A polícia nacional do Chile (Carabineros) tem feito uso excessivo da força para responder a manifestações populares, algumas delas com violência, que começaram em outubro e continuavam até a elaboração deste relatório. Milhares de pessoas ficaram feridas, incluindo mais de 220 com ferimentos graves nos olhos, depois que a polícia realizou disparos com armas antimotim. Muitos dos que foram detidos relataram ter sofrido graves abusos enquanto mantidos sob custódia, incluindo espancamentos brutais e abuso sexual. Embora o governo tenha adotado algumas medidas positivas, incluindo um protocolo sobre o uso da força e o destacamento de 250 especialistas para instruir unidades de controle de multidões quanto ao respeito aos direitos humanos, até a elaboração deste relatório não tinham sido implementadas outras propostas para ajudar a impedir a má conduta policial e reforçar a fiscalização contra abusos.
O Chile enfrenta outros importantes desafios de direitos humanos. As mulheres encontram barreiras significativas no acesso ao aborto em casos em que o aborto é permitido por lei. As propostas para reconhecer o casamento entre pessoas do mesmo sexo permanecem em um impasse. Regras rígidas para vistos para venezuelanos podem, na prática, impossibilitar a entrada de muitos deles no Chile. E a superlotação e condições desumanas persistem em muitas prisões.
O Chile progrediu em algumas áreas de direitos humanos em 2019. O Congresso aprovou uma lei de identidade de gênero que permite que indivíduos mudem seu nome e gênero no registro civil, e uma lei que proíbe o assédio sexual público. O Chile também tomou medidas para responsabilizar ex-policiais e militares por abusos durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Abusos das forças de segurança durante protestos
Protestos populares por serviços públicos e contra a desigualdade eclodiram no Chile em outubro. Enquanto a maioria dos manifestantes era pacífica, alguns grupos atacaram a polícia com pedras, saquearam e queimaram propriedades públicas e privadas. Quase 2.000 policiais ficaram feridos entre 18 de outubro e 20 de novembro.
A polícia respondeu fazendo uso excessivo da força contra manifestantes e transeuntes, estando eles envolvidos em atos de violência ou não. Os serviços de saúde receberam mais de 11.000 pessoas feridas entre 18 de outubro e 22 de novembro, incluindo mais de 220 pessoas com ferimentos nos olhos, a maioria atingida por projéteis disparados por policiais com armas antimotim. Até a elaboração deste relatório, a polícia havia suspendido o uso dessas armas, enquanto especialistas analisavam a composição dos projéteis.
A polícia também deteve mais de 15.000 pessoas de 18 de outubro a 21 de novembro e maltratou algumas delas. O Instituto Nacional de Direitos Humanos registrou 442 denúncias sobre tratamento desumano, tortura, abuso sexual e outros crimes. A Human Rights Watch coletou testemunhos críveis de que a polícia teria forçado os detidos, especialmente mulheres e meninas, a se despirem e se agacharem completamente nuas, uma prática proibida pelos protocolos policiais. Também documentamos espancamentos brutais e estupro em detenção. Promotores estão investigando pelo menos cinco mortes supostamente causadas pelas forças de segurança no contexto de manifestações.
Confrontando abusos do passado
Os tribunais chilenos continuam a responsabilizar judicialmente ex-policiais e militares responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura de Augusto Pinochet, de 1973 a 1990.
Em dezembro de 2018, um juiz chileno condenou 53 ex-agentes da Direção de Inteligência Nacional (DINA), a polícia secreta chilena, pelo sequestro, tortura e desaparecimento forçado de sete líderes comunistas em 1976 e pela execução do ex-líder do Partido Comunista, Victor Diaz, em 1977.
Em janeiro de 2019, um juiz chileno condenou seis homens, incluindo um agente de segurança, quatro médicos e um motorista, pela morte por envenenamento do ex-presidente do Chile, Eduardo Frei Montalva, em 1982.
Em março, um juiz chileno condenou 11 ex-militares por queimarem vivo o fotógrafo de 19 anos, Rodrigo Rojas, em 1986.
O Chile mantém um sigilo de 50 anos sobre os testemunhos que vítimas deram perante a Comissão Nacional de Prisão Política e Tortura no período de novembro de 2003 a maio de 2004. Depoimentos revelaram locais de detenção e métodos de tortura usados pela ditadura e identificam ex-presos políticos e vítimas de tortura. O governo de Bachelet (2014-2018) apresentou um projeto de lei para suspender a ordem de sigilo em 2017, gerando um acalorado debate entre aqueles que acreditam que a revelação do testemunho violariam os direitos das vítimas à privacidade e aqueles que acreditam que a revelação é necessária para punir integralmente a culpados e trazer justiça às vítimas.
Em dezembro de 2018, uma comissão da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que puniria qualquer um que "justificasse", "aprovasse" ou "negasse" violações dos direitos humanos cometidas durante a ditadura com até 3 anos de prisão. O projeto, que viola as disposições de liberdade de expressão sob a legislação internacional de direitos humanos, permanecia em andamento até a elaboração deste relatório.
Direitos das mulheres
A proibição do aborto no Chile chegou ao fim em 2017, depois de 28 anos em vigor, quando o Tribunal Constitucional corroborou uma nova lei que descriminaliza o aborto em três circunstâncias: quando a gravidez é resultado de estupro, quando a vida da mulher grávida está em risco ou quando o feto é inviável. Embora a aprovação da lei tenha sinalizado progresso para os direitos reprodutivos no Chile, ainda existem barreiras significativas ao acesso ao aborto mesmo em casos legalmente permitidos.
A lei em sua forma atual permite que médicos e instituições privadas se recusem a fazer abortos por razões morais. Dos 1.148 médicos especialistas que trabalham em hospitais públicos, mais de 50% se opõem ao aborto após estupro, 28,5% quando o feto é inviável e 20,5% quando a vida da gestante está em risco, de acordo com um relatório divulgado pelo Ministério da Saúde do Chile em junho.
Em abril, o Chile aprovou a proibição do assédio sexual em público, tornando puníveis com multas e até prisão os atos como agredir verbalmente, apalpar, seguir persistentemente uma pessoa e agir de forma indecente e obscena em público.
Direitos dos povos indígenas
Os tribunais chilenos continuam processando judicialmente ativistas Mapuche que lutam por direitos à terra utilizando-se da lei chilena de contraterrorismo por violência e destruição de propriedades durante protestos. A lei tem recebido críticas por sua definição excessivamente ampla de terrorismo e por garantias insuficientes do devido processo legal. As administrações de Bachelet e Piñera propuseram modificações para atualizar a lei e esclarecer seu escopo. Um projeto de lei que altera a lei de contraterrorismo ainda estava tramitando no Senado até a elaboração deste relatório.
Em novembro de 2018, Camilo Catrillanca, um ativista Mapuche de 24 anos de idade, foi morto a tiros pela polícia. A execução provocou indignação generalizada e se tornou um símbolo da brutalidade policial. A polícia disse que Camilo Catrillanca foi morto em um tiroteio e que o incidente não havia sido registrado. Mas em dezembro de 2018, surgiram vídeos que mostravam que Camilo estava desarmado quando foi baleado nas costas. O presidente Piñera destituiu o chefe da força policial, General Hermes Soto. Até a elaboração deste relatório, oito indivíduos, incluindo sete ex-policiais e um advogado acusado de ajudar a ocultar evidências, estavam sendo julgados por participação na morte de Camilo.
Orientação sexual e identidade de gênero
Em agosto, a lei de identidade de gênero promulgada pelo presidente Piñera em novembro de 2018 passou seu estágio final de aprovação e deve entrar em vigor no início de 2020. A lei permite que indivíduos transgêneros acima de 14 anos de idade mudem legalmente seu nome e sexo no registro civil, sem necessidade de cirurgia ou alteração na aparência física. A aprovação da lei marca um importante passo adiante para a comunidade trans no Chile, mas ainda há muito trabalho adiante para garantir os direitos de casais que, sob a legislação atual, precisam se divorciar antes de concretizaram seu direito a uma mudança legal de gênero.
O projeto de lei apresentado em agosto de 2017 pelo governo Bachelet e que busca legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e permitir que casais do mesmo sexo adotem filhos e acessem outras formas de reprodução, permanece em tramitação no Senado. Em setembro, o governo chileno removeu do seu Plano Nacional de Direitos Humanos uma parte do texto que promove a igualdade de casamento.
Direito ao refúgio e à migração
Em agosto, o Senado chileno concordou de forma unânime em considerar um projeto de reforma das leis de migração visando regulamentar e sistematizar ainda mais o processo imigratório em resposta à crescente população migrante. As leis de migração não foram atualizadas desde 1975.
Em agosto, a Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) estimou que cerca de 400 mil migrantes venezuelanos entraram no Chile desde 2016, tornando-o o terceiro maior país receptor de refugiados e migrantes venezuelanos, depois de Colômbia e Peru. Embora o Chile tenha empregado esforços para acolher venezuelanos, os critérios para a obtenção de vistos, na prática, dificultam a o acesso ao refúgio para alguns venezuelanos. Em junho, o Chile mudou suas regras para exigir que os venezuelanos que entram por motivos turísticos obtenham um visto antes de chegar à fronteira. É possível obter um visto de turismo, válido por 90 dias, em todos os consulados chilenos – mas para obtê-lo, os venezuelanos devem apresentar um passaporte emitido após 2013 e pagar 50 dólares.
O Chile também disponibilizou em todos seus consulados um "visto de responsabilidade democrática" com validade de um ano; anteriormente esse visto só estava disponível em Caracas. Embora o maior acesso ao visto de responsabilidade democrática possa ajudar alguns venezuelanos, ele ainda representa um custo de 30 dólares e exige algum tipo de documentação válida. A obtenção de um visto pode ser um obstáculo intransponível para as milhares de pessoas que fogem sem dinheiro ou documentos de identidade adequados.
Direitos das crianças
O governo de Piñera adotou várias medidas concretas para revisar o Serviço Nacional para Menores (SENAME), historicamente falho, incluindo a aprovação de uma lei para duplicar os subsídios governamentais para 200 residências que abrigam e cuidam de crianças adotadas, estabelecendo a primeira residência especializada para cuidar de crianças com deficiências psicossociais, e adotando medidas para que crianças possam se mudar para fora dos centros tradicionais do SENAME indo para residências com maior atendimento personalizado e recursos. O SENAME foi objeto de escrutínio durante vários anos devido a denúncias de abusos, maus-tratos e morte em seus centros.
Em julho, a administração Piñera aprovou uma lei que retira a prescrição para crimes sexuais contra crianças, após um aumento das alegações de abuso por parte de membros da Igreja Católica. Até a elaboração deste relatório, promotores chilenos estavam investigando mais de 200 casos desse tipo.
Condições carcerárias
Um relatório divulgado em abril pelo Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) revelou que 19 das 40 prisões estatais no Chile estavam acima da capacidade em 2016 e 2017, 24 não tinham acesso suficiente a banheiros e água potável e muitas tinham problemas com saneamento, mofo, pragas, circulação de ar e calefação. Além disso, 50% dos homens e 35% das mulheres não tinham acesso a camas individuais. O INDH ingressou com dezenas de ações judiciais em nome de presos que viviam em condições indignas e insalubres.
Principais Atores Internacionais
Como membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), o Chile apoiou os esforços da ONU em 2019 para examinar as violações dos direitos humanos na Nicarágua, Síria, Sri Lanka, Mianmar, Coréia do Norte, Sudão do Sul, Belarus, Eritréia, Irã, Ucrânia e nos Territórios Palestinos Ocupados. No entanto, em julho, absteve-se de votar em uma resolução que lançava luz sobre os abusos nas Filipinas.
O Chile atua desde 2018 como co-presidente do Grupo de Trabalho do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a Nicarágua. Em agosto, o Chile apoiou uma resolução para designar uma comissão para monitorar a atual crise de direitos humanos na Nicarágua e a observância da Carta Democrática Interamericana.
O Chile também apoiou resoluções tanto perante a ONU quanto perante a OEA condenando abusos na Venezuela.