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Moçambique

Eventos de 2017

Buraco de bala no pára-brisa de um autocarro que combatentes da Renamo atacaram quando viajava na principal estrada norte-sul na região de Gorongosa. 

2016 John Wessels /AFP/Getty Images

Um cessar-fogo em Dezembro de 2016 pôs termo aos confrontos armados entre o governo e o antigo grupo rebelde e atual partido político Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO). No entanto, membros das forças de segurança do governo e de grupos armados ligados à RENAMO continuaram impunes aos abusos cometidos durante os confrontos armados que começaram no final de 2014, incluindo assassinatos, desaparecimentos forçados, sequestros, detenções arbitrárias e destruição de bens.

O país também sofreu uma crise económica, principalmente devido à divulgação da dívida das empresas estatais a bancos estrangeiros, o que levou os doadores a congelar as suas contribuições para o Orçamento de Estado. As autoridades não moveram qualquer ação judicial contra os oficiais do governo envolvidos no escândalo da dívida, apesar de uma auditoria internacional que detalhou as transações realizadas e nomeou os indivíduos envolvidos no processo.

Impunidade e Assassinatos Por Resolver

As instituições responsáveis pela aplicação da lei moçambicana continuaram com a prática de não investigar diversos crimes graves. Os casos de 10 personalidades de alto nível, incluindo altos oficiais da oposição, procuradores estatais, e académicos proeminentes, que foram assassinados ou feridos em ataques com aparente motivação política em 2016, continuam por resolver. Da mesma forma, o governo não divulgou qualquer informação sobre os cerca de 15 corpos não identificados encontrados espalhados por baixo de uma ponte entre as províncias centrais de Manica e Sofala, em Maio de 2016. Uma comissão parlamentar criada em Junho de 2016 para investigar o caso, não publicou qualquer relatório sobre as suas conclusões, nem declarou em que altura terminaria o seu trabalho.

As autoridades também não investigaram os abusos de direitos humanos alegadamente cometidos pelas forças de defesa e segurança do governo em 2015 e 2016 durante os confrontos com homens armados da RENAMO, como desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e destruição de propriedade. Em 2016, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse que pelo menos 14 oficiais da RENAMO foram mortos ou sequestrados em todo o país no primeiro trimestre de 2016.

O principal grupo de direitos humanos de Moçambique, a Liga dos Direitos Humanos (LDH), disse que as forças de segurança do governo sequestraram e executaram sumariamente pelo menos 83 pessoas nas províncias de Manica, Sofala, Tete e Zambezia entre Novembro de 2015 e Dezembro de 2016.

Nos casos investigados pela Human Rights Watch, familiares das pessoas "desaparecidas" disseram que os oficiais do governo não lhes deram informações, apesar da forte evidência de que as forças de segurança haviam detido o seu familiar. As autoridades também não investigaram a destruição de casas e campos de cultivo pelas forças de defesa e segurança nas províncias de Manica e Sofala, nem indemnizaram os afetados.

Também não foram feitos progressos significativos na investigação de um grande escândalo financeiro que envolveu três empresas estatais que tomaram como empréstimo, ilegalmente, mais de 2 mil milhões de USD do Credit Suisse e VTB da Rússia em 2013 e 2014, sem aprovação parlamentar. O caso levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a suspender o seu programa moçambicano e os 14 doadores internacionais a congelar a ajuda ao orçamento anual, enquanto aguardam uma investigação e auditoria independente dos empréstimos. Em Junho, o procurador-geral publicou o relatório de auditoria conduzida pela Kroll, uma empresa de auditoria britânica, que detalhou as transações e os indivíduos envolvidos no processo, incluindo ex-ministros e ex-chefes do serviço de informação e segurança do Estado. Aquando desta redação, o governo havia afirmado que estava a investigar o caso, mas nenhuma pessoa referida no relatório foi formalmente acusada.

Abusos na Indústria de Mineração

Em Julho, vídeos partilhados nas redes sociais pareciam mostrar oficiais das forças de defesa e segurança moçambicanas a atacar mineiros artesanais nas minas de rubi em Namanhumbir, Montepuez, província do Cabo Delgado, que são copropriedade da empresa britânica Gemfields e de ex-generais ligados ao partido no poder.

As gravações mostravam oficiais de uniforme a agredir os mineiros e a dar ordens para que alguns deles agredissem outros que estavam amarrados a árvores ou que tinham a cabeça enterrada na areia. Em reação aos vídeos, um porta-voz da polícia disse no dia 26 de Julho que os oficiais envolvidos estavam sob investigação, mas não forneceu mais detalhes. Em Agosto, a comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados, após uma missão na região de Montepuez, descobriu que as forças de segurança da região haviam cometido abusos contra mineiros, como assassinatos, espancamentos e extorsão. A comissão instou as autoridades a investigar a situação e a chamar os responsáveis a prestar contas.

Estes eventos seguiram-se aos relatos nos meios de comunicação social e de ativistas em Fevereiro de 2017 de que a polícia moçambicana havia espancado e violado alguns mineiros da Tanzânia durante a sua deportação por trabalharem ilegalmente no país. Moçambique negou as acusações e a Tanzânia disse que estava a investigar a forma como os seus cidadãos foram tratados.

Ataques a Crianças e Adultos com Albinismo

Os assassinatos, raptos e ataques físicos a pessoas com albinismo continuaram, apesar dos esforços do governo para pôr fim à violência, incluindo diversas detenções. Em Moçambique e em alguns países vizinhos, as pessoas com albinismo são caçadas por diversas partes do corpo, que são utilizadas para fins de feitiçaria.

Em Março de 2017, a Perita Independente das Nações Unidas para o gozo dos direitos humanos das pessoas com albinismo, Ikponwosa Ero, disse ao Conselho de Direitos Humanos da ONU que a situação das pessoas com albinismo em Moçambique “requer atenção urgente e imediata.” Ikponwosa Ero estimou que ocorreram mais de 100 ataques contra pessoas com albinismo em Moçambique desde 2014. Muitas das vítimas são crianças. Em Setembro de 2017, segundo a polícia, um rapaz de 17 anos com albinismo foi morto na província de Tete, tendo-lhe sido retirado o cérebro. Quatro meses antes, a polícia descobriu a tentativa de dois pais de vender o filho com albinismo na mesma província. Em Junho, a imprensa do Malawi denunciou que um rapaz malawiano de 12 anos com albinismo havia sido morto em Moçambique e que a polícia detivera cinco pessoas alegadamente relacionadas com o crime.

Orientação Sexual e Identidade de Género

Dois anos após a descriminalização da homossexualidade em Moçambique, o governo ainda não registou a maior associação lésbica, gay, bissexual e transgénero (LGBT) do país, a Lambda. A Lambda aguarda, desde Janeiro de 2016, que o governo faça uma declaração pública sobre a associação ou os direitos dos homossexuais no país, apesar dos constantes apelos do Conselho de Direitos Humanos da ONU para que o governo registe organizações não-governamentais que trabalham as questões de orientação sexual e identidade de género. A homossexualidade é amplamente tolerada em Moçambique, mas as pessoas LGBT e os ativistas locais apontam a existência de discriminação frequente no local de trabalho e de maus-tratos pelos familiares.

Condições de Prisão

A sobrelotação das prisões continuou a ser um enorme problema, com prisões que possuem capacidade total para pouco mais de 8000 pessoas a alojar mais de 18 000 reclusos. As autoridades atribuem a sobrelotação à lentidão dos processos judiciais, ao grande número de detenções ilegais e à falta de formas alternativas de punição por pequenos crimes. A procuradora-geral também expressou preocupação com a sobrelotação, que, segundo ela, atingiu o nível mais alto desde 2014.

Violência Doméstica

A violência doméstica esteve em destaque com dois casos de alto perfil a fazer manchetes. Em Dezembro de 2016, a filha do ex-presidente Armando Guebuza foi morta a tiro pelo marido durante uma disputa doméstica em casa. No final de Novembro, o caso aguardava julgamento. Em Fevereiro, a filha do ex-presidente Samora Machel ganhou um processo judicial contra o ex-namorado, que a agrediu com tal gravidade que levou a que perdesse um olho.  Em reação aos casos, a Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica disse que o governo muitas vezes não investiga nem processa casos de violência doméstica. De acordo com a associação, a pressão familiar e a obstrução policial levaram muitos casos a serem abandonados. A violência doméstica contra homens também fez manchetes em 2017, após pelo menos três mulheres, em casos separados, terem alegadamente tentado matar os maridos. Em reação aos casos, a polícia disse que, nos primeiros três meses do ano, registraram 210 casos de violência doméstica contra homens e mulheres.

Impacto da Crise Económica

A crise económica moçambicana teve um impacto significativo nas finanças do país, dificultando o proveito por parte dos habitantes dos seus direitos económicos e sociais básicos. As autoridades de saúde tiveram dificuldade em comprar medicamentos e, em março, a comunicação social denunciou a existência de uma falta temporária de medicamentos básicos, como paracetamol, em pelo menos três províncias: Inhambane, Manica e Zambezia. Em Junho, a comunicação social denunciou que, devido à crise financeira, os hospitais da província de Inhambane não tinham como alimentar os pacientes.

Atores Internacionais Fundamentais

Em Agosto, a União Europeia e os Estados Unidos felicitaram o presidente Filipe Nyusi e o líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, pelo primeiro encontro desde Fevereiro de 2015. Realizada no dia 6 de Agosto, a reunião elevou as expectativas de um possível acordo de paz até ao final de 2017, embora não tenha sido alcançado nenhum acordo. A UE encorajou os dois líderes a trabalhar no sentido de um acordo que permitisse que as eleições locais de 2018 e as eleições gerais de 2019 ocorressem num clima de paz.

Em setembro, os EUA prometeram 400 milhões de USD para combater o VIH-sida em Moçambique, como parte do Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da Sida (PEPFAR). Em Agosto, o FMI disse que não retomaria os seus programas de assistência em Moçambique até que as autoridades apresentassem toda a informação necessária sobre o dinheiro que as empresas estatais tomaram de empréstimo de bancos estrangeiros.