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Estados Unidos

Eventos de 2019

Migrantes solicitando asilo nos Estados Unidos aguardam documentação sobre seus casos em 5 de outubro de 2019, durante uma viagem semanal de voluntários, advogados e intérpretes a um acampamento de migrantes nos arredores de El Puente Nuevo, em Matamoros, México.

 

 

© 2019 Denise Cathey/The Brownsville Herald via AP

Em 2019, os Estados Unidos continuaram a recuar em matéria de direitos. O governo Trump implementou políticas de imigração desumanas e promoveu falsas narrativas que perpetuam o racismo e a discriminação; não fez o suficiente para lidar com o encarceramento em massa; enfraqueceu os direitos de mulheres e lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT); diminuiu ainda mais a capacidade de cidadãos dos EUA de obter assistência médica adequada; e desregulamentou indústrias que colocam em risco a saúde e a segurança das pessoas.

Em sua política externa, a administração Trump fez pouco uso de sua influência decrescente para promover os direitos humanos no exterior; continuou a enfraquecer as instituições multilaterais; e desrespeitou os direitos humanos internacionais e o direito humanitário ao fazer parcerias com governos abusivos – embora tenha aplicado sanções a alguns indivíduos e governos por cometerem abusos de direitos humanos.

Sistema jurídico penal

Os EUA continuam a ter a maior taxa de encarceramento criminal relatada no mundo, com 2,2 milhões de pessoas nas prisões e em detenção e outros 4,5 milhões em liberdade condicional até 2017, o último ano para o qual os números do Escritório de Estatísticas da Justiça (em inglês, Bureau of Justice Statistics) estavam disponíveis até a elaboração deste relatório. Os números mostram uma ligeira queda no número de pessoas encarceradas entre 2016 e 2017 e uma diminuição de 10% em relação a uma década antes.

Este decréscimo pode ser parcialmente atribuído a um maior reconhecimento de formuladores de políticas públicas e do público quanto à injustiça no sistema de justiça criminal dos EUA e dos danos causados, o que tem induzido a muitas reformas na esfera estadual. Ainda assim, em vários estados o encarceramento aumentou, assim como a taxa de encarceramento de mulheres, que cresceu 750% de 1980 a 2017.

No nível federal, após a promulgação da “Lei Primeiro Passo” (em inglês, First Step Act) no final de 2018, mais de 3.000 pessoas foram liberadas da prisão em julho, antes do que teriam sido sem a legislação. Embora saudada como uma grande iniciativa de reforma penal bipartidária, a lei não tratou de muitas outras preocupações e se aplicava apenas um pequeno número dos detidos no sistema penal federal, que por si só representa apenas cerca de 10% do número total de pessoas encarceradas nos Estados Unidos.

Ainda existem grandes disparidades raciais na população prisional. Enquanto a taxa global de encarceramento foi baixa, entre mulheres negras foi quase duas vezes maior do que entre as mulheres brancas e a taxa de encarceramento de homens negros foi quase seis vezes maior do que a dos homens brancos. Para homens negros mais jovens, a disparidade era ainda maior.

A pena de morte é permitida em 29 estados. Segundo o Centro de Informações sobre a Pena de Morte (em inglês, Death Penalty Information Center), 20 pessoas em sete estados haviam sido executadas em 2019, até meados de novembro – todas no sul e no centro-oeste do país. Houve oito execuções no Texas; três no Alabama e na Geórgia; duas na Flórida e no Tennessee; e uma no Missouri e uma em Dakota do Sul. A administração Trump anunciou um reinício das execuções federais em julho, após 16 anos sem elas, mas um tribunal federal o impediu em novembro. Na Califórnia, que tem mais de 730 presos no corredor da morte, o governador impôs uma moratória às execuções, e em New Hampshire, o legislador revogou a lei de pena de morte.

Pessoas pobres acusadas de crimes continuam presas porque os tribunais exigem o pagamento de fiança como condição de liberação, forçando as pessoas que não receberam condenações por qualquer crime a permanecerem atrás das grades por longos períodos de tempo enquanto aguardam julgamento e resultando em confissões forçadas de admissão de culpa. Um movimento para eliminar o pagamento de fiança tem crescido, mas muitos estados estão substituindo o pagamento de fiança por ferramentas de avaliação de risco que poderiam aprofundar a discriminação, ao mesmo tempo em que fracassam em reduzir as taxas de prisões provisórias. Nova York aprovou medidas de reforma quanto a prisões provisórias em abril, as quais espera-se que ajudem na redução do número de pessoas que podem ser presas provisoriamente por conta do pagamento de fiança e melhorias no devido processo legal para o restante. As medidas, que entram em vigor em janeiro de 2020, não tornam obrigatório o uso de ferramentas de avaliação de risco.

As leis que proíbem indivíduos condenados criminalmente de votarem continuam a existir em todos os EUA. Em 2018 os cidadãos da Flórida aprovaram uma medida que restabelece o direito de voto para 1,4 milhões de residentes com condenações por crimes, mas em julho o estado promulgou uma lei exigindo que os afetados paguem todas as obrigações financeiras, incluindo multas e taxas excessivas, antes que esse direito seja restaurado.

Crianças nos sistemas de justiça criminal e de justiça juvenil

Em qualquer dado momento, aproximadamente 50.000 crianças estão mantidas em confinamento nos EUA. No sistema de justiça juvenil, 2.200 jovens estão presos por delitos de "status"– atos não criminosos que são considerados violações da lei apenas porque os indivíduos em questão têm menos de 18 anos de idade.

Além disso, todos os 50 estados continuam a processar judicialmente as crianças em tribunais criminais para adultos. De acordo com o Comitê dos Cidadãos para as Crianças (em inglês, Citizens Committee for Children), cerca de 32.000 crianças menores de 18 anos são admitidas anualmente nas prisões para adultos. O The Sentencing Project informa que há aproximadamente 1.300 pessoas cumprindo prisão perpétua, sem direito a liberdade condicional (life without parole ou LWOP, na sigla em inglês) por crimes cometidos quando ainda eram menores de 18 anos. O estado de Oregon aprovou uma lei que elimina o uso de LWOP para crianças e adolescentes. Ao todo, 22 estados e o Distrito de Columbia agora proíbem a LWOP juvenil.

As disparidades raciais persistem em todas as etapas do contato de uma pessoa com a lei, fazendo com crianças negras estejam desproporcionalmente representadas nos sistemas de justiça juvenil em todo o país; em 37 estados, as taxas de encarceramento foram mais altas para crianças negras do que para brancas, de acordo com o The Sentencing Project.

Justiça racial e polícia

Existem grandes desigualdades na distribuição da riqueza nos Estados Unidos, e a pobreza se cruza com o crime; e isto é usado para justificar um policiamento mais agressivo nas comunidades pobres, geralmente minoritárias. Em vez de abordar os problemas de pobreza – incluindo falta de moradia, saúde mental e envolvimento com facções – com a oferta de serviços, apoio e desenvolvimento econômico, muitas jurisdições dos EUA simplesmente adicionam mais policiais e efetivamente “criminalizam” comunidades pobres, um círculo vicioso que alimenta altas taxas de encarceramento .

O monitoramento governamental da violência policial continua falho. Segundo o jornal Washington Post, a polícia teria matado 783 pessoas nos EUA em 2019 até meados de novembro, uma redução em relação ao ano anterior. Dos mortos cuja raça é conhecida, 20% eram negros, apesar de os negros constituírem 13% da população. As disparidades raciais no uso da força pela polícia, prisões, citações e controles de circulação continuam a existir.

A Human Rights Watch documentou disparidades raciais substanciais no policiamento em um estudo de caso da cidade de Tulsa, Oklahoma. Residentes negros relataram de forma consistente suas experiências com policiamento abusivo.

Em 2019, cresceu o reconhecimento de que as atuais disparidades raciais no policiamento, justiça criminal e outros aspectos da vida americana não podem ser entendidas sem referência à escravidão e seu impacto contínuo na sociedade. O Congresso realizou uma audiência histórica em 11 de junho, um dia em homenagem à abolição da escravidão nos EUA, para discutir possíveis maneiras de compensar esses danos, incluindo por reparações e mais investimentos nas comunidades negras para lidar com a desigualdade e discriminação continuadas.

Pobreza e desigualdade

Em setembro, o Census Bureau (Departamento de Estatísticas) divulgou um estudo mostrando que a desigualdade de renda nos EUA atingira o nível mais alto em cinco décadas. Cerca de 40 milhões de pessoas vivem na pobreza, muitas delas membros de famílias com pelo menos um assalariado que ganha pelo menos ou em torno de um salário mínimo federal de 7,25 dólares por hora.

O governo Trump continuou a adotar medidas para restringir o acesso aos cuidados de saúde, visando mudanças no programa Medicaid, subsídios a seguros privados e outros elementos-chave da Affordable Care Act (ou Lei de Cuidados Acessíveis, do inglês) que resultarão em maiores desigualdades no acesso e nos resultados dos serviços de saúde. Muitos estados com apoio federal impuseram exigências de trabalho, testes de drogas e outras barreiras à elegibilidade do Medicaid para indivíduos de baixa renda.

Multas e taxas determinadas por tribunais impactam desproporcionalmente pobres e comunidades negras. Quando uma pessoa não pode pagá-las, está sujeita a mandados de prisão, sentenças prolongadas e encarceramento, muitas vezes colocando-a ainda mais em dívida. Muitas jurisdições locais se financiam com a imposição de tais taxas, mesmo por violações menores, como o jaywalking (irregularidades de tráfego ou contravenções de trânsito) – uma prática que incentiva excessivos policiamento e processos judiciais.

O governo Trump continuou a enfraquecer a proteção dos consumidores contra credores predadores e abusivos cobradores de dívidas, cujos serviços não regulamentados podem ser uma armadilha para famílias em situação de pobreza. O Consumer Financial Protection Bureau (Departamento de Proteção Financeira do Consumidor) atrasou a implementação de uma regra que regulava o dia de pagamento e outros pequenos credores que frequentemente cobram taxas de juros exorbitantes. Outra regra proposta ameaça enfraquecer as proteções contra práticas falsas, capciosas e enganosas por parte dos cobradores de dívidas.

Direitos dos não cidadãos

O governo dos EUA em 2019 continuou a desconsiderar suas obrigações com os solicitantes de refúgio sob o direito internacional, deixando muitos refugiados sem proteção efetiva. Em janeiro, sob os Protocolos de Proteção aos Migrantes, conhecido como o programa "Permanecer no México", o governo começou a retornar solicitantes de refúgio ao México enquanto suas demandas ainda estavam em tramitação.

Até a elaboração deste relatório, mais de 55.000 solicitantes de refúgio haviam sido mandados de volta a condições muitas vezes perigosas e inviáveis no México, com importantes barreiras à obtenção de um representante legal e a uma audiência justa. Isso incluiu solicitantes de refúgio com deficiências ou outras condições crônicas de saúde, apesar das orientações iniciais de que ninguém com “conhecidos problemas de saúde física/mental” seria colocado no programa. Em Ciudad Juárez, a Human Rights Watch documentou os casos de seis desses indivíduos, quatro deles crianças.

Em julho, o governo anunciou uma regra provisória para barrar a elegibilidade ao refúgio para indivíduos que viajam a um outro país para então tentar entrar nos EUA sem solicitar proteção naquele país. Isso essencialmente impediria todos, exceto os mexicanos, de solicitar refúgio na fronteira sul dos EUA.

Os EUA continuaram a limitar o número de solicitante de refúgio aceitos nos postos de entrada no sul do país, levando alguns a arriscarem suas vidas tentando uma travessia ilegal.

Em julho, o governo também anunciou uma nova regra, sujeitando a rápidas deportações as pessoas em qualquer parte do país que não consigam provar a presença de pelo menos dois anos nos EUA, retornando solicitantes de refúgio e refugiados e expondo-os a riscos.

As crianças migrantes que chegavam à fronteira EUA-México foram mantidas em condições desumanas nas instalações da Guarda de Fronteira, sem contato com familiares, sem acesso regular a chuveiros, roupas limpas, escovas de dentes, camas adequadas ou assistência médica, durante semanas. Crianças de dois ou três anos foram mantidas nessas instalações sem cuidadores adultos. Famílias e adultos também foram mantidos em instalações perigosamente superlotadas por mais do que o período permitido legalmente de 72 horas.

As autoridades americanas continuaram a separar regularmente crianças migrantes de seus familiares adultos, inclusive dos pais em alguns casos. Uma agência que monitora o governo constatou que crianças separadas dos pais sofreram traumas graves. Apesar disso, o governo Trump anunciou um novo regulamento que permitiria que crianças e suas famílias fossem detidas indefinidamente e, portanto, arriscariam enfrentar traumas graves.

Depois da morte de três crianças em 2018, as primeiras mortes de crianças sob custódia de imigração nos EUA em uma década, outra três crianças migrantes morreram em 2019 logo após entrarem nos EUA. Pelo menos sete adultos morreram sob custódia do Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês); seis adultos morreram sob a custódia do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês). As mortes em detenção já haviam sido associadas a maus cuidados médicos em instalações de detenção nos EUA.

O número de imigrantes sob custódia do ICE atingiu um recorde de 55.000 pessoas por dia, mesmo após novos relatórios governamentais revelarem flagrantes violações dos padrões de detenção governamentais. Vários detidos em greve de fome foram alimentados à força usando um processo que é inerentemente cruel, desumano e degradante.

Em agosto, o governo adotou uma norma que poderia permitir que o governo federal negasse residência permanente (“green cards”) a imigrantes que usam Medicaid, vale-refeição, vale-moradia ou outras formas de assistência pública, gerando medo entre os não cidadãos que necessitam desses serviços ao acessá-los.

O governo Trump fez repetidas ameaças de incursões (blitz), alimentando o medo nas comunidades imigrantes. Em agosto, as autoridades de imigração dos EUA prenderam 680 pessoas em incursões a fábricas de processamento de alimentos no Mississippi, a maior incursão a locais de trabalho nos EUA em mais de uma década. Trabalhadores imigrantes na indústria de carne e de aves sofrem sérios abusos no local de trabalho, mas o medo da deportação impede que muitos os denunciem. Os EUA continuaram a deportar residentes de longa data sem a devida consideração por seus laços familiares e comunitários, ou seus medos dos danos se retornassem aos seus países de origem.

Apesar desses abusos, o Congresso continuou a autorizar os pedidos da administração de financiamento adicional para agências de imigração com insuficientes exigências de padrões, supervisão e transparência.

Direitos ambientais

O governo Trump continuou a enfraquecer ou revogar dezenas de regras que protegem o meio ambiente e a saúde pública. Em julho, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) decidiu não proibir o clorpirifós, um agrotóxico neurotóxico que, segundo estudos financiados pela agência, foi associado a atraso no desenvolvimento de crianças.

Também em julho, a EPA propôs reverter significativamente os regulamentos sobre cinzas produzidas pela indústria de carvão, um subproduto altamente tóxico da combustão de carvão que constitui o segundo maior fluxo de resíduos nos EUA. A mudança de regra aumenta o risco de poluição do ar e da água e representa um sério risco à saúde.

Em setembro, o governo Trump revogou uma importante regulamentação sobre águas que impunha limites a produtos químicos poluentes que poderiam ser usados perto de riachos, áreas úmidas e outras áreas hídricas.

Também em setembro, o governo Trump anunciou que revogaria a autoridade da Califórnia de definir regras de emissões de automóveis mais rígidas que os padrões federais, levando a Califórnia e quase duas dezenas de outros estados a adotarem medidas judiciais contra o governo gederal.

Essas medidas de Trump faziam parte de um amplo ataque aos esforços de combate às mudanças climáticas e uma tentativa de reduzir a regulamentação das indústrias, aumentando os riscos à saúde e segurança.

Direitos de pessoas idosas

Os lares para idosos nos EUA costumam dar medicamentos antipsicóticos aos residentes com demência para controlar seu comportamento, geralmente sem consentimento adequado. Essa prática abusiva permanece generalizada e pode constituir tratamento cruel, desumano ou degradante, mas os Centros de Serviços Medicare e Medicaid (CMS, na sigla em inglês) propuseram uma desregulamentação adicional de tais instituições.

 

Direitos de mulheres e meninas

A atual colcha de retalhos da cobertura de saúde nos estados deixa muitas mulheres e meninas sem seguro e cria um ambiente no qual mulheres morrem a taxas mais altas do que em outros países comparativamente ricos; mortes evitáveis decorrentes de cânceres relacionados a maternidade e complicações ginecológicas.

A Human Rights Watch documentou como o fracasso do Alabama em expandir a elegibilidade ao Medicaid, juntamente com uma mistura de outras políticas e práticas, levou a uma alta taxa de mortes evitáveis de câncer do colo do útero que afeta desproporcionalmente as mulheres negras no estado. O Alabama, junto com o Texas, têm os níveis mais baixos de elegibilidade ao Medicaid no país, e está buscando formas de dispensa para tornar a elegibilidade ainda mais difícil.

Uma regra de “mordaça” do governo Trump entrou em vigor em agosto, impedindo médicos que recebiam financiamentos federais para planejamento familiar (Title X) de fornecerem às mulheres informações sobre toda a gama de opções de gestão da gravidez disponíveis para elas. A regra levou a Planned Parenthood, que fornece serviços de saúde para mulheres e gestantes a mais de 1,5 milhão de mulheres de baixa renda a cada ano, a se retirar do programa Title X.

Essa regra agrava o dano de outra regra da administração Trump que permite que os empregadores optem por não oferecer cobertura contraceptiva em seus planos de seguro de saúde a funcionários, alegando objeções morais ou religiosas aos requisitos da Lei de Assistência Acessível (Affordable Care Act, em inglês). Em novembro, um juiz federal impediu outra regra proposta que aumentaria drasticamente a capacidade dos profissionais de saúde de recusar pacientes com base em objeções religiosas ou morais, incluindo mulheres que procuram serviços de saúde reprodutiva.

Alguns estados adotaram medidas para proteger ou expandir proativamente as proteções para a saúde das mulheres, mas a tendência na maioria dos estados era de proibições de aborto cada vez mais extremas. O Alabama aprovou uma lei draconiana que criminaliza o aborto e a tentativa de aborto, sem exceção, para as vítimas de violência sexual. Em outubro, um tribunal de primeira instância emitiu uma liminar para impedir que a lei entrasse em vigor.

Delaware e Nova Jersey proibiram todo casamento antes dos 18 anos, e vários estados estavam considerando proibições, mas o casamento infantil permanecia legal de alguma forma em 48 estados.

Orientação sexual e identidade de gênero

Em janeiro, a Suprema Corte permitiu que o governo Trump proibisse transgêneros nas forças armadas, uma medida que entrava em vigor enquanto o processo judicial tramitava. Em maio, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos propôs uma regra que restringiria a definição de discriminação sexual, permitindo que seguradoras e prestadores de serviços de saúde discriminem pacientes trans. Até a elaboração deste relatório, pelo menos 22 pessoas trans tinham sido mortas nos EUA em 2019.

A Câmara dos Deputados votou pela reautorização da Lei de Violência contra as Mulheres, que inclui provisões para sobreviventes de violência LGBT. A Câmara também aprovou a Lei da Igualdade, que proibiria expressamente a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero sob várias leis federais de direitos civis. O Senado não votou em nenhum dos projetos.

As proteções para pessoas LGBT no nível estadual não são conformes. Até a elaboração deste relatório, apenas 20 estados tinham leis que proíbem expressamente a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de gênero no emprego, moradia e alojamentos públicos.

Vigilância e proteção de dados

Os EUA carecem de leis nacionais abrangentes de proteção de dados, incluindo leis que impedem o acesso desnecessário e desproporcional aos dados pessoais pela polícia. Por meio da prática de “construção paralela”, tema de um relatório da Human Rights Watch de 2018, o governo conseguiu usar dados de programas secretos de vigilância em investigações criminais e depois reconstruir essas evidências por outros meios, sem revelar o monitoramento secreto a juízes ou réus. Isso priva as partes do processo da oportunidade de contestar a vigilância potencialmente ilegal e torna difícil para os tribunais avaliarem o uso da vigilância nos EUA.

Em agosto, o governo Trump pediu ao Congresso para renovar a seção 215 da Lei Patriota dos EUA (USA Patriot Act), o que permitiu à Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) coletar, armazenar e investigar centenas de milhões de registros telefônicos dos EUA, violando direitos humanos. O então diretor de inteligência nacional admitiu em uma carta ao Congresso que a NSA tinha suspendido esse programa devido a dificuldades legais e técnicas de longa data e tinha excluído os dados que havia armazenado anteriormente. No entanto, ele argumentou que o Congresso deveria manter essa provisão de vigilância maciça para uso futuro. A lei expiraria em dezembro de 2019 na ausência de decisão do Congresso.

Liberdade de expressão

O presidente Trump continuou a atacar os meios de comunicação ao longo de 2019, caracterizando-os como, entre outras coisas, "o inimigo do povo" e "corrompido[s]". Esses ataques não apenas desgastam a confiança do público na mídia, mas também aumentam a ameaça de violência contra jornalistas e outros funcionários de veículos de comunicação.

A divulgação pública de uma acusação criminal contra Julian Assange, criador do WikiLeaks, por supostas violações da Lei de Espionagem provocou uma preocupação generalizada entre os jornalistas de que o governo poderia começar a processar os meios de comunicação que publicam informações classificadas – mesmo que a divulgação seja de interesse público. Tais processos judiciais impediriam a liberdade da mídia e impediriam o direito do público de receber informações.

Um documento governamental vazado mostrava que o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP) fez uma lista de jornalistas, ativistas e outros que abordam questões de imigração perto da fronteira sul do país; alguns desses indivíduos disseram que foram submetidos a questionamentos extras por funcionários ao atravessarem a fronteira, potencialmente desencorajando atividades protegidas pelo direito à liberdade de expressão.

Segurança nacional

Homens que apoiam a supremacia branca, anti-semita e misógina continuaram a realizar tiroteios em massa em 2019. Em El Paso, Texas, um homem supostamente executou 22 pessoas e feriu outras 27 depois de publicar um texto racista online. Na Califórnia, um homem teria matado uma mulher e ferido outros três congregantes em uma sinagoga. Em Dayton, Ohio, um homem que supostamente tinha um histórico de comportamento ameaçador em relação a mulheres matou nove pessoas e feriu outras 27.

A possibilidade de atiradores obterem armas de tipo militar para realizar essas execuções alimentou o crescente apoio público a leis federais mais fortes que restringem o acesso a armas.

Apesar do aumento dos ataques supremacistas brancos na última década, principalmente desde 2016, e das evidências de que alguns autores fazem parte de um crescente movimento transnacional de supremacistas brancos, as agências policiais dos EUA dedicaram muito menos recursos para impedir esses tipos de ataques do que para a ameaça de ataques inspirados por interpretações extremas do Islã. Em setembro, o Departamento de Segurança Interna (Homeland Security) adicionou pela primeira vez a violência supremacista branca a sua lista de ameaças prioritárias desde que a lista foi instaurada após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Os EUA mantiveram a detenção, indefinidamente e sem acusação, de 31 homens na Baía de Guantánamo, todos presos há mais de uma década, alguns desde 2002. O processo judicial contra sete homens, sob acusações relacionadas ao terrorismo, incluindo cinco relacionadas aos ataques de 11 de setembro de 2001, continuam perante as comissões militares de Guantánamo, e não atendem aos padrões internacionais de julgamento justo e se viram infestadas de problemas processuais e anos de atraso. Dois homens condenados perante as comissões também estão em Guantánamo, um cumprindo pena de prisão perpétua e o outro aguardando sentença.

Política externa

Em 2019, o presidente Trump continuou elogiando líderes autoritários e abstendo-se de publicamente manifestar preocupações com os direitos humanos em reuniões bilaterais. Ele se encontrou com o líder norte-coreano Kim Jong Um, em fevereiro e novamente em junho, junto com o presidente sul-coreano Moon Jae-in. Ele recebeu o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi na Casa Branca em abril e se reuniu com ele novamente paralelamente à cúpula do Grupo dos 7 (G7) em agosto, supostamente se referindo a ele como seu "ditador favorito". Em maio, Trump descreveu o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, que estava em visita à Casa Branca, como alguém que estava fazendo um "tremendo trabalho". Em setembro, Trump se encontrou com o primeiro-ministro indiano Narendra Modi em Houston e em novembro recebeu o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, e elogiou publicamente políticas deles ao invés do abordar o agravamento da situação dos direitos humanos por esses governos.

O governo Trump condenou repetidamente certos abusos do governo chinês, particularmente violações da liberdade religiosa e dos direitos das minorias étnicas, e em outubro adicionou o Departamento de Segurança Pública de Xinjiang, outras agências governamentais e oito empresas de tecnologia chinesas, incluindo iFlytek e Hikvision, a uma lista de sanções. Mas essas medidas ficaram em segundo plano após os comentários positivos de Trump sobre a liderança do presidente Xi Jinping.

Em abril, a promotora do TPI confirmou que os Estados Unidos haviam revogado seu visto em resposta ao seu inquérito sobre possíveis crimes de guerra das forças americanas no Afeganistão.

Os relatórios anuais do Departamento de Estado sobre a situação dos direitos humanos nos países, divulgados em março, mais uma vez excluíram a análise dos direitos reprodutivos das mulheres, inclusive quanto a informações sobre mortalidade materna evitável e acesso à contracepção.

Em março, o presidente Trump proclamou o reconhecimento de que as Colinas de Golã ocupadas por Israel fazem parte do estado de Israel, desconsiderando as proteções devidas aos moradores das Colinas de Golã sob o direito humanitário internacional. Em novembro, o Departamento de Estado anunciou que não considera mais que os assentamentos israelenses violam o direito internacional humanitário "per se", deixando os Estados Unidos fora do consenso internacional sobre o assunto.

Em abril, os EUA ameaçaram vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre violência sexual em conflitos armados porque nela havia menções a serviços de saúde reprodutiva das mulheres. Como os EUA se recusavam a aceitar qualquer menção de reconhecimento de que vítimas de estupro em guerras deveriam ter acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, a resolução foi finalmente adotada sem ela.

Em junho, o governo Trump se utilizou da ameaça de impor tarifas a produtos mexicanos para pressionar o México a se comprometer a aumentar, como nunca antes feito, o policiamento de imigração e a aceitar receber solicitantes de refúgio não mexicanos enviados dos Estados Unidos sob um abusivo programa de retorno de migrantes. O governo Trump também concluiu a acordos para enviar solicitantes de refúgio para Honduras, El Salvador e Guatemala, apesar das precárias condições de segurança e de sistemas de proteção inadequados nesses países. Em setembro, o governo dos EUA anunciou que limitaria o número anual de refugiados admitidos a 18.000 – de longe o teto mais baixo em quatro décadas.

Em uma repreensão à inação do governo Trump sobre os abusos dos direitos humanos na Arábia Saudita, o Senado votou em junho para impedir o uso do estado de emergência pelo governo para concluir várias vendas de armas, no valor de mais de 8 bilhões de doláres, para a Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e outros países. No entanto, Trump vetou a resolução e as vendas de armas foram autorizadas a avançar.

Os Estados Unidos continuaram a impor restrições de visto e congelamento de ativos a responsáveis por graves violações dos direitos humanos e corrupção. Em julho, o Departamento de Estado impôs proibições de visto a vários comandantes militares estrangeiros por seu envolvimento em graves violações dos direitos humanos, em particular a campanha de limpeza étnica de Mianmar contra os muçulmanos rohingya.

Também em julho, o Secretário de Estado, Mike Pompeo, anunciou a formação de uma Comissão Sobre Direitos Inalienáveis para fornecer "uma avaliação informada do papel dos direitos humanos na política externa americana". Muitos dos comissários têm um histórico público de oposição aos principais direitos humanos reconhecidos internacionalmente, inclusive sobre liberdade reprodutiva e direitos LGBT.

Após o cancelamento, em 2018, do Plano de Ação Conjunto Abrangente, como era conhecido o acordo nuclear com o Irã, os EUA reimpuseram amplas sanções contra o Irã e punições para empresas que negociam com o Irã. Em abril, os EUA designaram a Guarda Revolucionária Islâmica do Irã (IRGC, na sigla em inglês) como uma organização estrangeira terrorista e, em setembro, os EUA sancionaram o Banco Central do Irã por apoiar o IRGC, entre outros. Em outubro, a Human Rights Watch documentou os graves danos que essas sanções estão causando aos iranianos que precisam de cuidados de saúde e remédios.

O Departamento de Estado não divulgou uma tão prometida segunda avaliação da Política da Cidade do México (Mexico City Policy), do governo Trump, ou "regra da mordaça global", que bloqueia o financiamento federal a organizações não-governamentais operando fora dos EUA que fornecem aconselhamento ou recomendações sobre aborto ou advogam pela descriminalização do aborto ou expansão de serviços. Em março, Mike Pompeo anunciou que a regra seria interpretada mais estritamente contra o que são na maioria pequenas organizações estrangeiras de base.

Os EUA continuaram execuções deliberadas de suspeitos de terrorismo em países como Iêmen e Somália, muitos deles com drones armados. Os EUA também realizaram amplas e massivas operações militares contra grupos armados não estatais, incluindo o Taliban no Afeganistão e o Estado Islâmico (ISIS) no Iraque e na Síria. Em maio, o Departamento de Defesa informou que em 2018, 120 civis tinha sido mortos e aproximadamente 65 civis tinha sido feridos durante operações militares dos EUA no Iraque, Síria, Afeganistão e Somália, sem nenhuma vítima civil de operações dos EUA no Iêmen ou na Líbia. Organizações de independentes de monitoramento publicaram estimativas de vítimas civis relacionadas às operações dos EUA no Afeganistão, Iraque, Síria, Somália, Iêmen e Líbia que excedem em muito as do Departamento de Defesa. Os EUA não relataram publicamente nenhuma vítima de operações letais pela Agência Central de Inteligência (CIA).

Ao longo do ano, os EUA se envolveram em negociações com os líderes do Taliban sobre os termos da retirada de tropas dos EUA com base nas promessas do Taliban de não permitir que nenhum grupo armado realize ataques do Afeganistão aos EUA. No entanto, Trump cancelou as negociações dos EUA em 7 de setembro, deixando novas negociações no limbo.

Os ataques aéreos dos EUA no Afeganistão atingiram níveis recordes, com mais de 8.000 bombas e mísseis lançados no Afeganistão entre janeiro e setembro, matando e ferindo mais de 800 civis, pelo menos 250 deles crianças. Estima-se que 14.000 soldados dos EUA permaneçam no Afeganistão, incluindo forças especiais dos EUA envolvidas em operações de combate. Unidades paramilitares afegãs apoiadas pela CIA fora da cadeia de comando regular conduziram execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados.