Skip to main content

Brasil

Acontecimentos de 2010

Embora nos últimos anos o Brasil tenha consolidado o seu lugar como uma das democracias mais influentes em assuntos regionais e globais, importantes desafios em direitos humanos continuam. Confrontados com altos níveis de crimes violentos, alguns policiais brasileiros engajam-se em práticas abusivas ao invés de seguirem políticas legítimas de policiamento. As condições de detenção no país são muitas vezes desumanas e a tortura continua sendo um problema grave. O trabalho forçado persiste em alguns estados, apesar de esforços do governo federal para erradicá-lo. Os povos indígenas e trabalhadores sem terra enfrentam ameaças e violência, particularmente em conflitos rurais sobre a distribuição de terras.

Segurança Pública e Conduta Policial

A maioria das áreas metropolitanas do Brasil são assoladas por violência cometida por gangues criminosas e policiais abusivos. A violência afeta principalmente comunidades de baixa renda. A cada ano, ocorrem mais de 40.000 homicídios intencionais no Brasil. No Rio de Janeiro centenas de comunidades de baixa renda são ocupadas e controladas por gangues de traficantes, que costumam praticar crimes violentos e extorsão.

O abuso policial, inclusive execuções extrajudiciais, é um problema crônico. Segundo dados oficiais, a polícia foi responsável por 505 mortes apenas no estado do Rio de Janeiro nos primeiros seis meses de 2010. Isso equivale a cerca de três mortes causadas por policiais por dia, ou, pelo menos, uma morte causada por policial a cada seis casos de homicídio doloso "regular". O número de mortes cometidas por policiais em São Paulo, embora menor do que no Rio de Janeiro, também é relativamente alto. O relatório de 2009 da Human Rights Watch apurou que a polícia no estado de São Paulo matou mais pessoas ao longo dos cinco anos anteriores do que a polícia em toda a África do Sul, um país com taxas de homicídio maiores do que São Paulo.

A polícia afirmou que esses são casos de "resistência seguida de morte" que ocorrem em confrontos com criminosos. Apesar de que muitos assassinatos cometidos pela polícia, sem dúvida, resultem do uso legítimo da força por policiais, muitos outros casos não, fato documentado pela Human Rights Watch e outros grupos brasileiros e reconhecido por oficiais da justiça criminal. Os esforços de reforma deixam a desejar porque os sistemas de justiça criminal dos estados dependem quase exclusivamente de investigadores da polícia para resolver esses casos, deixando a polícia em grande parte encarregada de policiar a si mesma.

Em 2010, o procurador-geral de São Paulo deu um passo importante para resolver o problema da violência policial, estabelecendo que todos os casos envolvendo suposto abuso policial seriam investigados por uma unidade especial do Ministério Público.

Desde 2008, o estado do Rio de Janeiro instalou Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) em algumas favelas, com o objetivo de estabelecer uma presença policial mais eficaz a nível da comunidade. No entanto, o estado ainda não tomou as medidas adequadas para assegurar que os policiais que cometem abusos sejam responsabilizados.

Alguns policiais também cometem abusos em seu período de folga. No Rio de Janeiro, milícias compostas por policiais controlam dezenas de bairros à força de armas, extorquindo moradores e cometendo assassinatos e outros crimes violentos. O governo tem empenhado esforços significativos para desmantelar alguns desses grupos, e dezenas de membros de milícias foram presos, mas o problema continua grave.

Em abril de 2010, 23 pessoas foram executadas na região de Santos, no estado de São Paulo. Os moradores locais atribuíram as mortes a um esquadrão da morte conhecido como "Ninjas", que supostamente inclui policiais entre os seus membros.

Em julho de 2010, quatro policiais militares foram condenados pelo assassinato e decapitação de uma pessoa com deficiência mental. Eles foram identificados como sendo membros de um esquadrão da morte conhecido como "Highlanders", um apelido derivado da prática do grupo de cortar as cabeças e as mãos de suas vítimas em um esforço para encobrir seus crimes (uma prática a partir do filme de ficção de 1986 chamado Highlander).

Condições Carcerárias, Tortura e Maus-Tratos

Condições desumanas, violência e grave superlotação dominam as prisões e cadeias do Brasil. Atrasos no sistema de justiça contribuem para a superlotação: cerca de 44 por cento de todos os presos no país estão detidos preventivamente.

Nos últimos três anos, o Conselho Nacional de Justiça, órgão de fiscalização do judiciário, ordenou a libertação de mais de 25 mil presos que estavam detidos arbitrariamente.

O uso da tortura é um problema crônico no sistema penitenciário. Um relatório pluripartidário da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Penitenciário concluiu que o sistema penitenciário nacional é atormentado por "tortura física e psicológica." Em um caso de Goiás, a Comissão recebeu provas de que a Força Nacional de Segurança submeteu detentos a chutes e choques elétricos, pisaram no abdômen de uma mulher grávida, e forçaram uma outra mulher a se despir. Um relatório de 2010 da Pastoral Carcerária concluiu que estes problemas continuam.

As gangues continuam a dominar os presídios no Brasil. No início de 2010, a rivalidade entre gangues em uma prisão do estado do Paraná levou a um motim envolvendo 1.200 presos. Cinco pessoas foram mortas, inclusive duas pessoas que morreram queimadas.

As taxas de prevalência de HIV e tuberculose nas prisões brasileiras são muito maiores do que as taxas na população em geral; condições de superlotação facilitam a propagação de doenças e o acesso a assistência médica aos presos continua a ser inadequado.

Houve também constantes relatos de condições precárias em centros de detenção juvenis do Rio de Janeiro administrados pelo Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (DEGASE). Em 2010, 44 agentes do DEGASE foram acusados de participar de uma sessão de tortura em 2008, que resultou na morte de um jovem e deixou outros 20 feridos.

Uma lei de 2001 tentou reformar o sistema de instituições de saúde mental, que apresentava problemas de superlotação e condições desumanas, mas a lei ainda não foi totalmente implementada.

Direitos Reprodutivos

Invasões em clínicas de planejamento familiar e repressão agressiva ao aborto limitaram o acesso das mulheres aos serviços de saúde reprodutiva em 2010. Em maio, um projeto de lei que dá prioridade aos direitos humanos de óvulos fertilizados sobre os da mulher grávida foi votado favoravelmente na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Até o momento da elaboração deste relatório, o projeto ainda estava pendente.

Trabalho Forçado

Desde 1995, o governo federal tem dado passos importantes para erradicar o trabalho forçado, inclusive com a criação de unidades de investigação móvel para monitorar as condições nas zonas rurais e criando uma lista de empregadores que utilizaram trabalho forçado. Mais de 36.000 trabalhadores foram libertados desde 1995. No entanto, a Comissão Pastoral da Terra informou que mais de 6.000 trabalhadores foram sujeitos a trabalhos forçados em 2009. Além disso, a responsabilização penal de empregadores infratores permanece relativamente rara.

Segundo a relatora especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, o trabalho forçado também está presente na indústria de confecções nos centros urbanos brasileiros.  Trabalhadores bolivianos são recrutados pelas fábricas brasileiras e traficados para São Paulo, onde têm de suportar duras condições de vida e de trabalho. Eles são muitas vezes trancados em porões, trabalham até 18 horas por dia, e recebem baixíssima remuneração.

Violência Rural e Conflitos pela Terra

Os povos indígenas e trabalhadores sem terra enfrentam ameaças e violência, particularmente em conflitos de terra em áreas rurais. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 25 pessoas foram mortas e 62 foram atacados em conflitos rurais em todo o país em 2009. Em setembro de 2010 José Valmeristo Soares, um membro do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, foi assassinado por pistoleiros no Pará, estado com o maior número de assassinatos de trabalhadores sem terra.

Confrontando Abusos do Passado

O Brasil nunca processou os responsáveis pelas atrocidades cometidas durante o período da ditadura militar (1964-1985). Uma lei de anistia de 1979 tem sido aplicada para barrar processos contra agentes do Estado, uma interpretação reafirmada, em abril de 2010 pelo Supremo Tribunal Federal.

O governo federal apresentou em 2010 uma lei que cria uma comissão nacional da verdade para investigar os abusos da época da ditadura, mas até o momento da elaboração deste relatório, sua aprovação ainda estava pendente no Congresso.

Defensores de Direitos Humanos

Alguns defensores de direitos humanos, particularmente aqueles que trabalham sobre questões de violência policial e conflitos de terra, sofrem intimidação e violência. Em janeiro de 2009, Manoel Mattos, um advogado de direitos humanos, foi baleado e morto na zona fronteiriça entre os estados da Paraíba e Pernambuco. O principal suspeito, um policial ligado a um esquadrão da morte que Mattos investigava, foi preso. Em outubro de 2010, em uma decisão sem precedentes, o Judiciário decidiu em favor de um pedido do Ministério Público no sentido de conceder competência a promotores federais sobre esse caso para garantir uma investigação e processo independente.

Liberdade da Mídia

Em julho de 2009, um tribunal emitiu uma liminar proibindo o jornal O Estado de S. Paulo de publicar notícias com informações sobre a "Operação Faktor", uma investigação policial envolvendo Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney. Apesar das duras críticas de organizações de liberdade de imprensa nacional e internacional, a decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2009. Até o momento de elaboração deste relatório as restrições ainda estavam em vigor.

Em setembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal suspendeu uma norma do direito eleitoral, que impunha restrições a programas de rádio e televisão que "degradam ou ridicularizam" candidatos políticos.

Principais Atores Internacionais

Em março de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou um pedido na Corte Interamericana sobre o caso da "Guerrilha do Araguaia", pedindo que o tribunal considerasse o Brasil responsável pelo desaparecimento forçado de membros da guerrilha realizada por militares brasileiros na década de 1970, durante a ditadura militar. A Comissão também pediu a Corte que instruísse o governo brasileiro para garantir que a lei de anistia não continue a barrar as investigações e o processo de abusos aos direitos humanos. Em maio de 2010, o ministro da Defesa brasileiro declarou que o Brasil não cumpriria tal decisão. Até o momento de elaboração deste relatório, a decisão do tribunal ainda estava pendente.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença contra o Brasil em setembro de 2009, no caso Garibaldi vs. Brasil, declarando que as autoridades brasileiras não agiram com a devida diligência na investigação da morte de Sétimo Garibaldi, morto em 1998 durante uma operação extrajudicial destinada a despejar as famílias de trabalhadores sem terra no Paraná.

O Brasil aumentou sua influência no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em 2009, o governo se absteve de apoiar fortes críticas contra a Coreia do Norte, o Sri Lanka e a República Democrática do Congo. Em 2010, o governo brasileiro melhorou sua atuação apoiando o contínuo monitoramento das Nações Unidas sobre as condições dos direitos humanos na Coreia do Norte e no Sudão além de  convocar uma sessão sobre o Haiti. O Brasil também propôs em 2010 que o Conselho desenvolvesse uma abordagem mais cooperativa e menos contraditória ao seu trabalho, uma idéia que poderia enfraquecer o Conselho se não for acompanhada por novos mecanismos que assegurem a responsabilização em caso de abusos contra os direitos humanos.