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O Brasil atrás das grades

Superlotação, Penas Alternativas
e Construção de Novos Presídios
(continuação)

Remediando a Crise da Superlotação

PREFÁCIO

RESUMO

SISTEMA PENITENCIÁRIO

SUPERLOTAÇÃO

DELEGACIAS

CONDIÇÕES FÍSICAS

ASSISTÊNCIA

ABUSOS ENTRE PRESOS

ABUSOS POR POLICIAIS

CONTATO

TRABALHO

DETENTAS

AGRADECIMENTOS

 

Há somente duas formas de enfrentar a superlotação: através da construção de novos estabelecimentos ou através do livramento dos presos em excesso. Ambas estratégias, até certo ponto, são utilizadas no Brasil. Nenhuma delas, no entanto, tem sido suficiente para amenizar os níveis extremos de superlotação que assombram o sistema penal do país.

Reduzindo a população carcerária

Através da redução da população carcerária o governo não apenas remedia o problema da superlotação como reduz os gastos com as prisões. Com isso presente, autoridades, particularmente em países em desenvolvimento como o Brasil, devem considerar cuidadosamente se o dinheiro público é mais bem gasto nas prisões ou em outros métodos de controle do crime.

Em nível intelectual e teórico, a noção de se aplicar penas alternativas--e de confinar pessoas somente como última alternativa--está bem difundida no Brasil. Vários artigos acadêmicos têm sido escritos defendendo o uso de penas alternativas como multas, serviços comunitários, limitação de direitos e suspensão condicional; e autoridades federais do primeiro escalão têm endossado esse conceito.(76) Defensores das penas alternativas citam o impacto negativo que o encarceramento pode ter sobre os detentos, o enorme fracasso do ideal de reabilitação, os altos custos de se administrar presídios e a crise do superlotado sistema penal como forma de apoiar seu argumento de que a sociedade deve procurar novos métodos de lidar com a criminalidade. Eles apontam estudos indicando baixas taxas de reincidência entre condenados à penas alternativas contra aqueles nos quais foram aplicados os termos tradicionais de encarceramento.(77) Segundo essa visão, os presídios deveriam ser reservados para os criminosos mais violentos, aqueles que constituem um claro perigo à comunidade.

A LEP aborda essas idéias até certo ponto, como demonstrado pelo conjunto de suas provisões relativas a castigos outros que não a prisão.(78) Ainda assim, o uso de penas alternativas continua relativamente raro na prática; certamente, tais penas ainda não surtiram grande impacto na redução da superlotação dos presídios. Segundo o Censo Penitenciário de 1995, apenas cerca de 2.098 criminosos cumpriam penas alternativas, a maioria, 64% deles, havia sido incumbida de serviços comunitários.(79) No estado de São Paulo, até janeiro de 1998, apenas 410 pessoas estavam cumprindo penas desse tipo.(80)

Vários fatores combinam-se para limitar a confiança nessas penas. Primeiro, elas somente podem ser aplicadas a presos condenados a menos de um ano de encarceramento e assim não são aplicáveis a uma ampla variedade de crimes. Além disso, poucas regiões estabeleceram estruturas organizacionais necessárias à implementação de tais penas como trabalho comunitário, não contando com órgãos de supervisão que garantam seu cumprimento. Os juizes também são tidos como, genericamente, resistentes à idéia de permitir que criminosos cumpram períodos fora de custódia; eles tendem a considerar tais penas como muito brandas.(81)

Dois estados são vistos como líderes no uso das penas alternativas: Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.(82) Devido à insuficiência de estatísticas confiáveis, não se sabe com que freqüência tais penas são aplicadas nessas regiões. Também em São Paulo, o governo recentemente estabeleceu um programa de serviço comunitário para servir como estrutura para o maior uso de alternativas ao encarceramento.

A interminável série de incidentes violentos ocorridos nos presídios em 1997, com ampla cobertura da mídia, trouxe maior aceitação às alternativas de encarceramento. Um projeto de lei que permite que os juizes substituam por penas alternativas, penas de reclusão de até quatro anos, ao invés de um ano, está pendente no Congresso Nacional.(83) O então Ministro da Justiça, Iris Rezende, divulgou que a medida proposta poderia representar a libertação de cerca de 30.000 presos.(84) Defensores de tais esforços estão otimistas de que o uso das penas alternativas continuará crescendo.

A redução de penas e o programa de livramento condicional oferecem opções para reduzir a superlotação. Sob os termos da Lei de Execução Penal, os presos podem reduzir de suas penas um dia para cada três trabalhados (considerando um dia trabalhado uma jornada de seis a oito horas).(85) Agentes penitenciários deveriam registrar quais presos estão trabalhando e uma cópia deveria ser enviada mensalmente ao juiz de execução penal encarregado. Como as oportunidades de trabalho são escassas em muitos presídios--e dificilmente existem em delegacias e cadeias--é comum presos não poderem se beneficiar desse provisionamento.

A Comissão Federal de Revisão da Lei de Execução Penal recentemente propôs ampliar os termos das normas de redução da pena para incluir presos que estudem enquanto encarcerados.(86) As regras revistas permitiriam todos os níveis de educação, do ensino básico ao mais avançado. Acredita-se que a lei ampliada dessa maneira encorajaria os presos a estudar e se desenvolverem, ao mesmo tempo que diminuiria as penas daqueles presos com menos probabilidade de reincidência.

Finalmente, a LEP também prevê o livramento condicional de presos que podem provar que preenchem uma série de requisitos, inclusive o de haver cumprido um período mínimo de suas penas (de no mínimo um terço à metade, dependendo dos antecedentes do preso) e o de terem "comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena", uma avaliação mais subjetiva.(87) O último quesito teria sido concebido para desestimular o mal comportamento dos presos enquanto; no entanto, como requer uma análise qualitativa e não quantitativa, pode impedir ou retardar a aplicação do livramento condicional.

De fato, a queixa mais freqüente dos presos tanto quanto à redução das penas quanto ao programa de livramento condicional é a morosidade com a qual esses benefícios são processados. Na Penitenciária Feminina de São Paulo, por exemplo, onde a grande maioria das presas trabalha, encontramos mulheres que qualificavam-se para o livramento condicional, mas ainda esperavam por um ano ou mais até que suas solicitações fossem atendidas, um problema confirmado pela diretora da Penitenciária.(88) Devido à ausência de assistência jurídica nos presídios e ao número insuficiente de juizes de execução penal, muitos presos que se qualificam para o livramento condicional nunca são atendidos. Em reconhecimento a esse problema, um projeto de lei foi apresentado ao Congresso Nacional para estabelecer um procedimento resumido que facilitaria a concessão de tais benefícios.(89)

Finalmente, qualquer discussão a respeito do livramento condicional não estaria completa se não mencionássemos o fenômeno brasileiro do livramento posterior. Por falta de assistência jurídica, alguns presos não apenas perdem os benefícios dos programas de livramento condicional como ainda continuam encarcerados além do período previsto de suas penas. No 35o Distrito Policial em São Paulo, por exemplo, o delegado titular nos disse que seu distrito mantinha várias pessoas nessa condição quando nós chegamos.(90) O diretor do Depatri disse que um preso havia cumprido quatro meses mais do que sua pena de um ano, mas que deveria ser mantido lá até que ele recebesse a autorização judicial de sua soltura.(91) A Penitenciária de Raimundo Vidal Pessoa Manaus, segundo informações, mantinha algumas dúzias de presos cujas penas estavam vencidas, até que a rebelião de 1997 forçou as autoridades a tomar providências para resolver o problema.(92)

Segundo a Constituição de 1988 e artigos 188-93 da Lei de Execução Penal, o presidente da República pode perdoar qualquer crime e libertar o preso da pena referente àquele crime.(93) Com interesse de reduzir a superlotação dos presídios, o presidente tem, em certas ocasiões, concedido indulto coletivo e redução de penas a um grande número de presos. Tais indultos são mais comuns antes do Natal, permitindo que os presos soltos possam passar a data com suas famílias. Em 1995, por exemplo, 1.748 presos receberam indultos de Natal.(94) No ano seguinte, em abril de 1996, o presidente concedeu o maior indulto na história do país. Segundo informações, entre 15.000 a 18.000 presos foram qualificados para o livramento condicional.(95) Quase 3.000 presos adicionais, inclusive um grupo de paraplégicos, foram perdoados em março de 1998 em comemoração ao qüinqüagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.(96)

Expandindo a capacidade prisional

Por fim, o principal método através do qual o governo brasileiro propõe remediar a crise nos presídios é através da construção de novos presídios e a expansão dos que já existem. Depois de muitos anos de relativa falta de interesse para com as necessidades de expansão da infra-estrutura prisional,(97) o governo começou em 1994 a focalizar sua atenção na construção de novos presídios. Em 1997, foi levado a uma ação mais decisiva por causa de uma onda de rebeliões nos presídios, que chamou a atenção da mídia e levantou as horrendas condições de superlotação dos estabelecimentos prisionais do Brasil. Ao longo do ano, autoridades federais do primeiro escalão, inclusive o presidente, fizeram declarações a favor de novos programas de construção de presídios.(98)

No total, o governo anuncia que 105 novos presídios serão inaugurados até o final de 1999, cinqüenta e dois dos quais serão financiados pelo governo federal. O estado que recebe a maior contribuição federal para fundos prisionais é São Paulo.(99) Até outubro de 1998, São Paulo havia inaugurado onze novas prisões com capacidade total para 9.420 internos. Dez prisões adicionais, com capacidade total para 8.100 internos, têm previsão para inauguração até o final do ano.(100) Uma das metas é substituir a decadente Casa de Detenção, transferindo milhares de presos para novas instalações. Ainda assim, as vinte e uma novas prisões, embora permitam as autoridades prisionais reduzir o número de presos na Casa de Detenção, são insuficientes para solucionar o déficit carcerário geral. Contudo, se as tendências passadas servirem como indicação, o contínuo crescimento da população carcerária do estado pode neutralizar o número de novas vagas.

Um programa amplo de construção de novos presídios é de alto custo e os planos atuais têm estimado gastos da ordem de R$440 milhões.(101) Resta esperar para ver se esses recursos serão distribuídos de fato. O exemplo do Rio Grande do Sul serve de alerta: em 1995, o governo do estado prometeu construir cinco novos presídios até o fim de 1996; nenhum dos presídios foi construído e a capacidade geral instalada foi reduzida nesse mesmo período por falta de manutenção.(102) Além do mais, mesmo se esse novo conjunto de presídios fosse construído, não parece provável que o governo esteja pronto a investir os recursos necessários para garantir que esses estabelecimentos funcionem de maneira humana, cobrindo os gastos com um apropriado quadro de funcionários, alimentação e assistência médica, entre outros custos.


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