Resumo
O Brasil é guardião de dois terços da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. O bioma é o lar de milhões de brasileiros, incluindo centenas de povos indígenas e comunidades tradicionais, com culturas distintas. A floresta tropical possui uma biodiversidade exuberante, armazena milhões de toneladas de carbono em seu solo e plantas e absorve diariamente dióxido de carbono da atmosfera, ajudando a resfriar o planeta.
Vários governos brasileiros assumiram compromissos para preservar a Amazônia e os Congressos aprovaram legislações históricas para esse fim, como o Código Florestal. O Brasil demarcou centenas de territórios indígenas e reservas naturais que atuam como importantes barreiras contra a destruição ambiental. Apesar desses esforços, a floresta amazônica encolheu substancialmente nas últimas quatro décadas.
Historicamente, a pecuária foi o maior vetor do desmatamento na Amazônia brasileira, e isso continua sendo verdade até hoje. Desde a década de 1980, a maior parte das terras desmatadas foi transformada em áreas de pastagens. Atualmente, mais de 90 por cento do desmatamento da floresta amazônica é ilegal segundo a legislação brasileira, e a maior parte das terras desmatadas é convertida em áreas de pastagens para criação de gado.
A combinação da destruição ambiental e da ilegalidade generalizada associada ao desmatamento teve consequências devastadoras para os direitos e meios de subsistência dos povos da floresta amazônica.
O impacto é particularmente evidente no estado do Pará, onde há um extenso desmatamento, áreas de pastagens em expansão e um rebanho bovino em crescimento. O estado também possui a segunda maior área de cadastros no CAR sobrepostos a áreas protegidas. Esses cadastros são frequentemente feitos por indivíduos que buscam registrar ilegalmente propriedades rurais privadas dentro de áreas protegidas. Em 2024, o Pará também registrou o segundo maior número de conflitos fundiários.
Entre 2024 e 2025, a Human Rights Watch documentou a pecuária bovina em dois locais no Pará: a terra indígena Cachoeira Seca, território ancestral do povo indígena Arara, e o projeto de desenvolvimento sustentável (PDS) Terra Nossa, destinado a abrigar pequenos agricultores que praticam atividades sustentáveis. As fazendas investigadas pela Human Rights Watch eram ilegais segundo a legislação brasileira.
Grileiros — incluindo indivíduos poderosos — invadiram as florestas protegidas desses territórios, derrubaram a vegetação, atearam fogo repetidamente, cadastraram terras no seu nome de maneira fraudulenta onde estabeleceram fazendas de gado ilegalmente. A perda de terras e florestas tem um impacto devastador sobre os meios de subsistência dos povos indígenas e das comunidades locais, privando-os de plantações valiosas, árvores frutíferas e castanhas, e animais para alimentação, e deixando alguns residentes na miséria.
No PDS Terra Nossa, grileiros retaliaram violentamente os residentes que denunciaram suas atividades ilegais. “Todo o assentamento é invadido por grileiros... dependendo do que as pessoas fazem ou dizem, eles chegam a ameaçar matar... Se alguém começa a denunciá-los, eles matam”, disse um morador à Human Rights Watch em novembro de 2024. Em 2019, 13 anos após sua criação, quase metade da área do PDS Terra Nossa havia sido transformada em pasto por grileiros.
Na terra indígena (TI) Cachoeira Seca, grileiros e suas fazendas ilegais impedem a comunidade de praticar sua cultura e transmitir o conhecimento tradicional sobre a floresta tropical às novas gerações, colocando em risco sua sobrevivência cultural. “A floresta é o nosso lar, de onde tiramos nossas pinturas, artesanato e alimentos”, disse uma das caciques das mulheres à Human Rights Watch em fevereiro de 2025. “Nós, o povo Arara, não nos sentimos seguros em casa por causa dos invasores que estão destruindo nossa floresta e colocando gado em nosso território.”
A soma das ações dos grileiros acabou restringindo ou impedindo completamente o acesso dos residentes legítimos a áreas de seus territórios, às quais eles têm o direito legal de usar e de habitar. A invasão e a apropriação ilegal de terras pelos grileiros, bem como a violência que eles têm usado para consolidar as suas ocupações ilegais, juntamente com a contínua falha das autoridades brasileiras em remover os grileiros, equivalem a despejos forçados de residentes legítimos, violando as obrigações do Brasil em matéria de direitos humanos.
As fazendas de gado que a Human Rights Watch investigou nesses territórios são ilegais segundo a lei federal brasileira, mas prosperaram com o apoio do estado do Pará, que autorizou a movimentação do gado por meio de sua agência de saúde animal, a Adepará.
A Adepará autorizou repetidamente a movimentação de gado criado em fazendas ilegais dentro do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca para fazendas fora dessas áreas protegidas. Os fazendeiros intermediários então venderam gado para grandes frigoríficos. Por meio desse sistema de “lavagem”, a origem ilegal do gado criado em áreas protegidas pode ser ocultada pelos criadores de gado ilegais e seus intermediários, permitindo-lhes obter lucros significativos às custas do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca.
A JBS S.A. (JBS) é uma empresa multinacional e a maior produtora mundial de carne bovina. No Brasil, a JBS possui um total de 33 unidades de processamento de carne bovina e 15 de couro/peles.
Nos casos documentados pela Human Rights Watch para este relatório, os frigoríficos da JBS adquiriram gado de fazendas fora das áreas protegidas. Essas fazendas haviam obtido gado de fazendas ilegais dentro do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca entre 2019 e 2022. A Human Rights Watch não conseguiu estabelecer definitivamente que o gado ilegal havia passado pelos frigoríficos da JBS, porque atualmente não é possível rastrear o gado no Brasil. Em vez disso, as movimentações de gado são documentadas em lotes, nas quais o sexo e a idade dos animais são anotados no momento do transporte, bem como a data das movimentações. No entanto, cada lote é criado sequencialmente e não contém informações sobre o histórico de movimentação dos animais.
No entanto, descobrimos que os lotes que a JBS adquiriu de seus fornecedores diretos continham gado com características de sexo e idade que poderiam ser os mesmos que seus fornecedores diretos haviam obtido de fazendas ilegais, tornando possível que o gado tenha chegado à JBS.
Atualmente, a JBS não rastreia seus fornecedores indiretos, mas se comprometeu a exigir que todos os seus fornecedores diretos declarem seus fornecedores indiretos até janeiro de 2026. Os fornecedores diretos teriam que apresentar guias de trânsito animal para comprovar suas declarações, segundo informou a JBS à Human Rights Watch. No entanto, ainda não está claro como as afirmações dos fornecedores diretos serão confirmadas. Se estiverem adquirindo gado de fazendas ilegais, fornecedores diretos terão interesse em declarar informações falsas. Diante do exposto, no momento da redação deste relatório, a JBS não podia garantir que gado ilegal do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca não tivesse entrado em sua cadeia de fornecimento.
Por meio dessas transações e de sua falha contínua em identificar seus fornecedores indiretos, apesar dos riscos conhecidos, a JBS acabou dando incentivos econômicos para o desmatamento ilegal na Amazônia, o que resulta em crimes ambientais e violações de direitos humanos, como os cometidos no PDS Terra Nossa e na TI Cachoeira Seca.
Os frigoríficos da JBS que identificamos como tendo potencialmente adquirido gado ilegal do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca foram os frigoríficos localizados nos municípios de Andradina (no estado de São Paulo), Colíder (Mato Grosso) e Marabá (Pará), evidenciando a dinâmica interestadual de lavagem de gado.
Considerando que a JBS também possui curtumes em Colíder e Marabá, que esses curtumes estão a menos de 15 quilômetros dos frigoríficos da JBS e que a JBS afirma obter 90 por cento de seus couros bovinos de seus próprios frigoríficos, a Human Rights Watch considera que os curtumes da JBS também podem ter adquirido gado ilegal proveniente de fazendas ilegais no PDS Terra Nossa e na TI Cachoeira Seca.
Nossa análise da legislação brasileira e da União Europeia (UE), bem como das unidades da JBS e dos dados comerciais oficiais do Brasil, mostra que produtos de carne bovina ou couro feitos a partir do gado ilegal criado no PDS Terra Nossa e Cachoeira Seca podem ter sido exportados para a UE. A Itália é, de longe, o principal destino das exportações brasileiras de couro, enquanto Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Holanda, Espanha e Suécia também importaram carne bovina de municípios que abrigam os frigoríficos da JBS identificados neste relatório.
Em um esforço para assumir a responsabilidade pelo impacto global do desmatamento causado pelo seu consumo, e após pressão persistente da população e da sociedade civil, a União Europeia adotou em 2023 o Regulamento da UE sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, pela sigla em inglês). Essa legislação histórica exige que, para serem colocados no mercado europeu, os produtos derivados do gado e de seis outras commodities sejam livres de desmatamento, estejam em conformidade com as leis ambientais e fundiárias locais do país de origem e respeitem os direitos dos povos indígenas. Os Estados-Membros começarão a aplicá-la às empresas da UE em 30 de dezembro de 2025.
Um requisito fundamental do EUDR é que as empresas devem apresentar uma declaração de devida diligência (due diligence). A declaração deve identificar o país de produção e a geolocalização de “todos os estabelecimentos onde o gado foi mantido”. Se o produto tiver sido fabricado com gado criado em diferentes parcelas de terra, “a geolocalização de todas as parcelas de terra deve ser incluída”.
Como observado acima, porém, em quase todo o Brasil, as movimentações de gado não são rastreáveis até o local de nascimento do animal. Historicamente, os órgãos governamentais se recusaram a divulgar dados sobre as movimentações de gado às autoridades judiciais e ambientais. Esse sistema permite que vendedores e compradores ocultem a origem dos animais provenientes de fazendas de gado que são manifestamente ilegais segundo a legislação brasileira.
Esforços estão sendo feitos no Brasil para regulamentar melhor a indústria pecuária. Em 2023, o governador do Pará emitiu um decreto que exige o rastreamento individual de todo o enorme rebanho bovino do Pará até o final de 2026. Já em 2025, a Adepará está proibida de autorizar movimentações de gado em áreas protegidas como o PDS Terra Nossa e a TI Cachoeira Seca e conta com a cooperação de autoridades ambientais para emitir as guias de trânsito animal.
O Ministério da Agricultura anunciou em dezembro de 2024 que exigiria que todos os estados brasileiros implementassem sistemas como o do Pará, mas eles teriam até 2032 para fazê-lo. O atraso na implementação do plano federal pode prejudicar os esforços do Pará: conforme documentado neste relatório, fazendas ilegais no Pará lavaram seu gado ilegal em fazendas localizadas no estado de Mato Grosso, e intermediários que receberam gado ilegal fazem negócios com frigoríficos em estados tão distantes quanto São Paulo. Somente um sistema federal com aplicação em todo o país pode resolver a porosidade entre fazendas ilegais e frigoríficos.
Em ambos os casos, o governo do Pará e o governo federal brasileiro afirmaram explicitamente que desejam atender às demandas dos mercados internacionais. Entre esses mercados internacionais, um dos principais é a União Europeia. Sem um sistema de rastreabilidade que permita às empresas identificarem cada fazenda pela qual o gado passou, muitas exportações brasileiras provavelmente não serão capazes de atender aos requisitos de rastreabilidade da EUDR.
Para evitar essa possibilidade e, principalmente, ajudar as autoridades a coibirem a violência e o desmatamento ilegal impulsionados pela pecuária, as agências brasileiras de saúde animal já poderiam facilitar a rastreabilidade dos lotes, tornando públicas as informações sobre movimentações de gado. Além disso, os estados podem optar por acelerar a implementação de sistemas individuais de rastreabilidade, como fez o Pará.
Principais recomendações
A Human Rights Watch insta o governo federal a tomar medidas rápidas para retomar as áreas ocupadas ilegalmente dentro do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca, entrar com ações judiciais contra os responsáveis pelas ocupações e uso ilegais das terras para que reparem o dano causado e, em consulta e com a participação dos moradores, a desenvolver projetos para restaurar suas florestas e apoiar seus meios de subsistência sustentáveis.
Além disso, o governo federal deve acelerar a implementação e a aplicação efetiva de seu sistema de rastreabilidade de gado, inclusive por meio de incentivos para estados como o Pará, que implementaram sistemas de rastreabilidade antes do prazo. As informações do sistema federal devem estar disponíveis para todas as autoridades estaduais e federais, a fim de facilitar a aplicação da lei. O governo federal deve estabelecer penalidades dissuasivas para os frigoríficos que compram gado vinculado ao desmatamento ilegal e a violações de direitos humanos, em consonância com a obrigação do Brasil de regulamentar as empresas para proteger os direitos humanos.
A Human Rights Watch insta o governo do Pará a apoiar operações para a remoção de pecuaristas ilegais e grileiros de áreas protegidas federais, inclusive compartilhando informações sobre movimentações ilegais de gado e designando forças de segurança pública para apoiar as operações. O governo do Pará deve manter o seu plano de implementação do sistema de rastreabilidade individual e pressionar o governo federal a acelerar seu plano.
A Human Rights Watch insta a JBS a assumir a responsabilidade por sua contribuição, mesmo que não intencional, para o desmatamento ilegal, a fraude fundiária e as violações de direitos humanos através de suas operações, inclusive contribuindo para a restauração do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca.
Os Estados-membros da UE que compram produtos bovinos brasileiros, e em particular a Itália, um dos principais importadores mundiais de couro brasileiro, devem examinar minuciosamente as importações provenientes de Andradina, Colíder e Marabá à luz dos requisitos do Regulamento da UE sobre Produtos Livres de Desmatamento. Devem também apoiar reformas positivas no Brasil, tais como a rastreabilidade federal do gado, através da ajuda ao desenvolvimento e do compartilhamento de conhecimentos.
Combater o desmatamento e as violações de direitos humanos associadas aos produtos bovinos é uma responsabilidade compartilhada entre vendedores e compradores. O Brasil e a UE devem trabalhar juntos para proteger a Amazônia e seus povos da floresta, regulamentar as empresas para proteger os direitos humanos e combater a crise climática.
Glossário
Adepará | Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará. Autarquia estadual responsável pela saúde animal. |
CAR | Cadastro Ambiental Rural. Banco de dados no qual os agricultores são obrigados a registrar suas propriedades rurais. |
CPF | Cadastro de Pessoa Física, o registro federal de contribuintes individuais. |
FUNAI | Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Autarquia federal que implementa políticas relacionadas aos povos indígenas e seus territórios. |
GTA | Guia de Trânsito Animal. Documento emitido por órgãos de saúde animal que autoriza o transporte de gado. No estado do Pará, essas permissões são emitidas pela Adepará. |
IBAMA | Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Autarquia federal de proteção ambiental encarregado da fiscalização da legislação ambiental federal em todo o Brasil. |
INCRA | Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Autarquia federal responsável pelas políticas fundiárias no Brasil, inclusive a reforma agrária através da criação de assentamentos rurais para agricultores pobres, a gestão de terras públicas e de propriedades rurais. |
Gado ilegal | Gado que foi levado para pastar em uma área onde a pecuária comercial é proibida pela legislação. |
MAPA | Ministério da Agricultura e Pecuária, órgão federal responsável pela agricultura e pecuária. |
SEMAS | Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará . Órgão ambiental do estado do Pará responsável, entre outras coisas, pela gestão do CAR e cancelamento de registros fraudulentos. |
Metodologia
A pesquisa da Human Rights Watch para este relatório se concentrou no estado do Pará devido a uma combinação de fatores ambientais, sociais e políticos que o tornam uma área de alto risco para o desmatamento, violações de direitos humanos e lavagem de gado.
A Human Rights Watch concentrou-se na empresa JBS S.A. (JBS) por ser a maior produtora mundial de carne bovina.[1] Em 2020 — ano para o qual a Human Rights Watch conseguiu reunir informações públicas disponíveis — a JBS também foi a maior exportadora brasileira de produtos bovinos para a UE, respondendo por 41,9 por cento do volume exportado.[2] A JBS também está entre as cinco maiores exportadoras brasileiras para a UE de dois tipos de couro bovino: couro curtido ou em crosta e couro preparado.[3]
Fontes
A Human Rights Watch realizou uma reunião em grupo com aproximadamente 30 residentes do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa em novembro de 2024. Os pesquisadores apresentaram o escopo e o objetivo da investigação, e os residentes fizeram comentários e perguntas. Além disso, os pesquisadores realizaram entrevistas individuais com sete residentes, dos quais três eram mulheres.
A Human Rights Watch também realizou reuniões em grupo na aldeia Pyrewa, no território indígena Cachoeira Seca, em fevereiro de 2025. Além disso, conduzimos entrevistas individuais com 10 residentes, dos quais três eram mulheres e três eram caciques de diferentes aldeias.
Todos os entrevistados deram consentimento informado verbalmente e foram assegurados de que poderiam encerrar a entrevista a qualquer momento ou se recusar a responder a qualquer pergunta. Os entrevistados não receberam remuneração. Alguns que viajaram para se encontrar com os pesquisadores da Human Rights Watch tiveram suas despesas de viagem reembolsadas.
Os pesquisadores se reuniram com funcionários que trabalham na Adepará, na Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS), com sede em Belém, capital do estado do Pará. Os pesquisadores também se reuniram com funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), sediados em outros locais do Pará, e procuradores federais sediados em diferentes cidades do estado, entre novembro de 2024 e fevereiro de 2025. Os pesquisadores da Human Rights Watch questionaram sobre as políticas públicas de combate ao desmatamento e à lavagem de gado no estado. Na cidade de Novo Progresso, no Pará, a Human Rights Watch se reuniu com policiais militares responsáveis pela segurança dos moradores do PDS Terra Nossa que estão incluídos no programa de proteção de defensores de direitos humanos.
Em Brasília, a Human Rights Watch se reuniu com Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA, Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e vários funcionários do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e procuradores da Comissão de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF). Da mesma forma, a Human Rights Watch fez perguntas gerais sobre políticas públicas federais, operações de fiscalização e restrições orçamentárias para combater o desmatamento e a violência contra defensores do meio ambiente.
Os pesquisadores da Human Rights Watch também entrevistaram acadêmicos e representantes de organizações não governamentais com experiência nas questões abordadas neste relatório.
A Human Rights Watch apresentou vários pedidos de informação à Adepará, ao MDA e ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) para obter mais dados oficiais do governo.
Várias fontes informaram a Human Rights Watch sobre a identidade dos fazendeiros que atuam nas áreas onde conduzimos nossa pesquisa. Para proteger nossas fontes contra retaliações, as fazendas identificadas neste relatório foram anonimizadas. Algumas das testemunhas que prestaram depoimento sobre violações de direitos humanos também foram anonimizadas neste relatório para protegê-las contra retaliações.
Para identificar as movimentações de gado criado na TI Cachoeira Seca e no PDS Terra Nossa, a Human Rights Watch utilizou as seguintes fontes:
- Um conjunto de dados de fazendeiros e fazendas de gado registrados na Adepará, obtido por meio de um pedido de informação.[4] O conjunto de dados inclui os nomes dos fazendeiros, seu cadastro de contribuinte individual (Cadastro de Pessoa Física – CPF), nome e código das fazendas de gado, se o fazendeiro estava registrado como proprietário ou arrendatário da fazenda e um único ponto de GPS identificando a localização da fazenda de gado.
- Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Pará, por meio do qual os fazendeiros registram as propriedades rurais que afirmam possuir.[5] Os registros do CAR incluem arquivos em formato shapefile das propriedades, indicando seus limites e localização, além de detalhes sobre os proprietários. Com base nessas informações, a Human Rights Watch cruzou os registros existentes no CAR com as fazendas registradas na Adepará.
- Documentos oficiais de controle sanitário animal (Guias de Trânsito Animal, GTA), que documentam as movimentações de gado.[6] O veículo de jornalismo investigativo Repórter Brasil colaborou na análise desses documentos.
- Especificamente no que diz respeito ao PDS Terra Nossa, dois relatórios produzidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 2017 e 2018 identificaram fazendeiros que ocupavam ilegalmente terras no assentamento, bem como um terceiro relatório de 2023 que o INCRA compartilhou com a Human Rights Watch detalhando os processos legais para remover os grileiros.[7] Além disso, a Human Rights Watch consultou um relatório sobre a situação do Terra Nossa elaborado por um grupo de especialistas e encomendado pelo MPF.[8]
Para identificar os frigoríficos autorizados a exportar produtos bovinos para a UE, a Human Rights Watch consultou leis e documentos oficiais da UE e do Brasil. A Human Rights Watch também protocolou pedidos de informação ao INCRA e ao MAPA e obteve respostas de ambos entre abril de 2024 e janeiro de 2025.
A Human Rights Watch consultou dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) sobre as exportações de carne bovina e couro bovino para a UE, com base nos códigos de 6 dígitos do Sistema Harmonizado e desagregados por estados.[9] Também consultamos dados de exportação desagregados por município, para os quais a classificação dos produtos é limitada a códigos de 4 dígitos.[10] Os dados de exportação desagregados por município indicam o domicílio fiscal da empresa que exporta o produto, embora a empresa exportadora não seja necessariamente a mesma que o produziu.
A Human Rights Watch compartilhou suas conclusões preliminares e solicitou comentários da JBS em 7 de julho de 2025. A JBS enviou uma resposta por e-mail em 1 de agosto de 2025.
I. Contexto
A Amazônia brasileira e suas comunidades tradicionais estão ameaçadas pelo desmatamento desenfreado. Há pressão para transformar até mesmo as florestas protegidas do Brasil em pastagens para acomodar o crescente negócio de pecuária bovina, uma importante indústria no país.
Desmatamento causado pela pecuária
Entre 1985 e 2022, “imagens de satélite mostram claramente que a conversão de florestas em pastagens e outros usos é mais forte no Brasil (entre todos os países da Amazônia) – notadamente no Arco do Desmatamento, que se estende do Pará ao Acre”, de acordo com um estudo realizado por um consórcio de cientistas.[11] Durante o mesmo período, a área de pastagens no Pará mais que quadruplicou.[12]
Essa tendência histórica continua válida para o Pará até hoje. Dos dez estados com maior expansão da área de pastagem entre 2019 e 2022, nove estão na região da Amazônia Legal.[13] O Pará é responsável tanto pela maior área de pastagem quanto pela maior expansão recente de pastagens, com um crescimento de 10 por cento durante esses três anos.[14]
No geral, entre 2016 e 2024, o Pará foi consistentemente o estado da Amazônia brasileira que mais desmatou.[15] Em 2024, também foi o estado que registrou a maior degradação florestal na Amazônia, com um total de 17.195 quilômetros quadrados de floresta degradada, um aumento de 421 por cento em relação à área degradada em 2023.[16]
Aproximadamente metade de todo o desmatamento na Amazônia ocorre em áreas privadas, enquanto um quarto afeta áreas pertencentes aos governos federal ou estaduais, incluindo áreas protegidas e territórios indígenas, e outro quarto ocorre em assentamentos rurais.[17] Quando o desmatamento é resultado de invasão, muitas vezes traz consequências devastadoras para os direitos humanos dos habitantes tradicionais da Amazônia.
Fraude fundiária e violência rural
A Amazônia brasileira é o lar de povos indígenas e comunidades afrodescendentes (quilombolas). As leis e regulamentos brasileiros codificam os processos de levantamento, demarcação e titulação de seus territórios, em reconhecimento aos seus direitos consuetudinários sobre suas terras e recursos. Por meio do INCRA, autarquia responsável pela reforma agrária, o governo brasileiro também estabelece assentamentos para camponeses sem terra. Além disso, o governo criou “reservas extrativistas” para proteger a floresta tropical e, ao mesmo tempo, permitir que as comunidades locais coletem produtos florestais não madeireiros, como castanhas, frutas e seiva de seringueiras. As florestas são fontes de subsistência sustentável e identidade cultural para todas essas comunidades.
Apesar de seu status de proteção, grileiros frequentemente invadem os territórios das comunidades tradicionais, com consequências devastadoras para seus direitos e meios de subsistência. Uma análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Brasil fornece um bom indicador dessas pressões.
O CAR é um banco de dados acessível ao público, no qual os proprietários de terras devem declarar suas propriedades rurais.[18] Devido à sua natureza autodeclaratória, o registro é frequentemente usado de forma abusiva para cadastrar ilegalmente propriedades sobrepostas a áreas protegidas. As autoridades ambientais devem avaliar individualmente cada registro para determinar se o cadastro da propriedade é legal e se apresenta alguma irregularidade. Se forem encontradas irregularidades, o registro no CAR pode ser cancelado ou suspenso até que medidas corretivas sejam implementadas; se não forem encontradas irregularidades, o registro é validado.
Em janeiro de 2024, um total de 303.762 propriedades rurais localizadas no Pará estavam registradas no CAR, de acordo com dados oficiais do governo. Dessas, 56 por cento passaram por algum tipo de avaliação governamental, mas apenas 11,5 por cento tiveram a análise de regularidade ambiental concluída.[19] Assim, ainda não foi determinado se a grande maioria dos cadastros registrados no CAR estão em conformidade com a legislação ambiental estadual e federal, mas, enquanto isso, elas não são suspensas nem canceladas.
Uma porcentagem significativa dos cadastros registrados no banco de dados do CAR se sobrepõe a áreas que, de acordo com a legislação brasileira, não permitem ou não deveriam permitir o cadastramento de propriedades privadas. De acordo com uma análise dos registros do CAR feita pela rede da sociedade civil Observatório do Código Florestal (OCF), em outubro de 2024, a área de sobreposição entre os registros do CAR e as florestas protegidas no Pará era de mais de 11,3 milhões de hectares.[20] O Pará é o segundo estado com a maior área de sobreposição de registros do CAR em relação a unidades de conservação, territórios indígenas, florestas não designadas, territórios quilombolas e assentamentos rurais.[21]
No que diz respeito aos territórios indígenas e quilombolas, essa estimativa considera apenas a sobreposição com os territórios que já obtiveram reconhecimento legal definitivo por parte do governo. No entanto, o Pará tem 19 territórios indígenas com demarcação pendente e 66 comunidades quilombolas que estão buscando a titulação de seus territórios.[22]
A invasão generalizada se traduziu em conflitos pela terra. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização sem fins lucrativos ligada à Igreja Católica que monitora conflitos pela terra em todo o Brasil, o Pará tem estado consistentemente entre os estados com os piores indicadores:
Em 2024, o Pará registrou 234 conflitos por terras, ficando atrás apenas do Maranhão, e foi responsável por 20 por cento dos conflitos causados por desmatamento ilegal no Brasil,[23]
Em 2023, o Pará registrou 227 conflitos por terras, ficando atrás apenas do estado da Bahia,[24]
Em 2022, o Pará registrou 238 conflitos por terras, mais do que qualquer outro estado, afetando mais de 33.200 famílias e resultando em cinco assassinatos.[25]
Conexões da JBS na Amazônia e na UE
A JBS S.A. (JBS) é uma empresa multinacional e afirma ser a maior empresa de proteína animal do mundo.[26]
As operações da JBS têm supostamente causado ou contribuído significativamente para o desmatamento da Amazônia desde 2008, de acordo com um estudo liderado pelo centro de pesquisa brasileiro Imazon.[27] Quando comparada a outros frigoríficos da Amazônia, a JBS é acusada pelo Imazon de ser responsável por quase quatro vezes mais desmatamento do que a empresa classificada em segundo lugar.[28]
No Brasil, a JBS possui um total de 33 unidades de processamento de carne bovina e 15 de couro/peles.[29] Com base nos dados mais recentes disponíveis, em 2020, a JBS foi a maior exportadora brasileira de produtos bovinos para a UE, respondendo por 41,9 por cento do volume exportado.[30] A JBS também está entre as cinco maiores exportadoras brasileiras para a UE de dois tipos de couro bovino: couro curtido ou em crosta e couro preparado.[31]
A JBS também fornece produtos de carne e de couro bovinos para o mercado interno brasileiro, bem como para os Estados Unidos, Reino Unido, China e muitos outros países.[32]
Regulamento da UE sobre produtos livres de desmatamento
Até 29 de dezembro de 2025, a carne bovina e o couro vinculados desmatamento, abusos de direitos e ilegalidades podem ser importados para a UE sem exposição legal para os importadores da UE. Isso mudará quando a UE começar a aplicar o Regulamento sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR). O EUDR abrange gado, cacau, café, óleo de palma, borracha, soja e madeira, bem como produtos derivados, como carne bovina, couro, chocolate e óleo de palma.[33]
O EUDR exige que os produtos bovinos sejam originários de terras que não tenham sido desmatadas após dezembro de 2020 para serem colocados no mercado da UE.[34] Esses produtos também devem ser produzidos em condições que respeitem as leis ambientais, trabalhistas e fundiárias nacionais.[35] Além disso, os produtos devem estar em conformidade com o princípio do consentimento livre, prévio e informado, conforme definido na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP).[36]
Na prática, o EUDR exigirá a rastreabilidade tanto dos fornecedores diretos quanto, igualmente importante, dos fornecedores indiretos de gado. Para vender produtos de carne bovina e couro no mercado da UE, as empresas devem enviar uma declaração de due diligence ao sistema de informações do EUDR. A declaração deve identificar o país de produção e a geolocalização de todas as áreas onde as commodities foram produzidas. Para produtos bovinos, a geolocalização “deve se referir a todos os estabelecimentos onde o gado foi mantido”.[37] Além disso, quando o produto tiver sido fabricado com gado criado em diferentes estabelecimentos, “a geolocalização de todos eles deverá ser incluída”.[38] Para cumprir este requisito, os importadores precisarão de informações sobre todas as fazendas onde o gado foi criado antes de ser exportado para a UE.[39]
As penalidades para as empresas da UE que infringirem a lei incluem multas de até 4 por cento do faturamento anual total da empresa em toda a UE; confisco de produtos não conformes; apreensão das receitas derivadas de produtos irregulares; e exclusão dos processos de aquisição pública e de acesso a financiamento público. Os infratores reincidentes também podem ser temporariamente proibidos de colocar no mercado da UE commodities ou produtos abrangidos pelo EUDR.[40]
Um dos pilares da aplicação do EUDR será a avaliação comparativa do risco por país, publicada pela Comissão Europeia em maio de 2025. De acordo com o texto do regulamento, a Comissão deve atribuir níveis de risco aos países com base principalmente na incidência de desmatamento e degradação florestal e também pode considerar riscos aos direitos humanos, como violações dos direitos trabalhistas e despejos forçados, bem como sanções da ONU.[41] (A Comissão também pode comparar regiões dentro de países, permitindo-lhe fazer uma classificação regional de risco.) Quanto maior o risco atribuído a uma jurisdição, maior o número de verificações que as alfândegas da UE devem realizar sobre as mercadorias originárias dessa jurisdição.
Na classificação divulgada em maio, o Brasil todo foi classificado como risco padrão, apesar de registrar mais perda de floresta tropical primária do que qualquer outro país em 2024.[42] Enquanto isso, apenas quatro países – Bielorrússia, Mianmar, Coreia do Norte e Rússia – foram classificados como de alto risco. A Comissão afirmou que “é impossível realizar a devida diligência ao longo das cadeias de valor nesses países” porque eles estavam sujeitos a sanções do Conselho de Segurança da ONU ou do Conselho da UE, justificando seu status de alto risco.[43] A Comissão também afirmou que considerou critérios qualitativos, mas não divulgou os detalhes destes últimos.[44] Nenhuma das explicações justifica que o país onde houve o maior desmatamento de floresta tropical primária em 2024, ou regiões dentro desse país, não seja classificado como de alto risco.
II. Conclusões
A Human Rights Watch conduziu uma pesquisa em dois locais no Pará onde a pecuária está causando violações de direitos humanos e desmatamento ilegal: a Terra Indígena Cachoeira Seca e o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa.
Em ambos os locais, grileiros expulsaram à força moradores para converter a floresta tropical em áreas de pastagens para gado, inclusive ateando fogo para queimar a vegetação. O desmatamento e os incêndios devastaram plantações e recursos florestais dos moradores. As ações dos grileiros destruíram, senão todas, a maioria das fontes de renda e os meios de subsistência de muitos moradores e espalharam o medo em todas essas comunidades. Além disso, vários moradores de Terra Nossa foram intimidados, mortos ou desapareceram após denunciarem a apropriação ilegal de terras e o desmatamento ilegal.
A agência governamental do Pará encarregada de supervisionar a saúde animal, Adepará, registrou fazendas de gado dentro do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca e autorizou a movimentação de gado para dentro e fora dessas áreas, mesmo quando essas atividades eram ilegais nessas florestas protegidas. Ao descrever seu mandato em termos gerais, a Adepará disse à Human Rights Watch que seu papel é garantir a saúde do rebanho bovino e que historicamente a agência não tem a tarefa de observar critérios ambientais ao autorizar movimentações.[45]
A Human Rights Watch identificou cinco casos em que fazendas ilegais no PDS Terra Nossa e na TI Cachoeira Seca forneceram gado para fazendas fora dessas duas áreas protegidas e, posteriormente, essas fazendas venderam gado para os frigoríficos da JBS. Os frigoríficos da JBS que identificamos eram autorizados a exportar produtos bovinos para a UE ou muito provavelmente forneciam couros para os curtumes da JBS que exportavam produtos de couro para a UE.
As movimentações de gado entre fazendas ilegais localizadas dentro de florestas protegidas, fazendas localizadas fora das florestas protegidas e frigoríficos ajudam a ocultar a origem ilegal do gado .[46] Esse sistema de “lavagem” — seja ele conduzido e com o conhecimento da JBS ou não, tal risco de fraude é claramente conhecido pela empresa — permite, em última instância, que a JBS e outras empresas adquiram gado ilegal, ao mesmo tempo em que evitam a responsabilidade por ilegalidades e violações de direitos humanos em suas cadeias de fornecimento, que são ocultadas pelas múltiplas movimentações sequenciais de gado.
A JBS se comprometeu a eliminar o desmatamento legal e ilegal de seus fornecedores diretos e indiretos até 2025, ano em que este relatório foi escrito.[47] Além disso, de acordo com as Diretrizes das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, a JBS tem a responsabilidade de respeitar os direitos humanos, incluindo a adoção de políticas e a implementação de processos para:
Evitar causar ou contribuir para impactos adversos aos direitos humanos por meio de suas próprias atividades (tanto ações quanto omissões) e lidar com tais impactos quando eles ocorrerem.[48]
Prevenir ou mitigar impactos adversos aos direitos humanos que estejam diretamente ligados às suas operações, produtos ou serviços por meio de seus relacionamentos, mesmo que não tenham contribuído para esses impactos.[49]
“Permitir a reparação de quaisquer impactos adversos aos direitos humanos que causem ou para os quais contribuam” e usar sua influência comercial para fazê-lo.[50]
A Human Rights Watch não pode afirmar com certeza absoluta que os fornecedores diretos da JBS repassaram o gado proveniente de fazendas ilegais para os frigoríficos da JBS, pois o gado não é rastreável no Brasil.[51] As movimentações de gado são documentadas em lotes nas chamadas “Guias de Trânsito Animal” (GTA). No Pará, esses documentos são emitidos pela Adepará. O documento indica o sexo e a idade dos animais do lote no momento do transporte, bem como a data do transporte. A autorização não inclui o histórico das movimentações anteriores de cada animal. A Human Rights Watch obteve vários desses documentos e descobriu que os lotes que a JBS adquiriu de seus fornecedores diretos continham gado de sexo e idade que poderiam ser os mesmos que seus fornecedores diretos obtiveram de fazendas ilegais no PDS Terra Nossa e na TI Cachoeira Seca.[52]
Embora a metodologia deste relatório tenha se concentrado no rastreamento de transações para as quais havia registros nas GTAs, observamos que um número significativo de movimentações ilegais de gado não é rastreado. Por exemplo, a Agência de Investigação Ambiental (Environmental Investigation Agency - EIA), uma organização ambiental não governamental, descobriu que um fazendeiro estava criando gado ilegalmente dentro da terra indígena Apyterewa, também localizada no estado do Pará, e transferiu esse gado ilegal para uma fazenda fora do território sem nenhuma GTA que documentasse essa movimentação, antes de supostamente vender o gado ilegal para a JBS e outros frigoríficos.[53] Alguns dos grileiros que operam fazendas ilegais dentro do PDS Terra Nossa também possuem fazendas adjacentes ao assentamento, o que lhes permitiria movimentar gado ilegal sem documentação para dentro e fora do assentamento.
Como a JBS atualmente não rastreia seus fornecedores indiretos e, de modo geral, não há rastreabilidade obrigatória para gado no Brasil, a JBS não pode garantir que gado ilegal proveniente do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca não tenha entrado em sua cadeia de fornecimento. No momento da elaboração deste relatório, a JBS não podia garantir a seus clientes na UE ou em outros lugares que eles não haviam comprado produtos feitos com gado proveniente de fazendas ilegais.
A JBS admitiu explicitamente essa grande lacuna em um documento de abril de 2025 que apresentou à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC), como parte de sua tentativa de ser listada na Bolsa de Valores de Nova York:[54]
A GTA, por exemplo, fornece informações apenas sobre o fornecedor direto do animal. Embora isso permita a verificação da conformidade do fornecedor direto, a GTA não captura informações relacionadas a quaisquer fornecedores indiretos (fornecedores na cadeia de fornecimento anteriores ao fornecedor direto do animal para nós). Como resultado, não há garantia de que os procedimentos de monitoramento disponíveis possam assegurar que a origem de qualquer cabeça de gado esteja em total conformidade com as leis, regulamentos aplicáveis ou nossa Política de Compra Responsável.[55]
Durante décadas, a JBS não realizou a devida diligência nas áreas de maior risco de sua cadeia de fornecimento – os fornecedores indiretos – apesar das evidências contundentes e publicamente disponíveis de desmatamento ilegal em fazendas de gado na Amazônia brasileira.[56] Na ausência de rastreabilidade obrigatória do gado no Brasil, a JBS deveria rastrear voluntariamente seus fornecedores indiretos e garantir a rastreabilidade do nascimento ao abate para todos os seus produtos bovinos. Não parece que a JBS tivesse tal mecanismo de rastreabilidade no momento da elaboração deste relatório e, a menos que tal mecanismo seja instituído pela JBS, os importadores europeus de carne bovina ou produtos de couro da JBS podem não ser capazes de cumprir a exigência do EUDR de identificar todos os estabelecimentos onde o gado foi mantido ao longo da cadeia de fornecimento, ou de estabelecer de forma crível que o risco de que os produtos da JBS não estejam em conformidade com o EUDR é nulo ou negligenciável.[57]
Nossas conclusões sobre o destino do gado da TI Cachoeira Seca e do PDS Terra Nossa não são exaustivas. Dada a extensão da pecuária ilegal na TI Cachoeira Seca e no PDS Terra Nossa, outras cadeias de fornecimento com gado ilegal provavelmente seriam identificadas se as informações sobre as movimentações de gado estivessem publicamente disponíveis.
PDS Terra Nossa
O PDS Terra Nossa é um assentamento rural criado em junho de 2006 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), autarquia federal brasileira responsável pela reforma agrária. Aproximadamente 200 famílias de pequenos agricultores residem no local. O PDS se estende pelos municípios de Altamira e Novo Progresso, com uma área de 150.000 hectares.[58]
Os assentamentos do tipo PDS, como o Terra Nossa, têm como objetivo combinar a conservação ambiental com esforços para garantir meios de subsistência sustentáveis para camponeses sem terra.[59] Para os PDSs localizados na Amazônia brasileira, 20 por cento da área é parcelada em lotes individuais para os residentes. Os residentes têm permissão para desmatar seus lotes individuais de floresta tropical para construir suas casas e fazer suas plantações. Por lei, os 80 por cento restantes da área do PDS devem ser conservados como reserva legal.
No PDS Terra Nossa, a área designada por lei como reserva legal totaliza aproximadamente 120.000 hectares.[60] Lá, os residentes podem coletar frutas e castanhas e desenvolver outras atividades de manejo florestal sustentável, para fins de subsistência e geração de renda. As florestas em pé devem ser a base dos meios de subsistência dos residentes nos PDSs.
“Gosto de mato, natureza”, disse um morador à Human Rights Watch. “Eu mesmo tinha pegado, plantado há dez ou nove anos, plantei tudo que é espécie de árvore frutífera, pitanga, jabuticaba, acerola, umas 50 espécies.”[61]Outra moradora disse que a floresta era “muito importante” para sua família, que colhia castanhas-do-pará, cocos de babaçu, cupuaçu e açaí.[62] “A floresta oferece uma vida melhor pra você do que se você tivesse mil bois”, disse uma líder comunitária do PDS Terra Nossa à Human Rights Watch.[63]
Despejos forçados e perda de meios de subsistência
O cara passava direta por cima do nosso sítio ali jogando semente de capim ... depois disso, cerca e coloca gado. Ainda passa motosserra nas árvores que sobrarem.
—Morador do PDS Terra Nossa, novembro de 2024
Fundada em 2006, o PDS Terra Nossa tem como objetivo fornecer a 1.000 camponeses sem terra e suas famílias um lote próprio. Em abril de 2025, o INCRA havia delineado apenas 298 lotes (marcados em roxo na imagem de satélite abaixo).[64] Destas, 291 parcelas foram atribuídas a famílias de camponeses sem terra, cinco foram destinadas a uso comunitário e duas não estavam em uso. Embora o INCRA não tenha delimitado nem atribuído as restantes 700 parcelas que deveria conceder às famílias sem terra, o limite externo do assentamento foi delimitado (marcado a vermelho na imagem de satélite abaixo).[65]
Quando os funcionários do INCRA realizaram um levantamento fundiário em 2016, dez anos após a criação do PDS Terra Nossa, eles descobriram que grileiros haviam ocupado ilegalmente quase quatro quintos – 78,5 por cento – do assentamento.[66] A imagem de satélite abaixo mostra em amarelo a área que o INCRA considerou ilegalmente ocupada.[67] Além de ocuparem a maior parte da reserva legal, é evidente que grileiros também estão ilegalmente reivindicando os lotes que já foram demarcados e atribuídos aos legítimos moradores do PDS Terra Nossa. De fato, há uma sobreposição significativa entre a área amarela e os lotes dos legítimos moradores, estes últimos marcados em roxo.
Uma avaliação realizada por funcionários do INCRA em 2018 constatou que grileiros haviam reivindicado, sem base legal, 77 propriedades rurais na reserva legal do assentamento, que se estende por 117.939,60 hectares.[68] Os inspetores recomendaram aos seus superiores que o INCRA tomasse medidas imediatas para remover esses grileiros do assentamento.[69]
Em março de 2025, o Ministério Público Federal do Pará processou o INCRA para obrigá-lo a concluir a remoção dos grileiros até setembro de 2025 e demarcar novos lotes para assentar mais 700 famílias de camponeses sem terra, de acordo com os planos originais para o assentamento.[70]
Em sua resposta à ação judicial, o INCRA informou ao tribunal que, até abril de 2025, havia concluído 37 dos 76 procedimentos administrativos relativos à ocupações ilegais de terra e os encaminhado à Procuradoria Federal Especializada (PFE), responsável por entrar com ações judiciais para obter ordens judiciais de reintegração de posse. Os 37 procedimentos representam quase 79.000 hectares — ou 52 por cento — da área do PDS Terra Nossa. Dos 76 procedimentos, 11 continuam em análise pelo INCRA.[71]
De acordo com o mesmo documento, o INCRA suspendeu 27 dos 76 processos administrativos. Estes dizem respeito a áreas que poderiam ser retiradas do PDS Terra Nossa, de acordo com uma proposta de redução do assentamento que está sendo analisada pelo INCRA.[72] Se aprovada, a proposta abriria caminho para que grileiros buscassem a regularização de suas ocupações ilegais.
A raiva e a frustração dos legítimos moradores com a falha das autoridades governamentais em remover os ocupantes ilegais eram palpáveis durante as entrevistas com a Human Rights Watch. “O INCRA nos entregou para os grileiros”, disse uma líder comunitária do PDS Terra Nossa em novembro de 2024.[73] “O governo nos abandonou aqui e não agilizou o projeto com o que deveria ser feito”, reclamou outro morador.[74] “O INCRA veio, mas nunca resolveu nada. [Enquanto isso] Já mataram muita gente no Terra Nossa ”, disse outro pequeno agricultor.[75]
Os grileiros têm convertido cada vez mais a floresta em terras agrícolas por meio do corte raso, ateando fogo para preparar a terra, plantando grama e fazendo áreas de pasto para o gado. Entre 2018 e o final de 2021, mais de 11.931 hectares foram desmatados no assentamento.[76] Além disso, entre 2016 e 2022, mais de 20.800 incêndios ativos foram registrados nas áreas ilegalmente reivindicadas por grileiros dentro do assentamento, com base em dados do sistema de monitoramento do governo DETER.[77] No total, mais de 28.000 hectares foram queimados no PDS Terra Nossa desde 2016.[78]
Essa destruição ilegal de florestas protegidas tem consequências terríveis para os legítimos moradores do assentamento. O desmatamento e os incêndios devastaram as plantações e os recursos florestais dos moradores. Muitos deles perderam, senão todas, a maior parte das suas fontes de renda e meios de subsistência.
“A pior coisa que tem é o fogo. Dá vontade de desistir”, disse um pequeno agricultor do PDS Terra Nossa. “A felicidade do agricultor é plantar e ver as coisas produzirem. [Com o fogo] a gente fica desolado. Tudo que a agente planta, o fogo destrói.”[79]
“A gente tinha um sítio muito bonito, de onde tirava nosso sustento”, disse outra moradora do PDS Terra Nossa à Human.[80] Nesse ano [2024], perdemos todas as nossas plantações … perdemos mais de 200 pés de fruta …. Na hora, eu fiquei em desespero… tava pegando fogo no sítio todo,” lamentou.
A pecuária ilegal é o principal vetor da ocupação ilegal do assentamento e da destruição ambiental: em 2023, 45,3 por cento da área do PDS Terra Nossa havia sido transformado em pastagens.[81]
“Eles colocam fogo e depois jogam capim de avião”, disse um morador à Human Rights Watch.[82] Descrevendo o processo pelo qual os grile ros se apropriam ilegalmente de terras na área de reserva florestal vizinha ao seu terreno, o morador disse: “O cara passava direto por cima do nosso sítio jogando semente de capim... depois disso, cerca [a terra] e coloca gado. Ainda passa motosserra nas árvores que sobrarem.”[83]
“Neste ano [2024], o grileiro tacou fogo que queimou tudo”, disse um pequeno agricultor do PDS Terra Nossa à Human Rights Watch. “Na semana seguinte, [os grileiros] já estavam construindo uma cerca naquela área e plantando capim”, acrescentou.[84]
“Quando chegamos aqui nesse assentamento, essas matas aqui eram a coisa mais linda”, disse um morador de Terra Nossa à Human Rights Watch.[85] “Eles queimaram nossa mata, que tinha muitas castanheiras”, continuou ele. Ele explicou que o grileiro que ateou fogo em sua floresta agora está criando 100 cabeças de gado na terra onde antes ficavam suas árvores.
A destruição da reserva florestal do assentamento e das plantações dos pequenos agricultores está forçando os legítimos moradores do PDS Terra Nossa a abandonar suas parcelas. “Eles queimam para tentar nos expulsar”, disse um morador do PDS Terra Nossa à Human Rights Watch.[86] “Por causa dessas invasões no assentamento, muitas pessoas estão indo embora”, disse ele.[87]
Os grileiros estão impedindo efetivamente os legítimos moradores do assentamento de acessar terras e recursos florestais aos quais têm direito legal. As ações dos grileiros equivalem a um despejo forçado dos legítimos moradores do PDS Terra Nossa. A demora das autoridades governamentais em remover os grileiros do assentamento equivale a uma violação da obrigação do Brasil de proteger os direitos dos legítimos moradores do PDS Terra Nossa.[88]
Intimidação e violência
Todo o assentamento está invadido por grileiros... dependendo do que as pessoas fazem ou dizem, eles ameaçam até de matar... Se alguém começa a denunciar, eles matam.
— Morador do PDS Terra Nossa, novembro de 2024
Grileiros têm intimidado repetidamente os legítimos moradores que denunciam suas atividades ilegais. Dada a falha do governo em remover os grileiros, legítimos moradores vivem lado a lado com eles no PDS Terra Nossa, aumentando o risco de retaliação violenta. Em pelo menos um caso, policiais civis e militares agiram em apoio aos grileiros, conforme documentado pela Human Rights Watch para este relatório.
Em 2022, os grileiros tentaram invadir as terras de Clever “Tiririca” Gonçalves da Silva, um legítimo morador do PDS Terra Nossa, segundo ele mesmo relatou à Human Rights Watch.[89] Da Silva está inscrito em um programa do governo estadual de proteção a defensores de direitos humanos, devido às inúmeras ameaças que recebeu em retaliação ao seu ativismo.[90]
Com uma motosserra, os grileiros derrubaram a cerca instalada pelo INCRA para delimitar os limites do terreno de da Silva. Em resposta, Da Silva registrou uma queixa na delegacia de polícia civil local. Policiais da delegacia local foram até a casa de da Silva e o ameaçaram.
“Os policiais vieram e colocaram arma na minha cabeça, no meu peito, disseram que eu tinha ‘roubado’ terras dele, mandaram eu calar a boca e que, se eu não calasse, iam atirar”, disse da Silva à Human Rights.[91] Os policiais levaram da Silva para a delegacia, onde ele ficou detido temporariamente. Ele teve permissão para fazer uma ligação e telefonou para Maria Márcia Elpidia de Melo, presidente da Associação de Produtores Rurais de Nova Vitória, que representa pequenos agricultores do PDS Terra Nossa, e que também está inscrita no programa para defensores ameaçados.
Ao saber de sua prisão, de Melo informou o programa de proteção de defensores. Funcionários do programa enviaram três policiais militares à sua casa.[92] Mas, em vez de ajudá-la, o policial militar também ameaçou de Melo, dizendo que “as coisas iam dar ruim” se ela continuasse a denunciar a prisão de da Silva.[93]
Apesar dessas tentativas de intimidação, de Melo exigiu que os policiais a levassem à delegacia da polícia civil para registrar uma queixa sobre a detenção arbitrária de da Silva.[94] Quando chegaram, os policiais de plantão se recusaram a registrar.[95] Durante o trajeto de volta para sua casa, os policiais militares mais uma vez ameaçaram de Melo, dizendo que “as coisas ficariam feias” se da Silva não aceitasse a invasão.[96] “Eu entendi que ele iria me matar”, disse de Melo à Human Rights Watch, referindo-se ao policial.[97]
O policial, que estava sentado ao lado dela no carro, começou a pressionar sua arma de serviço contra de Melo até que a pele de suas costelas ficou em carne viva. Quando chegaram à casa dela, ela saiu do carro correndo, e os policiais não a seguiram.[98]
Depois que ela reclamou do assédio dos policiais militares a várias autoridades, um dos policiais foi afastado da delegacia, disse de Melo.[99]
Da Silva foi posteriormente libertado sem acusação. Ele disse à Human Rights Watch que um dos policiais civis que o maltratou foi posteriormente transferido para outra delegacia.[100]
Além de serem transferidos para outras delegacias, nenhum dos policiais – militares ou civis – envolvidos nos atos de intimidação e violência foi punido com medidas disciplinares, até onde da Silva e de Melo sabem.
Ambos os defensores continuam vivendo com medo de retaliação. “Temo pela minha vida... Disse ao meu filho que iria fazer uma tatuagem e que, se encontrassem meu corpo em decomposição, ele saberia que era eu [por causa da tatuagem]”, disse de Melo à Human Rights Watch. De Melo tinha uma grande tatuagem do rosto do filho no peito quando os pesquisadores da Human Rights Watch a entrevistaram pessoalmente em novembro de 2024.[101]
Assassinatos e tentativas de assassinato contra defensores dos direitos humanos no PDS Terra NossaEm 2019, a Human Rights Watch publicou um relatório que descrevia como vários defensores de direitos humanos da Terra Nossa enfrentaram violentas retaliações após se manifestarem.[102] Em 2025, a maioria desses crimes continuava sem solução.
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Exposição da JBS a fazendas ilegais no PDS Terra Nossa
Fazenda TN Ilegal 1 e JBS Andradina
Um relatório do INCRA de 2018 identificou o Fazendeiro A como ocupante ilegal de quase 400 hectares no PDS Terra Nossa. Chamaremos esta fazenda de “Fazenda TN Ilegal 1”.[108] Documentos da Adepará também mostram que o Fazendeiro A criava gado na Fazenda TN Ilegal 1, localizada no PDS Terra Nossa.[109] O banco de dados da Adepará forneceu as coordenadas geográficas da Fazenda TN Ilegal 1, localizando-a dentro do PDS Terra Nossa.[110] A Human Rights Watch também encontrou um registro de CAR da Fazenda TN Ilegal 1 em nome do Fazendeiro A e no mesmo local.[111]
O Fazendeiro A transferiu 180 cabeças de gado bovino da Fazenda TN Ilegal 1 entre julho e agosto de 2020 para a “Fazenda Intermediária 1”, no estado de São Paulo, de propriedade do Fazendeiro B. Por sua vez, o Fazendeiro B transferiu 333 cabeças de gado da Fazenda Intermediária 1 para o frigorífico da JBS em Andradina, também no estado de São Paulo, entre janeiro e outubro de 2022.[112] Considerando a faixa etária e o sexo dos bovino registrados nos documentos de controle sanitário animal relativos às duas movimentações de gado e as datas em que esses documentos foram emitidos, é possível que parte dos bovinos fornecidos pela Fazenda Intermediária 1 à JBS Andradina seja originária da Fazenda TN Ilegal 1.
Fazenda TN Ilegal 2 e JBS Colíder
Um relatório do INCRA de 2018 identificou o Fazendeiro C como ocupante ilegal de mais de 1.000 hectares no PDS Terra Nossa, uma fazenda que chamaremos de “Fazenda TN Ilegal 2”.[113] Documentos da Adepará também mostram que o Fazendeiro C criava gado na Fazenda TN Ilegal 2. O banco de dados da Adepará forneceu as coordenadas geográficas da Fazenda TN Ilegal 2, localizando-a dentro do PDS Terra Nossa.[114] A Human Rights Watch também encontrou dois registros do CAR da Fazenda TN Ilegal 2 no mesmo local.[115]
Em maio de 2022, o Fazendeiro C transferiu 57 cabeças de gado da Fazenda TN Ilegal 2 para a Fazenda Intermediária 2. Esta última está registrada em nome do Fazendeiro D e é adjacente ao PDS Terra Nossa. O Fazendeiro D também consta na lista de 2018 do INCRA de ocupantes ilegais dentro do PDS Terra Nossa.[116] Posteriormente, entre maio e outubro de 2022, o fazendeiro D transferiu aproximadamente 4.000 cabeças de gado da Fazenda Intermediária 2 para a Fazenda Intermediária 3, também em seu nome e localizada no município de Sinop, no estado do Mato Grosso.[117]
Por fim, entre janeiro e agostode 2024, o Fazendeiro D forneceu aproximadamente 4.000 cabeças de gado da Fazenda Intermediária 3 ao frigorífico da JBS em Colíder, também no estado do Mato Grosso. [118] Considerando a faixa etária e o sexo dos bovinos registrados nos documentos de controle sanitário animal relativos às três movimentações e as datas em que esses documentos foram emitidos, é possível que parte dos bovinos fornecidos pela Fazenda Intermediária 3 à JBS Colíder tenha se originado da Fazenda TN Ilegal 2.
Terra Indígena Cachoeira Seca
Nós, do povo Arara, não nos sentimos seguros em casa por causa dos invasores que estão destruindo nossa floresta, colocando gado em nosso território. (...) A floresta é nossa casa, de onde tiramos nossa pintura, nosso artesanato, nossa comida.
—Tyapompo Arara, cacique das mulheres da aldeia Iriri[119]
A Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca se estende por mais de 733.000 hectares e é a terra ancestral do povo Arara.[120] Mais de 200 Arara vivem no território.[121] Foi homologada pelo governo brasileiro por meio de decreto presidencial em abril de 2016.[122] Ao anunciar a demarcação da TI Cachoeira Seca, o governo brasileiro declarou sua intenção de que a demarcação “combatesse o processo de desmatamento predatório” no território.[123]
O povo Arara pratica agricultura de subsistência, coleta produtos florestais e pesca no rio Iriri, que atravessa seu território. Os Arara caçam jabuti, macacos, antas e porco do mato como um componente importante de sua dieta e para marcar festividades.[124] Para gerar renda, membros da comunidade também coletam castanhas e sementes de árvores valiosas para vender nos mercados.[125] Os Arara foram oficialmente contatados pela primeira vez em 1987, tendo vivido anteriormente isolados da sociedade brasileira dominante.
“Nosso alimento é tirado da natureza. Coletamos castanha, cumaru, sementes de mogno”, disse Yoru Arara, cacique da aldeia Awi. “Por isso é importante para nós não fazer desmatamento. Caso contrário, onde nós vamos viver? Nosso costume é esse mesmo.”[126]
Além dos Arara, indígenas Xipaya vivem em três aldeias dentro da Terra Indígena Cachoeira Seca e também sentem o impacto negativo dos madeireiros e fazendeiros ilegais.[127] Isso não é incomum no Brasil, onde muitos territórios indígenas demarcados abrigam vários povos, inclusive povos que vivem em isolamento voluntário.
Despejos forçados e perda de meios de subsistência
Dentro da TI Cachoeira Seca, o povo Arara é superado em número pelos fazendeiros que derrubam a floresta de seu território tradicional e fazem pastagens para criar gado ilegalmente, violando o status de área protegida.
Em 2016, o Ministério da Justiça e Segurança Pública se comprometeu a remover os ocupantes não-indígenas.[128] Desde 2016, porém, as remoções não foram realizadas e, na verdade, os grileiros estabeleceram mais fazendas de gado ilegais na TI Cachoeira Seca. (Além desses ocupantes ilegais, o INCRA criou anteriormente um assentamento de pequenos agricultores dentro do território que agora deve ser realocado; até o momento da elaboração deste relatório, porém, o INCRA não havia realocado a comunidade afetada.)
A homologação da TI Cachoeira Seca deveria ter sido seguida pela remoção ou realocação dos ocupantes não-indígenas de seu território, em conformidade com a legislação brasileira, inaugurando um capítulo em que os Arara pudessem desfrutar de seus direitos de viver dentro de suas terras, de acordo com sua cultura.[129] Em vez disso, os Arara tiveram que se organizar para defender seu território do desmatamento e da pecuária ilegal que devastam suas florestas.
Os Arara criaram uma associação, a KOWIT, para coordenar os esforços da comunidade e de aliados na defesa de seus direitos.[130] As mulheres Arara são organizadas, e cada aldeia tem uma cacique das mulheres, além de um cacique masculino.[131]
Em menor número que os pecuaristas, os Arara estabeleceram deliberadamente aldeias para cobrir o máximo possível de seu território. O cacique da aldeia Pyrewa, Toto Arara, disse à Human Rights Watch:
Não tínhamos logística para fazer vigilância para lá e para cá. ... Então, nos sentamos e decidimos [criar novas aldeias] ocupar o lugar do território onde havia mais invasores. Então viemos ocupar aqui. Decidimos dividir mais comunidades para ocupar mais. Mostrar a eles que a terra tem dono.[132]
A cacique da aldeia Iriri, Powdem Arara, também disse:
Abrimos novas aldeias porque é para defender nossa terra, porque tinham muitos madeireiros desmatando nossa floresta. Não queria que eles desmatassem.[133]
As autoridades ambientais têm feito esforços esporádicos para combater a invasão na TI Cachoeira Seca. Por exemplo, em maio de 2022, as autoridades apreenderam 1.000 cabeças de gado que estavam sendo criadas ilegalmente no território e aplicaram multas no valor total de R$ 2 milhões (cerca de US$ 350.000) pela ocupação ilegal e desmatamento de 500 hectares.[134] Em julho de 2023, as autoridades realizaram outra operação para reprimir a extração ilegal de madeira no território.[135] No entanto, a falta de presença permanente do IBAMA ou da FUNAI ao longo das fronteiras da Terra Indígena permitiu que os fazendeiros continuassem multiplicando e expandindo suas atividades ilegais.[136]
A falha do governo em acelerar a remoção de fazendas de gado ilegais e impedir novas operações ilegais no território resultou em danos devastadores. Em 2024, Cachoeira Seca perdeu 1.400 hectares de floresta, a maior área desmatada em um território indígena na Amazônia brasileira naquele ano.[137] Isso representou um aumento de 56 por cento em relação à área desmatada em 2023, refletindo uma aceleração preocupante da destruição ilegal do território.[138] Da mesma forma, os incêndios registrados no território entre 2017 e 2020 foram quase o triplo do número registrado entre 2010 e 2016.[139] Os incêndios ocorrem principalmente nas margens da rodovia que passa ao norte do território, evidenciando os esforços para invadir o território.[140]
Semelhante à situação no PDS Terra Nossa, a maior parte do desmatamento em Cachoeira Seca tem como objetivo criar pastagens para a pecuária, disseram membros do povo Arara à Human Rights Watch. “Eles desmatam e queimam a mata no verão queimam muito para botar o boi, gado. Isso não podia acontecer na área indígena”, disse Tjotjogulo Arara.[141] As áreas de pastagens cobriam mais de 58.400 hectares na TI Cachoeira Seca em 2023, de acordo com o Mapbiomas, o que representa um aumento de 13 por cento em áreas de pastagens dentro do território indígena em comparação com 2020.[142]
Durante uma viagem à TI Cachoeira Seca em fevereiro de 2025, pesquisadores da Human Rights Watch observaram a pecuária em todo o território. Os pesquisadores dirigiram por uma estrada que atravessa o território e liga o rio Iriri à sua fronteira norte, com várias fazendas de gado ao longo da estrada. Ao navegar pelo rio Iriri, os pesquisadores também viram muitos bovinos pastando às margens do rio.
Em entrevistas com a Human Rights Watch, membros do povo Arara explicaram que a remoção dos grileiros e de suas fazendas ilegais era uma prioridade urgente para seu território. “Nossa terra já foi demarcada e homologada. Queremos a desintrusão da nossa terra”, disse Powdem Arara, cacique das mulheres da aldeia Iriri, à Human Rights Watch. “Nossa preocupação é a terra, nosso território. Queremos urgentemente fazer a desintrusão da terra Cachoeira Seca”, disse Wai Arara.[143]
Devido à invasão por grileiros e ao fracasso persistente dos sucessivos governos em removê-los ou coibir efetivamente suas atividades ilegais por quase 10 anos após a demarcação de Cachoeira Seca, o povo Arara foi, arbitrariamente e sem consulta ou consentimento, privado de grande parte de seu território. Isso equivale a um despejo forçado, uma vez que os membros da comunidade são efetivamente impedidos de viver ou usar terras que foram claramente demarcadas como suas.[144] Além disso, como resultado do desmatamento em grande escala e da ocupação ilegal de seu território, os membros do povo Arara enfrentam desafios cada vez maiores para garantir alimentos tradicionais, à medida que a caça diminui.
“A gente vai caçar e não mata quase nada. Diminuiu demais”, disse o cacique da aldeia Awi à Human Rights Watch.[145]
“Os pés de açaí foram derrubados e a área virou pasto... por causa das fazendas de gado,”, disse outro morador à Human Rights Watch.[146]
Paynaré Xipaya, cacique de uma aldeia Xipaya, disse que até cerca de 2008 os membros de sua comunidade usavam centenas de castanheiras na floresta dentro da TI Cachoeira Seca.[147] Em fevereiro, eles colhiam as castanhas, o que lhes rendia até R$ 30.000 (cerca de US$$ 18.000 pela taxa de câmbio da época), sua maior fonte de renda. Em fevereiro de 2025, ele mostrou aos pesquisadores da Human Rights Watch as áreas onde antes ficavam as castanheiras. Todas elas haviam sido transformadas em pastagens. (As castanheiras são uma espécie ameaçada de extinção e seu corte é proibido em todo o país.)[148]
Outra consequência de conviver com invasores é uma sensação generalizada de medo e insegurança entre os membros da comunidade. “Saímos para caçar juntos, com medo”, disse Wai Arara à Human Rights Watch. “É perigoso, não podemos ir muito longe.”[149]
As mulheres Arara também disseram que, embora costumassem manter pomares longe de suas aldeias, agora cultivam perto de casa por medo de encontrar invasores.[150]
“Não é bom viver assim, presos e com medo”, disse Yoru Arara, cacique da aldeia Awi, à Human Rights Watch.[151]
Violações do direito à cultura
“Quando temos festa, passamos cinco dias no mato caçando para levar [comida] para a aldeia grande para a festa. É nossa cultura. Agora não fazemos mais [isso]. Não temos mais liberdade para caçar em paz”, disse Toto Arara, cacique da aldeia Pyrewa.[152] Outros membros da comunidade ecoaram sua frustração com os efeitos da grilagem de terras sobre sua cultura.[153]
As restrições à liberdade dos Arara de se deslocar pela floresta tropical também impedem a transmissão do conhecimento tradicional às novas gerações. Um especialista da FUNAI que trabalha com os Arara disse à Human Rights Watch:
Os lugares que antes eram usados para caçar não são mais. Isso tem repercussão não só na alimentação do povo Arara, mas também em algo mais dramático, que é a reprodução cultural, porque o povo Arara é um povo muito caçador e através da caça é que os conhecimentos vão ser repassados dos mais velhos aos mais novos. Não é só o ato de caçar em busca de alimentos, é o ato de ensinar os mais novos a conhecer os animais, conhecer o ambiente, conhecer o período chuvoso, não chuvoso, as frutas que estão crescendo no território. E é através desse conhecimento que eles fazem a manutenção do meio ambiente, qual animal caçar.[154]
As comunidades indígenas Xipaya enfrentam desafios semelhantes para transmitir seu conhecimento tradicional da floresta às novas gerações. Paynaré Xipaya disse que grupos de até 10 pessoas de todas as idades costumavam passar vários dias caçando.[155] “Os velhos vinham conosco. Eles explicavam sobre os igarapés, a mata. As crianças agora não têm essa experiência”, disse ele.
Exposição da JBS a fazendas ilegais na TI Cachoeira Seca
A Human Rights Watch documentou três casos em que alguns fornecedores diretos da JBS adquiriram gado criado ilegalmente na TI Cachoeira Seca. Nos três casos, os fornecedores diretos venderam o gado para o frigorífico da JBS localizado no município de Marabá, no estado do Pará.
Fazenda CS Ilegal 1 e a JBS Marabá
O Fazendeiro E criava gado em uma fazenda que chamaremos de “Fazenda CS Ilegal 1”, localizada em Cachoeira Seca. O banco de dados da Adepará obtido pela Human Rights Watch forneceu as coordenadas geográficas da fazenda de gado, que a situam dentro de Cachoeira Seca.[156] A Human Rights Watch encontrou um registro de CAR da Fazenda CS Ilegal 1 em nome do Fazendeiro E, localizada na mesma área.[157]
Em fevereiro de 2021, o Fazendeiro E transferiu 66 bovinos da Fazenda CS Ilegal 1 para a Fazenda Intermediária 4, de propriedade do Fazendeiro F, fora da TI Cachoeira Seca, no estado do Pará. Por sua vez, o Fazendeiro F forneceu 2.548 bovinos ao frigorífico da JBS em Marabá (JBS Marabá) entre abril e setembro de 2021.[158] Considerando a faixa etária e o sexo dos bovinos registrados nos documentos de controle sanitário animal das duas movimentações de gado e as datas em que esses documentos foram emitidos, é possível que parte ou todos os bovinos fornecidos pela Fazenda Intermediária 4 à JBS Marabá sejam originários da Fazenda CS Ilegal 1.
Fazenda CS Ilegal 2 e JBS Marabá
O Fazendeiro G criava gado em uma fazenda que chamaremos de “Fazenda CS Ilegal 2”, localizada em Cachoeira Seca.[159] O banco de dados da Adepará obtido pela Human Rights Watch forneceu coordenadas geográficas da fazenda de gado, que a localizam na TI Cachoeira Seca.[160] O registro de CAR da Fazenda CS Ilegal 2 em nome do fazendeiro G corresponde à localização no banco de dados da Adepará.[161]
Em julho de 2020, o Fazendeiro G transferiu 30 bovinos da Fazenda CS Ilegal 2 para o Fazendeiro H na Fazenda Intermediária 5, uma fazenda de gado fora da TI Cachoeira Seca, no estado do Pará. Posteriormente, o Fazendeiro H forneceu 8.713 bovinos da Fazenda Intermediária 5 para o frigorífico da JBS em Marabá entre julho de 2020 e abril de 2023.[162]
Considerando o sexo e a faixa etária dos bovinos registrados nos documentos de controle sanitário animal relativos às movimentações de gado e as datas em que esses documentos foram emitidos, é possível que parte dos bovinos enviados da Fazenda Intermediária 5 para a JBS Marabá sejam bovinos originários da Fazenda CS Ilegal 2.
Fazenda CS Ilegal 3 e JBS Marabá
O Fazendeiro I criava gado em uma fazenda que chamaremos de “Fazenda CS Ilegal 3”, localizada na TI Cachoeira Seca.[163] A Human Rights Watch confirmou a localização da Fazenda CS Ilegal 3 com base em documentos oficiais. O banco de dados da Adepará forneceu coordenadas geográficas da fazenda de gado que a localizam na TI Cachoeira Seca.[164] O registro de CAR da Fazenda CS Ilegal 3 sob o nome do fazendeiro I corresponde à localização no banco de dados da Adepará.[165]
Em abril de 2019, o Fazendeiro I transferiu 46 bovinos da Fazenda CS Ilegal 3 para o Fazendeiro J na Fazenda Intermediária 6, uma fazenda localizada fora da TI Cachoeira Seca, no estado do Pará. Por sua vez, a Fazenda Intermediária 6 forneceu um total de 10.678 bovinos ao frigorífico da JBS em Marabá em várias ocasiões entre julho de 2020 e março de 2023.[166]
Considerando o sexo e a faixa etária dos bovinos registrados nos documentos de controle sanitário animal relativos às movimentações de gado e as datas em que esses documentos foram emitidos, é possível que parte do gado enviado da Fazenda Intermediária 6 para a JBS Marabá seja gado originário da Fazenda CS Ilegal 3.
Monitoramento de fornecedores pela JBS
Em 2009, a JBS assinou o chamado Acordo G4 da pecuária com a organização não governamental Greenpeace, comprometendo-se a identificar todos os seus fornecedores indiretos até 2011.[167] A JBS não cumpriu esse prazo, e o Greenpeace continuou a monitorar o (não) cumprimento do acordo pela empresa.[168]
A JBS adotou várias versões de uma Política de Compra Responsável de matérias-primas que se aplica às suas operações de aquisição de gado.[169] De acordo com a versão atual dessa política, adotada em 2022, a JBS se compromete a não comprar gado de fazendas que:
estejam envolvidas com o desmatamento nos biomas da Amazônia ou do Cerrado;
estejam envolvidas em invasões de terras indígenas, territórios quilombolas ou unidades de conservação ambiental;
estejam “embargadas”, o que significa que as autoridades as proibiram de vender gado devido a infrações ambientais;[170] e
onde os trabalhadores estão sujeitos a condições análogas às de escravo.[171]
A JBS monitora as fazendas de seus fornecedores diretos para supervisionar o cumprimento de sua política de compras. A JBS afirma que seu sistema de monitoramento avalia atualmente 85.000 fornecedores diretos diariamente em todo o Brasil. No entanto, ele não monitora fornecedores indiretos.[172]
A política de compras afirma que a JBS lançou a Plataforma Pecuária Transparente, que permite que seus fornecedores diretos cadastrem seus fornecedores (sendo estes últimos os fornecedores indiretos da JBS). A partir de 2026, afirma a política, a JBS não comprará mais de fazendas que não cadastrarem seus fornecedores nesta plataforma.[173]
A empresa afirma especificamente em seu site que, a partir de 1º de janeiro de 2026, “os fornecedores diretos serão obrigados a aderir à Plataforma Pecuária Transparente e fornecer informações sobre seus fornecedores indiretos para permitir a aplicação dos critérios socioambientais da JBS em toda a cadeia produtiva da pecuária”.[174]
O novo sistema obrigatório da JBS dependerá essencialmente dos fornecedores diretos para fornecer informações sobre os fornecedores indiretos. Os fornecedores diretos têm interesse em não declarar informações verdadeiras caso eles comprem de fazendas ilegais em áreas protegidas, como alguns fazem e conforme descrito nos casos documentados neste relatório.
Em resposta a uma carta da Human Rights Watch, a JBS reafirmou o prazo de janeiro de 2026 para que seus fornecedores diretos comecem a informar seus fornecedores indiretos e, além disso, especificou que “uma das principais características da plataforma Pecuária Transparente é a Declaração de Origem do Gado (DOG), um documento emitido pelo fornecedor direto para garantir a rastreabilidade da cadeia produtiva, especialmente no que diz respeito à conformidade social, ambiental e regulatória”.[175]
“Para emitir a DOG”, escreveu a JBS, “o fornecedor deve fornecer informações sobre todas as fazendas de onde são originários os animais do lote que está sendo vendido”, mas não especificou se isso exigia que o fornecedor declarasse todos os estabelecimentos pelos quais os animais passaram desde o nascimento ou apenas o último em que estiveram antes de serem adquiridos pelo fornecedor direto.[176]
“A validação da cadeia produtiva requer comprovação da movimentação dos animais entre as propriedades por meio de GTAs (guias de trânsito animal) válidas, estabelecendo a relação entre elas”, afirmou a JBS.[177] Dado que o DOG é emitido pelo próprio fornecedor, não está claro quem realiza a validação desses documentos e qual será o processo de validação.
De acordo com a JBS, “a emissão do DOG só é permitida após a assinatura do acordo e o cumprimento dos critérios sociais e ambientais definidos pelo protocolo atual”. A JBS não especificou, no entanto, quais são esses critérios nem se eles são os mesmos da sua política de compra de matérias-primas.[178]
Além disso, a JBS afirmou que “todos os fornecedores de gado na Amazônia que vendem para a JBS devem aderir ao Protocolo Boi na Linha, desenvolvido pela organização não governamental Imaflora e pelo Ministério Público Federal”.[179] A JBS não especificou se aplicaria esses requisitos aos seus fornecedores indiretos. (O Protocolo Boi na Linha não monitora fornecedores indiretos.)[180]
A JBS não respondeu às perguntas complementares enviadas pela Human Rights Watch em 4 de agosto de 2025 para esclarecer as ambiguidades destacadas acima.
Em resposta a relatórios anteriores sobre gado ilegal que poderia entrar ou que de fato entrou na cadeia de fornecimento da JBS, a empresa teria declarado que “a solução definitiva para a questão ambiental na pecuária brasileira reside em um programa nacional obrigatório de rastreabilidade, capaz de estabelecer um conjunto comum de informações de monitoramento socioambiental para as fazendas, a fim de acelerar o progresso”.[181] Embora uma solução estrutural de rastreabilidade impulsionada pelo governo federal seja de fato uma solução desejável, ela não isenta a JBS de sua responsabilidade de lidar com os riscos em suas próprias operações.
Separadamente, a JBS também se comprometeu a acabar com o desmatamento da Amazônia, tanto ilegal quanto legal segundo a legislação brasileira, para seus fornecedores diretos e indiretos de gado até 2025.[182]
Apesar do escopo e do prazo cada vez mais próximo de seus compromissos mais recentes, em janeiro de 2025, o diretor global de sustentabilidade da JBS foi citado em uma notícia afirmando que a empresa tinha “zero controle operacional, contratual ou legal sobre sua cadeia de fornecimento”.[183]
Os novos compromissos da JBS parecem apresentar ambiguidades importantes em relação à sua implementação e eficácia. A melhor maneira de resolver essas ambiguidades seria através de uma regulamentação federal obrigando a rastreabilidade do rebanho bovino no Brasil. Enquanto isso, a JBS deve monitorar seus fornecedores indiretos.
Comércio da UE com unidades expostas da JBS
Em 2020, a JBS foi a maior exportadora brasileira de produtos bovinos para a UE, respondendo por 41,9 por cento do volume exportado.[184] A JBS também está entre as cinco maiores exportadoras brasileiras para a UE de dois tipos de couro bovino: couro curtido ou em crosta e couro preparado.[185]
Para determinar quais frigoríficos ou curtumes da JBS provavelmente exportam produtos bovinos para a UE, a Human Rights Watch consultou a lista do MAPA dos frigoríficos brasileiros autorizados a exportar produtos bovinos para a UE, que identifica o nome, endereço, município e estado das instalações, bem como as categorias de produtos bovinos que cada instalação está autorizada a exportar para a UE.[186] Além disso, consultamos uma lista de fazendas de gado autorizadas a exportar produtos bovinos para a UE sob o Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (SISBOV, veja o quadro de texto abaixo[187] Por fim, consultamos a lista da UE de estabelecimentos autorizados a exportar produtos bovinos para a UE.[188]
As exportações de couro bovino para a UE não são restritas como as de carne.[189] Como resultado, não existe uma lista da UE de estabelecimentos autorizados a exportar esses tipos de couro.
Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos e Certificação de Origem para Animais Bovinos (SISBOV)A UE tem requisitos sanitários para a importação de “carne bovina fresca”, mas esses requisitos não se aplicam a outros produtos de carne bovina.[190] O Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (SISBOV) é o sistema oficial brasileiro desenvolvido para atender aos requisitos da UE para a exportação de carne fresca. De acordo com o MAPA, menos de 1 por cento do rebanho bovino brasileiro estava registrado no SISBOV em 2023.[191] Em resposta a um pedido de informação apresentado pela Human Rights Watch, o MAPA afirmou que não é possível saber quantos dos bovinos registrados no SISBOV foram registrados desde o nascimento, porque muitos são inscritos durante outras fases de sua vida.[192] Com base nas informações fornecidas pelo MAPA, parece que o SISBOV não é capaz de fornecer rastreabilidade até o ponto de origem do gado, conforme exigido pelo EUDR. |
JBS Andradina, São Paulo
A Fazenda Intermediária 1, no estado do Pará, adquiriu gado de uma fazenda ilegal no PDS Terra Nossa em 2020, antes de fornecer gado para a JBS Andradina, no estado de São Paulo, em 2022. A Fazenda Intermediária 1 não é uma fazenda certificada pelo SISBOV.
O frigorífico da JBS em Andradina está autorizado a exportar diferentes produtos de carne bovina e para a UE, mas apenas três desses produtos exigem certificação SISBOV.[193] Assim, a JBS Andradina pode ter exportado para a UE produtos bovinos que não exigiam certificação SISBOV e que foram produzidos a partir de gado contaminado fornecido pela Fazenda Intermediária 1.
Embora o governo brasileiro não produza dados de exportação por exportador, apenas por município, de acordo com dados do MAPA, o frigorífico da JBS é o único frigorifico no município de Andradina autorizado a exportar carne para a UE.[194] Os dados de exportação oficiais do Brasil mostram que o município de Andradina exportou centenas de milhões de dólares em produtos bovinos para a UE entre janeiro de 2020 e julho de 2025.
Exportações de carne bovina* do município de Andradina, estado de São Paulo, para a UE (US$ FOB**) | ||||||
País | 2020 | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 (janeiro-julho) |
Itália | 4.612.297 | 11.454.968 | 8.246.737 | 7.128.873 | 6.200.255 | 7.411.107 |
Países Baixos | 8.920.737 | 11.815.116 | 7.039.869 | 10.548.066 | 9.067.189 | 8.259.213 |
Espanha | 114.424 | 670.239 | 1.737.300 | 16.833 | 117.007 | 1.308.686 |
Alemanha | 820.695 | 1.097.096 | 4.649.463 | 518.747 | 315.446 | 218.370 |
Suécia | 490.534 | 69.471 | 0 | 466.612 | 0 | 248.528 |
Bélgica | 0 | 737.952 | 424.023 | 958.203 | 0 | 0 |
Eslováquia | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Dinamarca | 0 | 599.850 | 748.490 | 500.669 | 0 | 0 |
França | 0 | 0 | 0 | 88.234 | 0 | 0 |
Irlanda | 0 | 0 | 125.387 | 0 | 0 | 0 |
Total | 14.958.687 | 26.444.692 | 22.971.269 | 20.226.237 | 15.699.897 | 17.445.904 |
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Comex Stat, dados de exportação do Brasil por município, https://comexstat.mdic.gov.br/pt/municipio (acessado em 7 de agosto de 2025). *A Human Rights Watch coletou informações específicas para os códigos HS 0201 (carne bovina, fresca ou refrigerada), 0202 (carne bovina, congelada) e 0206 (miúdos comestíveis de bovinos, frescos ou refrigerados). ** O valor FOB (Free on Board) refere-se ao valor das mercadorias na fronteira alfandegária do exportador, calculado em dólares estadounidenses.
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De acordo com a mesma fonte, não houve exportações de couro de Andradina para a UE entre janeiro de 2020 e julho de 2025.
JBS Colíder, Mato Grosso
A Fazenda Intermediária 3, localizada em Mato Grosso, adquiriu gado da Fazenda Intermediária 2, localizada no Pará, entre 2022, que adquiriu gado de uma fazenda ilegal no PDS Terra Nossa, no Pará, em 2022. A Fazenda Intermediária 3 forneceu gado para o frigorífico da JBS em Colíder em 2024. A Fazenda Intermediária 3 não é uma fazenda certificada pelo SISBOV.
A JBS Colíder está autorizada a exportar diferentes produtos de carne bovina para a UE, dos quais apenas um produto exige certificação SISBOV.[195] Assim, a JBS Colíder pode ter exportado para a UE produtos bovinos que não exigiam certificação SISBOV e que foram produzidos a partir de gado ilegal fornecido pela Fazenda Intermediária 3.
De acordo com dados do MAPA, o frigorífico da JBS é o único frigorífico no município de Colíder autorizado a exportar para a UE.[196] As estatísticas comerciais oficiais brasileiras mostram que o município de Colíder exportou mais de 2,5 milhões de dólares em produtos de carne bovina entre 2023 e 2025.
Exportações de carne bovina* do município de Colíder, estado de Mato Grosso, para a UE (US$ FOB**) | ||||||
País | 2020 | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 (janeiro-julho) |
Países Baixos | 0 | 0 | 0 | 123.777 | 439.319 | 513.863 |
Alemanha | 0 | 0 | 0 | 131.887 | 647.837 | 314.881 |
Espanha | 0 | 0 | 0 | 0 | 497.142 | 0 |
Total | 0 | 0 | 0 | 255.664 | 1.584.298 | 828.744 |
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Comex Stat, dados de exportação do Brasil por município, https://comexstat.mdic.gov.br/pt/municipio (acessado em 7 de agosto de 2025). *A Human Rights Watch coletou informações específicas para os códigos HS 0201 (carne bovina, fresca ou refrigerada), 0202 (carne bovina, congelada) e 0206 (miúdos comestíveis de bovinos, frescos ou refrigerados). ** O valor FOB (Freight on Board) refere-se ao valor das mercadorias na fronteira alfandegária do exportador, em dólares estadounidenses.
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Além disso, a JBS também possui um curtume no município de Colíder, localizado a apenas 12 quilômetros do frigorífico da empresa. O curtume da JBS é o único no município de Colíder, de acordo com uma investigação sobre as cadeias de abastecimento de couro brasileiras realizada pela Rainforest Foundation Norway (RFN).[197]
De acordo com a JBS, mais de 90 por cento dos couros que ela processa vêm de seus próprios frigoríficos.[198] Com base no exposto, é muito provável que o frigorífico da JBS em Colíder esteja fornecendo couros para o curtume da JBS no mesmo município.
De acordo com as estatísticas comerciais oficiais brasileiras, o município de Colíder exportou milhões de dólares em couro para a Itália entre 2020 e 2024.
Exportações de couro do município de Colíder, estado de Mato Grosso, para a Itália* | ||||||
| 2020 | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 (janeiro-julho) |
Toneladas | 1.757 | 1.029 | 1.081 | 497 | 1.384 | 635 |
Valor FOB** em dólares americanos | 1.818.873 | 1.256.514 | 1.754.331 | 604.844 | 1.617.856 | 1.619.538 |
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Comex Stat, dados de exportações do Brasil por município, https://comexstat.mdic.gov.br/pt/municipio (acessado em 7 de agosto de 2025). Human Rights Watch extraiu informações específicas para os códigos HS4 4101 (couros e peles em bruto de bovinos, mesmo depilados ou divididos), 4104 (couros e peles curtidos ou em crosta, de bovinos, depilados, mesmo divididos, mas não preparados de outro modo) e 4107 (couros preparados após curtimento ou após secagem, de bovinos, depilados, mesmo divididos, exceto os da posição 4114). *A Itália foi o único país da UE que recebeu exportações de couro deste município nos anos consultados. ** O valor FOB (Free on Board) refere-se ao valor das mercadorias na fronteira aduaneira do exportador, em dólares estadounidenses. | ||||||
JBS Marabá, Pará
A Fazenda Intermediária 4, no estado do Pará, adquiriu gado de uma fazenda ilegal na TI Cachoeira Seca em fevereiro de 2021, antes de fornecer gado à JBS Marabá entre abril e setembro de 2021. Além disso, a Fazenda Intermediária 5 adquiriu gado de uma fazenda ilegal na TI Cachoeira Seca em julho de 2020, antes de fornecer gado à JBS Marabá entre julho de 2020 e abril de 2023. Por fim, a Fazenda Intermediária 6 adquiriu gado de uma fazenda ilegal na TI Cachoeira Seca em abril de 2019, antes de fornecer repetidamente gado à JBS Marabá entre julho de 2020 e março de 2023.
O frigorífico da JBS em Marabá não está autorizado a exportar produtos bovinos para a UE. No entanto, é muito provável que o curtume da JBS em Marabá tenha exportado couros para a UE. O curtume da JBS está localizado a menos de um quilômetro do frigorífico da JBS. Mais de 90 por cento dos couros processados pela JBS provêm de seus próprios frigoríficos, o que sugere que é muito provável que o frigorífico da JBS esteja fornecendo couros para o curtume da JBS em Marabá.[199]
De acordo com os dados de exportação oficiais do Brasil, o município de Marabá exportou várias toneladas de couro para a Itália em 2020 e em 2025. O curtume da JBS parece ser o único curtume no município de Marabá.[200] Como único curtume em Marabá, é provável que todas as exportações de couro para a UE provenientes deste município sejam do curtume da JBS. Embora os casos documentados pela Human Rights Watch na TI Cachoeira Seca abranjam vários anos durante os quais Marabá não exportou produtos de couro para a UE, a Human Rights Watch não excluiu esses casos da análise, pois as peles de vaca podem ser armazenadas.
Exportações de couro do município de Marabá, estado do Pará, para a Itália* | ||||||
2020 | 2021 | 2022 | 2023 | 2024 | 2025 (janeiro-julho) | |
Toneladas | 452 | 0 | 0 | 0 | 0 | 25 |
Valor FOB** em dólares americanos | 259.484 | n/a | n/a | n/a | n/a | 28.913 |
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Comex Stat, dados sobre as exportações brasileiras por município, https://comexstat.mdic.gov.br/pt/municipio (acessado em 7 de agosto de 2025). A Human Rights Watch coletou informações especificamente para os códigos HS4 4101 (couros e peles em bruto de bovinos, mesmo depilados ou divididos), 4104 (couros e peles curtidos ou em crosta, de bovinos, depilados, mesmo divididos, mas não preparados de outro modo) e 4107 (couros preparados após curtimento ou após secagem, de bovinos, depilados, mesmo divididos, exceto os da posição 4114). *A Itália foi o único país da UE que recebeu exportações de couro deste município nos anos consultados. ** O valor FOB (Free on Board) refere-se ao valor das mercadorias na fronteira aduaneira do exportador, em dólares estadounidenses. | ||||||
III. Respostas políticas e judiciais
O governo federal do Brasil e o governo do estado do Pará anunciaram recentemente novas políticas importantes para combater a ilegalidade, o desmatamento e os conflitos fundiários.
No entanto, as respostas federal e estadual estão avançando em ritmos diferentes, o que prejudicará gravemente a eficácia geral. Enquanto o Pará planeja rastrear individualmente todo o seu rebanho bovino até dezembro de 2026, o governo federal só planeja instituir a mesma exigência até dezembro de 2032, seis anos depois.
No entanto, conforme documentado neste relatório, existe um risco tangível de que o gado ilegal criado no PDS Terra Nossa possa ter sido transferido para frigoríficos da JBS fora do Pará, chegando até Mato Grosso e São Paulo. A dinâmica interestadual da lavagem de gado no Brasil representa um desafio que não pode ser enfrentado sem uma resposta nacional que corresponda aos esforços do Pará.
Enquanto todo o rebanho bovino do Brasil não for rastreável e a resposta federal for lenta, muitos dos produtos bovinos do Brasil terão dificuldade em demonstrar compatibilidade com os requisitos da EUDR. Essa nova realidade do mercado deve incentivar os estados a intensificar e acelerar a implementação, como o Pará já decidiu fazer, e motivar o governo federal a promover essa rápida implementação.
O Governo do Estado do Pará
Em 27 de novembro de 2023, o governador do Pará, Helder Barbalho, sancionou o Decreto nº 3.533, que institui o Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA).[201]
O decreto determina que, até dezembro de 2026, todo o rebanho bovino do Pará seja rastreável individualmente.[202] Se implementado até essa data, o Pará será o segundo estado em todo o Brasil a ter rastreabilidade individual para bovinos.[203] O governo do Pará também anunciou como metas a análise de75 por cento dos Cadastros Ambientais Rurais do estado até dezembro de 2025 e de 100 por cento até dezembro de 2026.[204]
Pesquisadores da Human Rights Watch se reuniram com a equipe da Adepará em Belém responsável pela supervisão da implementação do SRBIPA.[205] Eles descreveram o programa como uma “prioridade” para o governo estadual e para a Adepará.[206] Além disso, eles enfatizaram que o programa tinha como objetivo reduzir a área de pastagem utilizada por animal.[207] (O próprio decreto afirma que o programa busca desenvolver “a pecuária de alta produtividade, com integridade econômica e socioambiental”.[208])
Na prática, a implementação do SRBIPA exigirá que cada animal tenha brincos com um número único afixado na orelha.[209] Um dos brincos é eletrônico e contém a data de nascimento, o sexo e a idade do animal, o nome do pecuarista e o número de registro da exploração pecuária.[210]
O Decreto nº 3.533 exige que o transporte de gado seja submetido a critérios legais e ambientais. A partir de 11 de novembro de 2024, a Adepará terá que solicitar autorização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Pará (SEMAS) para emitir as guias de trânsito animal (GTAs), que autorizam a movimentação de gado.[211] Além disso, de acordo com as autoridades, desde 2023, a Adepará não emite mais GTAs para propriedades rurais registradas dentro de áreas protegidas.[212]
Anteriormente, a Adepará interpretava seu mandato de forma restrita, preocupando-se apenas com a saúde animal, e não observava critérios de legalidade ambiental ao autorizar a movimentação de gado.[213]
A equipe da Adepará disse à Human Rights Watch que as mudanças introduzidas pela SRBIPA tinham, entre outros objetivos, tornar as exportações do Pará mais competitivas na UE e no Japão.[214] O estado também está se antecipando a requisitos mais rigorosos de rastreabilidade que espera que a China imponha em breve.[215]
O Governo Federal
Em dezembro de 2024, o MAPA anunciou a criação de um sistema federal de rastreabilidade individual para bovinos e búfalos.[216] O sistema seria estabelecido por meio da implementação do Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB) e exigiria que brincos de identificação sejam colocados em cada animal, no mais tardar, antes de seu primeiro deslocamento, contendo informações sobre seu local e data de nascimento, entre outras.[217]
A implementação doPNIB está prevista para ocorrer em oito anos e apenas em dezembro de 2032 a identificação individual será obrigatória para que qualquer animal possa ser movimentado e os fazendeiros possam ser responsabilizados em caso de descumprimento.[218]
O MAPA disse à BBC que o novo sistema “tem objetivos estritamente sanitários [para supervisionar a saúde do animal]” e que o plano não contempla “a questão ambiental.”[219]Autoridades ambientais federais disseram à Human Rights Watch que elas não foram consultadas para a elaboração do plano.[220]
Além de prejudicar a ação mais rápida do estado do Pará, a lenta implementação do PNIB vai contra o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), o pilar da política federal do Brasil para a Amazônia.[221] De fato, da forma como está concebido atualmente, o PNIB não impediria que as agências estaduais de saúde animal em todo o Brasil continuassem a autorizar a movimentação ilegal de gado para áreas protegidas até pelo menos 2032, contribuindo para o desmatamento que poderia ser evitado se tais movimentação ilegais não fossem autorizadas em primeiro lugar.
Decisões judiciais
Em janeiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal determinou que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) deliberasse sobre a edição de ato normativo exigindo que as autoridades federais, estaduais e municipais garantam acesso completo aos dados das GTAs aos órgãos ambientais e ao Ministério Público. O Supremo Tribunal Federal também determinou que o governo federal apresentasse um plano para tornar os dados das GTAs acessíveis às agências ambientais dos estados que compõem a Amazônia brasileira e que apresentam as maiores taxas de desmatamento.[222]
Em conformidade com a decisão, o governo federal informou ao Supremo Tribunal Federal em maio de 2025 que uma nova plataforma e banco de dados estão em desenvolvimento como parte da implementação do PNIB. A partir de 2026, o MAPA permitirá o compartilhamento de dados de GTA com órgãos ambientais por meio dessa nova plataforma. O governo federal também observou que a implementação completa do PNIB depende da regulamentação pelo CONAMA que obriga os estados a garantir o acesso completo aos dados das GTAs às agências ambientais e ao Ministério Público, bem como o encaminhamento dos dados ao MAPA de forma regular e padronizada.[223]
Iniciativas do Ministério Público Federal
Em 2009, o Ministério Público Federal do estado do Pará (MPF-PA) moveu ações judiciais contra empresas que compraram gado de áreas com desmatamento ilegal.
Posteriormente, três empresas, incluindo a JBS, assinaram acordos com o MPF-PA, chamados Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Elas se comprometeram a não comprar gado de fazendas com irregularidades ambientais e sociais.[224] Os TACs foram posteriormente implementados em outros quatro estados da Amazônia.[225] Os acordos abrangem apenas fornecedores diretos.
O MPF-PA publicou a primeira auditoria de conformidade com os acordos TAC em 2018 e, novamente, em 2019, 2021, 2022 e 2023.[226] Na auditoria realizada em 2023, que cobriu as compras de gado entre julho de 2020 e dezembro de 2021, a JBS ficou na antepenúltima posição entre as 12 empresas auditadas, com 6,2 por cento do gado auditado considerado não conforme de acordo com os critérios do TAC.[227]
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A ausência de mecanismos de rastreabilidade individual no Brasil tem sido uma grande lacuna, através da qual produtos bovinos ilegais têm sido vendidos no mercado interno e exportados para mercados externos, incluindo a UE. No entanto, com as novas exigências do EUDR, essa lacuna está sendo preenchida na UE, incentivando uma resposta semelhante no Brasil para limpar suas cadeias de fornecimento e fazer cumprir suas regulamentações ambientais nesse processo. As políticas já estão em vigor: os estados podem e devem implementá-las o mais rápido possível e, em qualquer caso, antes de 2032, e o governo federal pode e deve incentivá-los a fazê-lo. Além do EUDR, tais ações estariam alinhadas com as próprias políticas do Brasil para combater o desmatamento ilegal na Amazônia e com sua obrigação de proteger os direitos humanos e mitigar as mudanças climáticas.
IV. Padrões legais
O dever do Brasil de proteger os direitos humanos e os defensores do meio ambiente
Como Estado parte do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), nos termos dos artigos 6 (1) e 9 (1), e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, nos termos dos artigos 5 e 7, o Brasil é obrigado a proteger os direitos à vida, à integridade física, mental e moral, e à liberdade e segurança da pessoa, incluindo os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente.[228] Essa obrigação é ainda mais enfatizada nos artigos 2º, 9º e 12º da Declaração das Nações Unidas sobre Defensores dos Direitos Humanos (a “Declaração”). O artigo 12 (2) da Declaração estabelece a obrigação do governo de “tomar todas as medidas necessárias para garantir a proteção... contra qualquer violência, ameaças, retaliação... pressão ou qualquer outra ação arbitrária como consequência do exercício legítimo dos direitos referidos na... Declaração”.[229]
Embora as obrigações dos Estados se apliquem a todos dentro de sua jurisdição, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que a importância de proteger os defensores dos direitos humanos dá origem a deveres acrescidos, levando em conta principalmente a maior vulnerabilidade dos defensores dos direitos humanos em decorrência de seu trabalho.[230]
Como parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, os esforços do Brasil contra a impunidade devem ser orientados pela jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No caso Kawas Fernández v. Honduras, relativo à violência contra defensores dos direitos humanos ambientais, a corte determinou que:
Os Estados têm o dever de fornecer os meios necessários para que os defensores dos direitos humanos realizem suas atividades livremente; protegê-los quando estiverem sujeitos a ameaças, a fim de evitar qualquer atentado à sua vida ou segurança e; abster-se de impor restrições que dificultem o desempenho de seu trabalho e conduzir investigações sérias e eficazes de quaisquer violações contra eles, evitando assim a impunidade.[231]
Em março de 2018, 24 Estados da América Latina e do Caribe adotaram o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, também conhecido como Acordo de Escazú.[232] Ele estabelece padrões de proteção para defensores dos direitos humanos em assuntos ambientais, incluindo a exigência de que os Estados tomem medidas para prevenir, investigar e punir ataques ou ameaças contra defensores dos direitos humanos em assuntos ambientais.[233] O Brasil assinou o acordo em 27 de setembro de 2018, e a ratificação pelo Congresso estava pendente no momento da elaboração deste relatório.[234]
Direitos dos povos indígenas sobre seus territórios
A Constituição do Brasil reconhece os direitos dos povos indígenas às “terras que tradicionalmente ocupam”.[235] Ela define essas terras como “aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.[236]
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal do Brasil confirmou os direitos dos povos indígenas às suas terras tradicionais ao decidir contra o chamado Marco Temporal, um argumento jurídico segundo o qual os povos indígenas não deveriam obter a titularidade de seus territórios ancestrais se as comunidades não estivessem fisicamente presentes neles em 5 de outubro de 1988, data em que a atual Constituição do Brasil foi adotada.[237]
Apesar dessa decisão clara da mais alta corte do país, o Congresso brasileiro aprovou uma lei que consagrava o Marco Temporal em dezembro de 2023, derrubando a maioria dos vetos do presidente sobre vários artigos que seriam inconstitucionais de acordo com a decisão do tribunal.[238] A lei é objeto de uma câmara especial de conciliação liderada por um ministro do Supremo Tribunal Federal.[239] A FUNAI solicitou ao STF que revogasse as disposições da lei que seriam inconstitucionais de acordo com sua decisão de setembro de 2023.[240]
Como signatário da Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho, também conhecida como Convenção 169 da OIT, o Brasil deve impedir “a invasão ou o uso não autorizado das terras” dos povos indígenas.[241] O Brasil também deve garantir “o direito desses povos de participar do uso, gestão e conservação” dos recursos naturais existentes em suas terras.[242]
Como parte dos múltiplos tratados que sustentam o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o Brasil também está vinculado à sua jurisprudência. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos desenvolveu uma ampla proteção dos direitos dos povos indígenas, inclusive sobre suas terras e territórios ancestrais, por meio de decisões históricas da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como Awas Tingni v Nicaragua e Saramaka People v Suriname.[243]
Esses direitos estão fundamentados no Artigo 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que protege o direito à propriedade, interpretado à luz das relações culturais e espirituais dos indígenas com a terra.[244] A Corte também sustentou que a falha em garantir esses direitos pode violar vários outros direitos, inclusive os direitos à vida, à cultura, à proteção judicial e à igualdade de tratamento.
A Corte deixou claro que os Estados devem tomar medidas para identificar e proteger os territórios indígenas, incluindo a demarcação e o registro legal. Essas proteções são reforçadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que estabeleceu os requisitos para uma forte proteção contra o deslocamento, a degradação ambiental e a exploração de terras indígenas sem o devido consentimento e compensação.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também afirmou que os povos indígenas têm direito ao “reconhecimento dos direitos de propriedade e posse em relação às terras, territórios e recursos que ocupam historicamente”.[245] Quando os direitos de propriedade e uso dos povos indígenas decorrem de direitos existentes antes da criação de um Estado, a Comissão interpreta as normas internacionais como exigindo o reconhecimento pelo Estado do título permanente e inalienável dos povos indígenas sobre a terra: concluindo que tal título só pode ser alterado por “consentimento mútuo entre o Estado e os respectivos povos indígenas, quando estes tiverem pleno conhecimento e apreciação da natureza ou dos atributos de tal propriedade”.[246]
O Brasil também endossou declarações e princípios internacionais que devem orientar suas políticas públicas. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP), que o Brasil votou a favor na Assembleia Geral da ONU, afirma que os povos indígenas têm um direito específico à autonomia ou autogoverno em seus assuntos internos ou locais, e que os povos indígenas não devem ser removidos de seus territórios sem o seu consentimento.[247]
Os direitos dos camponeses
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais, adotada na Assembleia Geral da ONU em 2018, exorta os Estados a defenderem o direito dos camponeses, camponesas e outras pessoas que trabalham em áreas rurais de “ter acesso a e usar de maneira sustentável os recursos naturais presentes em suas comunidades que são necessários para desfrutar de condições de vida adequadas. ... Eles também têm o direito de participar da gestão desses recursos”.[248]
Além disso, a declaração exorta os Estados a “promover a participação, diretamente e/ou por meio de suas organizações representativas, dos camponeses e outras pessoas que trabalham em áreas rurais nos processos de tomada de decisão que possam afetar suas vidas, terras e meios de subsistência”.[249] A declaração também afirma que:
Os camponeses e outras pessoas que trabalham em áreas rurais que foram arbitrariamente ou ilegalmente privados de suas terras têm o direito, individualmente e/ou coletivamente, em associação com outros ou como comunidade, de retornar às terras das quais foram arbitrariamente ou ilegalmente privados, [...], e de ter recuperado seu acesso aos recursos naturais utilizados em suas atividades e necessários para o gozo de condições de vida adequadas, sempre que possível, ou de receber uma indenização justa, equitativa e legal quando seu retorno não for possível.[250]
Proibição de despejos forçados
O direito a um padrão de vida adequado está consagrado no artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), do qual o Brasil é signatário.[251] O PIDESC afirma explicitamente que o direito a um padrão de vida adequado inclui o direito à “moradia adequada”.[252]
O Comitê das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CESCR), que fornece interpretações autorizadas do PIDESC, afirmou em seu Comentário Geral nº 4 que a posse “assume várias formas, incluindo ... a ocupação de terras ou propriedades”.[253] O comitê também exortou os Estados a aumentar “o acesso à terra por segmentos sem terra ou empobrecidos da sociedade” como “uma meta política central”.[254]
O direito internacional dos direitos humanos proíbe despejos forçados.[255] O CESCR definiu despejos forçados como “a remoção permanente ou temporária, contra a vontade de indivíduos, famílias e/ou comunidades, das casas e/ou terras que ocupam, sem a provisão e o acesso a formas adequadas de proteção legal ou de outra natureza”.[256] (Ênfase acrescentada.) O relator especial da ONU sobre o direito à moradia adequada caracterizou os despejos forçados como “graves violações de uma série de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, incluindo os direitos humanos à moradia adequada, alimentação, água, saúde, educação, trabalho, segurança da pessoa, proteção contra tratamento cruel, desumano e degradante e liberdade de movimento”.[257]
Os governos estão proibidos de realizar despejos forçados e são obrigados a garantir, por meio de leis e regulamentos, que entidades privadas não realizem despejos forçados. Essas obrigações se aplicam independentemente de os residentes terem ou não um título formal de propriedade que lhes dê direito à terra que ocupam. Caso uma pessoa ou grupo de pessoas seja sujeito a um despejo forçado, elas têm direito à indenização. O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) e o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN Habitat) publicaram em 2014 uma nota informativa que afirmava:
Deve ser concedida indenização por qualquer dano economicamente avaliável, conforme apropriado e proporcional à gravidade da violação e às circunstâncias de cada caso, tais como: perda de vida ou de membros; danos físicos ou mentais; oportunidades perdidas, inclusive emprego, educação e benefícios sociais; danos materiais e perda de rendimentos, inclusive perda de potencial de rendimento; danos morais; e custos de assistência jurídica ou especializada, medicamentos e serviços médicos, e serviços psicológicos e sociais.
A indenização em dinheiro não deve, em princípio, substituir a indenização real na forma de terras e recursos de propriedade comum. Quando as terras forem tomadas, as pessoas despejadas devem ser indenizadas com terras de qualidade, tamanho e valor equivalentes ou superiores.[258]
O direito a um ambiente saudável
Em agosto de 2022, a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução declarando o acesso a um ambiente limpo, saudável e sustentável um direito humano universal.[259] A resolução “afirma” que a promoção desse direito “requer a plena implementação dos acordos multilaterais ambientais sob os princípios do direito internacional ambiental”.[260]
A Constituição do Brasil, que precedeu a resolução da Assembleia Geral da ONU, reconhece que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.[261]
Em 2015, o Brasil assinou o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.[262] O acordo visa fortalecer a resposta global às mudanças climáticas, “inclusive mantendo o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e envidando esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais”.[263]
Desde 2018, no entanto, os governos têm reconhecido cada vez mais a meta de 1,5°C como imperativa, devido ao relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, que alertou que, se ultrapassar o limite de 1,5 °C, há o risco de desencadear impactos muito mais graves das mudanças climáticas, inclusive secas, ondas de calor e chuvas mais frequentes e severas.[264]
Na cúpula climática de 2021, os Estados signatários do Acordo de Paris adotaram a Declaração de Glasgow, reconhecendo que “os impactos das mudanças climáticas serão muito menores com um aumento de temperatura de 1,5°C em comparação com 2°C” e resolvendo “prosseguir com os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C”.[265]
O Brasil defendeu a criação do “Mapa do Caminho para a Missão 1,5”, adotado na 28a cúpula climática global, com o objetivo de fortalecer a cooperação internacional e estimular a ambição dos países em seus próximos compromissos a serem apresentados em 2025, quando o Brasil sediará a COP30 em Belém.[266]
De acordo com suas obrigações no Acordo de Paris, cada Estado parte deve comunicar suas “Contribuições Nacionalmente Determinadas” (NDCs, pela sigla em inglês) a cada cinco anos ao Secretariado da UNFCCC. Cada NDC sucessiva deve representar um avanço em relação à NDC atual e refletir sua maior ambição possível.[267]
Em suas NDCs de 2016, o Brasil se comprometeu a erradicar o desmatamento ilegal, conforme definido pela legislação brasileira, na Amazônia até 2030.[268] O Brasil se comprometeu a atingir essa meta “com total respeito aos direitos humanos, em particular os direitos das comunidades vulneráveis [e] das populações indígenas”.[269] No entanto, até o momento, cerca de 90 por cento do desmatamento na Amazônia é ilegal.[270]
Em sua mais recente NDC, apresentada em novembro de 2024, o Brasil adotou uma meta de redução de emissões que constituía uma meta aprimorada em relação à sua NDC de 2016, mas não assumiu novos compromissos em relação ao desmatamento.[271] A maior parte das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, no entanto, vem do uso da terra, de mudanças no uso da terra, desmatamento, agricultura e pecuária.[272] Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu repetidamente acabar com o desmatamento e a degradação em todos os biomas até 2030.[273]
Obrigação do governo de regulamentar as empresas
De acordo com os diversos tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil, o Estado tem a obrigação positiva de prevenir e punir a interferência de terceiros no gozo dos direitos. Esse dever de proteger inclui prevenir que as empresas violem direitos e tomar medidas para responsabilizá-las e indenizar as vítimas quando isso ocorrer.[274]
Em seu Comentário Geral 31, o Comitê de Direitos Humanos da ONU (CDH) afirma o dever de proteger os titulares de direitos contra violações por pessoas ou entidades privadas.[275] (O CDH fornece interpretações autorizadas do PIDCP.) Falhas para investigar violações por atores ou entidades privados pode constituir uma “violação do Pacto”.[276] Investigações devem ser realizadas “de forma rápida, completa e eficaz por meio de órgãos independentes e imparciais”.[277] Por fim, caso os Estados não “tomem as medidas adequadas ou exerçam a devida diligência para prevenir, punir, investigar ou reparar os danos causados por tais atos de pessoas ou entidades privadas”, isso também pode constituir uma violação de suas obrigações.[278]
Em sua Recomendação Geral 23, o Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD) observa que os povos indígenas perderam recursos para empresas comerciais e apela para o reconhecimento e a proteção dos direitos dos povos indígenas de “possuir, desenvolver, controlar e usar suas terras, territórios e recursos comunitários”.[279] (O CERD fornece interpretações oficiais da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ICERD, da qual o Brasil é signatário). Quando ocorrer a privação de terras ou recursos, os Estados devem “tomar medidas para devolver essas terras e territórios”.[280] A implicação é que os Estados devem regulamentar e julgar os atos de empresas comerciais para evitar o abuso dos direitos dos povos indígenas e garantir reparações eficazes, inclusive indenizações, quando necessário.
Em seu Comentário Geral 24, o CESCR observa:
A obrigação de proteger significa que os Estados Partes devem prevenir efetivamente violações dos direitos econômicos, sociais e culturais no contexto das atividades empresariais. Isso exige que os Estados Partes adotem medidas legislativas, administrativas, educacionais e outras medidas apropriadas para garantir a proteção efetiva contra violações dos direitos do Pacto relacionadas às atividades empresariais e que proporcionem às vítimas de tais abusos corporativos acesso a reparações efetivas.
Os Estados Partes devem considerar a imposição de sanções e penalidades criminais ou administrativas, conforme apropriado, quando as atividades empresariais resultarem em abusos dos direitos do Pacto ou quando falhas para agir com a devida diligência para mitigar os riscos permitirem que tais violações ocorram; possibilitar ações civis e outros meios eficazes de reivindicação de reparações pelas vítimas de violações de direitos contra as empresas infratoras, em particular reduzindo os custos para as vítimas e permitindo formas de reparação coletiva [...]. Os Estados Partes devem revisar regularmente a adequação das leis e identificar e resolver os problemas de descumprimento e falta de informação, , bem como os problemas que surjam.
A obrigação de proteger implica um dever positivo de adotar um quadro jurídico que exija que as entidades empresariais exerçam a devida diligência em matéria de direitos humanos, a fim de identificar, prevenir e mitigar os riscos de violação dos direitos previstos no Pacto, evitar que esses direitos sejam violados e prestar contas pelos impactos negativos causados ou contribuídos por suas decisões e operações e pelas entidades que controlam sobre o gozo dos direitos previstos no Pacto. Os Estados devem adotar medidas como a imposição de requisitos de diligência devida para prevenir abusos dos direitos do Pacto na cadeia de fornecimento de uma entidade empresarial e por parte de subcontratados, fornecedores, franqueados ou outros parceiros comerciais.[281]
Responsabilidade empresarial de respeitar os direitos humanos
As empresas têm responsabilidades em matéria de direitos humanos nos termos dos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos de 2011 (Princípios Orientadores da ONU) e das Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais.[282] Embora os Princípios Orientadores da ONU não sejam vinculativos, eles fornecem orientações importantes e se aplicam a organizações privadas envolvidas em atividades comerciais.[283] A responsabilidade de respeitar os direitos humanos significa que as empresas devem ter “políticas e processos adequados ao seu tamanho e circunstâncias” para:
• Evitar causar ou contribuir para impactos adversos sobre os direitos humanos por meio de suas próprias atividades (tanto ações quanto omissões) e lidar com tais impactos quando eles ocorrerem.[284]
• Prevenir ou mitigar impactos adversos aos direitos humanos que estejam diretamente ligados às suas operações, produtos ou serviços por meio de suas relações, mesmo que não tenham contribuído para esses impactos.[285]
• “Permitir a reparação de quaisquer impactos adversos sobre os direitos humanos que causem ou para os quais contribuam” e usar sua influência comercial para fazê-lo. [286]
• “Comunicar externamente... particularmente quando forem levantadas preocupações em nome de populações afetadas” e “fornecer informações suficientes para avaliar a adequação da resposta da empresa”.. [287]
Essas responsabilidades se aplicam a todas as empresas, independentemente de seu tamanho e estrutura, mas são aplicadas de forma proporcional ao tamanho e à influência comercial. Na indústria pecuária brasileira, os fazendeiros individuais, os fazendeiros intermediários e aqueles que possuem e operam frigoríficos têm responsabilidades proporcionais em matéria de direitos humanos.
Recomendações
Ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)
· Em consulta com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o IBAMA e o ICMBio, o MAPA deve implementar o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB), adotando uma regulamentação que:
o Estabeleça que os objetivos do PNIB também incluam apoiar o cumprimento da legislação nacional pelos produtores rurais;
o Estabeleça que a implementação do PNIB possa ser realizada antes do prazo atualmente previsto, mas não possa ser adiada além do prazo previsto no plano, e ofereça incentivos significativos para os estados que implementarem o plano mais cedo ou que já possuam sistemas de rastreabilidade em vigor;
o Estabeleça que as autoridades ambientais, agrárias, trabalhistas e judiciais, dentro do escopo de suas competências para fazer cumprir e defender a lei brasileira, terão acesso à Base Central de Dados e Informações prevista no PNIB, em preparação para ações judiciais e de fiscalização;
o Estabeleça que o registro das propriedades rurais na Base Central de Dados e Informações inclua um shapefile da propriedade rural em questão, conforme registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR);
o Estabeleça que o registro das propriedades rurais no Banco de Dados Central inclua informações sobre a propriedade beneficiária da propriedade rural;
o Estabeleça mecanismos de monitoramento que gerem alertas para possíveis casos de fraude no sistema de rastreabilidade ou lavagem de gado e comuniquem esses alertas às autoridades ambientais estaduais e federais, bem como à polícia e ao Ministério Público para apuração e aplicação da lei;
o Estabeleça penalidades dissuasivas para movimentações fraudulentas de gado que violem a legislação brasileira, incluindo apreensão de gado e outros bens, multas destinadas a privar os infratores dos lucros de seus atos ilícitos, perda de acesso a programas de crédito governamentais e negação temporária de acesso a contratos de aquisição pública, entre outras. As penalidades estabelecidas nos regulamentos federais devem constituir um mínimo a ser observado por todos os estados, que podem optar por penalidades mais rigorosas, mas não menos rigorosas.
· Modernizar o CAR para equipar o banco de dados com tecnologia antifraude, incluindo, no mínimo, a rejeição automatizada de tentativas de cadastro de propriedades rurais privadas com sobreposição a florestas públicas não designadas, unidades de conservação, territórios indígenas e assentamentos do INCRA.
· Apoiar os estados na profissionalização da indústria pecuária com o objetivo explícito de reduzir a área de pastagem por cabeça de gado, visando, em última instância, a reduzir a área total destinada à pastagem.
Ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
· Implementar sem demora a decisão de janeiro de 2025 do Supremo Tribunal Federal de deliberar sobre a edição de ato normativo que obrigue as autoridades federais, estaduais e municipais a conceder acesso completo aos dados das GTAs aos órgãos ambientais e ao Ministério Público.
Ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
· Acelerar os processos em andamento para remover os grileiros envolvidos no desmatamento ilegal, na reivindicação fraudulenta de terras e na pecuária ilegal no PDS Terra Nossa.
· Com a participação de e em consulta aos residentes do PDS Terra Nossa, estruturar, financiar e lançar projetos para restaurar a área de reserva legal do assentamento e apoiar os meios de subsistência sustentáveis dos legítimos moradores.
· Arquivar definitivamente qualquer plano de redução da área do PDS Terra Nossa que permitiria que grileiros consolidassem o seu controle sobre parte do território do assentamento.
· Consultar os moradores não indígenas da Terra Indígena Cachoeira Seca que se estabeleceram de boa-fé no território sob as instruções do INCRA antes da demarcação do território para desenvolver um processo de realocação que respeite seus direitos.
· Apoiar ações judiciais do MPF contra grileiros, madeireiros e pecuaristas ilegais, com o fornecimento, em tempo hábil, de dados e outras informações solicitadas.
À Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI)
· Realizar urgentemente uma revisão dos ocupantes não indígenas no Território Indígena de Cachoeira Seca, bem como da existência de registros no Cadastro Agrário Nacional (CAR) que se sobreponham ao território, com o objetivo de diferenciar reivindicações fraudulentas de terras de ocupantes de boa-fé e apoiar as autoridades policiais na implementação imediata de um plano para remover todos os ocupantes não indígenas.
· Em consulta com os Arara, o IBAMA, a Polícia Federal e o MPF, elaborar um plano para proteger os residentes indígenas de represálias antes, durante e após as operações de aplicação da lei destinadas à remoção de todos os ocupantes não indígenas. (Os Arara desenvolveram seu protocolo de consulta – Protocolo de consulta dos Arara da Terra Indígena Cachoeira Seca – que deve ser observado para este processo.)
· Em consulta e com a participação dos Arara e de outras agências federais relevantes, mapear as áreas degradadas e desmatadas no Território Indígena Cachoeira Seca e elaborar, financiar e executar um projeto para reflorestar essas áreas e apoiar a comunidade na recuperação de seu território.
· Designar pessoal para ocupar permanentemente as duas bases da FUNAI estabelecidas no Território Indígena Cachoeira Seca.
Ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
· Realizar e publicar uma avaliação das necessidades internas para determinar o número de funcionários necessários para dotar adequadamente as operações de inteligência e fiscalização do IBAMA e aumentar o número de funcionários de acordo com essa avaliação.
· Liderar uma operação de fiscalização para destruir cercas e outras estruturas construídas ilegalmente por fazendeiros na reserva legal do PDS Terra Nossa e fornecer apoio ao INCRA, conforme necessário, para a remoção de fazendas ilegais e a apreensão de gado.
· Liderar uma operação de fiscalização para remover ocupantes não indígenas, destruir as infraestruturas relativas a fazendas e serrarias ilegais e apreender a madeira e o gado ilegal na Terra Indígena Cachoeira Seca.
Ao Ministério Público Federal (MPF)
· Demandar judicialmente os grileiros do PDS Terra Nossa e da TI Cachoeira Seca pedindo reparações pela destruição ambiental e por violações de direitos humanos dos moradores locais, incluindo violência e intimidação contra defensores de direitos humanos, despejos forçados, perda de meios de subsistência e violações do direito constitucional do povo Arara de praticar sua cultura e ao usufruto exclusivo de seu território.
· Pedir penalidades dissuasivas contra empresas que não cumprem os índices de conformidade exigidos em Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), incluindo a JBS.
· Acompanhar os casos de intimidação e violência em conflitos rurais e trabalhar em colaboração com as autoridades policiais e os Ministérios Públicos estaduais para garantir que os atos de violência e intimidação contra defensores de direitos humanos e da floresta sejam rigorosamente investigados e processados e que os responsáveis sejam responsabilizados.
Ao Congresso Nacional
· Aprovar o Acordo de Escazú sobre acesso à informação ambiental, participação em processos decisórios sobre assuntos ambientais e proteção aos defensores do meio ambiente.
· Aprovar legislação abrangente que proíba ações judiciais estratégicas contra a participação pública (SLAPPs), com o objetivo de proteger a liberdade de expressão e impedir retaliações contra trabalhadores, defensores de direitos humanos e jornalistas.
Ao Governador do Pará
· Implementar o sistema estadual de rastreabilidade do gado e pressionar o governo federal a acelerar seu plano de rastreabilidade.
· Estabelecer postos de fiscalização nas estradas próximas a áreas protegidas para verificar se os caminhões que transportam gado têm documentos de transporte válidos e se a origem do gado não é de áreas protegidas ou áreas sob embargo do IBAMA, e solicitar apoio da polícia rodoviária federal para realizar essas verificações.
À Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará
· Apoiar operações para a remoção de pecuaristas ilegais e grileiros de áreas protegidas federais, inclusive através do envio da polícia estadual para apoiar instituições federais nas ações de fiscalização.
À Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará)
· Compartilhar informações das guias de trânsito animal (GTA) com o Ministério Público, órgãos de fiscalização ambiental e autoridades trabalhistas.
· Cooperar de maneira permanente com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará para evitar a emissão de GTAs para movimentações ilegais de gado em áreas protegidas, incluindo os territórios de comunidades tradicionais e assentamentos rurais.
· Garantir que o sistema de rastreabilidade de gado do Pará tenha mecanismos de monitoramento de fraudes que gerem alertas para possíveis casos de fraude no sistema de rastreabilidade ou lavagem de gado e comuniquem esses alertas às agências ambientais estaduais e federais competentes, bem como à polícia e ao Ministério Público para verificação e aplicação da lei;
· Garantir que o sistema de rastreabilidade de gado do Pará estabeleça penalidades dissuasivas para movimentações fraudulentas de gado que violem a lei brasileira, incluindo apreensão de gado e outros bens, multas destinadas a privar os infratores dos lucros de seus atos ilícitos, perda de acesso a programas de crédito do governo e negação temporária de acesso a contratos de aquisição pública, entre outros.
À Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS)
· Publicar o progresso da análise da validade dos cadastros no CAR, em conformidade com o Decreto nº 3.533 do Governador do Pará, e divulgar o número de cadastros que foram validados e cancelados, bem como o motivo do cancelamento, a fim de proporcionar transparência aos esforços do governo estadual no combate à fraude fundiária.
· Elaborar um plano para continuar a análise em tempo hábil dos novos cadastros feitos no CAR após 2026 e divulgar mensalmente o número de novos cadastros e o número de cadastros analisados pela SEMAS, bem como o resultado da análise.
À Comissão Europeia
· Não adiar a implementação do Regulamento da UE sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR).
· Não excluir produtos de pele e couro bovino da lista de produtos que são obrigados as exigências do EUDR.
· Classificar o estado do Pará como de alto risco nos termos EUDR.
· Oferecer fundos e apoio técnico para (a) o desenvolvimento e a rápida implementação de um mecanismo federal de rastreabilidade para gado e sua implementação no Pará, (b) a realização de operações de fiscalização para remover grileiros e (c) o desenvolvimento de meios de subsistência sustentáveis para povos indígenas e comunidades locais.
Às autoridades responsáveis pelo EUDR na Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Países Baixos e Suécia
· Inspecionar as importações de produtos bovinos abrangidos pelo EUDR provenientes do município de Andradina para avaliar se as declarações de diligência devida dos operadores demonstram efetivamente que não foi encontrado nenhum risco de não conformidade ou apenas um risco insignificante.
Ao Ministério da Agricultura, Soberania Alimentar e Florestas da Itália (Ministero dell’agricoltura, della sovranità alimentare e delle foreste)
· Instruir o departamento da Inspeção Central de Proteção da Qualidade e Repressão à Fraude de Produtos Agroalimentares (Dipartimento dell’Ispettorato centrale della tutela della qualità e della repressione frodi dei prodotti agroalimentari), como autoridade competente para implementar o EUDR, a inspecionar produtos de couro bovino originários do Pará e, em particular, dos municípios de Colíder e Marabá, para avaliar se as declarações de diligência devida dos operadores demonstram efetivamente que não foi encontrado nenhum risco de não conformidade ou apenas um risco insignificante.
À JBS
· Adotar medidas para reparar qualquer fraude fundiária, desmatamento ilegal ou violação de direitos humanos para os quais a empresa tenha contribuído, mesmo que involuntariamente.
· Adotar e implementar uma política corporativa que elimine o desmatamento ilegal da Amazônia realizado pelos seus fornecedores de gado – inclusive pelos seus fornecedores indiretos – até o final de 2025.
· Desenvolver um sistema de monitoramento para identificar e avaliar fornecedores indiretos de gado na cadeia de fornecimento da JBS. O sistema deve excluir quaisquer fornecedores indiretos envolvidos em desmatamento ilegal ou violações de direitos humanos, bem como fornecedores diretos que compram de fornecedores indiretos comprometidos.
· Apoiar a rápida implementação do PNIB e o estabelecimento de um limite para a expansão das áreas de pastagens.
Agradecimentos
Este relatório foi escrito por Luciana Téllez Chávez, pesquisadora sênior de meio ambiente e direitos humanos, e um consultor, ambos da Human Rights Watch. Ele se baseia em pesquisas realizadas em conjunto por Téllez Chávez e o consultor. Andrea Carvalho, pesquisadora do Brasil, e César Muñoz Acebes, diretor do Brasil, contribuíram para a pesquisa. Carolina Jordá Álvarez e Léo Martine, ambos analistas geoespaciais sênior do Laboratório de Investigações Digitais da Human Rights Watch, produziram análises geoespaciais para o relatório.
O relatório foi revisado e editado por Richard Pearshouse, diretor de meio ambiente e direitos humanos; Maria Laura Canineu, vice-diretora de meio ambiente e direitos humanos; Muñoz Acebes; um membro da equipe da divisão de justiça econômica e direitos; Juliana Nnoko-Mewanu, pesquisadora sênior de direitos das mulheres; Claudio Francavilla, diretor associado de advocacy da UE; Friederike Mager, coordenadora de advocacy da UE, todos da Human Rights Watch. Holly Cartner, vice-diretora interina de programa, e Clive Baldwin, assessor jurídico sênior, realizaram revisões programáticas e jurídicas, respectivamente.