A África do Sul continua combatendo o legado do apartheid e os desafios relacionados a lidar com as crescentes demandas de seus cidadãos para a realização de direitos econômicos e sociais, bem como respeito pelas liberdades civil e política fundamentais. Embora o governo tenha obtido um sucesso relativo na prestação de serviços sociais, a má administração financeira e a corrupção— especialmente em governos locais— prejudicaram gravemente o avanço no fornecimento eficiente de serviços sociais e econômicos.
O crescente descontentamento com governos locais, o aumento dos níveis de pobreza e o desemprego contribuíram para o ressurgimento de ameaças de violência e ataques a propriedades pertencentes a refugiados, asilados e migrantes nas províncias do Cabo Oriental e Gauteng.
Ataques xenófobos
Em maio e junho, ataques xenófobos contra as empresas e casas de refugiados, asilados e migrantes desalojaram centenas de pessoas em Gauteng. Mais de 60 lojas pertencentes a estrangeiros foram forçadas a fechar depois de saques e destruição violentos por membros da comunidade nas áreas de Orange Farm e Diepsloot, em Gauteng. Em junho e setembro, ataques semelhantes contra somalis em KwaZakhele e New Brighton em Port Elizabeth, na Província do Cabo Oriental, resultaram em saques e incêndios em várias lojas. Devido ao nível de violência xenófoba, a polícia precisou realojar alguns dos estrangeiros em abrigos temporários.
Na época em que este relatório foi escrito, ninguém havia sido preso e acusado de violência xenófoba. Em vez disso, a polícia prendeu 21 pessoas em Gauteng e as acusou de violência pública; outras 100 pessoas foram presas por atos de violência em Port Elizabeth. Declarações oficiais feitas por membros de governos locais e do governo central negaram que a violência contra estrangeiros tenha sido motivada por xenofobia ou outras formas de intolerância. Essas declarações prejudicaram o desenvolvimento de uma estratégia eficaz de longo prazo por parte da polícia para impedir crimes xenófobos lidando com suas causas. Por outro lado, algumas estratégias de intervenção planejadas por autoridades locais nas áreas afetadas, tais como campanhas de conscientização e diálogos de paz, tentaram lidar com a xenofobia.
Inquérito sobre as mortes de mineiros de Marikana
A investigação sobre as mortes de 44 pessoas, incluindo as mortes de 34 mineiros causadas pela polícia entre 11 e 16 de agosto, tem sido obstruída por atrasos no trabalho da Comissão de Inquérito de Farlam, criada para investigar essas mortes. O governo pediu que a comissão concluísse sua investigação em quatro meses, mas a velocidade do trabalho diminuiu devido à perda de documentos vitais (incluindo provas em forma de vídeo), mortes de testemunhas e uma batalha legal em curso em relação a verbas do Estado para os advogados que representam as famílias dos mineiros mortos, feridos e presos.
A comissão foi retomada em julho após uma interrupção em maio, mas os advogados que representam os mineiros feridos e presos solicitaram outro adiamento enquanto esperavam que o governo cobrisse seus honorários advocatícios. A Presidência e o Ministro da Justiça se opuseram à solicitação de verbas e os advogados levaram o caso ao Supremo Tribunal do Norte de Gauteng. Em julho, o Supremo Tribunal rejeitou a solicitação de verbas do Estado. Foi decidido pelo Juiz Raulinga que o direito a verbas do Estado não era absoluto para os mineiros de Marikana. Atrasos na entrega de provas em vídeo levaram a outra prorrogação do inquérito para 30 de outubro. Em 31 de outubro, o Presidente Jacob Zuma estendeu o prazo da Comissão de Farlam para 30 de abril de 2014.
Existem sérias preocupações sobre a conduta e a capacidade atuais dos Serviços de Polícia Sul-africanos (SAPS) em termos do uso de força em geral e de sua capacidade de lidar com revoltas de uma maneira que respeite os direitos.
Orientação sexual e identidade de gênero
A África do Sul teve um papel importante, mas inconsistente, na defesa dos direitos humanos da população LGBT internacionalmente. Dentro do país, enfrentou desafios para responder à violência generalizada (incluindo estupro e assassinato) contra lésbicas e homens transgêneros no interior.
Em 2011, a África do Sul foi fundamental na apresentação de uma resolução sem precedentes no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre o combate à violência e à discriminação contra indivíduos com base na orientação sexual e identidade de gênero. Desde então, porém, não assumiu um papel de liderança decisivo nessa questão na ONU.
Em maio de 2011, o Departamento de Justiça e Desenvolvimento Constitucional criou um Grupo de Trabalho Nacional para abordar a violência baseada em gênero e orientação sexual contra lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (LGBTI). Formado por representantes de departamentos do governo, organismos independentes e sociedade civil, o Grupo de Trabalho foi encarregado de desenvolver, implementar e monitorar uma estratégia de intervenção conjunta para abordar a violência baseada em gênero e orientação sexual contra pessoas LGBTI, especialmente nos tribunais e no setor de justiça criminal.
O Grupo de Trabalho se tornou inativo e ineficaz, mas foi transferido para o Setor de Desenvolvimento Constitucional do Departamento de Justiça e Desenvolvimento Constitucional e revigorado por meio de nova liderança, recursos adicionais, adoção de termos de referência claros e desenvolvimento de uma estratégia coordenada nacional para combater crimes de ódio e assegurar que crimes de preconceito contra a população LGBTI sejam monitorados e controlados rapidamente pelo sistema de justiça criminal. Se for efetivo, isso contribuirá muito para demonstrar o compromisso do governo com o combate à violência sexual e baseada em gênero por meio da realização de investigações genuínas e em tempo hábil, assim como processos criminais contra os perpetradores dessa violência.
Liberdade de expressão
O polêmico Projeto de Lei para a Proteção de Informações do Estado (o Projeto de Lei do Sigilo) continua sendo uma grave preocupação devido às suas restrições à liberdade de expressão, liberdade de informação, liberdade de imprensa e responsabilização democrática. Apresentado em março de 2010, o projeto de lei recebeu críticas por ser inconsistente com a Constituição da África do Sul e suas obrigações internacionais para com os direitos humanos. Ele foi alterado em abril de 2013 e uma nova versão ligeiramente modificada foi adotada pela Assembleia Nacional. No entanto, ainda existem graves preocupações sobre o projeto de lei, bem como sobre a falta de proteção para informantes e jornalistas que expõem informações de interesse público. Segundo a nova versão do projeto de lei, jornalistas ou informantes podem ser presos por relatar informações consideradas confidenciais pelo governo e que expõem casos de corrupção, má administração ou conduta ilegal por parte de funcionário público—mesmo diante de um interesse público convincente.
Em 10 de setembro, o Presidente Zuma declarou que não assinaria o Projeto de Lei do Sigilo, que foi devolvido ao Parlamento para reformulação. Zuma manifestou preocupação com a seção 42, relacionada à falha em informar a posse de informações confidenciais, e com a seção 45, relacionada à classificação adequada de informações, afirmando que elas não tinham coerência e clareza e, portanto, eram inconstitucionais. Grupos da sociedade civil deram boas-vindas ao ocorrido, mas pediram que o governo abordasse outros aspectos draconianos do projeto de lei, incluindo seções que oferecem penas e sanções rigorosas pela posse de informações consideradas confidenciais pelo governo.
Grupos locais da sociedade civil instaram o governo a alterar o projeto de lei para garantir o cumprimento de normas internacionais sobre liberdade de expressão, inclusive proporcionando a defesa do interesse público. Em 12 de novembro, o Parlamento adotou uma versão revisada do projeto de lei, mas não conseguiu abordar as preocupações da sociedade civil com seus outros aspectos draconianos. O projeto de lei foi devolvido ao presidente para aprovação. Ele ainda não havia sido assinado na época em que este relatório foi escrito.
Direitos das mulheres
O polêmico Projeto de Lei do Tribunal Tradicional, que foi retirado do Parlamento em 2012, passou por um novo processo de consulta durante o primeiro semestre de 2013. Depois de audiências públicas sobre o projeto de lei, o governo enviou o relatório da consulta às nove províncias da África do Sul para determinar se ele seria apoiado. O projeto de lei tem recebido críticas por dar autoridade aos líderes tradicionais para impor versões polêmicas do direito consuetudinário que infringem os direitos das mulheres. Exemplos incluem a prática de ukutwala (casamento forçado), além de práticas sociais e econômicas discriminatórias, como negação do acesso à terra e herança.
Direitos de pessoas com deficiência
Apesar da legislação progressista sobre deficiências e da ratificação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, as crianças com deficiência (especialmente as que vivem em instituições em áreas rurais) têm acesso limitado à educação convencional e são particularmente vulneráveis a abusos físicos e sexuais. Os defensores de pessoas com deficiência manifestaram sérias preocupações sobre a qualidade dos cuidados institucionais fornecidos a crianças com deficiência e à falta de supervisão do governo.
Direitos de Asilo
Desafiando ordens judiciais, o Departamento de Assuntos Internos se recusou a reabrir três dos sete Escritórios de Recepção de Refugiados, fechados em 2011. Os fechamentos (que fizeram parte do plano do departamento para transferir os processos de asilo às fronteiras do país) limitaram o acesso dos requerentes de Asilo ao procedimento de asilo, bem como a autorizações de trabalho, abrigo adequado e assistência enquanto seus pedidos de refúgio estão pendentes. Em 20 de junho, o Supremo Tribunal do Cabo Oriental ordenou novamente que o governo reabrisse o Centro de Recepção de Refugiados de Port Elizabeth e garantisse seu funcionamento total até 01 de outubro. Durante a elaboração deste relatório, o centro de recepção ainda não havia sido reaberto.
Política externa da África do Sul
Desde o fim do apartheid, a África do Sul tem sido uma voz importante e influente nos debates sobre respostas internacionais a questões de direitos humanos na África e no resto do mundo. Por duas vezes, foi eleita membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas; é membro do fórum trilateral IBSA, composto por Índia, Brasil e África do Sul; faz parte do grupo de economias emergentes BRICS, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Seu papel na União Africana (UA) e como mediadora e colaboradora para forças de manutenção da paz no continente também aumentou rapidamente. Em novembro, a África do Sul foi eleita para o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
O governo sul-africano pós-apartheid conseguiu criar normas nacionais baseadas nos ideais de equidade, justiça e direitos humanos que, em maior medida, determinaram a abordagem do país à sua política externa. A política externa sul-africana reflete, de forma consistente, o desejo de integrar plenamente o país no sistema global. Ao mesmo tempo, sua política externa permanece sensível à história de apartheid do país, o que resulta em seu desejo de ser visto como um agente internacionalmente responsável, uma ponte entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e um dos representantes da África em assuntos globais.
A história da África do Sul também fez com que ela visse a política externa por meio das lentes de sua própria história de alcançar soluções negociadas e embasadas localmente para situações e conflitos políticos em que a obtenção de paz e justiça foi buscada como imperativos que se reforçam mutuamente.
Muitas vezes, as diferentes vertentes concorrentes da política externa se manifestaram na aplicação inconsistente e, por vezes, contraditória dos ideais da política externa sul-africana, bem como na falha em alinhar consistentemente a política externa com os princípios de direitos humanos articulados na constituição do país.
No último ano, a África do Sul assumiu posições sobre crises políticas em vários países que, em algumas ocasiões, estiveram em desacordo com seus princípios de direitos humanos. Em agosto, o país—que desempenhou um papel fundamental na mediação da crise política no Zimbábue—endossou as problemáticas eleições de julho no Zimbábue, que resultaram no sétimo mandato do Presidente Robert Mugabe.
Na Síria, as expressões de preocupação da África do Sul com a situação política e o aumento da violência, incluindo o uso de armas químicas pelo governo sírio, foram atenuadas pela relutância em condenar os abusos cometidos pelo Presidente Bashar al-Assad contra seus próprios cidadãos. Em vez disso, o país tem repetidamente enfatizado a importância de que todas as partes envolvidas no conflito sírio participem de um diálogo nacional inclusivo para chegar a um acordo negociado. Por outro lado, a África do Sul condenou veementemente o golpe militar ocorrido em julho no Egito e os abusos em curso cometidos por militares. Também apoiou veementemente a decisão da UA de suspender o Egito do organismo regional devido à “mudança inconstitucional de governo”.
A África do Sul tem trabalhado de modo consistente para trazer paz e estabilidade para a República Democrática do Congo, além de acabar com os abusos cometidos. Para isso, forças sul-africanas foram enviadas à brigada de intervenção sob os auspícios da Missão de Estabilização da Organização das Ações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO), no leste do país. A África do Sul também desempenhou papéis importantes em iniciativas de paz e reconstrução e na restauração de direitos no Sul do Sudão e na Somália.