Diante de uma crise de segurança pública com altas taxas de crimes violentos, algumas forças policiais brasileiras se engajam em práticas abusivas em vez de adotarem políticas apropriadas de policiamento. As condições de detenção no país são desumanas. A tortura continua sendo um problema grave. O trabalho forçado persiste em alguns Estados, apesar de esforços do governo federal para erradicá-lo. Povos indígenas e trabalhadores sem terra enfrentam ameaças e violência em conflitos rurais relativos à distribuição da terra.
Violência Policial
As áreas metropolitanas brasileiras são assoladas pela violência cometida por gangues criminosas e policiais abusivos. A violência afeta principalmente comunidades de baixa renda. Quase 50.000 homicídios ocorrem anualmente no Brasil.
No Rio de Janeiro, centenas de comunidades de baixa renda são ocupadas e controladas por gangues, que rotineiramente se engajam no tráfico ilegal de drogas e cometem atos de extorsão e crimes violentos.
A violência policial, incluindo execuções extrajudiciais, é um problema crônico. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a polícia foi responsável por aproximadamente um em cada cinco homicídios intencionais nos primeiros seis meses de 2008, segundo estatísticas oficiais. A polícia alega que estas mortes ocorrem em confrontos com criminosos e as registra como "resistência" - 757 homicídios cometidos por policiais foram registrados assim no Estado do Rio de Janeiro entre janeiro e junho de 2008 (uma média de quatro por dia). Também há relatos de tiros disparados de forma indiscriminada por policiais do Rio de Janeiro, especialmente durante as chamadas megaoperações em bairros de baixa renda. Em agosto de 2008, o Relator Especial das Nações Unidas de Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Philip Alston, classificou as megaoperações no Rio de Janeiro como "homicidas e contraproducentes".
Abusos também são cometidos por policiais fora do horário de serviço. Por exemplo, promotores estimam que, de todos os homicídios ocorridos no Estado de Pernambuco 70% são cometidos por esquadrões da morte, cujos membros, acredita-se, incluem policiais. As milícias que controlam várias dezenas de comunidades de baixa renda no Rio de Janeiro também têm policiais fora de serviço entre seus membros. Segundo relatos, em uma dessas comunidades, a Favela Batan, um morador e três funcionários do jornal O Dia que conduziam uma investigação confidencial sobre atividades das milícias foram seqüestrados e torturados por membros da milícia em maio de 2008. Eles foram submetidos a espancamentos, sufocamento, choques elétricos, roleta russa e ameaças de agressão sexual e de morte. Após denúncias pela mídia, pelo menos dois membros da milícia foram presos - incluindo seu suposto líder Odnei Fernando da Silva, um investigador da polícia civil - e aguardam julgamento.
Condições de Detenção, Tortura e Maus-Tratos
A tortura continua sendo um problema grave no Brasil. O relatório oficial e pluripartidário da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário, finalizado em julho de 2008 após dez meses de trabalho e baseado em provas coletadas em todos os 26 Estados brasileiros mais Brasília, concluiu que o sistema penitenciário nacional é maculado pelas "torturas psicológicas e físicas". Em um caso de Goiás, a comissão recebeu provas de que membros da Força de Segurança Nacional submeteram detentas a chutes e choques elétricos, pisaram no abdômen de uma mulher grávida e forçaram outra mulher a se despir. A comissão também observou que ouviu relatos de tortura em todos os centros de detenção que inspecionou. Em seis Estados - Rondônia, Piauí, Mato Grosso, Ceará, Maranhão e Goiás - "e em tantos outros Estados", a comissão documentou a presença de "marcas de torturas" em prisioneiros. O relatório também afirma que espancamentos são "rotina nas cadeias brasileiras". Abusos também são cometidos em centros de detenção de jovens e adolescentes. No Rio de Janeiro, em janeiro de 2008, Andreu Luís da Silva de Carvalho, de 17 anos, foi supostamente torturado até a morte por guardas do sistema de detenção juvenil, o Departamento Geral de Ações Sócioeducativas.
As condições desumanas, a violência e a superlotação que historicamente caracterizaram os centros de detenção brasileiros permanecem sendo um dos principais problemas de direitos humanos do país. A lentidão do sistema judiciário contribui para a superlotação. Segundo estatísticas oficiais, a população encarcerada chegou a 440.000 prisioneiros (um aumento de mais de 40% em cinco anos), aproximadamente 43% dos quais ainda não haviam sido submetidos a julgamento. Há indícios críveis de que alguns juízes e promotores não cumprem adequadamente seu dever de inspecionar centros de detenção.
Em janeiro de 2008, 119 detentas estavam sendo supostamente mantidas em uma cela parcialmente descoberta e construída para abrigar 12 pessoas na cadeia de Monte Mor, em São Paulo, com menos de um metro quadrado por pessoa. Segundo relatos, quatro das detentas estavam grávidas e uma delas permaneceu na cela por dois dias com seu recém-nascido após dar à luz. Dezenas de mulheres foram transferidas depois que os relatos saíram na mídia. Também houve relatos de mulheres e meninas sendo encarceradas com homens, em violação às normas internacionais. Por exemplo, em novembro de 2007 no Estado do Pará uma adolescente foi estuprada repetidamente em uma delegacia em Abaetetuba enquanto dividia uma cela com cerca de 20 homens por pelo menos 15 dias.
No Estado de Rondônia, apesar de seis medidas provisórias expedidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos determinando que o Brasil protegesse os detentos no presídio Urso Branco, mais de 100 prisioneiros foram mortos no local desde que a primeira destas medidas foi emitida pela Corte em 2002. Em outubro de 2008, o Procurador-Geral da República pediu intervenção federal no presídio Urso Branco por causa dos problemas crônicos no local.
Trabalho Forçado
Desde 1995, o governo federal toma medidas para erradicar o trabalho forçado, incluindo a criação de unidades investigativas móveis para monitorar as condições de trabalho em áreas rurais. A Comissão Pastoral da Terra, contudo, coletou relatos de 8.653 pessoas em condições de trabalho forçado em 2007. Segundo relatos, 5.974 delas foram libertadas. O governo federal deu passos positivos em seus esforços para combater o trabalho forçado, mas a responsabilização penal de empregadores infratores permanece sendo relativamente rara.
Violência Rural e Conflitos pela Terra
Povos indígenas e trabalhadores sem terra sofrem ameaças e violência como resultado de disputas de terra em áreas rurais. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 28 pessoas foram mortas e 428 presas em conflitos rurais no país em 2007. Segundo relatos, em março de 2008, Welinton da Silva, um líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi baleado e ferido na perna durante um protesto no Estado do Maranhão.
Impunidade
Assegurar a responsabilização de violadores de direitos humanos ainda é um grande desafio no Brasil. Em um caso que recebeu extensa cobertura da mídia, Vitalmiro Bastos de Moura (Bida), o fazendeiro acusado de ser um dos mandantes do homícidio em 2005 de Dorothy Stang, uma missionária que defendia a reforma agrária, foi absolvido em maio de 2008. A decisão foi questionada por dois juízes do Supremo Tribunal Federal e outros membros do governo federal, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em outro caso, em janeiro de 2008, a investigação sobre o homicídio em 1998 do ativista pró-reforma agrária Sétimo Garibaldi foi formalmente arquivada, sem que ninguém fosse responsabilizado.
O Brasil nunca submeteu a julgamento penal os responsáveis por atrocidades cometidas durante a ditadura militar (1964-1985). A lei de anistia de 1979 tem sido interpretada como restritiva à instauração de processo penal contra agentes do Estado. Contudo, no momento em que este relatório estava sendo escrito, o Tribunal Superior Federal examinava um questionamento desta interpretação pela Ordem dos Advogados do Brasil, que alega que a anistia não cobre crimes como tortura cometidos por agentes do governo. Além disso, promotores federais entraram com pedidos formais para que investigações criminais sobre alguns indivíduos suspeitos de cometer abusos durante a ditadura sejam iniciadas no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Em uma sentença emblemática em outubro de 2008, um tribunal em São Paulo responsabilizou civilmente o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra por atos de seqüestros e tortura cometidos durante seu mandato como diretor de uma agência de inteligência da ditadura em São Paulo nos anos 70.
Defensores dos Direitos Humanos
Alguns defensores dos direitos humanos, particularmente aqueles trabalhando em questões relacionadas à violência policial e aos conflitos pela terra, sofrem intimidação e violência. O advogado de direitos humanos João Tancredo sobreviveu a um atentado cometido por dois homens armados não identificados no Rio de Janeiro em janeiro de 2008. O deputado estadual Marcelo Freixo recebeu ameaças de morte por seu trabalho como presidente de uma CPI sobre milícias instaurada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Joinville Frota, um sindicalista do Amapá, relatou ter recebido ameaças de morte em maio de 2008 por causa de sua atuação em greves.
Direitos Reprodutivos
No Brasil, o aborto é legal apenas quando realizado por um médico para salvar a vida da mulher grávida ou quando a gravidez é resultado de um estupro. Investigações criminais sobre clínicas de saúde da mulher no Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio Grande do Sul levantaram sérias preocupações sobre o respeito à privacidade. Em um caso criminal de 2007 que permanece aberto no Mato Grosso do Sul, prontuários médicos de milhares de mulheres ficaram supostamente acessíveis ao público durante meses, mediante solicitação às autoridades judiciais.
Atores Internacionais Importantes
A Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu em maio de 2008 que o Brasil não havia cumprido integralmente com uma sentença de 2006 relativa ao caso Damião Ximenes Lopes. Apesar de indenizações terem sido pagas a seus familiares, ninguém tinha sido condenado pela tortura e morte em 1998 de Damião, um paciente psiquiátrico de uma clínica no Ceará. O tribunal ordenou ainda que o governo promovesse reformas com o objetivo de evitar casos como esse no futuro.
Em dezembro de 2007, um tribunal italiano pediu a extradição de 11 brasileiros em conexão com o desaparecimento forçado de italianos promovido como parte da Operação Condor, no período da ditadura militar. Em resposta, o governo Lula afirmou que a Constituição proíbe a extradição de brasileiros nascidos no Brasil.
Em um passo positivo, em agosto de 2008 o Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Durante sua Revisão Periódica Universal no Conselho de Direitos Humanos da ONU em abril de 2008, o Brasil prometeu implementar recomendações feitas pelo Comitê da contra a Tortura da ONU e pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.