"Puseram-me no Buraco"

Detenção Militar, Tortura, e Processo Injusto em Cabinda

 

“Puseram-me no Buraco”

Detenção Militar, Tortura, e Processo Injusto em Cabinda

I. Glossário de Acrónimos
II. Sumário
III. Recomendações
Ao Presidente e Governo de Angola
IV. Metodologia
V. Antecedentes
VI. Pessoas Presas por Crimes de Segurança desde Setembro de 2007
1. Fernando Lelo e militares das FAA co-acusados
2. Pessoas Presas em Zonas Rurais
3. Antigos Membros das FLEC Presos na RDC e Cabinda
VII. Abusos das Forças Armadas Angolanas
Prisões Arbitrárias
Detenção Incomunicável
Tortura sob Detenção Militar
VIII. Tratamento nas Prisões Civis
IX. Violações dos Direitos a um Processo Justo
Agradecimentos
Anexo: Reclusos na Prisão de Yabi Acusados de Crimes de Segurança
Actuais Reclusos
Antigos Reclusos Conhecidos

 

I. Glossário de Acrónimos

ANR     Agence Nationale de Renseignement (serviços congoleses de inteligência)

FAA     Forças Armadas Angolanas

FCD     Fórum Cabindês do Diálogo

FLEC     Frente de Libertação do Enclave de Cabinda

FLEC-FAC     Frente de Libertação do Enclave de Cabinda – Forças Armadas Cabindesas

GOI     Grupo Operativo de Inteligência

MPLA     Movimento Popular de Libertação de Angola

OAA     Ordem dos Advogados de Angola

PIDCP     Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (International Covenant on Civil and Political Rights)

RDC     República Democrática do Congo

UNITA     União Nacional para a Independência Total de Angola

VOA     Voice of America (Voz da América)

 

II. Sumário

Pelo menos 38 pessoas que foram presas por militares angolanos e por elementos da segurança em Cabinda, o enclave de Angola rico em petróleo, desde Setembro de 2007 até Março de 2009, foram sujeitas a tortura e tratamento cruel ou desumano sob detenção militar eforam-lhes negados direitos básicos a um processo justo, assim como o direito a um julgamento justo. Os detidos são acusados pelas autoridades de envolvimento na oposição armada em Cabinda no contexto de uma rebelião separatista.

A intensidade do conflito tem diminuído em Cabinda devido a operações de contraguerrilha de grande escala, em 2002-2003, e o governo reivindica que o conflito terminou em 2006 quando um acordo de paz foi assinado com uma facção dos rebeldes da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC). Mas a luta pela independência continua por resolver e ataques esporádicos da guerrilha têm continuado.

Apesar da insistência do governo que a guerrilha separatista já não está activa, a sistemática detenção arbitrária e tortura de pessoas em Cabinda pelos militares sugere que o governo recorreu a meios ilegais para retaliar contra pessoas que entende terem simpatia pela FLEC. Militares angolanos e serviços de segurança mantêm uma presença forte no pequeno território e têm intimidado e perseguido pessoas que são vistas como tendo ideias dissidentes.

A Human Rights Watch já anteriormente reportou casos de intimidação pelo governo em Cabinda. Num relatório de Fevereiro de 2009 sobre as eleições legislativas de Setembro de 2008, a Human Rights Watch mostrou como o governo tem continuado a utilizar preocupações de segurança em Cabinda para justificar restrições à liberdade de expressão, associação e movimento, como prisões arbitrárias e julgamentos injustos. Em Dezembro de 2008, a Human Rights Watch chamou atenção para a utilização pelo governo de Angola de tortura e julgamentos injustos em casos de “crimes contra a segurança do Estado”, como foi o caso de 14 civis que foram arbitrariamente detidos e torturados sob detenção militar em Cabinda.

Este relatório dá sequência a esse trabalho com novos dados recolhidos em primeira mão no terreno, e mostra um padrão preocupante de violações dos direitos humanos durante a detenção antes do julgamento, de pessoas acusadas de crimes de segurança do Estado em Cabinda. Na maioria dos 38 casos que a Human Rights Watch investigou, os acusados de crimes de segurança sofreram prisão arbitrária, detenção incomunicável por longos períodos e interrogatórios sob tortura em detenção militar. Todos os 38 detidos foram mais tarde apresentados às autoridades civis e transferidos para uma prisão civil. Mas documentos dos processos judiciais mostram, em vários casos, que o direito a um processo justo foi violado.

Além de fornecer mais detalhes sobre o conhecido caso de Fernando Lelo, um antigo correspondente da Voz da América que foi condenado por crimes de segurança do Estado em Setembro de 2008, este relatório também recorda aqueles casos que atraíram muito menos atenção pública e que arriscam ser ignorados.

O governo de Angola devia adoptar imediatamente todas as medidas necessárias que garantam que as Forças Armadas Angolanas (FAA) agem de acordo com as obrigações a que Angola está sujeita ao abrigo das leis internacionais dos direitos humanos e das leis internacionais humanitárias. Particularmente, o governo devia garantir, de acordo com a lei angolana, que as forças armadas transferem prontamente indivíduos detidos por crimes de segurança para as autoridades civis competentes, que os padrões internacionais de detenção antes do julgamento são respeitados e que os julgamentos são realizados atempadamente e de maneira justa.

Os tribunais angolanos deviam também rever os processos contra reclusos actuais, ou contra antigos reclusos detidos por crimes de segurança do Estado, nos prazos estipulados, e depois libertá-los incondicionalmente ou voltar a julgar, de forma justa, indivíduos condenados em julgamentos que violaram os padrões básicos de justiça. O governo de Angola devia investigar alegações de sérias violações dos direitos humanos por militares e elementos dos serviços de segurança, e processar alegados autores.

De forma a prevenir mais abusos, o governo de Angola devia instaurar um inquérito independente e imparcial às violações dos direitos humanos alegadamente cometidas pelas Forças Armadas Angolanas e por elementos da segurança em Cabinda e criar mecanismos de indemnização das vítimas de tortura e detenção arbitrária.

III. Recomendações

Ao Presidente e Governo de Angola

  • Tomar medidas necessárias para assegurar que as Forças Armadas Angolanas agem de acordo com as obrigações de Angola ao abrigo das leis internacionais de direitos humanos e das leis internacionais humanitárias.
  • Garantir que pessoas detidas são prontamente apresentadas a magistrados independentes legalmente autorizados a exercer poder judicial, e que essas pessoas são mantidas em locais oficiais de detenção; que todos os detidos tenham acesso imediato e regular aos seus familiares e a aconselhamento jurídico, e que os processos criminais respeitam os padrões internacionais de julgamentos justos.
  • Garantir que confissões obtidas através de coerção, particularmente sob tortura, não são admitidas como prova contra arguidos em julgamento, e que os procuradores e juízes tenham independência para investigar actos de tortura e detenção ilegal, cometidos por qualquer ramo militar e dos serviços de segurança, livres de obstrução e interferência.
  • Libertar prisioneiros que foram condenados em julgamentos injustos ou julgá-los de novo, de acordo com os padrões internacionais de julgamentos justos.
  • Prestar apoio adequado, incluindo indemnização, a pessoas presas arbitrariamente, torturadas ou maltratadas em detenção.
  • Garantir que militares e agentes dos serviços de segurança que cometam actos de tortura contra pessoas sob sua custódia sejam devidamente disciplinados ou levados à justiça.
  • Permitir o escrutínio independente de locais de detenção onde detidos alegam ter sido mantidos ilegalmente e torturados pelas forças de segurança, incluindo locais de detenção no quartel geral do segundo comando regional das Forças Armadas Angolanas e em unidades militares em Cabinda.
  • Instaurar um inquérito independente e imparcial às violações dos direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas Angolanas e ramos dos serviços de segurança, incluindo sobre detenção arbitrárias por militares.
  • Ratificar a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e o seu Protocolo Opcional e ainda permitir visitas do Sub-comité do Protocolo de Prevenção da Tortura.

 

IV. Metodologia

Entre Março de 2008 e Março de 2009 uma pesquisadora da Human Rights Watch visitou três vezes a província de Cabinda (capital e município de Cacongo) e realizou entrevistas aí, em Luanda e noutros sítios. A pesquisadora entrevistou pessoalmente, por telefone ou email 60 pessoas, incluindo advogados, membros de grupos religiosos e organizações da sociedade civil, activistas, jornalistas, diplomatas e funcionários do governo, militares, polícias e funcionários do sistema judicial. Em Março de 2009, a pesquisadora também realizou entrevistas de grupo e individuais com 20 pessoas detidas na prisão do Yabi, em Cabinda, que tinham sido acusadas de “crimes contra a segurança do Estado” e crimes relacionados. As entrevistas com os reclusos foram realizadas livremente, sem interferência ou presença de funcionários do governo. Contudo, em Março de 2009 representantes do governo provincial e das forças armadas foram menos abertos a entrevistas da Human Rights Watch, do que tinham sido antes. Em resposta a pedidos oficiais de entrevista, a maioria afirmou estar indisponível. A pesquisadora também consultou documentação relativa aos processos judiciais. As iniciais dos reclusos cujos relatos são citados foram alteradas para não pôr em causa a sua segurança.

V. Antecedentes

O enclave angolano de Cabinda, com uma população estimada em 300,000 pessoas, é separado das outras 17 províncias do país por uma faixa da República Democrática do Congo (RDC). Produz metade do petróleo de Angola.

O movimento separatista armado FLEC, fundado em 1963, primeiro lutou pela independência contra contra o poder colonial português, e depois contra Angola quando Angola se tornou independente em 1975. Em 2002, com o fim da guerra civil em Angola entre o governo do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), e o principal movimento de oposição UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), as Forças Armadas Angolanas (FAA) re-colocaram cerca de 30,000 militares em Cabinda para acabarem com o a rebelião separatista. Este esforço militar levou à destruição das principais bases da FLEC no interior e enfraqueceu consideravelmente a capacidade militar da guerrilha.

Em 2004, a Human Rights Watch documentou violações dos direitos humanos em Cabinda no decurso dessas operações contra a rebelião armada, incluindo assassinatos extra-judiciais, detenção arbitrária, tortura e restrições excessivas de liberdade de movimento. De acordo com essa pesquisa, a maioria das violações dos direitos humanos foram cometidas impunemente pelas Forças Armadas.[1]Em 2004, o governo declarava que a guerra em Cabinda acabou, mas que o diálogo continuaria. Contudo, tentativas sucessivas de chegar a um acordo de paz formal com as diferentes facções da FLEC falharam, e ataques esporádicos dos rebeldes continuaram.

Em 2006, um Memorando de Entendimento (MDE) assinado pelo governo de Angola e por António Bento Bembe, o antigo líder da ala da FLEC Renovada e presidente do Fórum Cabindês do Diálogo (FCD), procurou acabar formalmente o conflito armado. O FCD tinha sido criado em 2004 como uma comissão conjunta de representantes das duas principais facções da FLEC—FLEC Renovada e FLEC-FAC—e ainda membros da sociedade civil e das igrejas, com o objectivo de facilitar negociações de paz com o governo. O MDE incluía uma amnistia, um plano de desmobilização e reintegração para antigos combatentes da FLEC, e a atribuição dum número de cargos no governo a antigos dirigentes da FLEC.[2]

O acordo de paz contudo, foi visto como pouco credível em Cabinda, porque a ala mais activa da FLEC, a FLEC-FAC, assim como outros membros do FCD, tinham sido excluídos das conversações, e nenhumas concessões políticas foram feitas aos separatistas. A rebelião armada tem continuado, mas desde 2006 o governo tem afirmado que a guerra em Cabinda terminou e tem atribuído contínuos ataques esporádicos a “bandidos”. A FLEC-FAC reivindicou responsabilidade de vários ataques armados que tiveram como alvo forças governamentais e trabalhadores estrangeiros de companhias privadas. A intensidade do conflito armado e o nível de violações graves dos direitos humanos têm diminuído desde 2004, mas a presença das FAA hoje continua proporcionalmente mais elevada em Cabinda do que em outra região de Angola, o que sugere uma contínua preocupação do governo em relação ao movimento separatista.

Apesar do acordo de paz em 2006, a liberdade de expressão e associação continua particularmente limitada em Cabinda. O governo tem utilizado razões de segurança do Estado para reprimir opositores e observadores pacíficos. No final de 2006 e no início de 2007, dois conhecidos activistas da sociedade civil foram presos por alegados crimes contra a segurança do Estado em Cabinda e foram mais tarde libertados, após pressão pública local e internacional, sem que tenham sido formalmente acusados.[3] Em Julho de 2006, o tribunal provincial extingiu a associação cívica de Cabinda, Mpalabanda, fundada em 2003, alegando que esta organização incitou à violência e agiu como um partido político reivindicando a independência de Cabinda. O novo bispo Católico, que tomou posse em Junho de 2006, dissolveu temporariamente a Comissão Justiça e Paz diocesana, que tinha sido fundamental na documentação de actos de violação dos direitos humanos desde 2002. Como resultado, desde 2006, organizações locais e internacionais têm tido dificuldade em obter informação independente do interior, que confirme alegações de abusos dos direitos humanos cometidos pelas FAA e pela FLEC.

 

VI. Pessoas Presas por Crimes de Segurança desde Setembro de 2007

Oficialmente, desde o MDE em 2006, O governo de Angola tem negado a continuação da existência de um movimento armado de guerrilha FLEC. Oficiais séniores das FAA e da polícia explicaram à Human Rights Watch em Março de 2008 que aquelas pessoas presas por crimes de segurança do Estado eram “bandidos que se opõem ao desenvolvimento,”[4] ou “pessoas que continuam a identificar-se com a FLEC, que procuram chamar atenção comprometendo a cooperação do governo com países e companhias.”[5] Bento Bembe—antigo líder da FLEC Renovada e líder do FDC e actual Ministro Sem Pasta—explicou à Human Rights Watch em Março de 2009 que “aquelas pessoas não podem ser da FLEC, porque eu represento a guerrilha.”[6] Contudo, os casos documentados neste relatório claramente contradizem esta afirmação, uma vez que muitas acusações nos casos referem-se a alegados envolvimentos em actos concretos de rebelião armada. Documentos dos processos judiciais muitas vezes referem-se explicitamente a alegada cooperação com a FLEC-FAC.

Entre Setembro de 2007 e Março de 2009, pelo menos 38 pessoas, incluindo seis membros das FAA (ver lista em anexo), foram presas por agentes militares e da segurança, por alegados “crimes contra a segurança do Estado”, incluindo rebelião armada e sabotagem, e outros crimes relacionados com acções armadas da FLEC em Cabinda, tais como homicídio, posse ilegal de armas e deserção. A lei angolana sobre crimes contra a segurança do Estado, de 1978, que permite até 215 dias de detenção antes do julgamento,[7] inclui um número bastante vasto e ambíguo de infracções: “Todo e qualquer acto, não previsto na lei, que ponha em perigo ou possa pôr em perigo a segurança do Estado...”[8]

Todos 38 reclusos foram inicialmente mantidos sob detenção militar por longos períodos—de 26 dias a seis meses—antes de serem transferidos para a prisão civil de Yabi em Cabinda e apresentados ao procurador, para serem formalmente acusados, ou levados a comparecer perante um juíz.[9] Até ao momento, já se realizaram dois julgamentos, daí resultando que sete pessoas foram condenadas e quatro foram absolvidas.

Os 38 indivíduos presos e alvo das acusações podem ser agrupados sensivelmente em três categorias:

1. Fernando Lelo e militares das FAA co-acusados

Em Setembro de 2007 as Forças Armadas Angolanas prenderam seis militares das FAA: António Santos Nguimbi (soldado), Lourenço Ila Dembe (soldado), Alberto Suami (1º sargento), Alberto João Chimbinda (soldado), Basílio Muanda (1º cabo), e Custódio Nguimbi Sumbo (1º sargento). A sua prisão conduziu à prisão a 15 de Novembro de 2007 do antigo jornalista da Voz da América (VOA) José Fernando Lelo, por militares angolanos, no seu local de trabalho no acampamento petrolífero de Malongo.

Todos estes homens foram mais tarde acusados de organização ou execução de três ataques armados entre Dezembro de 2006 e Julho de 2007; os elementos das FAA foram ainda acusados de crimes militares tais como deserção.[10] Lelo e os seis foram levados a tribunal perante o tribunal militar de Cabinda de 5 de Maio a 11 de Junho de 2008 e condenados no dia 16 de Setembro de 2008. Lelo foi condenado a 12 anos de cadeia. Cinco dos co-acusados foram condenados a 13 anos de cadeia. Custódio Nguimbi Sumbo foi absolvido. Lelo e os cinco militares condenados encontram-se actualmente presos na prisão de Yabi, em Cabinda, que a Human Rights Watch visitou, enquanto o apelo ao Tribunal Militar Supremo contra a sua condenação continua pendente.

A Human Rights Watch e outras organizações acreditam que Lelo foi alvo de prisão e condenação principalmente como resultado de opiniões que expressou como jornalista da VOA até Dezembro de 2006, que foram vistas como críticas ao governo de Angola e ao Memorando de Entendimento de 2006.[11]

2. Pessoas Presas em Zonas Rurais

A maioria das pessoas presas e acusadas de crimes de segurança entre Janeiro de 2008 e Março de 2009 eram residentes de aldeias no interior de Cabinda. A maioria foi presa em grupos, durante rusgas militares, que se seguiram a ataques armados atribuídos ao movimento separatista de geurrilha FLEC, nos municípios de Buco Zau e Cacongo.[12]

Até ao momento, só cinco daqueles presosJoão Mateus Luemba, Elias Menos, Garcia David António, António Zau, e Natalício Mbatchiforam julgados pelo tribunal provincial civil de 24 de Março a 22 de Abril de 2009. No dia 7 de Maio, o juíz absolveu quatro dos acusados por falta de provas e condenou Mbatchi a 18 meses de prisão por posse ilegal de armas. Todos cinco tinham sido presos em Janeiro de 2008, mais de um ano antes, e acusados de “crimes contra a segurança do Estado” e crimes relacionados. Na altura, todos foram libertados, incluindo Mbatchi, que já tinha passado 17 meses em detenção antes do julgamento.

Activistas locais dos direitos humanos disseram à Human Rights Watch que mais pessoas foram presas durante rusgas militares em aldeias e foram mais tarde libertadas de detenção militar sem terem sido acusadas e apresentados ao procurador.[13]

 

3. Antigos Membros das FLEC Presos na RDC e Cabinda

Sete reclusos na prisão de Yabi entrevistados pela Human Rights Watch confirmaram que tinham sido membros da FLEC. Cinco tinham estado a viver na República Democrática do Congo (RDC) desde 2005 e 2006. Eles disseram que desde então já não eram membros da FLEC. Eles foram detidos em diferentes locais na RDC em Outubro de 2008 pelos serviços congoleses da Agence Nacionale de Renseignement (ANR), e mais tarde transferidos para Angola. Dois antigos membros da FLEC foram também detidos em Cabinda, em Dinge (Cacongo) e na cidade de Cabinda no mesmo mês. Eles alegaram ainda não terem sido formalmente acusados de qualquer crime.

A Human Rights Watch também entrevistou dois refugiados registados de Cabinda, incluindo um antigo membro da FLEC agora a viver em Lisboa, Portugal, e o actual correspondente da Voz da América em Kinshasa; ambos alegam terem sido ameaçados de prisão e transferência para Angola nos inícios de 2008 e 2009, respectivamente.[14] Estas descrições em primeira mão e outros relatos recebidos pela Human Rights Watch sugerem um padrão mais amplo de prisões de cabindenses na RDC a pedido das autoridades angolanas.

VII. Abusos das Forças Armadas Angolanas

Este capítulo detalha importantes violações dos direitos humanos cometidas pelas Forças Armadas Angolanas contra pessoas detidas por “crimes contra a segurança do Estado” e crimes relacionados, desde Setembro de 2007.

Prisões Arbitrárias

Os 20 reclusos entrevistados na prisão de Yabi e os advogados destes, assim como de outros reclusos, contaram à Human Rights Watch que todos foram presos sem mandados judiciais, a maioria deles por militares. De acordo com a lei angolana é permitido prender pessoas sem mandado judicial quando as pessoas são detidas em flagrante delito, mas essas detenções têm de ser confirmadas pelo procurador no mesmo dia da detenção, ou no prazo máximo de cinco dias, caso não se consiga ter acesso imediato a um magistrado competente.[15] Em Angola este prazo limite é muitas vezes ultrapassado, tal como o próprio procurador provincial admitiu à Human Rights Watch.[16]

De acordo com os reclusos , advogados e defensores oficiosos, nenhum deles foi preso em situações de combate ou na posse de armas alegadamente usadas em ataques da guerrilha, e os detidos também não foram apresentados a qualquer magistrado autorizado imediatamente após a sua detenção, tal como estipula a lei. No caso de Lelo foi-lhe mostrado, no seu local de trabalho em Cabinda, um mandado sem o nome da entidade emissora, e foi levado algemado para a secção militar da prisão de São Paulo, em Luanda, onde ficou detido mais de três meses antes de ser transferido de volta para Cabinda, no dia 30 de Março de 2008. A maioria dos detidos presos nas aldeias disse que foram presos após um ataque da guerrilha que tinha ocorrido perto das suas aldeias ou a algumas aldeias de distância. Além disso, vários reclusos disseram à Human Rights Watch que foram presos quando se apresentaram às autoridades, ou porque tinham ouvido dizer que um comandante militar andava à sua procura nas suas casas, porque procuravam saber informações sobre um familiar preso, ou, como no caso dos três antigos membros da FLEC na RDC, porque comunicaram formalmente às autoridades congolesas a sua intenção de regressar a Cabinda.

Detenção Incomunicável

Todos reclusos disseram à Human Rights Watch que foram mantidos incomunicáveis sob detenção militar por muito tempo—em vários casos, por mais de 35 dias e em certos casos até 50 dias—antes de serem presentes ao procurador e à polícia de investigação criminal, e mais tarde levados para a prisão de Yabi. Sob detenção militar, não tiveram acesso a aconselhamento jurídico nem a contacto com os seus familiares. Apenas Fernando Lelo teve acesso a um advogado, cinco dias após a sua detenção.

Membros das FAA co-acusados com Lelo (mas detidos antes dele) foram mantidos sob detenção militar sem comunicação até seis meses, em Cabinda e em Luanda, sem acesso a aconselhamento jurídico, até serem transferidos para Cabinda no dia 30 de Março de 2008, levados para a prisão de Yabi, e apresentados ao procurador público de Cabinda.[17]

Aqueles que foram detidos em zonas rurais disseram à Human Rights Watch que primeiro foram mantidos em diferentes unidades militares e no quartel geral das FAA em Cabinda, antes de mais tarde serem presentes ao procurador.[18]

Os indivíduos detidos na RDC por agentes dos serviços de segurança congoleses disseram que primeiro foram enviados para a capital, Luanda e aí mantidos em locais desconhecidos, antes de serem transferidos directamente para o quartel geral das FAA em Cabinda, onde ficaram mais de três semanas até serem apresentados ao procurador e finalmente levados para prisão de Yabi.[19]

De acordo com a lei angolana, a detenção incomunicável é permitida até o procurador interrogar o detido. Isto deve ocorrer no mesmo dia ou num período máximo de cinco dias. A detenção sem comunicação pode ser prolongada após esse primeiro interrogatório—no caso de crimes de segurança nacional no máximo até 10 dias—mas apenas se autorizada pelo procurador.[20]

A detenção incomunicável prolongada viola os direitos humanos fundamentais relativos ao tratamento humano e acesso a advogado, tal como estipulado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que Angola ratificou em 1992.[21] A Comissão dos Direitos Humanos da ONU tem afirmado repetidamente que a detenção incomunicável devia ser proibida.[22] Além disso, a prática de Angola é contrária aos padrões mínimos internacionais de detenção tal como estipulado pela ONU nas Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos.[23]

Tortura sob Detenção Militar

Muitos reclusos disseram à Human Rights Watch que oficiais militares e soldados sob seu comando torturaram-nos para forçá-los a incriminarem-se a si mesmos e a outros. Outros disseram que foram ameaçados de morte a menos que “dissessem a verdade”. Nas unidades militares, alguns foram forçados a assinar cartas de confissão de culpa enquanto lhes apontavam uma arma, antes de serem transferidos para o quartel geral das FAA, na cidade de Cabinda.

Todos reclusos entrevistados pela Human Rights Watch especificaram onde e como foram torturados. Várias práticas de tortura e de tratamento degradante descritas à Human Rights Watch em Março de 2009 correspondem a práticas documentadas pela Human Rights Watch em 2003—um período em que o conflito armado em Cabinda foi mais intenso.[24] Uma pesquisadora da Human Rights Watch notou que a maioria dos reclusos tinha cicatrizes visíveis nos braços e cotovelos, condizente com a sua descrição dos seus braços terem sido amarrados com cordas atrás das costas.

Um dos defensores oficiosos dos membros das FAA condenados em conjunto com Lelo em 2008 disse à Human Rights Watch que os seus clientes foram sujeitos a tortura e tratamento desumano—incluindo simulação de execuções, ferimentos graves com armas de fogo, agressões físicas com vários objectos, e humilhação pública de parentes—em várias unidades militares das FAA. Um soldado perdeu uma perna como resultado dos ferimentos sofridos em detenção militar.[25] Lelo foi o único detido entrevistado pela Human Rights Watch que disse não ter sido fisicamente maltratado.

Três outros reclusos descreveram à Human Rights Watch a forma como foram tratados pelos militares:

Eu dormí na esquadra da polícia e na manhã seguinte as FAA vieram buscar-me, e um comandante da segurança militar levou-me para a unidade militar de Loma. Aí os soldados amarraram os meus braços com cordas atrás das costas e bateram-me, gritando ‘porque tu és da FLEC’, ‘porque atacaste um carro duma empresa e mataste um trabalhador’, ‘tu és o cabecilha do grupo’. Sangrei muito. Eles levaram-me amarrado para a unidade militar de Caio e puseram-me num buraco cheio de água. Fiquei aí 19 dias, depois transferiram-me de volta para Loma onde fui levado perante um grupo de militares de alta patente. Eu insistí que era inocente. Depois puseram-me de novo no ‘buraco’ no Caio onde fiquei mais nove dias.[26]
Bateram-me, apertaram os meus testículos e a minha língua com uma pinça, avisando-me para ‘dizer a verdade’. Eu chorei de dor. Chamaram um enfermeiro para me dar uma ‘pica’. O comandante Lacrau então perguntou, ‘Diz-nos quantas armas te deu o coordenador para atacar aquele carro.’[27]
Na aldeia os militares amarraram os nossos braços com cordões das botas, despiram-nos as camisas e bateram-nos. Vomitei sangue. Eles revistaram a aldeia à procura de armas e munições mas não encontraram nada. Fomos levados para a unidade militar de Necuto onde nos despiram totalmente e amarraram os meus testículos a um morteiro. Depois levaram-nos para a unidade militar em Loma, Buco Zau. Aí, o comandante militar, Lacrau, acusou-me de ter levado armas da cidade para a aldeia. Ele deu uma arma e um balde a um guarda e disse-lhe para cavar uma sepultura e executar-me. Depois dispararou um tiro no ar e disse ao guarda para me trancar na latrina e dizer aos outros que foram presos comigo que eu estava morto, e que o mesmo lhes aconteceria se eles não dissessem a verdade...Durante a noite elementos da contra-inteligência militar espancaram-nos. Ameaçaram-nos com pistolas e facas a ‘dizer a verdade’. Começámos a falar a toa. A porrada era demais. Mais tarde fomos transportados por agentes da segurança e dois militares num Land Cruiser civil para a unidade militar em Dinge. Aí eles gritaram para nós, ‘Vocês são da FLEC.’ Chicotearam-nos e espancaram-nos com coronhas de armas e queimaram os nossos testículos com cigarros.[28]

Reclusos contaram à Human Rights Watch que mais tarde foram detidos por diversos períodos de tempo em condições desumanas no quartel geral das FAA em Cabinda, numa cela sem janelas, suja e escura, sem condições sanitárias e que enche de água quando chove. Este sítio é temido e conhecido em Cabinda como “o buraco”. Em Março de 2008, o porta-voz das FAA em Cabinda negou à Human Rights Watch a existência de tal prisão.[29] Alguns reclusos contaram que conheceram militares ali detidos por infracções disciplinares internas. A maioria queixava-se que lhes tinham impedido de se lavarem por 17 dias e de defecar por períodos até de cinco dias. Um dos defensores oficiosos dos seis membros das FAA co-acusados com Lelo, disse à Human Rights Watch que os seus clientes estiveram algemados durante três meses no “buraco”, onde foram espancados e muitas vezes lhes foi negada comida.[30] Outro advogado de defesa contou à Human Rights Watch que o seu cliente foi chicoteado no quartel geral das FAA até perder os sentidos.[31]

Antigos membros da FLEC presos em Outubro de 2008 na RDC e transferidos para Angola disseram à Human Rights Watch que foram mantidos no “buraco” por muito tempo—entre 25 e 30 dias—onde foram ameaçados de execução, espancados, e pontapeados por oficiais identificados apenas por pseudónimos—“Coronel Walter,” “Major Cafundinho”—e diversos militares não identificados, incluindo agentes da polícia militar do quartel geral das FAA. Um antigo membro da FLEC preso em Cabinda descreveu o seguinte:

Os elementos da polícia militar que me prenderam ameçaram balear-me, amarraram-me com cordões de botas e levaram-me para o quartel geral do segundo comando regional das FAA. Aí, o “Major Kafumbira” espancou-me com bastões metálicos e coronhas de arma, e berrou: “Dispam as roupas! Vamos matar-vos!” Tiraram o meu dinheiro e ordenaram-me que dissesse o nome de todas as pessoas com que eu trabalho, se eu conhecia elementos da guerrilha na mata, e porque razão eu tinha vindo à cidade. Saíu sangue dos meus ouvidos.[32]

 

O representante local da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) disse à Human Rights Watch que 10 pessoas detidas no dia 26 de Março de 2009 na aldeia de Liambo-Lione (município de Cacongo) alegaram que foram violentamente espancadas por pessoal militar dentro do quartel geral das FAA. Apenas cinco dos homens—após 26 dias de detenção incomunicável foram presentes ao procurador. Os outros cinco, incluindo a mulher de um dos detidos, foram libertados directamente de detenção militar, após cinco dias.[33]

De acordo com a lei angolana, apenas o procurador tem o poder de interrogar detidos.[34] Contudo, reclusos e advogados entrevistados pela Human Rights Watch disseram que todos os interrogatórios foram feitos por oficiais da inteligência militar. Além do mais, oficiais militares a conduzir as sessões de interrogatório que envolviam tortura, na qual alguns participavam activamente, nunca se identicaram formalmente, seja pelo nome ou unidade a que pertenciam. Consequentemente, soldados e oficiais envolvidos na tortura de detidos são apenas conhecidos por pseudónimos ou nomes de guerra, os mais citados eram, “Coronel Fuchi,” “Coronel Walter,”[35] e “Major Cafundinho.” Alguns reclusos, advogados e outras pessoas contaram à Human Rights Watch que os oficiais pertencem a uma unidade chamada Grupo Operativo de Inteligência ou GOI, criada há alguns anos para coordenar as actividades de contra-guerrilha dos serviços angolanos de inteligência doméstica e militar em Cabinda.[36] A Human Rights Watch conseguiu apenas identificar o nome completo de um muito conhecido oficial militar superior, Coronel António José da Conceição Kambanda, de pseudónimo “Lacrau,” comandante do terceiro regimento de infantaria das FAA, que supervisionou a tortura de detidos em Buco Zau. Vários reclusos disseram à Human Rights Watch que alguns administradores locais e comandantes militares, assim como oficiais militares séniores tentaram intervir em nome de detidos que eles acreditavam estar inocentes, mas a sua intervenção foi rejeitada pelo Coronel “Lacrau.”

O procurador provincial e antigo procurador militar, António Nito, negou ter “qualquer conhecimento” de locais de detenção não oficiais, assim como de interrogatórios sob tortura em detenção militar, e questionou a credibilidade e exactidão dos relatos dos reclusos. Afirmou à Human Rights Watch: “Eles dizem qualquer coisa, mas isso não é suficiente. Eles têm de apresentar provas e apresentar queixa.”[37] Todavia, os relatos colhidos pela Human Rights Watch são notávelmente coerentes e sugerem um padrão sistemático de abusos cometidos pelos militares angolanos e pelos serviços de segurança.

A proibição da tortura é um princípio fundamental da lei internacional dos direitos humanos; a tortura é proibida a qualquer momento e em qualquer circunstância. Angola ainda não ratificou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que obriga os Estados a impedir e sancionar actos de tortura e outros maus tratos. O governo de Angola tem em diferentes ocasiões prometido ratificar o protocolo opcional da Convenção, que permite a monitoria internacional de instalações de detenção. Angola reiterou essa intenção nas suas promessas solenes feitas voluntariamente à Assembleia Geral das Nações Unidas em Maio de 2007[38] antes de Angola ser eleita membro do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas para 2007-2010.

Como membro das Nações Unidas, Angola concordou cumprir a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que proíbe todo o uso da tortura e outros maus tratos.[39] Angola é signatária do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, e ambas proíbem a detenção arbitrária e banem o uso da tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.[40] Além disso, Angola está sujeita a lei humanitária internacional, as leis da guerra. O artigo 3º comum às Convenções de Genebra de 1949, que se aplica a situações de conflitos armados internos, protege combatentes capturados e civis detidos contra a tortura e tratamento cruel, humilhante e degradante.

Para além disso, a constituição angolana, que está actualmente a ser revista no parlamento, declara que “Normas legais e constitucionais relativas a direitos fundamentais podem ser interpretadas e integradas harmonosiamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Carta Africana Dos Direitos do Homem e dos Povos e outros instrumentos internacionais de que Angola é signatária,” e que “Na apreciação dos litígios pelos tribunais angolanos aplicam-se esses instrumentos internacionais ainda que não sejam invocados pelas partes.”[41] Esses instrumentos internacionais obrigam legalmente Angola a pôr fim às detenções arbitrárias, tortura e maus tratos de detidos em Cabinda.

VIII. Tratamento nas Prisões Civis

 

Reclusos na prisão de Yabi contaram à Human Rights Watch que as condições de detenção nessa prisão recentemente construída, para onde todos foram finalmente levados, eram geralmente boas. Isso é menos verdade para o antigo jornalista da VOA Fernando Lelo, que disse à Human Rights Watch que só após vários meses de detenção foi autorizado a sair da sua cela e ir ao pátio da cadeia. “As minhas condições de detenção não são determinadas pelo director da prisão, mas por ordens dos seus superiores”, afirmou. “É como se estivesse numa prisão privada.”[42]

Contudo, vários reclusos na prisão de Yabi contaram à Human Rights Watch que após finalmente serem presentes perante o procurador e à polícia de investigação criminal, foram enviados para diferentes celas da “Cadeia Civil”, um centro de detenção de trânsito usado para militares e civis, incluindo imigrantes ilegais.[43] Alguns reclusos disseram à Human Rights Watch que foram “metidos à força por baixo dos assentos dos carros”, por oficiais que os transportaram de e para a Cadeia Civil.[44]

Outros descreveram à Human Rights Watch as condições desumanas naquela cadeia:

Nós ficámos 17 dias na ‘cela escura’ da Cadeia Civil. Tínhamos de fazer tudo ali—urinar, defecar, comer—mas não nos bateram. Após sermos presentes ao procurador, fomos levados de volta para o quartel geral das FAA, onde ficámos durante sete dias. Depois levaram-nos de novo para a Cadeia Civil, para a parte civil, por mais quatro dias.[45]
Um detido descreveu a sua estadia na Cadeia Civil como estando “apertado numa cela de não mais de quatro metros quadrados com outras 17 pessoas.”[46]
 

IX. Violações dos Direitos a um Processo Justo

A pesquisa da Human Rights Watch ao processo judicial e julgamento de Fernando Lelo e dos co-acusados membros das FAA apurou que o tratamento recebido por eles não cumpriu em grande medida os padrões internacionais de processo justo.

Os seis membros das FAA presos em Setembro de 2007 sem mandado judicial foram mantidos em detenção militar até seis meses sem comunicação, durante o que foram forçados a confessar e incriminar Lelo e a si próprios, sob tortura, e sujeitos a tratamento degradante e desumano.

Lelo e os seis co-acusados da FAA foram formalmente acusados pelo procurador militar de Cabinda em Março de 2008 por crimes contra a segurança do Estado e crimes militares. Foram julgados por um tribunal militar em audiências que decorreram entre 5 de Maio e 11 de Junho de 2008. Isto representa uma violação da lei angolana porque crimes contra a segurança do Estado e casos contra civis, como Lelo, deviam ser julgados em tribunais civis.[47]

Nem durante a investigação criminal, nem durante o julgamento, foram produzidas provas credíveis contra qualquer dos detidos, e por sua vez, provas de defesa dos acusados não foram tomadas em consideração. O procurador militar e o juiz militar ignoraram todas as alegações da defesa relativas à prisão arbitrária, confissões obtidas sob tortura, e a jurisdição dos tribunais militares.[48]

Lelo foi acusado de ter “empreendido um amplo recrutamento” de antigos soldados da FLEC integrados nas FAA, com o objectivo de realizar acções armadas contra as FAA, de modo a influenciar a opinião pública nacional e internacional de que a rebelião separatista em Cabinda continua activa.[49] Contudo, os membros das FAA co-acusados não tinham identificado Lelo durante duas sessões de identificação. Eles alegaram que foram torturados para se incriminarem a si próprios e Lelo. Nenhumas outras provas foram apresentadas que sugiram que Lelo se tinha encontrado com os soldados das FAA a quem era acusado de pagar e dar ordens para que realizassem ataques armados.[50]

O julgamento ficou ainda mais manchado pelas declarações do governo que infringiram a independência judicial e o direito de Lelo a um julgamento imparcial. Muito antes do início do julgamento, o procurador geral da justiça João Maria de Sousa, declarou repetidamente nos mídia do Estado que havia “fortes indícios” de que Lelo era culpado.[51] Tais declarações foram vistas por muitos como uma tentativa de exercer pressão sobre o juiz para que este condenasse Lelo.

Além do mais, de acordo com a lei angolana e com os padrões internacionais de direitos humanos, os julgamentos devem ser públicos.[52] No entanto, vários observadores de julgamentos contaram à Human Rights Watch que o acesso público às audiências, incluindo o de familiares e dos mídia privados, foi limitado, enquanto que um grande número de elementos da segurança interna e dos serviços secretos militares e de agentes da polícia ocupou a sala de audiências.[53] Lelo descreveu da seguinte forma à Human Rights Watch, a atmosfera durante o julgamento:

Quase todos os dias eles suspendiam a sessão. Passávamos no máximo duas horas ali. Cada vez que me levavam da prisão ao tribunal, era escoltado por um cortejo de carros com agentes armados da Polícia de Ordem Pública, Polícia de Intervenção Rápida e das FAA. O carro no qual era transportado não tinha janelas. Este espectáculo servia para me apresentar ao público como um criminoso altamente perigoso e para intimidar a população que observava a cena. No tribunal, o procurador militar dominava o julgamento, apesar de não estar familiarizado com o processo legal.[54]

No dia 16 de Setembro—quase três meses após o julgamento—cinco membros das FAA foram condenados a 13 anos de prisão por crimes militares (violência contra um superior e subalterno e deserção) e crimes contra a segurança do Estado, entre eles rebelião armada. Um membro das FAA foi absolvido. Fernando Lelo foi condenado a 12 anos de prisão por incitamento dos co-arguidos a cometerem os crimes.

A Human Rights Watch tem argumentado que o veredicto do tribunal foi atrasado até o período após as eleições legislativas de 5 a 6 de Setembro de 2008, de modo a evitar possíveis efeitos adversos para a campanha eleitoral do partido no poder, MPLA, em Cabinda.[55]

Enquanto Lelo e os soldados das FAA condenados com ele foram julgados por um tribunal militar, actuais reclusos acusados de crimes de segurança do Estado, em Cabinda, viram os seus casos assinados pelo procurador civil e serão julgados num tribunal civil. Este é um passo em frente. Contudo, a pesquisa da Human Rights Watch apurou que os outros actuais reclusos têm visto negados direitos básicos de processo justo, mesmo após serem transferidos—após longos períodos em detenção militar—, para a prisão civil de Yabi e serem apresentados à polícia de investigação criminal e ao procurador.

A Human Rights Watch tem documentado várias iregularidades processuais nos trâmites legais contra dois grupos de reclusos, ambos presos em Janeiro de 2008. De acordo com os padrões internacionais de direitos humanos, provas obtidas sob coacção, tais como interrogatórios sob tortura, têm de ser considerados inadmissíveis nos processos judiciais.[56] Contudo, em ambos os casos, documentos dos processos judiciais mostram que aos advogados foi negado acesso aos documentos dos interrogatórios feitos pelos militares e pela segurança, como prova. Num dos casos os documentos dos interrogatórios foram classificados como “secretos”, de acordo com a lei de segredo do Estado.[57] Ao negar o acesso da defesa a informação essencial e ao não ignorar provas alegadamente obtidas coercivamente e sob tortura, o procurador violou princípios internacionais que garantem um julgamento imparcial.[58] Além disso, oficiais da segurança militar que foram chamados para serem ouvidos pela defesa durante a investigação não compareceram nem durante a investigação criminal, nem no tribunal.[59] Num caso, a defesa opôs-se à conclusão da instrução preparatória de que havia “fortes indícios de ligação entre os arguidos e os guerilheiros da FLEC FLAC,” simplesmente porque várias figuras proeminentes da guerrilha “possuem familiares na referida aldeia.”[60]

O procurador de Cabinda e dois ou três juízes do tribunal civil desempenharam previamente funções como juízes militares em outras províncias antes de serem transferidos para o tribunal civil de Cabinda, em 2006. Em Angola não é raro magistrados militares ocuparem postos no sistema judicial civil–o próprio Procurador Geral da República já desempenhou funções na magistratura militar. Mas defensores dos direitos humanos com alguma razão temem que em casos de segurança nacional esses juízes não garantam suficiente independência em relação ao governo para conduzir julgamentos imparciais. De facto, um oficial militar superior comentou à Human Rights Watch que os antigos magistrados civis em Cabinda foram susbtituídos em 2006 porque eles “nunca conseguiram condenar ninguém” por crimes contra a segurança do Estado.[61]

Com alguma prudência, pode-se esperar que os próximos julgamentos em casos se segurança sejam mais justos. No dia 7 de Maio de 2009, um juiz em Cabinda citou falta de provas e o princípio in dubio pro reo para absolver quatro homens acusados de crimes contra a segurança do Estado, enquanto que condenou um por um crime menor.[62] O procurador apresentou recurso dessa sentença ao Tribunal Supremo, que ainda não se pronunciou. Advogados mostraram-se esperançados de que o veredicto, se confirmado pelo Tribunal Supremo, possa reflectir vontade dos juízes agirem de forma independente e imparcial em casos de segurança nacional.[63] Contudo, em Cabinda, continua preocupante a questão dos direitos dos reclusos a um processo justo, nos casos de segurança do Estado. Haverá ainda os julgamentos dos restantes reclusos–todos eles figuras de menor destaque público do que Fernando Lelo–, e além disso mais casos por confirmar de detenções ocorridas em Abril 2009.

Agradecimentos

A pesquisa e autoria do relatório é de uma pesquisadora da Human Rights Watch. A revisão foi feita por Jon Elliott, director de advocacia da Divisão África; Rona Peligal, directora-adjunta da Divisão África; Iain Levine, director do programa; e James Ross, director de assuntos jurídicos e políticos. Jeffrey Severson, membro assistente da Divisão África, prestou assistência na produção.

A Human Rights Watch agradece a contribuição dada por advogados, jornalistas, activistas dos direitos humanos, membros de confissões religiosas, organizações nacionais e internacionais e membros do governo, forças armadas, polícia e sistema judicial e reclusos que concordaram ser entrevistados para este relatório. Especial agradecimento àqueles que nos deram o seu incalculável e inesgotável apoio durante a nossa pesquisa no terreno e na fase subsequente. Uma palavra de agradecimento também para o NOVIB pelo financiamento que tornou possível este trabalho de pesquisa.

Anexo: Reclusos na Prisão de Yabi Acusados de Crimes de Segurança

Actuais Reclusos

António Santos Nguimbi–soldado das Forças Armadas Angolanas (FAA), preso no 9 de Setembro de 2007 em Buco Zau. Condenado pelo tribunal militar provincial no dia 16 de Setembro de 2008 a 13 anos de prisão.

Lourenço Ila Dembe–Soldado das FAA, preso em Buco Zau no dia 17 de Setembro de 2007. Condenado pelo tribunal militar provincial no dia 16 de Setembro de 2008 a 13 anos de prisão.

Alberto Suami–1º sargento das FAA, preso no dia 18 de Setembro de 2007 em Cabassango (município de Buco Zau). Condenado pelo tribunal militar provincial no dia 16 de Setembro de 2008 a 13 anos de prisão.

Alberto João Chimbinda–Soldado das FAA, preso em Cabassango (Buco Zau) em Setembro de 2007. Condenado pelo tribunal militar provincial, no dia 16 de Setembro de 2008 a 13 anos de prisão.

Basílio Muanda–1º cabo das FAA, preso em Buco Zau no dia 22 de Setembro de 2007. Condenado pelo tribunal militar provincial no dia 16 de Setembro de 2008 a 13 anos de prisão.

José Fernando Lelo–funcionário da Algoa e antigo jornalista da VOA, preso no acampamento da Cabinda Gulf Oil Company em Malongo, no dia 11 de Novembro de 2007. Condenado pelo tribunal militar provincial no dia 16 de Setembro de 2008, a 12 anos de prisão.

Sebastião Sambo–catequista preso em Tando Malele (comuna de Inhuca, Buco Zau), no dia 24 de Janeiro de 2008.

Carlos José Sambo–preso em Tando Malele no dia 24 de Janeiro de 2008.

João Domingos Mabete–autoridade tradicional e coordenador-adjunto da aldeia, preso em Tando Malele no dia 24 de Janeiro de 2008.

Paulo Simão–preso em Malele no dia 24 de Janeiro de 2008.

Luís Geraldo Barros–autoridade tradicional, preso na aldeia de Conde (comuna de Inhuca, Buco Zau) no dia 29 de Janeiro de 2008.            

João Paulo Mombo–professor e coordenador de Micuma I (Buco Zau), preso na aldeia de Micuma I no dia 2 de Abril de 2008.

Joao Baptista Maeia–funcionário da Encica, preso em Micuma I no 2 dia de Abril de 2008.            

Zacarias João Zau–preso em Micuma I no 2 dia de Abril de 2008.

Marcos Lúbuca Malila Tovo–preso em Micuma I no 2 dia de Abril de 2008.

Joaquim Valentim Culebi–preso em Micuma I no dia 2 de Abril de 2008.

Armando Muabi–preso pela Agence Nationale de Renseignement (ANR) em Buendi Kassanfu, República Democrática do Congo (RDC), no dia 7 de Outubro de 2008.

Próspero Bianga–preso pela ANR em Buendi Kassanfu, RDC, no dia 7 de Outubro de 2008.

João Alfredo Dumbi–preso pela ANR em Buendi Kassanfu, RDC, no dia 7 de Outubro de 2008.

João de Deus Deu Muanda–preso pela ANR em Tshela, RDC, no dia 14 de Outubro de 2008.

César Déneri Dunge–preso pela ANR em Kimbadi Kuimba, RDC, no dia 19 de Outubro de 2008.

José Fernandes Jorge–preso em Dinge (Cacongo) no dia 20 de Outubro de 2008.

Cornélio Mabiala–preso em sua casa na cidade de Cabinda no 28 de Outubro de 2008.

Clemente João Mavungo–coordenador de Cossuenda, preso em Necuto (Buco Zau) no dia 2 de Janeiro de 2009.

Paulo Mavungo–professor, preso em Sassa Zau Velho (Buco Zau) no dia 7 de Janeiro de 2009.

Rafael Futi–preso em Sassa Zau Velho no dia 7 de Janeiro de 2009.

Alexandre Fundo–preso em Sassa Zau Velho no dia 7 de Janeiro de 2009.

Massota Vunda–preso em Liambo-Lione (Cacongo) no dia 26 de Março de 2009.

Alexandre António Fortunato–preso em Liambo-Lione no dia 26 de Março de 2009.

Francisco Linda Luemba Panzo–preso em Liambo-Lione no dia 26 de Março de 2009.

Luís Massiti Gomes–preso em Liambo-Lione no dia 26 de Março de 2009.

João Baptista Puati–cordenador da aldeia, professor e pastor, preso em Liambo-Lione no dia 26 de Março de 2009.

Antigos Reclusos Conhecidos

Custódio Nguimbi Sumbo–1º sargento das Forças Armadas Angolanas, preso em Buco Zau em Setembro de 2007. Absolvido pelo tribunal militar provincial no dia 16 de Setembro de 2008.

Natalicio Mbatchi–preso em Sevo da Vula (Necuto, Buco Zau) no dia 16 de Janeiro de 2008. Condenado no dia 7 de Maio de 2009 pelo tribunal provincial a um ano e seis meses de cadeia, e libertado.

João Mateus Luemba–enfermeiro, preso em Sevo da Vula no dia 16 de janeiro de 2008. Absolvido pelo tribunal provincial no dia 7 de Maio de 2009.

Elias Menos–preso em Sevo da Vula no dia 16 de Janeiro de 2008. Absolvido pelo tribunal provincial no dia 7 de Maio de 2009.

Garcia David António–preso em Sevo da Vula no dia 16 de Janeiro de 2008. Absolvido pelo tribunal provincial no dia 7 de Maio de 2009.

António Zau–preso em Sevo da Vula no dia 16 de Janeiro de 2008. Absolvido pelo tribunal provincial no 7 de Maio de 2009.  

[1] Human Rights Watch, Angola: Between War and Peace in Cabinda, briefing paper, December 2004, http://www.hrw.org/en/news/2004/12/22/angola-oil-rich-cabinda-army-abuses-civilians. A sociedade civil, incluindo a associação cívica de Cabinda, Mpalabanda, e a Comissão Justiça e Paz diocesana publicaram vários relatórios sobre a situação dos direitos humanos detalhando abusos em Cabinda desde 2002, a maioria dos quais cometidos pelas FAA.

[2] O Memorando de Entendimento para a Paz e Reconciliação em Cabinda foi assinado no 1 de Agosto 2006 e aprovado pelo parlamento no 16 de Agosto 2006. Ver resolução 27-B/06 de 16 de Agosto 2006, publicado no Diário da República no 16 de Agosto 2006.

[3] Raul Danda, na altura porta-voz da associação cívica de Cabinda, Mpalabanda, foi detido sob acusação de crimes contra a segurança do Estado no dia 29 de Setembro de 2006 em Cabinda, alegadamente por levar artigos de jornal que exprimiam crítica da política do governo em Cabinda. Foi libertado no dia 3 de Novembro de 2006 e mais tarde perdoado sob a lei de amnistia, apesar de nunca ter sido formalmente acusado. Sarah Wykes, activista da organização internacional Global Witness, foi detida em Cabinda no 18 de Fevereiro de 2007 sob alegações de espionagem, e foi mais tarde libertada e finalmente permitida sair do país em Março 2007.

[4]Entrevista de Human Rights Watch com Miguel José Luís Muhonga, primeiro superintendente e segundo comandante da Polícia Nacional em Cabinda, Cabinda, 26 de Março 2008.

[5]Entrevista de Human Rights Watch com Coronel Antonino Pessala, porta-voz do segundo comando regional das FAA, Cabinda, 27 de Março 2008.

[6]Entrevista de Human Rights Watch com General Bento Bembe, Luanda, 26 de Março 2009.

[7] A lei da prisão preventiva em instrução preparatória (18-A/92), arts. 25-26, permite 90 dias de detenção antes do julgamento em casos de crimes contra a segurança do Estado. Este prazo pode ser extendido três vezes, por 45, 45 e 35 dias, respectivamente.

[8] Lei dos crimes contra a segurança do Estado (17/78 de 26 de Março), art. 26.

[9] O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) no artigo 9 exige que “Todo o indivíduo preso será informado, no momento da sua detenção, das razões dessa detenção e receberá notificação imediata de todas as acusações apresentadas contra ele” e que “Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infracção penal será prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada pela lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo razoável ou libertado..”

[10]A acusação do procurador militar em Cabinda referiu-se aos seguintes ataques armados: No dia 29 de Dezembro 2006 contra um veículo militar em Buco Zau, no qual três soldados foram mortos e dois feridos; no dia 27 de Julho 2007 contra militares guardando uma antena de telemóvel em Buco Zau, matando um soldado e ferindo outro; e no dia 13 de Setembro 2007 contra um veículo militar, matando dois soldados e gravemente ferindo cinco. Cópia do Despacho da Pronúncia, Procuradoria Militar da Segunda Região, Cabinda, 5 de Março 2008.

[11] Human Rights Watch, “Angola–Pôr Fim à Tortura e aos Julgamentos Injustos em Cabinda”, comunicado, 10 de Dezembro 2008, http://www.hrw.org/en/news/2008/12/09/angola-end-torture-and-unfair-trials-cabinda; ver também Amnistia Internacional, “Angola: Julgamento Injusto de Fernando Lelo”, declaração pública, AFR 12/008/2008, September 22, 2008, http://www.amnistiainternacional.pt/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=564 (acedido no 6 de Junho 2009).

[12] Cinco homens foram detidos em Janeiro 2008 na aldeia Sevo da Vula, Buco Zau, a seguir a um ataque no dia 29 de Dezembro matando um guarda da polícia. Cinco homens foram detidos em Janeiro 2008 na aldeia de Tando Malele, Buco Zau, a seguir a um ataque contra a empresa petrolífera Grant no dia 29 de Dezembro 2007, no qual um empregado brasileiro foi morto. Cinco homens foram detidos em Abril 2008 em Micuma I, Buco Zau, a seguir a um ataque contra trabalhadores da empresa Emcica no 31 de Dezembro 2007 resultando na morte dum trabalhador. Um homem foi detido em Janeiro 2009 em Cossuenda, Buco Zau, a seguir ao assassinato duma autoridade tradicional no dia 30 de Dezembro 2008. Três homens foram detidos na aldeia de Sassa Zau, Buco Zau, no dia dum ataque contra um veículo militar, 7 de Janeiro 2009. Cinco homens foram detidos na aldeia de Liambo-Lione, Cacongo, no dia dum ataque contra um veículo resultando na morte dum trabalhador chinês e ferimentos graves de dois outros no dia 26 de Março 2009.

[13]Activistas dos direitos humanos locais documentaram 11 destes casos entre Junho 2007 e Janeiro 2008. Isto incui o caso de José Gabriel Puati que alegadamente foi morto por soldados das FAA na detenção. Entrevistas com três activistas locais (nomes omitidos) em Cabinda, Março 2008 e Março 2009.

[14] Entrevista de Human Rights Watch por telefone com o correspondente da VOA em Kinshasa, 11 de Fevereiro 2009, e com José Luis Luemba Veras, em Lisboa, 6 de Abril 2009. Human Rights Watch também teve acesso a uma carta de queixa de Veras dirigida à delegação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Kinshasa, de 24 de Março 2008, na qual descrevia as ameaças que alegou ter recebido que o levaram a procurar refúgio em Portugal em Julho 2008.

[15] Lei da prisão preventiva em instrução preparatória (18-A/92), arts. 9 e 14.

[16] Entrevista de Human Rights Watch com António Nito, procurador em Cabinda, 18 de Março 2009. Ver também o relatório do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária das Nações Unidas de 29 de Fevereiro 2008: United Nations General Assembly, Human Rights Council: Report of the Working Group on Arbitrary Detention, Addendum–Mission to Angola, A/HRC/7/4/Add. 4, February 29, 2008; Entrevista de Human Rights Watch com Fernando Macedo, membro da organização angolana dos direitos humanos Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD) em Luanda, 30 de Março 2009.

[17] Um dos seus defensores oficiosos, Arão Tempo, falou com os seus clientes pela primeira vez no 7 de Abril 2008. Entrevista de Human Rights Watch por telefone com Arão Tempo, 30 de Maio 2009.

[18]Entrevistas de Human Rights Watch com reclusos na prisão de Yabi, em Cabinda, 16 de Março 2009.

[19]Entrevistas de Human Rights Watch com reclusos na prisão de Yabi, em Cabinda, 16 de Março 2009.

[20] Lei da prisão preventiva em instrução preparatória (18-A/92), art. 3. Activistas da Associação Justiça Paz e Democracia (AJPD) contestam a legitimidade deste artigo. Ver Pedro Romão e Fernando Macedo, Anotações a Lei da Prisão Preventiva e Legislação Complementar, Coimbra, Maio 2008, p. 18.

[21] Ver PIDCP, resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 2200A (XXI), 21 U.N. GAOR Supp. (No. 16), 52, U.N. Doc. A/6316 (1966), 999 U.N.T.S. 171, que entrou em vigor em 1976, arts. 10 (1), e 14 (3).

[22]Ver, por exemplo, Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas, resolução 2003/32, para 11.

[23]Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, adoptadas pelas Nações Unidas em 1955, aprovadas pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas através das suas resoluções 663 C (XXIV), de 1957 e 2076 (LXII), de 1977.

[24]Estas práticas incluem, por exemplo, amarrar os cotovelos de reclusos nas costas ou manter detidos em buracos cavados no chão. Ver Human Rights Watch, Between War and Peace in Cabinda, p. 16f.

[25] Ver “AngolaPôr Fim à Tortura e aos Julgamentos Injustos em Cabinda”, comunicado, 10 de Dezembro 2008, http://www.hrw.org/en/news/2008/12/05/angola-end-torture-and-unfair-trials-cabinda.

[26] Segundo o recluso A.B.C.. (abreviatura fictícia), estes abusos ocorreram em Abril 2008. Entrevista de Human Rights Watch na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[27] Segundo o recluso D.E. (abreviatura fictícia), estes abusos ocorreram em Abril 2008. Entrevista de Human Rights Watch na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[28] Entrevista de Human Rights Watch com G.H. (abreviatura fictícia), na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[29] Entrevista de Human Rights Watch com Coronel Antonino Pessala, porta-voz e chefe da repartição para a educação patriótica da segunda região das FAA, Cabinda, 27 de Março 2008. Ver “Angola–Pôr Fim à Tortura e aos Julgamentos Injustos em Cabinda”, comunicado, 10 de Dezembro 2008. Em Março 2009, o gabinete do segundo comando regional das FAA em Cabinda recusou um encontro com a pesquisadora da Human Rights Watch, referindo-se a uma autorização pendente do chefe do Estado Maior das FAA em Luanda.

[30] Entrevista de Human Rights Watch por email com Arão Tempo, 25 de Novembro 2008. Ver também “Angola–Pôr Fim à Tortura e aos Julgamentos Injustos em Cabinda”, comunicado, 10 de Dezembro 2008.

[31] Entrevista de Human Rights Watch com Francisco Luemba em Cabinda, 25 de Março 2008; Alegações aos Venerandos Juizes Conselheiros da Câmara dos Crimes contra a Segurança do Estado, apresentados por Francisco Luemba, processo 490-C/08 do Ministério Público contra os arguidos Luís Geraldo Barros e outros, Cabinda, 31 de Janeiro 2009.

[32] Entrevista da Human Rights Watch com I.J. (abreviatura fictícia), recluso na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[33] Entrevista da Human Rights Watch por telefone com Arão Tempo, 4 de Maio 2009.

[34] Lei da prisão preventiva em instrução preparatória (18-A/92), art. 4.

[35] Antigos detidos entrevistados por Human Rights Watch em Cabinda em 2004 tinham se referido a um oficial chamado “Walter” como chefe da inteligência. Ver Human Rights Watch, Between War and Peace in Cabinda, p. 18.

[36] Entrevista de Human Rights Watch com advogados e jornalistas locais (nomes omitidos) em Cabinda, Março 2009, e seguimento por email e telefone em Maio 2009.

[37] Entrevista de Human Rights Watch com António Nito, procurador, em Cabinda, 18 de Março 2009.

[38] Angola’s voluntary pledges to promote human rights, Annex to the letter dated 3 May 2007 from the Permanent Representative of Angola to the United Nations addressed to the President of the General Assembly, http://daccessdds.un.org/doc/UNDOC/GEN/N07/331/59/PDF/N0733159.pdf?OpenElement (acedido 12 de Maio, 2009).

[39] Declaração Universal dos Direitos do Homem, resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 217A (III), U.N. Doc A/810 at 71 (1948), art. 5.

[40] PIDCP, art. 7; a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, adoptada em 1981, que entrou em vigor em 1986 e foi ratificada por Angola em 1990, art. 5.

[41] Lei Constiticional (1992), art. 21. Ver também comentários do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária das Nações Unidas: United Nations General Assembly, Human Rights Council: Report of the Working Group on Arbitrary Detention, Addendum-Mission to Angola, A/HRC/7/4/Add. 4, February 29, 2008, p. 11, para 32.

[42] Entrevista de Human Rights Watch com Fernando Lelo na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[43] Um pedido oficial de Human Rights Watch para visitar a Cadeia Civil em Março 2009 não foi respondido.

[44] Entrevista de Human Rights Watch com K.L., M.N., O.P. (abreviaturas fictícias), reclusos na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[45] Entrevista de Human Rights Watch com K.L. (abreviatura fictícia), recluso na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[46] Entrevista de Human Rights Watch com Q.R. (abreviatura fictícia), recluso na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[47] Lei dos crimes militares (4/94 de 28 de Janeiro). Ver também o relatório do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária: United Nations General Assembly, Human Rights Council: Report of the Working Group on Arbitrary Detention, Addendum–Mission to Angola, A/HRC/7/4/Add. 4, February 29, 2008, p. 11, para 28.

[48]Ver: Contestação ao Meritíssimo Juiz Presidente do Tribunal Militar da 2ª Região apresentados pelos defensores oficiosos Francisco Luemba e Arão Tempo, processo 19/2008 do Procurador Militar contra os arguidos Alberto João Chimbinda e outros, Cabinda, 5 de Maio 2008. Segundo o Código Processual Criminal angolano–de momento em revisão–advogados de defesa apenas podem contestar uma acusação alegando iregularidades processuais após a conclusão da investigação criminal. O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária exprimiu preocupação com o facto de uma detenção não poder ser efectivamente contestada durante a fase da investigação e que os juizes não estão envolvidos antes do julgamento em Angola. Ver: United Nations General Assembly, Human Rights Council: Report of the Working Group on Arbitrary Detention, Addendum–Mission to Angola, A/HRC/7/4/Add. 4, February 29, 2008, para 40-45 and 75-77.

[49] Cópia do Despacho da Pronúncia, Procuradoria Militar da Segunda Região, Cabinda, 5 de Março 2008.

[50] Segundo o advogado de defesa Martinho Nombo, o antigo comandante da polícia municipal cuja declaração foi citada pela acusação, negou durante o julgamento alguma vez ter visto Lelo na aldeia em Buco Zau onde alegadamente tinha encontrado os soldados co-arguidos no dia 12 de Julho 2007, enquanto o empregador de Lelo confirmou que ele tinha estado a trabalhar dentro de Malongo no mesmo dia. Entrevistas de Human Rights Watch com Martinho Nombo em Cabinda, Março 2009.

[51]Por exemplo: “Detenção do jornalista Fernando Lelo não é arbitrária, diz PGR,” Rádio Nacional de Angola/ Angop, 7 de Janeiro 2008.

[52] PIDCP, art 14 (1).

[53]Entrevistas de Human Rights Watch interviews com jornalistas locais (nomes omitidos) em Cabinda, Março 2009.

[54] Entrevista de Human Rights Watch com Fernando Lelo na prisão do Yabi em Cabinda, 16 de Março 2009.

[55] Human Right Watch, “Angola–Pôr Fim à Tortura e aos Julgamentos Injustos em Cabinda”, comunicado, 10 de Dezembro 2008.

[56] Human Rights Committee General Comment 20, para 12.

[57] Lei do Segredo do Estado (10/02 de 16 de Agosto). Ver Alegações aos Venerandos Juizes Conselheiros da Câmara dos Crimes contra a Segurança do Estado, apresentados por Francisco Luemba, processo 490-C/08 do Ministério Público contra os arguidos Luís Geraldo Barros e outros, Cabinda, 31 de Janeiro 2009.

[58] Human Rights Committee General Comment 13, para 15.

[59] Alegações aos Venerandos Juizes Conselheiros da Câmara dos Crimes contra a Segurança do Estado, apresentados por Francisco Luemba, processo 490-C/08 do Ministério Público contra os arguidos Luís Geraldo Barros e outros, Cabinda, 31 de Janeiro 2009; Contestação ao Meritíssimo Juiz de Direito da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal provincial de Cabinda, apresentado por Arão Tempo, processo 0470-C/08 do Ministério Público contra os arguidos Natalício Mbatchi e outros, Cabinda, 17 de Março 2009.

[60] Alegações aos Venerandos Juizes Conselheiros da Câmara dos Crimes contra a Segurança do Estado, apresentados por Francisco Luemba, processo 490-C/08 do Ministério Público contra os arguidos Luís Geraldo Barros e outros, Cabinda, 31 de Janeiro 2009.

[61] Entrevista de Human Rights Watch com oficial militar superior (nome omitido) em Cabinda, 17 de Março 2009.

[62] Ver Acórdão do Tribunal provincial de Cabinda, 7 de Maio 2009.

[63] Entrevista de Human Rights Watch por telefone com Arão Tempo, 7 de Maio 2009, e correspondência por email com Francisco Luemba, 8 de Maio 2009.