Em 2016, o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) chegaram a um acordo para encerrar os 52 anos de conflito armado. O acordo oferece uma oportunidade histórica para conter abusos aos direitos humanos, mas seus dispositivos relativos à justiça contêm graves deficiências que arriscam deixar impunes aqueles que cometeram crimes de guerra. Até a elaboração deste relatório, a Jurisdição Especial para a Paz, sistema judicial criado para julgar abusos em tempo de guerra, ainda não havia sido implementado.
Em junho de 2017, a missão das Nações Unidas na Colômbia verificou que as FARC entregaram suas armas e se desmobilizaram. No entanto, civis continuam a sofrer sérios abusos por parte de guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) e outros grupos paramilitares sucessores que emergiram após um processo de desmobilização iniciado há uma década. A violência associada ao conflito provocou o deslocamento forçado de mais de 7,7 milhões de colombianos desde 1985, gerando a maior população mundial de pessoas internamente deslocadas (no inglês, IDPs). Defensores de direitos humanos, sindicalistas, jornalistas, líderes indígenas e afrocolombianos e outros ativistas comunitários enfrentam ameaças de morte e violência, principalmente de guerrilheiros e de grupos sucessores. Os autores desses abusos raramente são responsabilizados.
Em fevereiro de 2017, o governo e o ELN iniciaram negociações de paz em Quito, no Equador, após mais de dois anos de tentativas de negociações. Em setembro, dias antes da visita do papa Francisco à Colômbia, as partes chegaram a um acordo bilateral de cessar-fogo entre outubro de 2017 e janeiro de 2018. O ELN também concordou em deter certos abusos, incluindo o recrutamento de menores de 15 anos e o uso de minas antipessoal.
Também em setembro, "Otoniel", líder das Autodefensas Gaitanistas de Colombia (AGC), o maior grupo sucessor paramilitar do país, disse estar disposto a negociar um fim aos crimes dos grupos. As negociações relatadas permaneceram confidenciais até a elaboração deste relatório.
Guerrilhas
Em 27 de junho de 2017, a missão política da ONU na Colômbia verificou que os guerrilheiros das FARC que aceitaram o acordo com o governo haviam se desmobilizado e entregaram suas armas à missão. Em setembro, o grupo guerrilheiro desmobilizado anunciou oficialmente a formação de seu partido político, a Força Alternativa Revolucionária do Comum (FARC).
No entanto, uma minoria de guerrilheiros dissidentes rejeitou os termos do acordo de paz, não se desarmou e continuou a cometer abusos. Em maio, os guerrilheiros da Primeira Frente dissidente das FARC sequestraram um consultor do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (no inglês, UNODC) na província de Guaviare. Eles o libertaram em julho.
Em 2017, o ELN continuou a cometer sérios abusos contra civis, incluindo, por exemplo, assassinatos, deslocamentos forçados e recrutamento de crianças e adolescentes na província de Chocó. Em 25 de outubro, guerrilheiros do ELN mataram um líder indígena em Chocó, apesar de terem concordado com o governo em cessar os abusos.
Em 2017, o ELN continuou a usar minas antipessoais. O governo informou que minas terrestres e munições não detonadas mataram quatro civis e feriram 22 entre janeiro e outubro de 2017.
Paramilitares e grupos sucessores
Entre 2003 e 2006, organizações paramilitares de direita que possuíam vínculos estreitos com as forças de segurança e com políticos passaram por um processo de desmobilização profundamente deficiente conduzido pelo governo, no qual muitos membros permaneceram ativos e se reorganizaram em novos grupos. Esses grupos sucessores continuam a cometer amplos abusos como assassinatos, "desaparecimentos" e estupro. Por vezes, esses grupos se beneficiaram da tolerância e mesmo da conivência de agentes estaduais.
Em seu conflito com o ELN, a AGC continua a promover graves abusos na província de Chocó. Em abril, dois motoristas de barco foram encontrados mortos em uma comunidade afrocolombiana no sul do Chocó. Evidências críveis indicam que foram sequestrados e mortos por membros da AGC.
A implementação da Lei de Justiça e Paz de 2005 – que oferece sentenças significativamente reduzidas a membros de grupos paramilitares desmobilizados que confessam seus crimes – tem sido lenta, apesar dos relevantes progressos desde 2014. Em julho de 2016, 182 das mais de 30 mil tropas paramilitares oficialmente desmobilizadas tinham sido condenadas nos termos da lei. As condenações cobrem uma pequena parcela dos mais de 4.000 réus que buscam se beneficiar da lei.
Em junho de 2017, o Ministério Público formalizou denúncia contra Santiago Uribe, irmão do ex-presidente Alvaro Uribe, sob acusação de homicídio e conspiração por seu suposto papel no grupo paramilitar "Os 12 apóstolos" na década de 1990.
As investigações sobre os casos da “parapolítica” (infiltração de paramilitares no Congresso) e os processos judiciais de membros do Congresso acusados de colaborar com paramilitares continuaram em 2017. Entre 2006 e agosto de 2015, 63 legisladores foram condenados por crimes relacionados à “parapolítica”.
Abusos por parte das forças de segurança pública
De 2002 a 2008, brigadas do exército em toda a Colômbia rotineiramente executaram civis. Sob pressão de seus superiores para mostrar resultados "positivos" e aumentar a contagem de corpos na guerra contra guerrilheiros, soldados e oficiais sequestraram vítimas ou as atraíram para locais remotos sob falsas promessas – como de trabalho – e as mataram, colocaram armas junto a seus corpos e reportaram os casos como mortes de combatentes inimigos durante ação. Houve uma notável redução nos casos de alegadas execuções extrajudiciais atribuídas às forças de segurança desde 2009, embora relatos criveis de alguns novos casos continuem a surgir.
Em setembro de 2017, o Ministério Público investigava mais de 3.600 prováveis execuções extrajudiciais de 2002 a 2008 e chegou a alcançar condenações em casos contra mais de 1.200 soldados de média e baixa patente, incluindo condenações contra o mesmo indivíduo em diferentes casos.
No entanto, as autoridades têm em geral fracassado em processar membros de alta patente do exército envolvidos nas execuções e, em vez disso, ofereceram promoções na carreira militar de muitos deles. Em novembro, o Ministério da Defesa propôs promover cinco oficiais contra quem há provas críveis de envolvimento nesses casos de "falsos positivos". O processo perante o Senado seguia pendente até a elaboração deste relatório.
Até a elaboração deste relatório, o General Rodríguez Barragan continuava a comandar as forças armadas, apesar das fortes evidências que o implicam em mortes nos casos de “falsos positivos”. O general aposentado Jaime Alfonso Lasprilla Villamizar foi o adido de defesa da Colômbia em Washington entre novembro de 2015 e maio de 2017. Segundo o Ministério Público, ele comandou uma brigada provavelmente responsável pelas mortes de 55 civis entre 2006 e 2007.
Em janeiro, o Ministério Público denunciou o general aposentado Henry William Torres Escalante sob a acusação de seu suposto papel na morte de dois agricultores em 2007. Nenhum progresso significativo foi alcançado em outros casos contra generais provavelmente responsáveis por mortes em casos de “falsos positivos”. Em março de 2016, os promotores convocaram o general aposentado Mario Montoya Uribe para uma audiência em que ele responderia por acusações – Mario Montoya Uribe comandava o exército quando as mortes atingiram um pico. Mais tarde, o Ministério Público voltou atrás e Montoya ainda não havia sido acusado até o momento de elaboração deste relatório.
Em abril de 2017, no entanto, o general Alberto José Mejía Ferrero, atual comandante do exército, organizou um evento para homenagear os "princípios e valores" do sargento Carlos Eduardo Mora, que em 2007 desobedeceu a uma ordem para cometer um "falso positivo" e mais tarde se tornou uma testemunha estelar no processo judicial desses casos.
Em maio, policiais fizeram uso excessivo da força contra pessoas que participavam, em Buenaventura, de manifestações de rua chamada pelos manifestantes de "greve cívica" para exigir melhores condições de vida, incluindo acesso a serviços públicos básicos, oportunidades econômicas e justiça. A ouvidoria nacional da Colômbia, a Defensoria del Pueblo, recebeu 161 denúncias de supostos abusos policiais durante os protestos, inclusive de 20 pessoas que disseram terem sido atingidas com balas de borracha.
Em outubro, sete agricultores foram mortos no município de Tumaco, no sul do país, durante um protesto pacífico contra os atrasos na implementação de programas para substituir cultivos ilícitos. Inicialmente, o Ministério da Defesa disse que os dissidentes das FARC atiraram em manifestantes; sobreviventes culparam a polícia. Dias depois, a Polícia Nacional anunciou a suspensão de quatro oficiais que "supostamente dispararam armas de fogo" durante o protesto.
Negociações de paz e responsabilização
O acordo de paz prevê a criação de uma Jurisdição Especial para a Paz para julgar os responsáveis por graves violações dos direitos humanos cometidas durante o conflito, incluindo guerrilheiros das FARC e membros das forças armadas. Os indivíduos responsáveis por crimes contra a humanidade e graves crimes de guerra que cooperarem plenamente com a nova jurisdição e confessarem seus crimes se submeterão a uma pena de até oito anos de "restrições efetivas às liberdades e direitos", mas não pena de prisão.
Em dezembro de 2016, o Congresso aprovou uma lei de anistia, com o propósito declarado de excluir violações dos direitos humanos da anistia. A lei, no entanto, emprega uma linguagem que pode permitir que pessoas responsáveis por atrocidades se beneficiem de anistias. Em setembro, o Tribunal Constitucional estava revisando a constitucionalidade da lei.
Em abril de 2017, os legisladores aprovaram uma emenda constitucional criando a Jurisdição Especial para a Paz. A alteração estabelece uma definição de "responsabilidade de comando" – regra que determina quando oficiais superiores podem ser responsabilizados por crimes de seus subordinados – para as forças armadas que se distancia das normas estabelecidas do direito internacional de uma maneira que enfraquece severamente a possibilidade de qualquer responsabilização. Em novembro, o Tribunal Constitucional decidiu que a definição de "responsabilidade de comando" era constitucional.
Defensores de direitos humanos, jornalistas e sindicalistas
Defensores de direitos e jornalistas continuam a ser alvo de ameaças e ataques. Apesar de um programa do Ministério do Interior que oferece proteção a defensores dos direitos humanos, sindicalistas e jornalistas, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) documentou o assassinato de 53 reconhecidos defensores de direitos humanos e ativistas comunitários de janeiro a outubro de 2017. Em julho, o Ministério Público declarou ter alcançado condenações em 5 de mais de 80 assassinatos documentados pelo ACNUDH desde janeiro de 2016.
A Fundación para la Libertad de Prensa, uma organização não-governamental colombiana que monitora a liberdade de imprensa, informou que um jornalista foi morto e 136 sofreram ameaças entre janeiro e outubro de 2017.
O ex-presidente Uribe, atualmente senador, continuou em 2017 a criticar jornalistas e outros críticos, acusando-os, sem evidências, de serem cúmplices de grupos de guerrilha.
Deslocamento interno e restituição de terras
Mais de 7,7 milhões de colombianos foram deslocados internamente pela violência relacionada ao conflito desde 1985, revelam dados do governo. Mais de 48.000 foram deslocados entre janeiro e novembro de 2017. Em todo o país, o deslocamento forçado diminuiu significativamente desde 2015, embora permaneça alto em muitas áreas. Em Litoral de San Juan, no sul de Chocó, o número de pessoas deslocadas em 2016 representava 20% da população.
A implementação da restituição de terras pelo governo sob a Lei de Vítimas de 2011 continua lenta. A lei foi promulgada para devolver milhões de hectares de terra que foram abandonados ou roubados durante os muitos anos de conflito aos colombianos deslocados internamente. Até agosto de 2017, os tribunais haviam emitido sentenças em apenas 5.400 de mais de 106 mil pedidos recebidos.
Violência de gênero
A violência baseada no gênero é ampla na Colômbia. A falta de treinamento e a frágil implementação de protocolos de atendimento impedem o acesso oportuno a serviços médicos e criam obstáculos para mulheres e meninas que procuram assistência pós-violência. Os perpetradores de crimes de violência de gênero raramente são levados à justiça.
Em julho de 2015, o "feminicídio" – definido, em alguma medida, como a morte de uma mulher por causa de seu gênero – tornou-se um crime. A lei estabeleceu medidas abrangentes para prevenir e processar judicialmente a violência de gênero, incluindo o reconhecimento dos direitos das vítimas e seus familiares à assistência jurídica especializada.
Orientação sexual e identidade de gênero
Nos últimos anos, as autoridades da Colômbia adotaram várias medidas para reconhecer os direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT). Em junho de 2015, o Ministério da Justiça editou um decreto que permite que as pessoas revisem o gênero registrado em seus documentos de identidade sem a aprovação judicial prévia. Em novembro de 2015, o Tribunal Constitucional decidiu que ninguém pode ser impedido de adotar uma criança em razão de sua orientação sexual. Em abril de 2016, o tribunal confirmou o direito de casamento entre casais do mesmo sexo. Em maio de 2017, os legisladores rejeitaram uma proposta legislativa de realização de um referendo que colocaria em riscos avanços ao sugerir que os eleitores decidissem se casais do mesmo sexo e pessoas solteiras deveriam ter o direto de adotar crianças.
Direitos indígenas
Os povos indígenas na Colômbia sofrem limitações desproporcionais quanto à fruição de direitos sociais e econômicos. De janeiro a agosto de 2017, pelo menos 24 crianças indígenas – a maioria pertencentes a comunidades Wayuu - morreram na província de La Guajira de causas associadas à desnutrição. Muitas dessas mortes são causadas pelo acesso limitado à água potável. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pediu ao governo, em dezembro de 2015, que medidas fossem tomadas para evitar essas mortes. Em janeiro de 2017, a CIDH ampliou o pedido para atender mulheres grávidas e amamentando.
Principais atores internacionais
Os Estados Unidos continuam sendo o ator estrangeiro mais influente na Colômbia. Até a elaboração deste relatório, o Congresso dos EUA avançava com a aprovação de mais de 390 milhões de dólares para assistência – principalmente relacionada a políticas de desenvolvimento e controle de drogas. Uma parte da ajuda militar dos EUA está sujeita a condições relacionadas aos direitos humanos, que o Departamento de Estado dos EUA não tem seguido rigorosamente.
A Promotoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) continua a monitorar as investigações da Colômbia sobre os crimes que podem ser abrangidos pela jurisdição do tribunal, e a promotora-chefe, Fatou Bensouda, realizou uma missão no país em setembro de 2017. A pedido do Tribunal Constitucional, em outubro, Bensouda apresentou um Amicus Curiae perante o tribunal expressando preocupação com a definição de "responsabilidade de comando" e problemas na lei de anistia.
Em setembro de 2017, o Papa Francisco visitou a Colômbia. Ele apoiou o processo de paz com as FARC e clamou os colombianos que "acolham todas as pessoas que cometeram delitos, que admitam suas falhas, estejam arrependidas e realmente queiram promover reparação".
Em janeiro de 2016, o Conselho de Segurança da ONU, a pedido do governo, estabeleceu uma missão política sob um mecanismo tripartite – com a ONU, o governo e as FARC – para monitorar e verificar o cessar-fogo e o fim definitivo de hostilidades nos termos do acordo de paz, bem como a entrega de armas. Em julho de 2017, o Conselho de Segurança criou uma segunda missão encarregada de verificar a reintegração de guerrilheiros das FARC.
Em 2017, o governo colombiano apoiou os esforços da região para ajudar a resolver a crise dos direitos humanos na Venezuela. Em agosto, o ministro das Relações Exteriores da Colômbia assinou, juntamente com os de outras 11 nações, a Declaração de Lima, uma declaração abrangente que condena a ruptura da ordem democrática e a violação sistemática dos direitos humanos na Venezuela.
Desde 2014, quando a crise começou a se aprofundar, milhares de venezuelanos migraram para a Colômbia. Em julho de 2017, o governo colombiano criou uma autorização especial que permite aos cidadãos venezuelanos que entraram no país legalmente, mas que ultrapassaram seus vistos regularizarem seu status.