos direitos humanos, que ocorreram durante um período de várias semanas em diferentes locais, foram praticadas sistematicamente pelas forças de segurança venezuelanas.
Sob a liderança do Presidente Hugo Chávez e, atualmente, do Presidente Nicolás Maduro, a concentração de poder no Executivo e a erosão das garantias de direitos humanos têm permitido que o governo intimide, censure e processe seus opositores. Apesar de alguns venezuelanos continuarem criticando o governo, a possibilidade de represálias — na forma de ação arbitrária ou abusiva do Estado — tem afetado independência judicial e forçado jornalistas e defensores de direitos a avaliarem as consequências da divulgação de informações e opiniões contrárias ao governo.
Os abusos policiais, as condições precárias das prisões e a impunidade nos casos de abusos cometidos pelas forças de segurança ainda são problemas graves.
Uso Excessivo da Força contra Manifestantes Desarmados
No início de fevereiro de 2014, as forças de segurança do Estado — incluindo a Guarda Nacional Bolivariana, a Polícia Nacional Bolivariana e as forças policiais estaduais — rotineiramente fizeram uso indevido e desproporcional da força contra manifestantes desarmados e outras pessoas nas proximidades das manifestações. As violações incluíram graves espancamentos, disparos indiscriminados de munições, balas de borracha e lançamentos de gás lacrimogêneo contra a multidão. Em alguns casos, foram feitos disparos indiscriminados de armas de pressão à queima roupa em indivíduos desarmados, já sob custódia. As forças de segurança também toleraram e, por vezes, colaboraram diretamente com grupos armados pró-governo que atacaram os manifestantes impunemente. De acordo com a Procuradoria Geral, 3.306 pessoas, incluindo 400 adolescentes, foram detidas durante as manifestações.
Os indivíduos detidos foram, muitas vezes, mantidos incomunicáveis em bases militares por 48 horas ou mais antes de serem apresentados a um juiz. Durante a detenção, sofreram uma série de abusos, os quais incluíram graves espancamentos, choques elétricos ou queimaduras, além de terem sido forçados a permanecerem agachados ou ajoelhados por horas, sem se mover. Em alguns casos, os maus-tratos constituíram tortura.
Independência Judicial
Desde que o ex-presidente Chávez e seus partidários na Assembleia Nacional assumiram o controle político da Suprema Corte em 2004, o poder judiciário praticamente parou de funcionar como um poder independente do governo. Membros da Suprema Corte rejeitaram abertamente o princípio de separação de poderes, comprometeram-se publicamente com a defesa da agenda política do governo e tomaram repetidas decisões em seu favor, validando seu desrespeito aos direitos humanos.
A juíza María Lourdes Afiuni ainda responde a um processo criminal resultante de uma decisão de 2009, na qual ela autorizou a liberdade condicional de um opositor do governo. Embora sua decisão estivesse de acordo com uma recomendação dos monitores internacionais de direitos humanos — e cumprisse a lei da Venezuela —, um juiz provisório que havia declarado publicamente sua lealdade a Chávez ordenou que ela fosse julgada por acusações de corrupção, abuso de autoridade e "favorecimento da evasão da justiça". A juíza continua proibida de fazer quaisquer declarações públicas sobre o caso.
Durante os protestos de 2014, as autoridades judiciais deixaram de cumprir o seu papel na proteção da população contra o abuso de poder e, em vez disso, foram responsáveis por sérias violações do devido processo legal. Diversas vítimas tiveram negado o acesso a um advogado até minutos antes de suas audiências que, muitas vezes, foram marcadas para o meio da noite. Promotores e juízes frequentemente fizeram vista grossa às evidências de que os indivíduos detidos teriam sofrido abuso físico ou de que as forças de segurança teriam forjado provas contra estes.
As autoridades judiciais também atuaram a partir da alegaçãonão comprovada do governo de que seus opositores políticos foram responsáveis pela violência que eclodiu durante as manifestações. O governo acusou Leopoldo López, líder da oposição, de ser o "autor intelectual" das mortes relacionadas ao protesto e ataques contra veículos e escritórios da administração pública em 12 de fevereiro. A Procuradoria Geral prontamente buscou a sua prisão por vários supostos crimes. López encontra-se detido em uma prisão militar desde que se entregou em 18 de fevereiro. Durante o julgamento, que começou em julho, o juiz não permitiu que seus advogados apresentassem provas em sua defesa.
Em abril, a Suprema Corte sumariamente julgou e condenou dois prefeitos da oposição a 10 e 12 meses de prisão, respectivamente, em processos que violaram garantias básicas do devido processo legal, incluindo o direito ao recurso de apelação de suas sentenças.
Liberdade de Expressão
Durante a última década, o governo aumentou e abusou de seus poderes para controlar a imprensa. Apesar de críticas ao governo serem publicadas em alguns jornais e canais de rádio, o medo de represálias transformou a autocensura em um problema grave.
Em 2010, a Assembleia Nacional alterou a lei de telecomunicações para conceder ao governo o poder de suspender ou revogar concessões aos meios de comunicação privados quando "conveniente aos interesses da nação". Também expandiu o âmbito de aplicação de um estatuto de radiodifusão a fim de abranger a Internet, permitindo a suspensão arbitrária de sites pelo crime vagamente definido como "incitação". Antes disso, alterações no código penal haviam expandido o âmbito de aplicação e aumentado a gravidade de leis de difamação que criminalizam o desrespeito a funcionários do alto escalão do governo.
O governo adotou medidas agressivas para reduzir a disponibilidade de meios de comunicação que oferecem uma programação crítica. A RCTV (o canal privado de televisão mais antigo da Venezuela) foi arbitrariamente removida das ondas públicas em 2007 e, em 2010, expulsa da TV a cabo. Em 2013, a Globovisión, que durante anos foi o único grande canal de televisão crítico ao governo de Chávez, foi vendida a partidários do governo, porque, segundo seu proprietário, havia se tornado inviável em termos políticos, econômicos e legais. Desde então, a programação crítica da Globovisión diminuiu significativamente.
Em Janeiro, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, ingressou com uma ação de difamação contra um cidadão que publicou um artigo de opinião no jornal Tal Cual e contra quatro diretores da empresa proprietária do veículo, incluindo o seu editor. O artigo citava fontes não oficiais sobre o número de pessoas mortas na Venezuela em 2013 e uma fala de Cabello que teria dito: "Se você não gosta de insegurança, vá embora." Cabello alegou nunca ter feito tal afirmação e que o artigo prejudicava sua reputação. Um Tribunal Penal admitiu o caso em março, determinou que os cinco indivíduos se apresentassem perante os tribunais uma vez por semana e os proibiu de sair do país sem prévia autorização judicial.
Durante os protestos de 2014, o governo bloqueou a transmissão da NTN 24, um canal de notícias de TV a cabo e ameaçou processar as agências de notícias com relação à cobertura da violência. Em muitos casos, as vítimas de abusos eram jornalistas profissionais e pessoas que estavam fotografando ou filmando os confrontos da força de segurança com os manifestantes.
Defensores dos Direitos Humanos
O governo venezuelano tem procurado marginalizar os defensores de direitos humanos do país, acusando-os repetidamente de tentar enfraquecer a democracia da Venezuela com o apoio do governo dos Estados Unidos. Em março, o Presidente Maduro declarou que Rocío San Miguel, diretora de uma organização não governamental (ONG) que promove ”accountability” das forças de segurança, estava "totalmente envolvida em uma tentativa de golpe" na Venezuela. Em maio, o ministro da justiça disse que Humberto Prado, diretor de uma ONG que monitora as condições prisionais na Venezuela, estava envolvido em uma trama de conspiração para enfraquecer o governo venezuelano. Em novembro, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, citando declarações fornecidas por "informantes patrióticos", afirmou que 12 ONGs que apresentaram relatórios sobre tortura na Venezuela durante a avaliação do Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura teriam "interesses obscuros".
Em 2010, a Suprema Corte decidiu que os indivíduos ou organizações que recebem financiamento internacional poderiam ser processados por "traição". Além disso, a Assembleia Nacional aprovou uma lei que impede que organizações que "defendem direitos políticos" ou "monitoram o desempenho de órgãos públicos" recebam assistência internacional.
Impunidade em Relação aos Abusos Cometidos pelas Forças de Segurança
Até novembro, promotores haviam recebido 242 denúncias de supostas violações dos direitos humanos cometidas durante os protestos de 2014, incluindo apenas dois casos de tortura. De acordo com a Procuradoria Geral, os promotores teriam concluído 125 investigações, formalizando acusações em relação a 15 membros das forças de segurança pública. Fontes oficiais relataram que dois policiais foram condenados por "eventos ocorridos em Anzoátegui", mas não ofereceram nenhuma informação adicional sobre o caso nem sobre as condenações.
As mortes causadas por intervenção das forças de segurança são um problema crônico na Venezuela. Em outubro, membros da polícia investigativa criminal, penal e científica mataram cinco civis durante uma busca no prédio de um grupo pró-governo em Caracas. A Procuradoria Geral emitiu mandados de prisão contra sete policiais, os quais, de acordo com declarações oficiais, permaneciam em liberdade até o momento em que esta publicação foi escrita.
De acordo com as estatísticas oficiais mais recentes, policiais supostamente mataram 7.998 pessoas entre janeiro de 2000 e março de 2009. A impunidade para esses crimes continua sendo a norma.
Condições das Prisões
As prisões venezuelanas estão entre as mais violentas da América Latina. Problemas como frágil segurança, deterioração da infraestrutura, superlotação, guardas em número insuficiente e despreparados e corrupção permitem que grupos armados controlem as prisões. Crianças privadas de liberdade são frequentemente mantidas presas com adultos, particularmente no caso de prisões provisórias. De acordo com o Observatório de Prisões Venezuelano, até agosto, havia aproximadamente 55.000 detentos — a maioria deles presos provisoriamente — em prisões venezuelanas, com capacidade para 19.000. Desde que o Ministério de Assuntos Penitenciários foi criado em junho de 2011, pelo menos 1.463 pessoas morreram em prisões, incluindo ao menos 150 em 2014, de acordo com fontes não oficiais.
Direitos Trabalhistas
A legislação trabalhista adotada em abril de 2012 inclui cláusulas que limitam a liberdade dos sindicatos de elaborarem seus estatutos e elegerem seus representantes. Na prática, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que é uma autoridade pública, continua desempenhando um papel nas eleições sindicais, violando as normas internacionais.
Em julho, o Presidente Maduro denunciou trabalhadores que protestavam contra a estatal do aço Sidor, acusando-os de formarem "máfias" que haviam "sequestrado" a empresa. Confrontos entre trabalhadores e membros da Guarda Nacional, que dispersava as manifestações, resultaram em alguns manifestantes feridos, segundo relatos de imprensa. Em agosto, o ministro das comunicações tuitou que o governo tinha chegado a um acordo com os "verdadeiros trabalhadores" da Sidor. Protestos e greves de trabalhadores, que argumentavam que o acordo não havia sido assinado pelos representantes competentes do sindicato, continuaram durante o mês.
Principais Atores Internacionais
Vários organismos internacionais responsáveis pelo monitoramento da situação de direitos humanos expressaram preocupação com relação aos abusos cometidos durante os protestos de 2014. Em fevereiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pediu que a Venezuela investigasse ações ilegais e garantisse a segurança pública. Em março, seis relatores especiais das Nações Unidas solicitaram que o governo venezuelano garantisse o "rápido esclarecimento das alegações de detenção arbitrária, uso excessivo de força e violência contra manifestantes, jornalistas e profissionais da mídia durante os protestos".
Em setembro, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária declarou que Leopoldo López e um dos prefeitos condenados em abril haviam sido detidos arbitrariamente. Em outubro, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediu que a Venezuela libertasse os políticos e os manifestantes detidos arbitrariamente. Por muitos anos, o governo da Venezuela tem se recusado a autorizar esses especialistas em direitos humanos a realizar visitas ao país.
A organização regional Unasul comprometeu-se com a promoção do diálogo entre o governo da Venezuela e os líderes da oposição no início de 2014. No entanto, os representantes da Unasul falharam ao não exigir que a Venezuela investigasse os abusos, especialmente considerando que o Tratado Constitutivo da Unasul determina que "a plena vigência das instituições democráticas e o respeito irrestrito aos direitos humanos são condições essenciais para a construção de um futuro comum de paz, de prosperidade econômica e social e para o desenvolvimento dos processos de integração entre os países-membros". O diálogo estava suspenso no momento de elaboração desta publicação.
Em julho, o Departamento de Estado dos Estados Unidos revogou os vistos de 24 funcionários do governo venezuelano em resposta às alegações de uso excessivo da força e detenções arbitrárias contra manifestantes.
Desde 2013, como consequência da decisão do governo de retirar-se da Convenção Americana de Direitos Humanos, cidadãos e residentes da Venezuela não podem solicitar a intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos quando os recursos locais são ineficazes ou estiverem indisponíveis com relação a abusos cometidos desde então. A Comissão Interamericana continuou a monitorar a situação na Venezuela, aplicando a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
O governo venezuelano continuou a apoiar uma campanha do Equador para enfraquecer a independência da Comissão e limitar as verbas e a eficácia de seu enviado especial sobre liberdade de expressão.
À luz das declarações de grupos locais de que pacientes com câncer, HIV/AIDS, hemofilia, entre outras doenças, tinham acesso limitado a medicamentos e suprimentos médicos básicos, em abril de 2014, o relator especial das Nações Unidas sobre o direito à saúde instou o governo venezuelano a "adotar todas as medidas necessárias para garantir a proteção e o pleno usufruto do mais alto padrão de saúde física e mental alcançável para toda a população".
Como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Venezuela votou regularmente para evitar a investigação minuciosa dos graves casos de direitos humanos em todo o mundo. O país votou contra resoluções que evidenciavam abusos na Coreia do Norte, Síria, Irã, Sri Lanka, Belarus e Ucrânia. Em outubro, a Venezuela foi eleita para um mandato de dois anos no Conselho de Segurança da ONU.