Durante seu primeiro ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro assumiu uma agenda contra os direitos humanos, adotando medidas que colocariam em maior risco populações já vulneráveis. Os tribunais e o Congresso impediram algumas dessas políticas.
O governo de Bolsonaro apresentou um projeto de lei que permitiria que policiais condenados por homicídios escapassem da prisão. Suas políticas ambientais na prática deram carta branca às redes criminosas que praticam extração ilegal de madeira na Amazônia e usam intimidação e violência contra povos indígenas, comunidades locais e servidores de agências ambientais que tentam defender a floresta.
Segurança pública e conduta policial
O número de mortes violentas caiu 11% em 2018, mas os altos níveis de criminalidade continuam sendo um problema em todo o país. Os abusos policiais dificultam o combate à criminalidade porque desencorajam as comunidades a denunciarem crimes ou a cooperarem com as investigações. Esses abusos contribuem para um ciclo de violência que prejudica a segurança pública e põe em risco a vida da população em geral e dos próprios policiais. Em 2018, 343 policiais foram mortos, dois terços deles fora de serviço.
As mortes cometidas pela polícia aumentaram 20% em 2018, atingindo 6.220, segundo dados oficiais compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma organização sem fins lucrativos. Enquanto algumas das mortes provocadas por ação policial decorrem de legítima defesa, muitas outras resultam do uso ilegal da força. Em São Paulo, as mortes por policiais em serviço aumentaram 8% de janeiro a setembro de 2019. No Rio de Janeiro, a polícia matou 1.402 pessoas de janeiro a setembro, o maior número já registrado para esse período.
O presidente Bolsonaro tem incentivado a polícia a executar suspeitos. Os criminosos deveriam "morrer na rua igual baratas", disse ele em agosto. Seu governo encaminhou um projeto de lei ao Congresso que, segundo ele, era destinado aos policiais, para permitir que juízes suspendessem sentenças de pessoas condenadas por homicídio se tivessem agido por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção". O presidente Bolsonaro também anunciou que indultaria policiais condenados caso considerasse a condenação “injusta”.
No Rio de Janeiro, o governador tem encorajado a polícia a matar suspeitos armados. Três dias depois que Ágatha Félix, de 8 anos, foi morta por um policial durante uma operação em setembro, o governador mudou um sistema de bonificação que, de acordo com especialistas, contribuiu com a redução dos índices de violência policial. Sob as novas regras, os policiais não serão mais recompensados quando as mortes causadas por ação policial caírem.
Em São Paulo, o Ministério Público interpôs uma ação civil pública contra o governo do estado para forçá-lo a reduzir as mortes cometidas por policiais e a instalar câmeras e outras tecnologias para ajudar a investigar a má conduta policial.
Uma lei de 2017 transferiu dos tribunais civis à Justiça Militar o julgament0 de membros das forças armadas acusados de cometerem execuções extrajudiciais, em violação às normas internacionais. Menos de um mês após a promulgação da lei, oito civis foram mortos durante uma operação conjunta da polícia civil e do exército no Rio de Janeiro. O Ministério Público Militar arquivou a investigação em maio de 2019 sem ter entrevistado importantes testemunhas civis nem ter realizado perícia da área de onde os tiros foram disparados.
Em abril, soldados do exército abriram fogo contra uma família em um carro no Rio de Janeiro, matando um homem e ferindo outro. O comando militar disse inicialmente que os soldados responderam a tiros de criminosos, mas depois admitiu "inconsistências" nas declarações dos soldados. A polícia não encontrou armas no carro. Os próprios militares estão investigando o caso.
Condições carcerárias, tortura e maus tratos a detentos
Até 1º de outubro, mais de 830.000 adultos estavam presos nas instalações prisionais brasileiras, mais de 40% deles aguardavam julgamento, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em junho de 2017, o número de presos já excedia a capacidade máxima das instalações prisionais em 70%, de acordo com os dados mais recentes.
A superlotação e a falta de pessoal tornam impossível às autoridades prisionais manter o controle em muitas prisões, deixando os presos vulneráveis à violência e ao recrutamento por facções criminosas. Detentos mataram 117 outros presos em cinco prisões dos estados do Amazonas e do Pará em menos de três meses em 2019.
Em agosto, a impressa relatou que ninguém havia sido julgado pelas mortes de quase 300 detentos nos últimos três anos.
Em 2018, várias decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e uma nova lei determinaram a prisão domiciliar em vez de prisão preventiva para mulheres grávidas, mães de pessoas com deficiência e mães de crianças menores de 12 anos, exceto as acusadas de crimes violentos ou de crimes contra seus dependentes. No entanto, dados oficiais revelaram que em julho de 2019 mais de 5.100 mulheres com direito a prisão domiciliar, 310 delas grávidas, ainda aguardavam julgamento atrás das grades.
Uma resolução do CNJ determinou que, até maio de 2016, todos os detidos tivessem, dentro de 24 horas da prisão, uma audiência para avaliar se deveriam permanecer encarcerados ou se deveriam aguardar o julgamento em liberdade. Até setembro de 2019, pelo menos sete estados ainda não realizavam as chamadas "audiências de custódia" em todo o seu território, segundo o CNJ. Sem essas audiências, os presos chegam a esperar meses na prisão antes de ver um juiz.
Um estudo de 2019 do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) em 13 cidades do Brasil revelou que um quarto dos presoss relataram, em audiências de custódia, maltratos pela polícia.
No Pará, o Ministério Público Federal informou em setembro ter recebido evidências de que a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) enviada pelo governo Bolsonaro às prisões naquele estado estava maltratando e torturando os presos. Um juiz federal ordenou a destituição do coordenador da FTIP.
O governo Bolsonaro obstruiu inicialmente uma visita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, um órgão de peritos estabelecido por lei para combater a tortura, ao sistema carcerário do estado do Ceará. Quando o mecanismo finalmente pôde realizar a visita, encontrou “indícios de práticas de tortura generalizada”. Em junho, o presidente Bolsonaro editou um decreto exonerando os peritos e eliminando a remuneração para futuros membros do mecanismo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) declarou que o decreto violava direitos fundamentais e solicitou ao STF que declarasse a sua inconstitucionalidade. Em agosto, um juiz federal suspendeu liminarmente o decreto.
Em junho, o presidente Bolsonaro sancionou projeto de lei que permite a internação compulsória, sem autorização judicial, de dependentes químicos em instituições de tratamento.
Direitos das crianças
A superlotação, os maus-tratos e a falta de acesso à educação e à saúde continuam sendo problemas crônicos em unidades do sistema socioeducativo para crianças e adolescentes em conflito com a lei.
No estado do Espírito Santo, em novembro de 2018, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura encontrou 10 adolescentes mantidos em alojamentos com capacidade para apenas um. Em maio de 2019, o STF encontrou superlotação severa em quatro estados e ordenou sua redução. Em junho, o Comitê Estadual de Prevenção e de Combate à Tortura do estado do Piauí informou que adolescentes detidos tinham sido espancados e sofrido outros abusos.
Até junho de 2019, as unidades socioeducativas no Brasil acolhiam mais de 21.000 crianças e adolescentes.
O presidente Bolsonaro tem tentado impedir que crianças no Brasil tenham acesso a uma educação sexual integral. Ele ordenou que o Ministério da Saúde retirasse de circulação uma cartilha de saúde para adolescentes sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis, porque ele se opunha às suas imagens.
Ele também ordenou que o Ministério da Educação elaborasse um projeto de lei proibindo o que ele chama de "ideologia de gênero" nas escolas. O governador do estado deSão Paulo ordenou a remoção de 330.000 apostilas que explicam conceitos como orientação sexual e a identidade de gênero nas escolas públicas porque, segundo o governador, elas promoviam a “ideologia de gênero”. Em setembro, um juiz determinou que as apostilas fossem devolvidas às escolas.
Orientação sexual e identidade de gênero
O presidente Bolsonaro fez declarações homofóbicas e buscou restringir os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT).
Em abril, o presidente Bolsonaro disse que o Brasil não deveria se tornar um "paraíso do turismo gay" e, em agosto, disse que as famílias são apenas aquelas constituidas por um homem e uma mulher. Em setembro, o STF reafirmou que as uniões homoafetivas constituem entidade familiar.
O governo Bolsonaro suspendeu o financiamento público de quatro filmes que tratavam de questões LGBT. O prefeito do Rio de Janeiro mandou recolher uma revista em quadrinhos que mostrava um beijo entre dois homens. O STF considerou ilegal a medida do prefeito.
Em janeiro, Jean Wyllys, um defensor dos direitos LGBT que havia recebido ameaças de morte, desistiu de seu mandato como deputado federal, temendo por sua vida. Ele foi substituído por David Miranda que, como Wyllys, é abertamente gay e também relatou ter recebido ameaças de morte.
Direitos das mulheres e meninas
O Brasil fez importantes avanços no combate à violência doméstica com a adoção da lei “Maria da Penha” em 2006, mas ainda não a implementou de forma adequada. Apenas 8% dos municípios brasileiros possuíam delegacias da mulher e cerca de 2% deles contavam com abrigos para mulheres em 2018. Um milhão de casos de violência doméstica aguardavam julgamento em 2018, incluindo 4.400 feminicídios, definidos pela lei brasileira como o homicídio de mulheres "por razões da condição de sexo feminino".
O aborto é legal no Brasil apenas em casos de estupro, quando necessário para salvar a vida da mulher ou quando o feto sofre de anencefalia, uma condição cerebral congênita fatal. A organização não-governamental Artigo 19 entrou em contato com os hospitais indicados pelo governo para o procedimento de aborto legal em 2019 e descobriu que a maioria, na verdade, não o realizava.
Mulheres e meninas que fazem abortos clandestinos não apenas correm o risco de lesões e de morte, mas podem estar sujeitas a penas de até três anos de prisão; e as pessoas condenadas por realizarem abortos ilegais podem pegar até quatro anos de prisão.
Um surto do vírus Zika entre 2015 e 2016 foi particularmente prejudicial para mulheres e meninas. Quando uma mulher grávida é infectada, o Zika pode causar complicações no desenvolvimento fetal, inclusive no cérebro. Em setembro, o governo editou uma medida provisória estabelecendo uma pensão vitalícia para crianças de famílias de baixa renda afetadas pelo Zika que concordarem em desistir de ações judiciais contra o Estado relativas à doença.
Em julho, o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução dando aos médicos o poder de realizar intervenções em mulheres grávidas sem seu consentimento, mesmo que não exista risco iminente de morte. O Ministério Público Federal argumentou que a regra pode levar a desnecessários procedimentos de cesariana e a intervenções não recomendadas pela Organização Mundial de Saúde quando realizadas de maneira rotineira, como a episiotomia.
Liberdades de expressão e de associação
O presidente Bolsonaro atacou repetidamente organizações da sociedade civil e a mídia independente.
Em janeiro, o governo restringiu o acesso do público a informações do governo, mas o Congresso revogou o decreto.
O presidente Bolsonaro fez ataques verbais a meios de comunicação e repórteres cuja cobertura não o agradou. Depois do destaque recebido pelo presidente, esses repórteres frequentemente sofreram assédio virtual. Em setembro, o governo instou o Ministério Público a abrir uma investigação criminal contra um site de notícias por conta da publicação de uma matéria que apresentava as recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre aborto seguro.
O governo Bolsonaro tem sido abertamente hostil às organizações não-governamentais (ONGs), particularmente aquelas que defendem o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas. Em janeiro, o governo conferiu à Secretaria de Governo o poder de "supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar" ONGs, mas o Congresso revogou esse poder.
O governo Bolsonaro extinguiu a maioria dos conselhos federais, comitês e grupos de trabalho, muitos dos quais tinham a participação de representantes da sociedade civil, e reduziu a representação de ONGs em comitês que não foram extintos.
Direitos das pessoas com deficiência
Milhares de pessoas com deficiência, incluindo crianças e bebês, estão desnecessariamente confinadas em instituições, onde podem enfrentar negligência e abuso, às vezes por toda a vida. A pedido de um parente ou diretor de uma instituição, juízes podem privar as pessoas com deficiência de seu direito de tomar decisões por elas mesmas. As pessoas privadas desse direito só podem deixar as instituições com o consentimento de seus responsáveis, um requisito que viola a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio
Milhares de venezuelanos atravessaram a fronteira para o Brasil fugindo da fome, da falta de cuidados básicos de saúde ou da perseguição política. Dados do governo mostram que, em setembro, mais de 224.000 venezuelanos viviam no Brasil, dos quais mais da metade havia solicitado refúgio.
Em junho, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) reconheceu que existe na Venezuela uma "grave e generalizada violação dos direitos humanos", uma declaração com implicações legais possibilitando mais agilidade na concessão do refúgio.
Em julho, o governo Bolsonaro editou uma portaria que permite às autoridades impedirem o ingresso no país ou deportar sumariamente qualquer pessoa considerada "perigosa" ou que tenha violado "os princípios e objetivos da Constituição". Após críticas, o governo modificou em outubro algumas das disposições, mas manteve a possibilidade de deportar estrangeiros quando há "razões sérias" para acreditar que são "perigosos".
Meio ambiente
Redes criminosas que impulsionam em grande parte a extração ilegal de madeira na Amazônia continuaram ameaçando e mesmo matando indígenas, moradores de comunidades locais e agentes públicos que defendem a floresta.
Na prática, o governo Bolsonaro deu carta branca a essas redes ao cortar recursos e minar o poder das agências ambientais. Dados preliminares mostram que de janeiro a outubro, o desmatamento na Amazônia aumentou em mais de 80% em comparação com o mesmo período de 2018.
O Conselho Missionário Indigenista (CIMI), uma organização sem fins lucrativos, relatou 160 casos de extração ilegal de madeira, invasões e outras infrações nos territórios indígenas de janeiro a setembro. Em novembro, Paulo Paulino Guajajara, um defensor da floresta, foi assassinado.
De janeiro a 3 de outubro, o governo Bolsonaro havia aprovado 382 novos agrotóxicos, muitos deles restritos ou proibidos nos Estados Unidos e na Europa por sua toxicidade. Em julho, o governo estabeleceu o risco de morte como o único critério para classificar um agrotóxico como “extremamente tóxico”. Uma pesquisa da Human Rights Watch revelou que o governo não monitora adequadamente a exposição a agrotóxicos e a presença de resíduos de agrotóxicos na água e nos alimentos.
Enfrentando os abusos da ditadura
Os autores de violações de direitos humanos durante a ditadura de 1964 a 1985 estão protegidos da justiça por uma lei de anistia de 1979. A lei foi confirmada pelo STF em 2010, em uma decisão que a Corte Interamericana de Direitos Humanos entendeu como uma violação das obrigações do Brasil sob o direito internacional.
Desde 2010, procuradores federais denunciaram cerca de 60 ex-agentes da ditadura militar por assassinatos, sequestros e outros crimes graves. Os tribunais de instâncias inferiores rejeitaram a maioria dos casos, citando a lei de anistia ou o prazo de prescrição. Alguns desses casos aguardam julgamento do STF. Em agosto, uma corte federal aceitou pela primeira vez uma denúncia contra um agente do regime militar em um caso de estupro.
O presidente Bolsonaro elogiou as ditaduras no Brasil e em outros países da América do Sul, e chamou um torturador condenado na justiça de "herói nacional". Ele negou que a jornalista Miriam Leitão tenha sido torturada pelos militares e que Fernando Santa Cruz, pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tenha sido morto pelo regime, mas não mostrou provas das suas alegações.
O governo Bolsonaro nomeou aliados, alguns dos quais já defenderam publicamente a ditadura, para duas comissões, uma que examina pedidos de indenização a vítimas da ditadura e outra que procura os corpos dos desaparecidos. De janeiro a setembro, a Comissão de Anistia rejeitou 92% dos pedidos de reparação.
Principais atores internacionais
A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet, alertou em setembro que "o discurso público dá legitimidade a execuções sumárias" pela polícia no Brasil e pode "aumentar a impunidade e reforçar a mensagem de que os agentes do Estado estão acima da lei". Ela também criticou “um encolhimento do espaço cívico e democrático”. O presidente Bolsonaro respondeu a Bachelet elogiando a “coragem” da ditadura chilena de combater “entre esses comunistas o seu pai, brigadeiro à época”. Alberto Bachelet foi torturado e morreu sob custódia.
O relator da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos, em junho, considerou as promessas do presidente Bolsonaro de acabar com a demarcação de territórios indígenas e enfraquecer os mecanismos de proteção ambiental como "passos míopes na direção errada".
O Subcomitê das Nações Unidas para Prevenção da Tortura fez um apelo para que o presidente Bolsonaro revogue o decreto que "enfraqueceu severamente" o Mecanismo Nacional de Combate à Tortura e criticou o governador de São Paulo por vetar a criação de um mecanismo estadual de combate à tortura.
Política externa
O governo Bolsonaro orientou seus diplomatas a defenderem que a palavra “gênero” significa “sexo biológico: masculino ou feminino”. Em julho, o governo criticou uma resolução da ONU sobre violência contra as mulheres por incluir uma referência a “acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos”, declarando que essa menção pode dar margem à “promoção do aborto”.