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Relatório Mundial 2016: Haiti

Eventos de 2015

Os mandatos da maioria dos parlamentares do Haiti terminaram em janeiro de 2015, sem que houvesse eleições para substituí-los, o que dissolveu o parlamento. Embora o presidente Michel Martelly tenha governado com base em garantias constitucionais que permitem a continuidade das atividades dos órgãos governamentais, a ausência de uma legislatura e os prolongados impasses políticos sobre as eleições prejudicaram a capacidade do governo haitiano de atender às necessidades básicas de sua população, resolver persistentes problemas de direitos humanos ou enfrentar as continuadas crises humanitárias.

Até 3 de junho, apenas três por cento dos deslocados internos (IDPs, na sigla em inglês) do país que viviam em acampamentos após o terremoto de 2010 permaneciam nessa situação, de acordo com a Organização Internacional de Migração. As autoridades, no entanto, deixaram de ajudar outros cerca de 60.000 deslocados internos a encontrar novos locais de moradia ou retornar a seus lugares de origem, fazendo com que muitos enfrentassem riscos ambientais ou a ameaça de expulsões forçadas.

A epidemia de cólera no Haiti, que já matou mais de 9.500 pessoas e contaminou mais de 770.000 nos últimos cinco anos, apresentou mais um surto nos primeiros quatro meses de 2015, após uma queda significativa nos casos em 2014. Até 1 de agosto, havia mais de 20.500 casos suspeitos da doença, que causaram 175 mortes.

Um controverso plano de regularização da cidadania para estrangeiros implementado na vizinha República Dominicana causou uma migração de milhares de haitianos e dominicanos de ascendência haitiana de volta ao Haiti; as autoridades estavam mal preparadas para atender às suas necessidades humanitárias.

Eleições

Até a elaboração deste relatório, quase todos os cargos públicos eletivos nacionais e locais estavam vagos ou eram nomeados diretamente; as únicas exceções eram o presidente e um terço dos senadores haitianos. As negociações entre o conselho eleitoral provisório, o Poder Executivo e os partidos políticos culminaram, em março, em um decreto presidencial que definia três datas para as eleições: o primeiro turno das eleições legislativas seria realizado em 9 de agosto; o segundo turno das eleições legislativas e o primeiro turno das eleições locais, municipais e para presidente em 25 de outubro; e o segundo turno da eleição presidencial em 27 de dezembro.

Grupos haitianos de direitos humanos expressaram preocupação com alguns atos de violência no período pré-eleitoral. Esses grupos também documentaram irregularidades ocorridas nas eleições de agosto, o que levou a uma repetição do primeiro turno do pleito legislativo em 22 dos 119 distritos, que foi realizada juntamente com o primeiro turno da eleição presidencial.

As eleições do dia 25 de outubro foram em grande parte pacíficas, mas marcadas pelo baixo comparecimento. Apenas cerca de um quarto dos eleitores registrados votaram, e alguns monitores e grupos de fiscalização eleitoral expressaram preocupação com fraudes e a transparência nas zonas eleitorais e no centro de catalogação onde os votos foram contados. A polícia utilizou gás lacrimogêneo e prendeu manifestantes em repetidos protestos contra os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais. Em 18 de novembro, dois dos candidatos à presidência alegaram que a polícia teria atirado contra eles em uma manifestação, e um deles afirmou que foi atingido na cabeça por uma bala de borracha.

As autoridades rejeitaram os pedidos para que uma comissão independente recontasse os votos do primeiro turno das eleições presidenciais. Oito dos candidatos a presidente, incluindo o segundo colocado no primeiro turno, Jude Célestin, emitiram uma declaração conjunta, em 29 de novembro, afirmando que eleições justas não poderiam ocorrer sem que fossem realizadas reformas na comissão eleitoral e na polícia. Afirmavam também que, enquanto tais reformas não acontecessem, as eleições marcadas para 27 de dezembro deveriam ser canceladas, com a nomeação de um governo de transição que deveria conduzir um diálogo nacional, elaborar uma nova constituição e preparar a realização de eleições livres e justas para uma data bastante posterior. A resposta do governo a essa declaração conjunta  e o resultado das eleições de dezembro não eram conhecidos até o momento em que este relatório foi elaborado.

Sistema de Justiça Criminal

O sistema penitenciário do Haiti continua a sofrer com a grave superlotação, com muitos dos presos vivendo em condições desumanas. Analistas avaliam que grande parte da superlotação se deve ao alto número de prisões arbitrárias e ao uso excessivo da prisão provisória (de acordo com as Nações Unidas, mais de 70 por cento dos detidos ainda aguardam julgamento), que muitas vezes se prolonga devido à longa espera por um julgamento. As Nações Unidas e outros parceiros internacionais têm apoiado uma série de iniciativas para combater o problema, incluindo a abertura de novos escritórios de assistência legal e a informatização do sistema de registro de processos judiciais em uma jurisdição de Porto Príncipe.

A limitada capacidade operacional da Polícia Nacional do Haiti (PNH) contribui para a insegurança generalizada no país. Embora o governo e a Missão das Nações Unidas de Estabilização do Haiti (MINUSTAH) tenham apontado a reforma da polícia como uma prioridade, houve dificuldades para treinar um número suficiente de cadetes iniciantes. Cerca de 1.500 novos cadetes iniciaram treinamento em agosto, quando também foi feita a triagem de mais 7.700 candidatos, o que sugere que o número ideal de membros das forças policiais pode ser atingindo dentro do prazo proposto, em 2016.

Obstáculos à Educação e Analfabetismo

Aproximadamente metade dos haitianos com idade entre 15 anos ou mais é analfabeta. O especialista independente das Nações Unidas para o Haiti declarou, em 2015, que adotar medidas para erradicar o analfabetismo é uma das maiores prioridades dos direitos humanos no país.

A qualidade da educação no Haiti é, em geral,baixa, e 90 por cento das escolas são mantidas por entidades privadas. A Human Rights Watch verificou, em 2014, que até algumas escolas construídas recentemente não possuíam sistema de água e esgoto adequados. O ministro da educação declarou, em setembro, que o orçamento nacional para educação precisaria pelo menos dobrar para que seus esforços de reforma tivessem algum efeito.

Responsabilização de Abusos do Passado

O ex-presidente Jean-Claude Duvalier, que retornou ao Haiti em janeiro de 2011 após quase 25 anos no exílio, foi acusado de crimes financeiros e contra os direitos humanos, supostamente cometidos durante seus 15 anos como presidente entre 1971 e 1986.

Quando a Corte de Apelações de Porto Príncipe determinou, em 2014, que o tempo de prescrição de crimes não poderia ser aplicado para crimes contra a humanidade, ordenando a abertura de investigações sobre as acusações contra Duvalier, vítimas de graves violações aos direitos humanos - incluindo prisões arbitrárias, tortura, desaparecimentos, execuções sumárias e exílio forçado - tiveram esperança de finalmente ver justiça. No entanto, Duvalier faleceu seis meses após a decisão, sem nunca ter sido levado a julgamento. O Comitê de Direitos Humanos e o especialista independente das Nações Unidas para o Haiti pediram ao governo que continue as investigações e responsabilize os envolvidos nas graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o governo de Duvalier. Até a elaboração deste relatório, uma investigação sobre os crimes cometidos pelos colaboradores de Duvalier ainda não havia sido iniciada.

Violência contra as Mulheres

A violência contra mulheres é um problema generalizado. O Haiti não possui legislação específica que criminalize o estupro, violência doméstica, assédio sexual e outras formas de violência sofridas pelas mulheres. A dissolução do parlamento em 2015 impediu qualquer progresso na consideração de um projeto de lei que cobriria esta lacuna legal na proteção das vítimas.

Trabalho Doméstico Infantil

O uso de crianças como trabalhadores domésticos – conhecidos como restavéks (ou restavecs) – continua sendo comum. A maioria dos restavéks são meninas de famílias de baixa renda, enviadas para viverem junto a famílias mais abastadas na esperança de receberem educação e cuidados em troca da execução de tarefas domésticas. Embora difícil de calcular, algumas estimativas sugerem que 225.000 crianças trabalham como restavéks. Essas crianças muitas vezes não recebem pagamento, não vão à escola ou sofrem abusos físicos ou sexuais.

A lei trabalhista do Haiti não estabelece uma idade mínima para o trabalho em serviços domésticos, embora a idade mínima para o trabalho na indústria, comércio ou agricultura seja 15 anos de idade. A maior parte dos casos de tráfico de seres humanos ocorridos no Haiti envolve restavéks. Em 2014, o Haiti aprovou uma lei que criminaliza muitas formas de tráfico humano, inclusive a guarda de crianças para a exploração de sua força de trabalho.

Principais Atores Internacionais

A MINUSTAH está presente no Haiti desde 2004, e tem contribuído com os esforços para melhorar a segurança pública, proteger grupos vulneráveis e fortalecer as instituições democráticas do país. Em janeiro de 2015, representantes permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas viajaram ao Haiti pela primeira vez em três anos, em uma missão liderada pela embaixadora norte-america junto às Nações Unidas, Samantha Power, e o embaixador chileno Cristian Barros Melet.

Em março de 2015, a MINUSTAH começou a reduzir seu pessoal, operações e presença geográfica, conforme o plano de encerramento de suas atividades aprovado pelo Conselho de Segurança em outubro de 2014. O Conselho de Segurança das Nações Unidas estendeu o mandato da MINUSTAH até o dia 15 de outubro de 2016.

Em março e setembro de 2015, o especialista independente das Nações Unidas visitou o Haiti e destacouas precárias condições que os haitianos deportados pela República Dominicana enfrentam nos acampamentos localizados perto da fronteira entre os dois países.

Em 2012, um membro do Painel Independente de Especialistas sobre o Surto de Cólera no Haiti, reunido em 2011 pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, declarou que "a fonte mais provável para o surgimento da cólera no Haiti é algum indivíduo ligado ao acampamento das Nações Unidas em Mirebalais, que esteve infectado pela cepa nepalesa da doença".

Em resposta à rejeição, por parte das Nações Unidas, dos pedidos de compensação para os 5.000 afetados da epidemia, o Instituto para Justiça e Democracia no Haiti, que representa as vítimas, e o Bureau des Avocats Internationaux abriram um processo contra a ONU junto a uma corte norte-americana. Em janeiro de 2015, o caso foi arquivado. Até a elaboração deste relatório, um recurso interposto ainda estava pendente. Até agora, não há nenhuma avaliação decisiva sobre os fatos relacionados à introdução da cólera no país nem sobre o envolvimento das Nações Unidas com o ocorrido.

De acordo com dados do Escritório de Serviços Internos de Supervisão das Nações Unidas (OIOS, na sigla em inglës), pelo menos 102 denúncias de abuso ou exploração sexual foram feitas contra membros da MINUSTAH desde 2007, sete delas entre janeiro e julho de 2015.