O Brasil está entre as democracias mais influentes em assuntos regionais e globais. Nos últimos anos, tornou-se uma voz cada vez mais importante em debates sobre as respostas internacionais a problemas de direitos humanos. No plano doméstico, entretanto, o país continua enfrentando graves desafios relacionados aos direitos humanos, incluindo execuções extrajudiciais cometidas por policiais, tortura, superlotação das prisões e impunidade para os abusos cometidos durante o regime militar (1964-1985).
Para lidar com altos índices de criminalidade, alguns policiais brasileiros se envolvem em práticas abusivas e permanecem impunes. Recentemente, os governos dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro adotaram medidas para melhorar o desempenho das polícias e cessar os abusos, mas falsos boletins de ocorrência e outras formas de acobertamento persistem.
No início de junho, centenas de milhares de pessoas pelo país protestaram contra serviços públicos inadequados, a corrupção e o alto custo das preparações para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2014 e 2016, entre outras insatisfações. Em vários incidentes, policiais usaram gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha contra manifestantes de forma desproporcional. Em outubro, mais de 200 pessoas foram presas no Rio de Janeiro após uma manifestação durante a qual bancos, lojas e edifícios foram destruídos. O Ministro de Estado da Justiça e agentes de segurança pública dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo anunciaram, em novembro, que trabalhariam em conjunto para prevenir e punir atos de violência cometidos por manifestantes e policiais.
Em agosto, a Presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei que cria o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O Mecanismo será formado por 11 peritos com poderes para realizar visitas periódicas a estabelecimentos civis e militares em que indivíduos são privados de sua liberdade.
Segurança pública e conduta policial
A violência generalizada por grupos criminosos e policiais abusivos é um grave problema em diversas cidades brasileiras. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (uma organização não governamental que coleta dados oficiais de órgãos estaduais e federais), 1.890 pessoas morreram em confronto com policiais em serviço no Brasil em 2012. É uma média de cinco pessoas por dia. Somente nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, policiais foram responsáveis por 362 mortes no primeiro semestre de 2013, registradas como resultado de confrontos com criminosos. No entanto, nem todas as mortes ocorridas em decorrência de ação policial resultam do uso legítimo de força, fato esse documentado pela Human Rights Watch e outros grupos e reconhecido por agentes da justiça criminal brasileira.
Em janeiro de 2013, o governo do Estado de São Paulo editou uma resolução que proíbe policiais de removerem os corpos de vítimas de confronto das cenas do crime. Trata-se de uma tentativa de impedir o acobertamento de execuções extrajudiciais cometidas por policiais. Posteriormente, asmortes ocorridas em decorrência de açãopolicial no estado caíram aproximadamente 34% no primeiro semestre de 2013, segundo dados oficiais. No entanto, ainda há obstáculos significativos à responsabilização por execuções extrajudiciais em São Paulo, como falhas na preservação de provas forenses e a falta de profissionais e recursos para assessorar o Ministério Público na sua tarefa constitucional de exercer o controle externo da polícia.
Em abril de 2013, no Estado do Rio de Janeiro, 11.749 policiais e outros servidores públicos receberam compensação financeira por alcançarem metas de redução de criminalidade e violência, incluindomortes em decorrência de açãopolicial. Até setembro de 2013, 34 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) haviam sido criadas em comunidades de baixa renda com o objetivo de proporcionar uma presença policial mais eficaz. O programa foi severamente criticado quando Amarildo Dias de Souza, um morador da comunidade da Rocinha, desapareceu no dia 14 de julho após ser preso por policiais da UPP local, que afirmaram tê-lo libertado. Em 02 de agosto, a Ministra de Estado de Direitos Humanos conclamou o governo do Rio de Janeiro a garantir que o desaparecimento de Amarildo fosse devidamente investigado. Em outubro, 25 policiais foram denunciados pela prática do crime de tortura em relação ao desaparecimento de Amarildo. Dezessete deles também foram denunciados pelo crime de ocultação de cadáver.
Condições carcerárias, tortura e maus-tratos
Muitas prisões e cadeias brasileiras enfrentam grave superlotação e violência. A taxa de encarceramento do país subiu quase 30% nos últimos cinco anos, de acordo com o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen) do Ministério da Justiça. A população carcerária adulta atual é superior a meio milhão de pessoas—43% além da capacidade do sistema prisional. Ademais, 20.000 adolescentes cumprem medidas que implicam privação de liberdade. Os atrasos no sistema de justiça contribuem para a superlotação. Quase 200.000 presos aguardam julgamento. No Estado do Piauí, 66% dos presos custodiados no sistema penitenciário são presos provisórios, a maior taxa do país.
A superlotação e a falta de saneamento facilitam a propagação de doenças; o acesso dos presos à assistência médica continua inadequado. A tortura é um problema crônico em delegacias de polícia e centros de detenção. A Subcomissão das Nações Unidas para a Prevenção de Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes informou que recebeu relatos “repetidos e consistentes” de presos sobre espancamentos e outros maus-tratos durante a custódia policial. Agentes da segurança públicado Estado do Paraná foram denunciados criminalmente pelo espancamento, sufocamento e aplicação de choques elétricos a quatro homens para forçá-los a confessar o estupro e assassinato de uma menina de 14 anos em julho de 2013. Em agosto de 2013, a imprensa divulgou imagens das câmeras de segurança do complexo prisional de Vila Maria, no Estado de São Paulo, mostrando agentes da Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) espancando seis adolescentes. O diretor da unidade e outros três funcionários supostamente envolvidos no incidente foram afastados.
Autoridades responsáveis pela aplicaçãoda lei que cometem abusos contra presos e detentos raramente são levados à justiça. Uma notável exceção ocorreu em agosto de 2013, quando 48 policiais foram condenados pelo homicídio de parcela relevante dos 111 detentos mortos na prisão do Carandiru, Estado de São Paulo, em 1992.
Em agosto de 2013, a Presidente Dilma Rousseff assinou uma lei que cria o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O Mecanismo será formado por 11 peritos com poderes para realizar visitas periódicas a estabelecimentos civis e militares nos quais pessoas são privadas de sua liberdade. Também poderão iniciar investigações sobre possíveis casos de tortura e fazer recomendações a instituições públicas e privadas. No momento em que este relatório foi escrito, o Mecanismo ainda não havia entrado em pleno funcionamento.
Liberdade de expressão e Acesso à Informação
Dezenas de jornalistas que cobriram as manifestações de junho foram feridos ou detidos pela polícia. Durante um protesto em São Paulo em 13 de junho, uma repórter e um fotógrafo foram atingidos nos olhos por balas de borracha e ficaram gravemente feridos. Após o incidente, a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo abriu uma investigação sobre o uso de força policial contra os jornalistas. Autoridades federais conclamaram governos estaduais a oferecerem “proteção especial” a representantes da imprensa.
Seis jornalistas foram mortos no Brasil entre janeiro e novembro de 2013. Duas das vítimas trabalhavam para o jornal Vale do Aço no Estado de Minas Gerais. Em agosto, investigadores concluíram que policiais estavam envolvidos em suas mortes. Os policiais em questão foram detidos posteriormente e denunciados pela prática do crime de homicídio duplamente qualificado.
Até novembro de 2013, 16 dos 27 estados brasileiros haviam aprovado uma legislação para implementar a lei federal de acesso à informação que entrou em vigor em 2012. A lei determina que não poderá ser negado acesso à informação sobre violações de direitos fundamentais.
Direitos reprodutivos e violência de gênero
O Código Penal do Brasil proíbe o aborto exceto em casos de estupro ou se for necessário para salvar a vida da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal passou a incluir casos de anencefalia, ou seja, quando o feto tem uma anomalia congênita. As mulheres e meninas que fizerem um aborto fora dessas exceções estão sujeitas apenas de até três anos de prisão, enquanto aqueles que realizam abortos podem receber sentenças de até quatro anos.
Em agosto de 2013, a Presidente Dilma sancionou uma lei que exige que hospitais públicos forneçam cuidados integrais para vítimas de violência sexual, incluindo “profilaxia da gravidez” a vítimas de estupro e informações sobre o direito ao aborto nos casos permitidos por lei. Na mesma ocasião, a Presidente encaminhou um projeto de lei ao Congresso esclarecendo que “profilaxia da gravidez” consiste em “medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro”.
Orientação sexual e identidade de gênero
A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos recebeu mais de 3.000 denúncias de violência contra apopulaçãode lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) em 2012. Foi um número 166% maior do que em 2011, ano em que a Ouvidoria iniciou o monitoramento dessas denúncias por meio de um serviço de linha direta.
Em março de 2013, o Pastor Marcos Feliciano, presidente recém-eleito da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, propôs um projeto de lei que suspenderia parcialmente uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe psicólogos de tratarem a homossexualidade como uma doença. A votação do projeto de lei foi cancelada em julho após intenso protesto.
Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que determina que as autoridades competentes dos cartórios que se recusarem a celebrar casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo ou converter uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo em casamentos serão encaminhados à Corregedoria do Poder Judiciário para ação disciplinar. A igualdade de direitos para casais do mesmo sexo foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2011.
Direitos trabalhistas
Esforços do governo federal para erradicar o trabalho forçado levaram à libertação de mais de 44.000 trabalhadores que viviam em condições análogas à escravidão desde 1995, segundo dados oficiais. Contudo, a Comissão Pastoral da Terra (uma ONG católica) recebeu denúncias referentes a aproximadamente 3.000 trabalhadores supostamente submetidos a trabalho forçado em 2012. A responsabilização criminal para os empregadores recorrem a essa prática continua sendo relativamente rara.
Em junho de 2013, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado federal aprovou uma emenda constitucional que permitiria o confisco de propriedades na qual for comprovado o uso do trabalho forçado, sem direito a indenização aos proprietários. A aprovação final dependerá de votação pelo plenário do Senado.
Em março de 2013, o Brasil adotou uma emenda constitucional que garante a cerca de 6,5 milhões de trabalhadores domésticos do país o direito ao pagamento de hora extra, seguro-desemprego, aposentadoria e jornada de trabalho de oito horas diárias (no máximo) e 44 horas semanais, dentre outros direitos.
Violência no campo
Ativistas rurais e líderes indígenas envolvidos em conflitos de terra continuam enfrentando ameaças e violência. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 36 pessoas envolvidas em conflitos de terra foram mortas e 77 sofreram tentativas de homicídio em todo o país em 2012. Quase 2.500 ativistas rurais foram ameaçados de morte durante a última década.
Em maio de 2013, vários membros do grupo indígena Terena ficaram feridos e um foi morto durante um despejo judicial no Estado do Mato Grosso do Sul. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) havia determinado que a área era terra ancestral dos Terenas em 2010, mas, em 2012, um tribunal estadual decidiu que ela pertencia a um fazendeiro. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário da Igreja Católica, 37 membros de tribos indígenas foram mortos no Mato Grosso do Sul em 2012—o número mais alto entre todos os estados brasileiros.
Confrontando abusos do passado
Em maio de 2012, a Comissão Nacional da Verdade começou a investigar as violações sistemáticas dos direitos humanos que ocorreram durante o regime militar (1964 - 1985), incluindo execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, tortura, detenções arbitrárias e restrições àliberdade de expressão.
Uma lei de anistia de 1979, a qual teve sua validade confirmada em abril de 2010 pelo Supremo Tribunal Federal, tem impedido que os autores desses crimes sejam processados e punidos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou, seis meses depois, que essa interpretação da lei de anistia viola as obrigações do Brasil perante o direito internacional e que a anistia não pode impedir a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar.
Procuradores da República em São Paulo ofereceram em abril uma denúncia criminal contra um coronel reformado do Exército e um delegado de polícia pela prática do crime de ocultação do cadáver de um estudante morto durante a ditadura militar. Em agosto a ação penal foi acolhida por um juiz federal, dando início ao processo que levará os réus a julgamento. No Rio de Janeiro, todavia, um juiz federal recusou o cabimento de uma denúncia criminal em junho pelo crime de sequestro em face de militares envolvidos com desaparecimento de um jornalista em 1970.
Principais atores internacionais
Em março de 2013, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenção Arbitrária expressou preocupação em relação a longos períodos de prisão provisória e à falta de assistência jurídica pública para os detentos. Em junho, a enviada especial da ONU sobre o direito à moradia adequada pediu que autoridades locais “evitassem remoções forçadas” no preparo para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 e, além disso, cumprissem as diretrizes internacionais nos casos de despejos justificados.
Em uma visita ao Brasil no mês de julho, o Papa Francisco condenou as execuções extrajudiciais cometidas por policiais durante uma oração com crianças sem-teto no Rio de Janeiro. Também conclamou autoridades estaduais e a sociedade civil a utilizarem o diálogo como alternativa à “indiferença egoísta e o protesto violento”.
Política externa do Brasil
Após retornar ao Conselho de Direitos Humanos, o Brasil manteve uma trajetória positiva, apoiando a adoção de resoluções em diversas situações críticas de direitos humanos, incluindo no Irã e na Sri Lanka. Em junho, por exemplo, o Brasil votou a favor de duas resoluções que tratavam da deterioração da situação humanitária na Síria. Também aprovou a entrega do relatório final da Comissão Independente de Inquérito sobre a Síria à Assembleia Geral da ONU. Todavia, a delegação brasileira diminuiu significativamente sua participação nos processos e negociações do Conselho em comparação com seu papel de destaque durante o período anterior.
Na Assembleia Geral da ONU, o Brasil se absteve de uma resolução em maio que condenou a violência na Síria e reconheceu a Coalização Nacional Síria da oposição como “interlocutora representativa eficaz para uma transição política”. Além disso, se absteve, em novembro, de uma resolução da Terceira Comissão da Assembleia Geral da ONU que expressou preocupação sobre violações de direitos humanos no Irã como a tortura e execuções públicas. No mesmo mês, porém, o Brasil apoiou uma resolução que pedia que todas as partes envolvidas no conflito na Síria cessassem imediatamente todas as violações e abusos de direitos humanos internacionais e do direito internacional humanitário.
Em 2011, o governo Dilma retirou o seu embaixador da Organização dos Estados Americanos após a Comissão Interamericana de Direitos Humanos emitir medidas cautelares contra o Brasil devido a questionamentos sobre a falta de consulta a grupos indígenas antes do início da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. O embaixador ainda não foi reempossado.
Depois que a imprensa informou, em setembro, que os Estados Unidos e o Reino Unido monitoram massivamente cidadãos, empresas e líderes políticos brasileiros, a presidente Dilma Rousseff cancelou uma visita de Estado aos Estados Unidos marcada para outubro. Em um discurso perante a Assembleia Geral da ONU, ela anunciou que o Brasil assumiria um papel de liderança na construção de um mecanismo global de governança da internet para proteger o direito à privacidade.
Anteriormente, o Brasil havia expressado preocupação às autoridades britânicas sobre a detenção de um cidadão brasileiro para interrogatório no Aeroporto de Heathrow, em Londres. A detenção estava aparentemente relacionada a informações sobre monitoramento dos EUA vazadas à imprensa por seu parceiro. Em novembro, o Brasil e a Alemanha propuseram uma Resolução para a Assembleia Geral da ONU pedindo que os países adotem medidas para acabar com as violações do direito à privacidade e garantam a supervisão eficaz do monitoramento de comunicações e coleta de dados pessoais pelo Estado.