Hoje, na Venezuela, não há nenhuma instituição governamental independente para atuar como um controle sobre o poder executivo. O governo venezuelano – sob Maduro e anteriormente sob Chávez – ocupou os tribunais com juízes que nem fingem ter independência.
O governo tem reprimido a dissidência muitas vezes de forma violenta, restringindo protestos de rua, prendendo opositores, e processando judicialmente civis em tribunais militares. O governo também minou o poder da oposição no Legislativo.
Devido à grave escassez de medicamentos, suprimentos médicos e comida, muitos venezuelanos não conseguem garantir, de forma adequada, alimentação as suas famílias ou acessar os cuidados de saúde mais básicos. Em resposta à crise humanitária e de direitos humanos, centenas de milhares de venezuelanos estão deixando o país.
Entre outras preocupações que permanecem estão as condições precárias das prisões, a impunidade por violações de direitos humanos e a perseguição de defensores de direitos humanos e de meios de comunicação independentes, por funcionários governamentais.
Perseguição de opositores políticos
O governo venezuelano tem detido opositores políticos e os impedido de concorrer a cargos públicos. Até a elaboração deste relatório, mais de 340 presos políticos estavam confinados em prisões venezuelanas ou em instalações dos serviços de inteligência, de acordo com o Fórum Penal, uma rede venezuelana de advogados que atuam pro bono na defesa criminal.
Em meados de 2017, após um processo sumário que violou as normas internacionais do devido processo legal, a Suprema Corte condenou cinco prefeitos da oposição a 15 meses de prisão e os desqualificou do exercício do cargo. Até a elaboração deste relatório, um deles continuava detido na sede dos serviços de inteligência em Caracas; os outros tinham deixado o país. Pelo menos outros nove prefeitos estavam sujeitos a uma decisão da Suprema Corte que poderia levar a condenações igualmente longas caso fossem acusados de violá-la.
O líder da oposição, Leopoldo López, está cumprindo pena de 13 anos por supostamente incitar violência durante uma manifestação em Caracas em fevereiro de 2014, apesar da ausência de evidências críveis contra ele.
Após três anos e meio preso, López foi transferido para prisão domiciliar em julho de 2017, mas, semanas depois, foi novamente detido no meio da noite, depois de ter criticado publicamente o governo. Na mesma noite, os agentes de inteligência detiveram Antonio Ledezma, um ex-prefeito da oposição que estava em prisão domiciliar desde 2015 e que havia publicado um vídeo com críticas enquanto estava nesta condição.
A Suprema Corte emitiu mais uma declaração afirmando que López estava proibido de realizar "proselitismo político" e que Ledezma não poderia "dar declarações para qualquer mídia", acrescentando que "fontes de inteligência" haviam informado que eles tinham um plano para fugir. Ambos foram novamente colocados em prisão domiciliar dias depois. Em novembro, Ledezma deixou a Venezuela.
Vários outros presos ligados aos protestos de 2014 contra governo ou a ativismo político posterior permanecem em prisão domiciliar ou prisão provisória.
Repressão a protestos
As forças de segurança venezuelanas, juntamente com grupos armados pró-governo – os chamados colectivos – confrontaram violentamente os protestos contra o governo. Alguns desses protestos, entre abril e julho de 2017, contaram com a presença de dezenas de milhares de venezuelanos. Agentes das forças de segurança atiraram à queima-roupa contra manifestantes usando munições de controle de distúrbios, atropelaram manifestantes com um veículo blindado, espancaram brutalmente pessoas que não ofereciam qualquer resistência e fizeram ocupações violentas a edifícios.
O Ministério Público relatou que, até 31 de julho, 124 pessoas tinham sido mortas durante incidentes ligados aos protestos. Em agosto, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos informou que mais de metade das mortes foram causadas por agentes de segurança ou pelos colectivos. O governo venezuelano afirma que 10 oficiais da força de segurança morreram no contexto das manifestações e relatou vários casos de violência contra partidários do governo.
No final de julho, antes da Assembleia Constituinte demitir a Procuradora-Geral Luisa Ortega Díaz, seu escritório investigava cerca de 2.000 casos de pessoas feridas durante a repressão. Embora o número pareça incluir casos em que não somente as forças de segurança, mas também os manifestantes, foram os perpetradores da violência, o escritório apresentou evidências que, em mais de metade dos casos, indicam violações de direitos fundamentais.
Segundo o Fórum Penal, cerca de 5.400 pessoas foram presas em conexão com as manifestações entre abril e novembro, incluindo manifestantes, testemunhas e pessoas tiradas de suas casas sem mandados. Até a elaboração deste relatório, cerca de 3.900 haviam sido liberados mas continuavam sujeitos a processo criminal.
As forças de segurança cometeram sérios abusos contra detentos que, em alguns casos, chegaram a constituir tortura – incluindo espancamentos severos, uso de choques elétricos, asfixia e abuso sexual. Os tribunais militares processaram mais de 750 civis, em violação do direito internacional.
No início de 2014, o governo também respondeu aos enormes protestos da oposição com uso excessivo da força. As forças de segurança muitas vezes detiveram manifestantes em bases militares, sem comunicação, durante 48 horas ou mais e, em alguns casos, cometeram flagrantes violações de direitos humanos, incluindo espancamentos severos, choques elétricos ou queimaduras, e forçando os detidos a se agacharem ou a se ajoelharam sem se moverem por horas.
Nenhum oficial de alta patente foi processado por esses abusos.
Assembleia Constituinte
Em maio, Maduro convocou uma Assembleia Constituinte por meio de um decreto presidencial, apesar de uma exigência constitucional de que um referendo público fosse previamente realizado para reescrever a Constituição. A Assembleia é composta exclusivamente por partidários do governo escolhidos por meio das eleições realizadas em julho, que, segundo a Smartmatic, empresa britânica contratada pelo governo para verificar os resultados, alegou ter sido fraudulenta.
A Assembleia Constituinte tem vastos poderes que vão além da elaboração de uma constituição. Em agosto, assim que a Assembleia começou a operar, seus membros assumiram os poderes legislativos completos e demitiram a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, ex-partidária do governo que se tornou abertamente crítica a ele no final de março. Em seguida, os membros da Assembleia Constituinte nomearam um governista para o cargo. Em novembro, juntamente com a Suprema Corte, a Assembleia retirou de Freddy Guevara, vice-presidente da Assembleia Nacional, sua imunidade parlamentar.
Operação de Libertação do Povo
No começo de julho de 2015, o presidente Maduro alocou mais de 80 mil membros das forças de segurança em todo o país para uma iniciativa chamada de Operación de Liberación del Pueblo (OLP, ou Operação de Libertação do Povo, em português) em resposta às crescentes preocupações com a segurança. As incursões policiais e militares em comunidades de baixa renda e de imigrantes levaram a ampliadas alegações de abusos, incluindo execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias em massa, maus-tratos de pessoas detidas, despejos forçados, destruição de casas e deportações arbitrárias.
Em novembro de 2017, o Ministério Público disse que mais de 500 pessoas foram mortas durante as OLPs entre 2015 e 2017. As autoridades governamentais disseram que as mortes ocorreram durante os "confrontos" com criminosos armados – algo negado em muitos casos por familiares de vítimas ou testemunhas. Em vários casos, as vítimas foram vistas vivas pela última vez quando estavam sob custódia policial.
Crise humanitária
Venezuelanos e venezuelanas enfrentam uma grave escassez de medicamentos, suprimentos médicos e alimentos, comprometendo seriamente seus direitos à saúde e à alimentação. Em 2017, o Ministério da Saúde da Venezuela divulgou dados oficiais para o ano de 2016, indicando que, em um ano, a mortalidade materna aumentou 65%, a mortalidade infantil aumentou 30% e os casos de malária aumentaram 76%.
Dias depois, a ministra foi demitida. Os casos de desnutrição severa de crianças menores de 5 anos aumentaram de 10,2% em fevereiro de 2017 para 14,5% em setembro de 2017, superando o limite de classificação de uma crise definido pela Organização Mundial de Saúde, de acordo com a Cáritas Venezuela.
Independência judicial
Desde que o ex-presidente Chávez e seus partidários na Assembleia Nacional tomaram politicamente a Suprema Corte em 2004, o Judiciário deixou de funcionar como um Poder independente. Os membros da Suprema Corte rejeitaram abertamente o princípio de separação dos Poderes e declararam publicamente seu empenho em avançar a agenda política da atual administração.
Desde que a oposição assumiu a maioria na Assembleia Nacional em janeiro de 2016, a Suprema Corte derrubou quase todas as leis aprovadas na Assembleia. Em março de 2017, a corte avocou todos os poderes legislativos e só retrocedeu parcialmente após fortes críticas na Venezuela e no exterior.
Liberdade de expressão
Por mais de uma década, o governo expandiu e abusou do seu poder para regular a mídia e tem se empenhado agressivamente na redução do número de meios de comunicação dissidentes. As leis existentes concedem ao governo o poder para suspender ou revogar concessões aos meios de comunicação privados se "conveniente para os interesses da nação", permitem a suspensão arbitrária de websites sob a vaga definição do crime de "incitação" e criminalizam a manifestação de "desrespeito" a funcionários de alto escalão do governo. Ainda que alguns jornais, websites e estações de rádio critiquem o governo, o medo de represálias tornou a autocensura um sério problema.
As forças de segurança detiveram, interrogaram e confiscaram o equipamento de vários jornalistas em 2017. Alguns jornalistas internacionais foram impedidos de entrar no país ou foram detidos depois de cobrirem os protestos contra o governo ou a crise de saúde. Vários canais de notícias e rádios foram tirados do ar.
Em novembro, a Assembleia Constituinte adotou uma "Lei contra o ódio" que inclui uma linguagem vaga que prejudica a liberdade de expressão. A lei proíbe partidos políticos que "promovem o fascismo, o ódio e a intolerância" e impõe penas de até 20 anos de prisão a quem publicar "mensagens de intolerância e ódio" nos veículos de comunicação ou nas mídias sociais.
Defensores de direitos humanos
As medidas adotadas pelo governo para restringir o financiamento internacional de organizações não-governamentais – combinadas com acusações infundadas feitas por funcionários e partidários do governo de que defensores de direitos humanos buscam prejudicar a democracia venezuelana – criam um ambiente hostil que limita a capacidade de organizações da sociedade civil de promover os direitos humanos.
Em 2010, a Suprema Corte decidiu que indivíduos ou organizações que recebem financiamento estrangeiro podem ser processados por traição. Naquele ano, a Assembleia Nacional aprovou uma lei que impede as organizações que "defendem os direitos políticos" ou "monitoram o desempenho dos órgãos públicos" de receber assistência internacional.
Discriminação política
De acordo com relatos da imprensa venezuelana, centenas de funcionários públicos foram demitidos em 2016 por terem apoiado a saída do presidente Maduro e muitos outros sofreram ameaças do mesmo tipo em 2017 por apoiarem um plebiscito não oficial organizado pela oposição contra a proposta da Assembleia Constituinte. Outros relatos afirmam que um programa governamental que distribui comida e bens básicos a preços fixados pelo governo discrimina aqueles que criticam o governo.
Condições das prisões
A corrupção, a frágil segurança, a deterioração da infraestrutura, a superlotação, a insuficiência de pessoal e agentes de segurança mal treinados permitem que facções armadas exerçam um controle efetivo sobre a população de detentos nas prisões. Em agosto, 37 presos no Centro de Detenção Judicial do Amazonas em Puerto Ayacucho – quase metade do número de presos desse centro – morreram e 14 agentes de segurança ficaram feridos quando as forças de segurança tentaram assumir o controle da prisão.
Principais atores internacionais
Em março e julho, o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, apresentou dois relatórios abrangentes sobre a crise humanitária e de direitos humanos na Venezuela como parte das discussões em curso sobre a Venezuela e seu cumprimento da Carta Democrática Interamericana – um acordo que protege os direitos humanos e as garantias democráticas nos Estados membros da Organização dos Estados Americanos. Entre setembro e novembro, a OEA realizou uma série de audiências públicas em que as vítimas forneceram informações a três especialistas que avaliavam se os abusos cometidos pelas forças de segurança venezuelanas poderiam constituir crimes contra a humanidade.
Em agosto, o Mercosul suspendeu indefinidamente a Venezuela aplicando o Protocolo de Ushuaia, um acordo que permite ao bloco suspender um membro quando há uma "ruptura da ordem constitucional".
Também em agosto, 17 ministros das Relações Exteriores da região das Américas se encontraram no Peru para tratar da crise da Venezuela. Doze deles – 11 governos latino-americanos e o Canadá - assinaram a Declaração de Lima, uma declaração abrangente que condena o ataque à ordem democrática e a violação sistemática dos direitos humanos na Venezuela. Os 12 declararam que não reconheceriam nem a Assembleia Constituinte nem suas resoluções, comprometeram-se a cessar a exportação de armas para a Venezuela e expressaram preocupação com a crise humanitária e a recusa do governo em aceitar a ajuda humanitária internacional. Eles também se mostraram inclinados a apoiar os esforços de negociações críveis e bem intencionadas destinadas a restaurar a democracia no país de forma pacífica.
O governo venezuelano retirou-se da Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 2013, deixando seus cidadãos e residentes impossibilitados de solicitarem a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos quando os mecanismos locais para enfrentar abusos se encontram ineficazes ou indisponíveis. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) continua a monitorar a Venezuela, no entanto, aplicando a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, que não é um instrumento sujeito à ratificação dos Estados.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos divulgou, em agosto de 2017, um relatório que concluía que as autoridades venezuelanas haviam cometido numerosas violações e abusos de direitos humanos em resposta a protestos contra o governo. O "generalizado e sistemático uso excessivo da força durante as manifestações e a detenção arbitrária de manifestantes e supostos adversários políticos indicam que estes não foram casos isolados de agentes atuando ilegal ou desonestamente", afirmava o relatório.
Em setembro, o Alto Comissário apresentou suas conclusões ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, dizendo que "crimes contra a humanidade podem ter sido cometidos" na Venezuela e pedindo uma investigação internacional. Vários Estados expressaram grande preocupação com as violações dos direitos humanos no país.
Em 2015, o presidente dos EUA, Barack Obama, emitiu uma ordem executiva que impunha sanções específicas contra sete funcionários do governo venezuelano. Em julho de 2016, o Congresso dos Estados Unidos estendeu até 2019 sua competência para congelar ativos e negar vistos a funcionários acusados de cometer abusos contra manifestantes da oposição durante os protestos de 2014.
Em 2017, o governo dos EUA emitiu sanções adicionais dirigidas a importantes funcionários venezuelanos, incluindo o presidente Maduro, bem como sanções financeiras que incluem a proibição de negociações em novas ações e títulos emitidos pelo governo venezuelano e sua companhia estatal de petróleo. A ameaça do presidente Trump, em agosto, de usar a força militar contra a Venezuela, no entanto, recebeu amplas críticas na região.
A União Europeia tem repetidamente expressado preocupação com a deterioração da situação na Venezuela, condenando a violenta repressão a protestos pacíficos e a perseguição política da oposição. Em novembro, a EU impôs um embargo de armas à Venezuela e impôs sanções dirigidas à funcionários venezuelanos.
Os esforços internacionais para mediar a relação entre o governo e a oposição com vistas à restauração da ordem democrática na Venezuela não apresentaram resultados significativos.
Como membro do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, a Venezuela tem frequentemente votado para evitar a investigação internacional das violações de direitos humanos em outros países, opondo-se a resoluções que tratam dos abusos em países como a Síria, Bielorrússia, Burundi e Irã.