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Brasil: Rejeite PEC sobre drogas

Deveriam ser adotadas estratégias de saúde pública em vez da criminalização do consumo

Manifestantes pedem reformas em relação à maconha na 15ª edição da Marcha da Maconha em São Paulo, Brasil, 17 de junho de 2023 © 2023 Paulo Pinto/Agência Brasil

(São Paulo) – O Congresso brasileiro deveria rejeitar a proposta de emenda constitucional (PEC 45/2023) que incluiria a criminalização da posse e do porte de drogas para uso pessoal na Constituição.

Nos próximos dias, o Senado deve votar em primeiro turno uma emenda ao artigo 5º da Constituição que restringiria o direito à privacidade ao criminalizar a posse e o porte de drogas ilegais, independentemente da quantidade. Se aprovada no plenário em dois turnos, a PEC seguiria para análise da Câmara dos Deputados.

“Décadas de uma política de drogas fracassada no Brasil deveriam deixar claro que o direito penal é simplesmente ineficaz para lidar com o uso nocivo de drogas e leva a graves abusos de direitos humanos”, disse Andrea Carvalho, pesquisadora da Human Rights Watch no Brasil. “Ao invés de cimentar uma política fracassada na Constituição, os parlamentares deveriam seguir o exemplo de muitos outros países, descriminalizando a posse de drogas para uso pessoal e desenvolvendo estratégias de saúde eficazes para prevenir e responder ao uso problemático de entorpecentes”.

A legislação atual prevê a criminalização da posse de drogas para uso pessoal, mas sua consolidação na Constituição tornaria muito mais difícil promover as reformas tão necessárias na política de drogas no Brasil, disse a Human Rights Watch.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deixou claro que a proposta é uma resposta dos legisladores a uma aguardada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que poderia melhorar a política de drogas, disse a Human Rights Watch. Pacheco apresentou a proposta em 14 de setembro de 2023, algumas semanas após o STF retomar o julgamento de um caso que decidirá se a aplicação de um artigo da lei brasileira viola a constituição. Ao apresentar a PEC, Pacheco enfatizou que o Congresso define as leis no país e que isso “precisa ser reconhecido por todos os demais Poderes”.

Em março de 2024, depois que o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento, Pacheco disse que o que “motivou” a proposta de emenda foi a possível declaração de inconstitucionalidade em relação à lei atual. Ele afirmou que uma possível decisão pela Corte em favor da descriminalização da posse de drogas para o uso pessoal seria uma “invasão de competência” do Congresso, já que “cabe ao Parlamento decidir se algo deve ser crime ou não”. Cerca de uma semana depois, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) agiu rapidamente e aprovou a PEC, que agora está sendo analisada pelo plenário do Senado.

O STF tem autoridade para declarar a inconstitucionalidade de leis. Nesse caso, a Corte está analisando se a legislação atual viola direitos fundamentais. Até o momento, cinco ministros votaram a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e três votaram contra. Outros três ministros ainda não votaram. Se um deles votar a favor, será formada maioria para a descriminalização da maconha para uso pessoal.

Embora a lei atual considere crime a posse de drogas para consumo próprio, a conduta não é punível com prisão, mas sim advertência, prestação de serviço comunitário ou comparecimento à programa ou curso educativo. No entanto, a condenação sujeita pessoas à discriminação e ao estigma, que podem levar à exclusão do mercado de trabalho, de oportunidades de moradia, entre outras.

Alguns ministros do STF propuseram fixar uma quantidade limite de maconha para diferenciar usuários de traficantes. A lei atual não estabelece esse critério, deixando a análise de quem é usuário e quem é traficante a critério da polícia e do sistema judiciário—o que abre a porta para uma aplicação discriminatória da lei.

A proposta de emenda constitucional poderia agravar o problema ao estabelecer na Constituição que os usuários seriam diferenciados de traficantes pelas “circunstâncias fáticas do caso concreto”, uma linguagem vaga que estaria aberta a abusos.

Embora as pessoas negras representem cerca de 57% da população do Brasil, correspondem a 68% dos réus processados por tráfico de drogas. Um estudo de 2023 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou ações criminais por tráfico de drogas com decisão terminativa no primeiro semestre de 2019, envolvendo cerca de 41.000 réus, concluiu que “o processamento judicial de crimes de drogas pune, prioritariamente, pessoas negras, jovens e pouco escolarizadas que portam pequenas quantidades de drogas”.

A falta de critérios claros para a distinção legal de usuários e traficantes contribuiu para o aumento explosivo da população carcerária do Brasil nas últimas duas décadas. Em 2005, ano anterior à entrada em vigor da lei de drogas no Brasil, apenas 9% das pessoas presas estavam detidas por tráfico de drogas, em comparação com os atuais 28%; entre as mulheres é 51%.

Além disso, a polícia brasileira frequentemente usa a aplicação da lei de drogas como justificativa para incursões em comunidades que, rotineiramente, terminam em mortes. A polícia matou mais de 6.000 pessoas a cada ano desde 2018, a grande maioria delas negras.

Nas prisões brasileiras, onde grupos criminosos se aproveitam das terríveis condições para recrutar novos membros, pessoas que usam drogas e que foram injustamente detidas e julgadas como traficantes, assim como pequenos traficantes, podem ser forçados a buscar a proteção das próprias facções criminosas que a legislação busca combater. De forma mais ampla, a proibição das drogas cria uma enorme fonte de recursos para o crime organizado, alimentando a corrupção e a violência.

No lugar de criminalizar usuários de drogas, as autoridades deveriam se concentrar em desmantelar as organizações do crime organizado e as redes corruptas que as sustentam, além de garantir a responsabilização pela grave violência. Os governos também deveriam explorar alternativas à proibição que dependam menos da criminalização e sejam mais focadas em diferentes formas de regulamentação e controle.

Pesquisas da Human Rights Watch em todo o mundo constataram que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconsistente com os direitos à autonomia e à privacidade, bem como com o princípio básico da proporcionalidade da pena. Esses princípios são amplamente reconhecidos pelo direito internacional, incluindo o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ambos ratificados pelo Brasil.

A criminalização também prejudica o direito à saúde. O medo das sanções criminais impede que as pessoas que usam drogas utilizem serviços e tratamentos de saúde e aumenta o risco de sofrerem violência, discriminação e doenças graves. As proibições criminais também têm impedido o uso de drogas para pesquisas médicas legítimas e o acesso de pacientes a drogas para tratamentos paliativos e contra a dor.

As autoridades deveriam se basear em abordagens regulatórias e de saúde pública não penais para lidar com o uso problemático de drogas, disse a Human Rights Watch.

Os governos não deveriam punir uma pessoa simplesmente pelo uso de drogas quando ela não está prejudicando outras pessoas. Para proteger terceiros de danos associados, como dirigir sob o efeito de drogas, as autoridades podem impor, em consonância com os princípios de direitos humanos, sanções criminais proporcionais às condutas que causam ou colocam terceiros em sérios riscos.

“O uso pessoal de drogas deveria ser tratado como um aspecto da privacidade e da autonomia pessoal”, disse Carvalho. “Legisladores que querem abordar o uso problemático de drogas deveriam olhar para as evidências internacionais que mostram que a descriminalização do consumo—combinada com o acesso efetivo a tratamentos voluntários, baseados na ciência, e outros apoios—protege e promove a saúde de forma muito mais eficaz do que a criminalização.”

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