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O Brasil atrás das grades
O Contato dos Presos
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A Human Rights Watch ouviu uma série de queixas sobre maus-tratos contra visitantes, envolvendo especialmente as revistas humilhantes a que muitos visitantes são submetidos ao entrar.(306) As normas que regulam as revistas de visitantes variam muito de instalação para instalação, mas em todos os locais as autoridades alegaram a mesma justificativa para todas elas: o contrabando trazido pelos visitantes, especialmente armas e drogas. "O que encontramos? Maconha escondida em cocos, sacos de batata, no fundo dos tênis . . . Encontramos até cocaína na bainha das calças . . . Achamos uma bomba".(307) Ao tentar impedir a entrada de tais itens nas prisões, as autoridades carcerárias sujeitam os visitantes e seus pertences a revistas meticulosas. Alguns estabelecimentos penais empregam revistas nas quais o visitante permanece vestido e é apalpado; outros pedem que os visitantes tirem as roupas; outros fazem inspeções vaginais ("revista íntima"). A única regra que parece ser aplicada de maneira uniforme é a de que guardas masculinos revistam visitantes masculinos e guardas femininos revistam visitantes femininos. Na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, por exemplo:
Nesse estabelecimento penal, disseram-nos que "não há exceções" à regra de despir os visitantes para a revista, nem mesmo quando se trata dos dez visitantes registrados que têm mais de sessenta e cinco anos. Na maioria das prisões, ao contrário, as regras são mais flexíveis. Como descreveu o diretor da Penitenciária Regional de Campina Grande, "alguns visitantes são revistados com roupas; outros têm que tirar as roupas. Depende se o cara foi preso por tráfico ou não. Quando existe suspeita, fazemos uma revista mais intensiva".(309) De fato, os detentos declararam que guardas femininos usando luvas realizam às vezes revistas vaginais em mulheres que visitam esse estabelecimento penal. As autoridades carcerárias alegam que revistas rigorosas são necessárias sem reconhecer o embaraço e a pressão emocional que tais revistas podem infligir sobre os visitantes. Mas mesmo que seja difícil conciliar as metas da segurança carcerária e do tratamento respeitoso dos visitantes, uma não pode simplesmente se sobrepor à outra. Na ausência de salvaguardas para assegurar a proteção da dignidade e a privacidade dos visitantes, tais revistas podem constituir tratamento degradante, violando assim o artigo 7 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 5, inciso 2, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assim como uma interferência arbitrária na privacidade pessoal, violando o artigo 17 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o artigo 11 da Convenção Americana. Uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 1996 é exemplar sobre essa questão. O caso envolvia tentativas de autoridades carcerárias da Argentina de submeter uma mulher e sua filha a revistas íntimas antes de uma visita ao marido da mulher. Enfatizando o extremo constrangimento causado por essa revistas, que podem "provocar sentimentos profundos de angústia e vergonha" em pessoas sujeitas a elas, a Comissão decidiu que elas constituem tratamento degradante e violam o direito dos visitantes à privacidade.(310) Embora a Comissão tenha reconhecido as preocupações válidas com a segurança carcerária relativas às normas que regulam as revistas, ela enfatizou a necessidade de medidas rigorosas para limitar qualquer possibilidade de um uso arbitrário ou desnecessário de tais buscas. Em particular, a Comissão declarou que revistas íntimas são justificáveis apenas se autorizadas por uma lei que especifique claramente as circunstâncias nas quais elas são apropriadas e se, em cada caso particular: 1) forem absolutamente necessárias para alcançar um objetivo legítimo; 2) não existir alternativas; 3) forem autorizadas por ordem judicial, e 4) forem realizadas por um profissional da área médica. Outra advertência sobre revistas potencialmente degradantes foi lançada pelo Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas. Em um comentário genérico sobre revistas corporais, o Comitê lembrou às autoridades governamentais que "medidas efetivas devem assegurar que as revistas [corporais] sejam realizadas de maneira compatível com a dignidade da pessoa que está sendo revistada".(311) O Brasil tem poucos mecanismos, talvez nenhum, para ajudar a assegurar que revistas potencialmente degradantes de visitantes às prisões não sejam realizadas de forma arbitrária e abusiva. A LEP não regula essas revistas, nem há quaisquer outras restrições efetivas sobre elas. As revistas nas quais o visitante é despido, especialmente quando uma mulher é submetida a inspeção vaginal visual, tem um alto potencial para causar embaraço e desconforto. As revistas vaginais, que alguns detentos afirmam serem usadas, representam uma invasão de privacidade ainda mais séria. Tendo em vista os interesses importantes de ambos os lados da questão, é necessário regular e supervisionar as políticas de revista de visitantes. É importante lembrar ainda que a ausência de instalações próprias para
visitantes reforça a necessidade de tais revistas constrangedoras, e que o fato de que
as visitas normalmente ocorrem nas próprias áreas onde vivem os detentos aumenta
as preocupações com segurança. Em vez de submeter os visitantes a essas revistas,
as prisões deveriam explorar outras formas de lidar com as visitas. Como a
Comissão Interamericana enfatizou em sua opinião, meios alternativos de garantir
a segurança carcerária devem ser usados com mais freqüência: detetores de metal,
por exemplo.(312)
Não registramos reclamações de detentos no que se refere a interferências
em visitas legais. Era óbvio, contudo, que apenas uma minoria entre os detentos
recebia tais visitas. A maioria dos detentos só via seus advogados um pouco antes
e durante os julgamentos. Os presos dos estabelecimentos penais brasileiros podem enviar e receber
um número ilimitado de cartas. Na maioria dos estabelecimentos, contudo, suas
cartas são censuradas; tanto a correspondência que entra como a que sai é lida. "A
gente tenta achar planos de fuga, ameaças, tentativas de intimidação. Uma vez
achamos alguém pedindo uma arma à sua família".(313)
Alguns estabelecimentos
penais permitem que os detentos escrevam livremente sem qualquer tipo de censura
pelos funcionários. A Human Rights Watch encontrou apenas três prisões nas quais os
detentos tinham acesso fácil a telefones: o Centro de Internação e Reeducação de
Brasília, a Penitenciária Central João Chaves, em Natal, e a Penitenciária
Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus. Em praticamente todas as outras prisões, e
em todas as delegacias, os detentos não dispunham de qualquer acesso a
telefones.(314) (Uma possível exceção a essa regra em algumas prisões foi sugerida
por detentos que afirmaram que telefones celulares eram usados por detentos ricos
que subornavam os guardas para esse fim. Os pesquisadores da Human Rights
Watch, contudo, não viram qualquer telefone celular nas prisões). Permitir o acesso ilimitado dos detentos à imprensa - ou acesso dos
jornalistas aos detentos - pode servir como uma importante defesa contra as
violações de direitos humanos. Em Fortaleza, Ceará, no exemplo mais dramático
que podemos citar, dois detentos - dois dos poucos sobreviventes de um grupo de
detentos assassinados em uma tentativa de fuga em dezembro de 1997 - talvez
devam sua vida a membros da imprensa que seguiram de perto os policiais que
estavam perseguindo os veículos dos revoltosos. Em muitos outros incidentes,
jornalistas foram diretamente responsáveis pela revelação de abusos cometidos nas
prisões. A confiança dos detentos na habilidade dos jornalistas de prevenir a
ocorrência de maus-tratos, simplesmente por estarem lá para testemunhá-los, é
demonstrada pelo fato de que os detentos freqüentemente incluem o acesso da
imprensa a uma prisão entre as reivindicações que surgem nas negociações durante
rebeliões carcerárias. E, no entanto, assim como a Human Rights Watch encontrou
reações muito diferentes entre as autoridades brasileiras, ao nosso esforço de
investigar a situação das prisões, notamos que as reações à cobertura jornalística
também variavam de forma significativa. Na ausência de regras definidas sobre
esse ponto, as autoridades carcerárias são livres para permitir ou negar o acesso de
jornalistas aos estabelecimentos penais, de acordo com seus próprios critérios. Sob certas circunstâncias, os jornalistas são bem-vindos. Afirma-se que
o ex-delegado titular do 78º Distrito Policial de São Paulo queria chamar a atenção
para a situação desesperadora de superlotação daquele estabelecimento - um
problema que não havia sido causado por ele - e permitiu, portanto, que equipes
de televisão filmassem presos que dormiam pendurados no teto.(315)
Outras
carceragens superlotadas de delegacias também foram abertas à imprensa. Apesar
das terríveis condições na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, os
membros da imprensa puderam entrar nela livremente. Na maior parte das vezes,
contudo, os jornalistas são proibidos de entrar em estabelecimentos penais e de
entrevistar detentos sobre abusos, especialmente logo após incidentes violentos.(316)
Na noite do massacre sangrento de 111 detentos na Casa de Detenção, em 1992,
os jornalistas foram proibidos de entrar na prisão e não recebiam informações sobre
o que estava acontecendo; dois fotógrafos e um repórter foram detidos por pouco
tempo quando tentavam fotografar um veículo da Polícia Militar que retirava os
cadáveres.(317)
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