Problemas crônicos persistem no sistema de justiça criminal brasileiro, incluindo execuções extrajudiciais cometidas pela polícia e maus-tratos de pessoas detidas. No Rio de Janeiro, as mortes causadas pela polícia se aproximam de níveis recordes. Em janeiro de 2017, mais de 120 presos foram mortos em casos de violência relacionados a facções criminosas.
A violência doméstica permaneceu generalizada; todos os anos, milhares de casos não são devidamente investigados.
Milhares de venezuelanos chegaram ao Brasil fugindo da repressão em seu país, em busca de comida e medicamentos. Em resposta, o Brasil facilitou os processos de autorização de residência, enquanto cobrava o restabelecimento da democracia na Venezuela.
Segurança pública e conduta policial
Os altos níveis de violência, frequentemente praticada por facções criminosas, atinge diversas cidades brasileiras. Abusos cometidos pela polícia, incluindo execuções extrajudiciais, contribuem para um ciclo de violência, que prejudica a segurança pública e coloca em risco a vida de policiais. Em 2016, 437 policiais foram mortos no Brasil, a grande maioria deles fora de serviço, de acordo com dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Policiais, incluindo aqueles fora de serviço, mataram 4.224 pessoas em 2016, cerca de 26% a mais do que em 2015, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Após dois anos de queda no número de mortes causadas por policiais em serviço no estado de São Paulo, as 494 mortes no período de janeiro a setembro de 2017 representaram um aumento de 19% em relação ao mesmo período de 2016. Os policiais em serviço no Rio de Janeiro mataram 1.035 pessoas de janeiro a novembro, um aumento de 27 por cento em relação ao mesmo período de 2016.
Enquanto algumas das mortes causadas por ação policial resultam do uso legítimo da força, outras não. A Human Rights Watch documentou dezenas de casos na última década nos quais havia evidência crível de uma execucão extrajudicial ou um acobertamento que não foram devidamente investigados ou denunciados.
Em maio, policiais mataram 10 trabalhadores rurais no Pará. Os policiais disseram que agiram em resposta a um ataque, mas testemunhas e dados da perícia indicam que eles executaram as vítimas.
Em julho, o governo federal alocou milhares de membros das forças armadas para ajudar no policiamento no Rio de Janeiro. Em outubro, o Congresso aprovou um projeto de lei defendido pelo Exército que impede que soldados acusados de execuções extrajudiciais de civis durante operações de segurança pública sejam processados e responsabilizados em tribunais civis, atribuindo essa competência a tribunais militares. De acordo com as normas internacionais, execuções extrajudiciais e outras violações graves de direitos humanos devem ser processadas e julgadas na justiça comum.
Condições das prisões, tortura e maus-tratos a detentos
Em junho de 2016, mais de 726 mil adultos estavam atrás das grades no Brasil, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça. As prisões estavam extremamente superlotadas, com 197 por cento da capacidade – isto significa dois presos por vaga disponível.
A superlotação e a falta de pessoal tornam impossível que as autoridades prisionais mantenham o controle de muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência. Em janeiro, mais de 120 presos morreram em três estados – em princípio como resultado da violência cometida por facções. Outros 22 presos já haviam sido mortos em outubro de 2016.
Os serviços de assistência jurídica e de saúde são deficientes em muitas prisões, e apenas uma pequena porcentagem de presos tem acesso a oportunidades educacionais e de trabalho. Os presos provisórios são frequentemente mantidos juntos com presos condenados, em violação aos padrões internacionais e à lei brasileira.
De acordo com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), em apenas cerca de 40 por cento das comarcas os detidos são apresentados sem demora a juízes após a prisão, conforme é exigido pelo direito internacional. As audiências de custódia ajudam os juízes a determinar quem deve estar em prisão preventiva e quem deve aguardar o julgamento em liberdade. Sem as audiências de custódia, os presos frequentemente esperam vários meses até verem um juiz pela primeira vez; no Brasil, em junho de 2016, 40 por cento dos presos aguardavam julgamento. Até a data de elaboração deste relatório, o Congresso avaliava um projeto de lei para tornar as audiências de custódia obrigatórias em todo o país.
Essas audiências poderíam servir como um instrumento eficaz contra os abusospoliciais a pessoas detidas porque permitem que juízes detectem maus tratos logo após a prisão. Em São Paulo, no entanto, um relatório de 2017 da Conectas revelou que juízes, promotores e defensores públicos não garantiram a investigação adequada de denúncias de maus tratos trazidas em centenas de audiências de custódia.
Direitos das crianças
No Brasil, centros socioeducativos tinham capacidade para cerca de 19.400 adolescentes, mas abrigavam ao menos 24 mil deles em outubro de 2016. Esses números não incluem informações de seis estados, sobre os quais o governo federal não possuia dados.
Em junho, nove adolescentes foram mortos por outros adolescentes em estabelecimentos do sistema socioeducativo severamente superlotados nos estados da Paraíba e do Pernambuco. O Conselho Nacional de Direitos Humanos registrou, de 2012 a 2016, 40 adolescentes mortos em unidades de internação em Pernambuco. O relatório do CNDH não deixou claro quem foram os responsáveis pelas mortes.
As investigações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e da Human Rights Watch encontraram numerosos casos de maus tratos de adolescentes por funcionários do sistema socioeducativo e por policiais em vários estados. Os abusos muitas vezes não são objeto de investigação e punição devidas. Uma exceção foi a condenação de 12 funcionários, em agosto, por torturarem 85 crianças em São Paulo. Apesar de fortes evidências periciais e de imagens gravadas em vídeo, o caso demorou 12 anos para ser julgado.
Em vez de promover ressocialização e educação, a infraestrutura física dos centros socioeducativos promove o isolamento e a punição. Por exemplo, muitos adolescentes no Ceará não têm acesso a atividades educacionais e estão trancados em seus “quartos-cela” durante a maior parte ou todo o o dia, conforme documentado pela Human Rights Watch.
Até a data de elaboração deste relatório, o Congresso avaliava um projeto de lei para aumentar o tempo máximo de internação de adolescentes de 3 para 10 anos – o que agravaria ainda mais a superlotação – e uma emenda constitucional que permitiria que adolescentes de 16 e 17 anos acusados de crimes graves fossem julgados e punidos como adultos, em violação às normas internacionais vigentes.
Liberdade de expressão
Em dezembro de 2016, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a tipificação do desacato à autoridade como crime, punível com até dois anos de detenção, viola a liberdade de expressão e deveria ser anulada. Mas em maio, os ministros da Seção Criminal do Tribunal em sua plena composição reverteram esse entendimento.
No Rio de Janeiro, onde as forças armadas foram repetidamente alocadas para operações de segurança pública, dezenas de civis têm sido processados na justiça militar sob a alegação de desrespeitarem soldados conforme a definição de desacato do Código Penal Militar. Policiais militares têm feito uso excessivo desse dispositivo para reprimir críticas, inclusive em casos nos quais prenderam artistas durante performances ou pessoas que publicaram comentários críticos na internet.
Policiais militares enfrentam amplas restrições a sua própria liberdade de expressão. Os códigos disciplinares estaduais e o Código Penal Militar sujeitam policiais à expulsão e a sentenças de prisão por delitos como criticar um superior ou uma decisão do governo. Alguns comandantes usam essas normas para impor punições desproporcionais a policiais que defendem reformas ou expressam reclamações.
Direitos das mulheres
O aborto é legal no Brasil apenas em casos de estupro, quando necessário para salvar a vida da mulher, ou quando o feto sofre de anencefalia, um transtorno cerebral congênito fatal.
Mulheres e meninas que realizam abortos ilegais no Brasil não apenas se expõem a riscos de lesões e de morte, mas também estão sujeitas a penas de até três anos de prisão, enquanto pessoas que realizam esses procedimentos podem enfrentaraté quatro anos de cadeia. Uma última pesquisa nacional de aborto estima que 416 mil mulheres brasileiras tenham realizado aborto em 2015. O Ministério da Saúde informou à Human Rights Watch que médicos administraram apenas 1.667 abortos legais naquele ano.
O Supremo Tribunal Federal analisa dois pedidos de descriminalização do aborto. Em abril, a Human Rights Watch apresentou pedidos para atuar como amicus curiae em ambos os casos. Em novembro, uma comissão na Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que proibiria o aborto em qualquer circunstância.
Um surto do vírus Zika em 2015 teve impactos particularmente danosos a mulheres e meninas. Quando uma mulher grávida é infectada, o Zika pode causar problemas no desenvolvimento fetal, incluindo microcefalia, o subdesenvolvimento do cérebro. O investimento inadequado em infra-estrutura de água e saneamento básico, bem como a limitada oferta de informações e serviços de saúde reprodutiva, agravaram o surto de Zika e deixaram a população brasileira vulnerável a futuras epidemias. Crianças com síndrome relacionada ao vírus Zika precisam de maior assistência do Estado.
A implementação da Lei Maria da Penha, de 2006, para coibir a violència doméstica, ainda está incompleta. As delegacias especializadas da mulher contam com recursos humanos insuficientes, geralmente fecham durante a noite e aos finais de semana, e permanecem concentradas nas grandes cidades. De acordo com os dados disponíveis, milhares de casos por ano não são devidamente investigados.
Os casos de violência doméstica que permanecem impunes tipicamente se agravam e podem levar à morte. Em 2016, 4.657 mulheres foram mortas no Brasil, segundo dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Um estudo de 2013 estimou que, na metade dos casos de homicídios de mulheres, o agressor era o parceiro, ex-parceiro ou um familiar.
Direitos das pessoas com deficiência
Em janeiro de 2016 entrou em vigor o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que exige que órgãos públicos priorizem as pessoas com deficiência na prestação de serviços relacionados à saúde, educação, trabalho, habitação, cultura e esporte.
Em março de 2016, o novo Código de Processo Civil revogou dispositivos do Estatuto da Pessoa com Deficiência que garantiam capacidade jurídica integral de todas as pessoas com deficiência e exigiam uma transição para os sistemas de tomada de decisão apoiada. Outro projeto de lei ainda em discussão propõe a restauração da interdição total de pessoas declaradas "incapazes", um grande retrocesso aos direitos das pessoas com deficiência, pois impede que certas pessoas com deficiência tomem suas próprias decisões sobre suas vidas, como onde e com quem morar, e sobre o desejo de casar ou ter filhos, e votar.
Migrantes e refugiados
Em maio, o Brasil aprovou uma nova Lei de Imigração que concede aos imigrantes igual acesso a serviços públicos, incluindo educação e saúde, e o direito de se sindicalizar. A lei permite que o governo forneça vistos de caráter humanitário a pessoas de países “em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário”.
Uma crise humanitária na Venezuela levou milhares de pessoas a atravessarem a fronteira com o Brasil. De janeiro a junho, 7.600 venezuelanos solicitaram refúgio no Brasil, em comparação com 55 em 2013, de acordo com dados do governo. O Brasil concedeu refúgio a 14 venezuelanos em 2016 e o negou a 28, com o restante dos casos ainda pendentes de decisão. De janeiro a setembro de 2017, o Brasil não tomou nenhuma decisão sobre as solicitações de refúgio dos venezuelanos.
Em março, o Brasil aprovou uma resolução que permite aos venezuelanos solicitarem uma autorização de residência temporária de dois anos. Em agosto, um juiz federal decidiu pela isenção da taxa de 311 reais cobrada para o pedido de residência temporária a venezuelanos pobres. A taxa impedia que muitos solicitassem a autorização.
Orientação Sexual e Identidade de Gênero
A Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos recebeu 725 denúncias de violência, discriminação e outros abusos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) no primeiro semestre de 2017.
Em fevereiro, homens que gritavam insultos homofóbicos bateram, atiraram e apedrejaram até a morte Dandara dos Santos, uma mulher transgênero de 42 anos, no estado do Ceará. Uma testemunha disse ter chamado a polícia duas vezes durante a agressão. A polícia não explicou o motivo de sua atuação tardia. A polícia deteve vários suspeitos somente após um vídeo do espancamento, aparentemente registrado por um dos agressores, ser divulgado nas mídias sociais.
Em setembro, um juiz federal abriu a possibilidade do uso de terapia de reversão sexual, tentativa de mudar a orientação sexual de um indivíduo, contrariamente à posição do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que a proibe. O CFP apresentou recurso contra a decisão judicial.
Direitos trabalhistas
Em 2016, o Ministério do Trabalho identificou 885 casos de trabalhadores sujeitos a condições abusivas de trabalho caracterizadas pela legislação brasileira como análogas à escravidão, por exemplo, trabalho forçado ou condições de trabalho degradantes. Embora o número seja menor que em anos anteriores, o Ministério do Trabalho realizou 25% menos inspeções. De dezembro de 2014 a dezembro de 2016, o Ministério do Trabalho impôs sanções a 250 empresas por empregarem pessoas em condições análogas à escravidão.
Em outubro de 2017, uma resolução editada pelo Ministério do Trabalho redefiniu as condições análogas à escravidão,para que sejam aplicáveis somente em circunstâncias em que a liberdade de circulação dos trabalhadores esteja restringida. A resolução também exige a participação da polícia nas inspeções e a aprovação do ministro para a publicação dos nomes das empresas punidas. Uma semana depois, uma ministra do Supremo Tribunal Federal decidiu que a resolução era inconstitucional e a suspendeu até que uma sessão plenária da corte decida sobre o assunto.
Meio ambiente e violência no campo
A violência contra ativistas rurais e líderes indígenas envolvidos em conflitos de terra continuou a crescer. Em 2016, 61 pessoas envolvidas em conflitos de terra foram mortas de forma violenta – o maior número anual desde 2003 – e, de janeiro a outubro de 2017, 64 foram mortas, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra da Igreja Católica. Entre essas, nove trabalhadores rurais foram mortos em abril no estado de Mato Grosso. Promotores afirmaram que um madeireiro ordenou os crimes para expulsá-los da terra.
Em 2016, 13 indígenas foram mortos em conflitos de terra, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. Promotores investigam denúncias de que garimpeiros mataram pelo menos 10 indígenas em uma região remota da Amazônia em agosto.
O governo reduziu para quase metade o orçamento da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), agência responsável pela proteção dos povos indígenas, e argumentou que os povos indígenas que não estavam ocupando suas terras em 1988, quando a constituição foi promulgada, deveriam perder o direito a essas terras, uma posição contrária a do Ministério Público Federal.
Uma lei federal aprovada em julho concederia títulos a pessoas que, de forma ilegal, ocupam terrasna floresta amazônica. Organizações ambientais e de trabalhadores sem terra se opuseram, argumentando que a lei beneficiaria grandes proprietários de terras e madeireiros ilegais. O Ministério Público Federal concordou, advertindo que a lei também poderia aumentar o número de mortes resultantes de conflitos de terra e pediu ao Supremo Tribunal Federal que a declarasse inconstitucional.
Em maio, uma comissão parlamentar de inquérito dominada por representantes do agronegócio pediu o indiciamento de 67 líderes indígenas, antropólogos, servidores públicos e membros de ONGs que defendem os direitos indígenas por supostas fraudes, invasão de terras e associação criminosa. Até a elaboração deste relatório, as autoridades federais não promoveram nenhum indiciamento.
Em junho, quatro relatores da Organização das Nações Unidas e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos declararam que "os direitos indígenas e ambientais estão sendo atacados" no Brasil. O governo chamou as alegações dos relatores de "infundadas".
Enfrentando os abusos da Era Militar
Os responsáveis pelos abusos dos direitos humanos durante o governo militar de 1964 a 1985 continuam protegidos da justiça por uma lei de anistia de 1979, a qual foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2010. ACorte Interamericana de Direitos Humanos considerou essa decisão do STF como uma violação das obrigações do Brasil sob o direito internacional.
Desde 2012, o Ministério Público Federal denunciou mais de 40 ex-oficiais militares e outros agentes da ditadura por assassinatos, sequestros e outros sérios abusos contra os direitos humanos. Os tribunais inferiores rejeitaram a maioria dos casos, enquanto o Supremo Tribunal Federal suspendeu dois, pendendo o reexame da aplicação da lei de anistia.
Em maio, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realizou uma audiência sobre o caso do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto por agentes do Estado em 1975. A corte terá que avaliar a aplicação da lei de anistia novamente quando decidir o caso Herzog.
Principais atores internacionais
Em maio, durante a Revisão Periódica Universal (RPU), os Estados membros da ONU fizeram 246 recomendações para aperfeiçoar o histórico dos direitos humanos no Brasil. Eles destacaram os abusos policiais e no sistema prisional, e a violação dos direitos indígenas e das mulheres, entre outras questões.
Política externa
O governo brasileiro condenou as violações dos direitos humanos na Venezuela e pediu o restabelecimento da democracia. Em agosto, o Brasil e os outros membros fundadores do Mercosul suspenderam a Venezuela do grupo por “romper a ordem democrática”.
Uma coalizão liderada pela Arábia Saudita usou munições de fragmentação fabricadas no Brasil no Iêmen em pelo menos quatro ocasiões – a última sendo em fevereiro de 2017 – matando dois civis e ferindo pelo menos 12. As munições de fragmentação são proibidas por um tratado de 2008 que conta com adesão de 102 países, mas não do Brasil.