O governo de Moçambique, sob o mandato do presidente Filipe Nyusi, teve dificuldade em proteger os direitos dos indivíduos em 2018. As forças de segurança do Estado foram implicadas em violações graves dos direitos humanos na resposta a ataques de grupos islâmicos armados na província de Cabo Delgado, no norte do país. Os ataques de homens armados a aldeias, marcados por incendios a casas e o assassinato de habitantes, deram origem a milhares de deslocados.
As autoridades moçambicanas não responsabilizaram ninguém pelos abusos graves documentados pela Human Rights Watch e por outras organizações, incluindo a ameaça e intimidação de ativistas e defensores dos direitos humanos. O trabalho da imprensa, em especial dos meios de comunicação privados e correspondentes de orgãos internacionais, foi ameaçado pela emissão de um decreto pelo governo que impõe taxas elevadas às organizações de comunicação social que pretendem operar no país.
Violações e ataques no Norte
Os ataques do que se suspeita ser um grupo islâmico armado na província de Cabo Delgado, no norte do país, mataram pelo menos 39 pessoas e deram origem a mais de mil deslocados entre Maio e Julho de 2018. A onda de ataques a civis começou em Outubro de 2017, quando alegados islamitas armados atacaram uma série de esquadras da polícia no distrito de Mocimboa da Praia. Estes ataques isolaram totalmente a área durante dois dias, e despoletaram uma resposta militar massiva que levou à evacuação das aldeias. Apesar da presença policial na região e do estabelecimento de uma operação militar especial para combater os grupos armados, os ataques a aldeias continuaram esporadicamente em 2018.
A Human Rights Watch documentou assassinatos, fogo posto, destruição de propriedades e outros abusos cometidos pelo grupo conhecido localmente como Al-Sunna wa Jama'a e Al-Shabab. Numa aldeia do distrito de Macomia, o grupo incendiou 164 casas e cinco carros e matou dezenas de cabeças de gado durante um ataque noturno em 5 de Junho. Os habitantes explicaram que os responsáveis pelo ataque decapitaram um líder islâmico local dentro de uma mesquita onde havia cópias do Corão e tapetes de oração, tendo incendiado o edifício de seguida. Em Junho, a Human Rights Watch observou dezenas de famílias a fugir das suas aldeias com os seus pertences às costas. Em 6 de Junho, o grupo invadiu a aldeia de Namaluco, no distrito de Quissanga, tendo assassinado seis pessoas e incendiado mais de cem casas. Em 12 de Junho, o grupo atacou a aldeia de Nathuko, no distrito de Macomia, onde decapitaram um idoso e incendiaram pelo menos 100 casas. Entre Maio e Julho, o grupo atacou pelo menos três distritos da província de Cabo Delgado e incendiou mais de 400 casas, deixando milhares de pessoas desalojadas. Em Agosto, o Programa Mundial da Alimentação (PMA) das Nações Unidas começou a distribuir ajuda alimentar a 10 mil pessoas em fuga dos ataques, que procuraram refúgio em campos improvisados criados pelas autoridades locais.
As forças de segurança também foram implicadas em violações graves dos direitos humanos durante a sua resposta à violência na província de Cabo Delgado. Após o primeiro ataque em Outubro de 2017, as autoridades encerraram sete mesquitas e detiveram mais de 300 pessoas sem acusação, incluindo líderes religiosos e indivíduos estrangeiros suspeitos de terem ligações aos ataques armados nos distritos de Palma e Mocimboa da Praia. As forças de segurança também impediram que membros suspeitos do grupo armado recebessem tratamento médico.
Em Agosto, um empresário sul-africano, Andre Hanekon, foi raptado pelas forças de segurança e, posteriormente, encontrado ferido num hospital local em Pemba, Cabo Delgado. Em 11 de Setembro, Hanekon foi detido, acusado de estar envolvido em ataques na região levados a cabo por grupos armados, mas não foi feita nenhuma acusação formal contra o mesmo.
Responsabilização por crimes cometidos no passado
As autoridades moçambicanas não responsabilizaram ninguém pelos abusos graves documentados pela Human Rights Watch e por outras organizações. O caso do jornalista e advogado Ericino de Salema, que foi raptado e violentamente agredido em Maputo em Março, continua por resolver, bem como os casos de 10 figuras de alto nível, incluindo altos funcionários dos partidos da oposição, procuradores da república e académicos proeminentes, que perderam a vida ou ficaram feridos em ataques com motivação política em 2016.
As autoridades não investigaram os abusos dos direitos humanos cometidos pelas forças de segurança do governo durante confrontos militares com homens armados do principal partido da oposição, a Renamo. A Human Rights Watch documentou casos de desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e destruição de propriedade privada pelas forças do governo, bem como assassinatos políticos, ataques a transportes públicos e pilhagens de postos de saúde pelo grupo armado do partido político Renamo, entre Novembro de 2015 e Dezembro de 2016. Desde que o cessar-fogo foi declarado em Dezembro de 2016, os combates e abusos dos direitos humanos relacionados com os mesmos cessaram. Mas as autoridades não responsabilizaram ninguém pelos abusos.
Liberdade de expressão
Ativistas e defensores dos direitos humanos continuaram a viver no medo, enfrentando ameaças e intimidação de indivíduos desconhecidos.Em 27 de Março, o jornalista e activista Ericino de Salema foi raptado por dois homens armados não identificados à porta da sede do Sindicato de Jornalistas Angolanos na capital, Maputo. Foi violentamente agredido com espingardas de assalto AK-47 e deixado inconsciente nos arredores da cidade. Salema era comentador político residente num dos principais programas de televisão de Moçambique. Dois outros ex-comentadores do mesmo programa disseram que decidiram cortar laços com o programa após terem começado a receber ameaças frequentes de indivíduos não identificados que afirmavam trabalhar para os serviços de segurança e informação do Estado.
Após o incidente, seis ativistas disseram ter sido alvo de mensagens ameaçadoras por terem criticado o governo. Dois deles disseram ter-se visto forçados a mudar de casa, a usar carros diferentes e a alterar as suas rotinas após se terem apercebido de que estavam a ser seguidos por veículos sem matrícula pela capital ou estacionados à porta das suas casas durante várias horas seguidas.
Liberdade de imprensa
A liberdade de imprensa, em especial para os meios de comunicação privados e correspondentes de orgãos internacionais, ficou ameaçada pela emissão do Decreto 40/2018 pelo governo moçambicano em 23 de Julho, que exige que os correspondentes estrangeiros paguem 2500 USD por viagem a Moçambique para obterem a acreditação de jornalista. Os freelancers e correspondentes estrangeiros baseados no país terão de pagar 500 USD e 8300 USD por ano, respetivamente.
Os novos regulamentos também definem novas taxas para as organizações de comunicação social moçambicanas, impondo uma taxa de 3300 USD para novas publicações e uma taxa de 800 USD para novas estações de rádio comunitárias. Grupos locais de jornalismo e outras organizações não-governamentais criticaram o governo por ter aprovado este decreto controverso sem consultas. Em Agosto, a diretora do Gabinete de Informação de Moçambique, Emilia Moiane, disse que a decisão de aumentar as taxas havia sido suspensa, aguardando-se a realização de novas consultas.
Direitos dos indivíduos portadores de deficiência
Existem poucos dados disponíveis sobre o número exato de indivíduos com albinismo em Moçambique, mas as organizações da sociedade civil estimam que existem entre 20 000 e 30 000 albinos em todo o país. Os raptos e ataques físicos a portadores de albinismo continuaram. Em Moçambique e em alguns países vizinhos, os indivíduos albinos são caçados, desmembrados e os seus membros são utilizados em atos de feitiçaria.
Em Janeiro de 2018, a polícia travou uma tentativa de rapto de um menino de 11 anos na província central da Zambézia. O menino havia sido atacado por cinco pessoas, que lhe cortaram as orelhas e raparam a cabeça antes da chegada da polícia. Em Julho de 2018, um menino de 10 anos foi raptado em casa na província do Niassa, no norte de Moçambique. No início de setembro, duas crianças com albinismo, com 4 e 11 anos, foram alegadamente raptadas em incidentes separados na província de Niassa.
Principais atores internacionais
O grupo de 14 países doadores a Moçambique, que inclui o Reino Unido e a União Europeia, bem como instituições multilaterais, incluindo o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, mantiveram o congelamento do apoio direto ao orçamento do Estado devido a preocupações ligadas à corrupção. Alguns parceiros internacionais continuaram a apoiar setores cruciais. Os EUA, por exemplo, mantiveram o seu apoio aos programas de combate à malária e ao VIH e a União Europeia está a apoiar o fortalecimento dos grupos da sociedade civil e a proteção dos defensores dos direitos humanos.
Em Março, os EUA criticaram o rapto de Salema e defenderam a importância de uma comunicação social livre e independente como pilar da democracia moçambicana. Em Abril, o relator especial das Nações Unidas sobre a liberdade de opinião e de expressão e o relator especial para os defensores dos direitos humanos condenaram a ausência de investigações exaustivas e de responsabilizações dos autores dos ataques contra ativistas e afirmou que a consequente impunidade contribui para que estes crimes voltem a ocorrer.
Em 25 de Junho, o presidente Nyusi anunciou que a Rússia e os EUA se ofereceram para ajudar o país a combater os ataques terroristas no norte da província de Cabo Delgado, mas não forneceu mais detalhes.