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O Brasil atrás das grades

Condições Físicas
        ESTABELECIMENTOS PENITENCIÁRIOS
        CONDIÇÕES DE VIDA
        LUZ, VENTILAÇÃO E TEMPERATURA
        ROUPAS DE CAMA E VESTUÁRIO
        ALIMENTAÇÃO
        ÁGUA E HIGIENE

PREFÁCIO

RESUMO

SISTEMA PENITENCIÁRIO

SUPERLOTAÇÃO

DELEGACIAS

CONDIÇÕES FÍSICAS

ASSISTÊNCIA

ABUSOS ENTRE PRESOS

ABUSOS POR POLICIAIS

CONTATO

TRABALHO

DETENTAS

AGRADECIMENTOS

 

Os presos brasileiros são normalmente forçados a permanecer em terríveis condições de vida nos presídios, cadeias e delegacias do país. Devido à superlotação, muitos deles dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo ao buraco do esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe espaço livre nem no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em redes. A maior parte dos estabelecimentos penais conta com uma estrutura física deteriorada, alguns de forma bastante grave.

Forçados a conseguir seus próprios colchões, roupas de cama, vestimentas e produtos de higiene pessoal, muitos presos dependem do apoio de suas famílias ou de outros fora dos presídios. A luta por espaço e a falta de provisão básica por parte das autoridades leva à exploração dos presos por eles mesmos. Assim, um preso sem dinheiro ou apoio familiar é vítima dos outros presos.

Estabelecimentos Penitenciários: Características Básicas

Como comprovado por séculos de inovação na arquitetura prisional, o tamanho e a forma de um presídio podem ter um impacto significativo em seu funcionamento. Presídios mal arquitetados tomam diversas formas--existem construções escuras e sombrias com pouca ventilação e construções com partes de difícil fiscalização--mas um erro simples é fazer presídios muito grandes.(133) Como regra geral, as Regras Mínimas recomendam que os presídios não mantenham mais de 500 presos.(134)

Os estabelecimentos penitenciários brasileiros variam quanto aos tamanhos, formas e desenhos (layouts). Em São Paulo, o complexo penitenciário do Carandiru inclui o maior presídio da América Latina, a Casa de Detenção, que mantinha 6.508 detentos em sete pavilhões diferentes, em novembro de 1997, na ocasião da nossa visita ao local.(135) Outros presídios com mais de 1.000 detentos são: a Penitenciária do Estado de São Paulo; o Presídio Central de Porto Alegre e a Penitenciária Estadual de Jacuí, essas duas últimas no estado do Rio Grande do Sul; o Centro para Internação e Reeducação, em Brasília, e a Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Pernambuco. A maior parte dos presídios brasileiros, no entanto, é bem menor, mantendo várias centenas de detentos, enquanto grande parte dos presídios femininos mantém, cada um, pouco menos de uma centena de presas.

Os presídios maiores tendem a operar com mais de um andar: vários dos pavilhões na Casa de Detenção, por exemplo, são distribuídos em cinco andares. Embora cada um dos pavilhões da Casa de Detenção seja construído ao redor de um pátio central, de formato quadrado ou retangular, é mais comum no Brasil encontrar presídios construídos com corredores longos alinhados lado a lado com celas e dormitórios. Alguns poucos projetos diferentes também podem ser encontrados. A Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, foi contruída num plano radial, um estilo bastante comum no início do século, quando foi criada.

Quanto ao tamanho, num outro extremo estão as milhares de carceragens nas delegacias por todo o país, algumas das quais possuem apenas uma cela pequena, enquanto outras mantêm cem ou mais presos. Em São Paulo, uma estrutura comum encontrada em um distrito policial de tamanho médio é a de um pátio coberto contornado por duas ou três celas comuns em cada lado. As delegacias ou distritos menores, no entanto, não possuem pátio: simplesmente têm quatro celas pequenas num corredor interno.

Condições de Vida e o Impacto da Superlotação

A LEP prevê que os detentos sejam mantidos em celas individuais de pelo menos seis metros quadrados.(136) De acordo com essa norma, muitos dos presídios brasileiros possuem celas individuais em toda ou boa parte de suas áreas de reclusão. Mesmo assim, exceto por alguns presídios tais como a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC), no Rio Grande do Sul, e a Penitenciária de Nelson Hungria, em Minas Gerais, a superlotação superou os planos originais: ao invés de manter um preso por cela, as celas individuais são normalmente usadas para dois ou mais detentos. Além de celas individuais, grande parte dos presídios possui celas grandes ou dormitórios que foram especificamente planejados para convivência em grupo. As delegacias policiais normalmente possuem celas pequenas ou médias desenhadas para manter entre cinco a dez detentos.

Muitos estabelecimentos penais, bem como muitas celas, e dormitórios têm de duas a cinco vezes mais ocupação do que a capacidade prevista pelos projetos. Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos, com presos amontoados em grupos. Os pesquisadores da Human Rights Watch puderam observar cenas de presos amarrados às janelas para aliviar a demanda por espaço no chão e presos forçados a dormir sobre buracos que funcionam como sanitário. Essa superlotação gera sujeira, odores fétidos, ratos e insetos, agravando as tensões entre os presos. Os detentos são responsáveis por manter as dependências limpas e, obviamente, alguns fazem o trabalho melhor do que outros: quanto mais lotada a cela, mais difícil a tarefa.

Como mencionado anteriormente, a superlotação é normalmente mais grave nas delegacias de polícia. A Human Rights Watch inspecionou o 78o Distrito Policial de São Paulo e encontrou oitenta presos divididos em quatro celas pequenas. Segundo os dados oficiais sobre a capacidade, fornecidos pela Secretária de Segurança Pública, essa delegacia foi projetada para manter vinte detentos, ou seja, contava com quatro vezes mais detentos do que deveria.(137) Em cada cela, além dos presos espremidos no chão, encontramos de cinco a sete presos pendurados em cordas. Mesmo nos minúsculos banheiros, havia de dois a três homens em cada cela que lá dormiam. A superlotação era tão extrema que não podíamos imaginar como aquele estabelecimento amontoou dezesseis detentos a mais, apenas alguns meses antes, como fomos informados.

Um dos presos que passou pela superlotada Delegacia de Furtos e Roubos em Minas Gerais descreveu as condições físicas nos seguintes termos:

Tudo é sujo e infestado. Tem um besourinho lá--muquirana--que mora nas nossas roupas e faz com que sua pele coce a noite toda. É impossível dormir. Toda sexta-feira tem a "geral" (vistoria completa). Tem um pátio grande lá. Todo mundo é forçado a tirar a roupa e esperar no pátio, muitas vezes no frio. Eles ligam uma mangueira e lavam tudo. Mas não afasta a muquirana.(138)

As carceragens nas delegacias de polícia que a Human Rights Watch visitou eram extremamente superlotadas, mas ao menos, a infra-estrutura da maioria delas estava em boas condições. Alguns presídios, quase tão lotados quanto as delegacias, também são decadentes em termos de estrutura física pelo uso contínuo e nenhum reparo. O mais dramático estabelecimento que visitamos, combinando superlotação e uma péssima infra-estrutura, foi o Presídio Central de Porto Alegre. Com uma capacidade oficial de 600 vagas, o presídio mantinha 1.803 presos no dia em que o visitamos e até 2.040 durante o ano anterior.(139)

As áreas de habitação estavam em estado avançado de destruição. Concreto, pintura e piso, bem como os sistemas hidráulicos e elétricos também estavam seriamente danificados. Em muitas celas coberturas de plástico improvisadas pelos próprios presos mal continham as goteiras produzidas pelas infiltrações espalhadas pelos tetos. Era possível ver canos nas paredes cobertas de musgo e ao longo de tetos e paredes estratos de fios descobertos denunciavam um claro risco de incêndio. Numa galeria percebia-se o odor forte de esgoto; como em muitos outros estabelecimentos, os vasos sanitários não possuem descarga.

Nesse presídio, como em outros, a distribuição do espaço não segue regras, o que significa que o pior da superlotação recai de forma desigual sobre certos presos. Isto é, algumas celas ficam completamente lotadas enquanto outras têm uma ocupação mais equilibrada. No geral, presos que são mais pobres, mais fracos ou menos influentes tendem a viver em dependências com condições proporcionalmente menos habitáveis.

Em todos os presídios, as áreas mais lotadas e menos confortáveis são as celas de castigo e de triagem, que abrigam tanto presos que precisam de proteção de outros presos quanto aqueles que estão sendo punidos. Um exemplo claro disso é o quinto andar do pavilhão cinco da Casa de Detenção, em São Paulo, onde as condições são excepcionalmente miseráveis e desumanas. Os 356 presos confinados numa seção especial no quinto andar, todos desejosos de transferência para outros presídios, viviam sob o estigma de "medida preventiva de segurança". Para os agentes carcerários e outros presos, no entanto, eles eram conhecidos apenas como "os amarelos": os presos que ficam trancafiados em suas celas (sem direito ao banho de sol suas peles tornam-se amarelas).(140)

As celas individuais estavam amontoadas com oito presos, embora algumas celas dessa seção tivessem dez presos. O ar dessas dependências escuras era pesado, com dióxido de carbono e odores de transpiração dos corpos. Em algumas celas, os presos amarravam-se às barras das janelas para folgar um pouco o espaço e respirar ar fresco. Vasos sanitários quebrados estavam na frente das celas, sem ao menos uma divisória para separá-los do restante da cela. Dessa forma, os presos têm que defecar perante uma audiência de seis ou oito pessoas. As paredes e o chão das celas são escuros, de concreto sujo cuja pintura despregou-se há um bom tempo.

Um preso nos descreveu como era viver na seção dos amarelos:(141)

Nós dormimos com um cara na rede e os outros nove no chão. O cara careca tem Aids e pediu para ser transferido mas seu pedido foi recusado. Nós temos quatro colchões de espuma. Tem dias que eles desligam a água o dia inteiro. Quando a gente reclama de qualquer coisa, a gente apanha. Cinco meses atrás nós reclamamos da falta de água. Era maio. Cinco guardas vieram e levaram a gente para o andar de baixo. Eles nos despiram e nos espancaram com um cano de ferro.


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