(Joanesburgo) – Homens armados associados ao principal partido da oposição de Moçambique, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), atacaram pelo menos dois hospitais e duas clínicas no último mês. Os ataques às unidades médicas, que envolveram o roubo de medicamentos e material e a destruição de equipamento médico, ameaçam o acesso aos cuidados de saúde de dezenas de milhares de pessoas em áreas remotas do país.
“Os ataques da RENAMO a hospitais e clínicas estão a ameaçar a saúde de milhares de pessoas em Moçambique”, afirmou Daniel Bekele, o director para África da Human Rights Watch. “A liderança da RENAMO deve cessar imediatamente estes ataques a unidades de saúde.”
No ataque mais recente, a 12 de Agosto de 2016, cerca de doze homens armados, que se identificaram como pertencendo à RENAMO, entraram na vila de Morrumbala, na província central de Zambézia, por volta das 16 horas, relataram à Human Rights Watch várias testemunhas e membros das autoridades locais. Os homens começaram por atacar uma esquadra da polícia, libertando cerca de 23 homens que estavam ali detidos, e, em seguida, assaltaram o hospital distrital local.
Um enfermeiro que se encontrava no local afirmou que os homens dispararam contra o edifício. “Eu estava na sala de emergência quando dispararam contra as janelas”, afirmou. “Escondemo-nos por baixo de cadeiras, camas… tudo o que encontrássemos.”
O enfermeiro e dois jornalistas baseados na Zambézia, que chegaram ao hospital imediatamente após o ataque, afirmaram que os homens armados roubaram medicamentos da farmácia principal da unidade.
No dia 30 de Julho, um grupo de homens armados, que se identificaram como pertencendo à RENAMO, entraram na vila de Mopeia, na província da Zambézia, por volta das 3 horas da madrugada, afirmaram dois residentes.
Os homens armados começaram por atacar a casa de um funcionário local do partido do governo, FRELIMO, que é o enfermeiro-chefe da clínica local Centro 8 de Março. Quando não o encontraram, dirigiram-se à clínica. Um médico que visitou a clínica no dia seguinte afirmou que os homens armados queimaram as fichas médicas dos pacientes e roubaram vacinas, seringas e medicamentos. A clínica armazena medicamentos essenciais, incluindo medicamentos anti-retrovirais para pacientes infectados com VIH/SIDA, para uma população de mais de 8000 pessoas, afirmou.
Em seguida, os homens armados dirigiram-se ao hospital principal de Mopeia, a cerca de oito quilómetros da clínica. Uma enfermeira do hospital afirmou que viu cerca de 15 homens em uniformes verde-escuros entrarem na ala principal, de manhã cedo, a maioria deles armada com espingardas de assalto Kalashnikov. Entraram na enfermaria onde os pacientes estavam a dormir, ameaçaram os pacientes e o pessoal médico, ordenando-lhe que abandonassem o local, e levaram medicamentos, sacos de soro, lençóis e mosquiteiros. A enfermeira afirmou que nem os pacientes nem o pessoal médico ficaram feridos.
Em conjunto, o hospital distrital de Mopeia e a clínica de Mopeia prestam serviço a mais de 100 000 pessoas, afirmaram as autoridades de saúde locais.
No dia 31 de Julho, cerca de doze homens armados, que se identificaram como pertencendo à RENAMO, atacaram a vila de Maiaca, distrito de Maúa, na província setentrional de Niassa. O administrador de Maúa, João Manguinje, disse à Human Rights Watch que os homens armados atacaram a clínica local e a esquadra da polícia. Levaram cinco kits de testes do VIH, quatro caixas de seringas e mais de 600 frascos de penicilina, afirmou.
Manguinje também alegou que, no dia 24 de Julho, homens armados da RENAMO tinham assaltado a clínica da aldeia vizinha de Muapula, onde roubaram, entre outros, cinco kits de obstetrícia, mais de 200 vacinas antitétano e mais de 300 frascos de penicilina. A Human Rights Watch não conseguiu confirmar este ataque.
As autoridades moçambicanas afirmam que, nos últimos meses, homens armados da RENAMO realizaram ataques semelhantes em clínicas, nas províncias de Sofala, Manica e Tete, no centro de Moçambique, mas a Human Rights Watch não conseguiu confirmar esses relatos.
A RENAMO, que tem escritórios na capital, Maputo, não confirmou nem negou a realização destes ataques. No entanto, o líder do partido, Afonso Dhlakama, que se presume estar escondido no Parque da Gorongosa, na província central de Sofala, afirmou à estação de televisão privada moçambicana, STV, no dia 5 de Agosto, que tinha dado ordens para atacar algumas áreas da província da Zambézia. Não especificou os alvos nem mencionou unidades médicas.
Dhlakama afirmou que os ataques foram uma “estratégia militar” destinada a dispersar os soldados do governo que estão a cercar as posições da RENAMO na região da Gorongosa, aproximadamente a 200 quilómetros a sul das aldeias que foram atacadas. Vários distritos das províncias de Tete, Zambézia, Manica, Sofala e Niassa foram recentemente palco de confrontos armados entre as forças governamentais e os combatentes da Renamo.
“Os ataques da RENAMO às unidades médicas parecem fazer parte de uma repugnante estratégia para danificar as unidades de saúde e roubar medicamentos”, afirmou Bekele. “O que estão a conseguir fazer é negar serviços de saúde fundamentais aos moçambicanos que necessitam deles.”
Contexto
Após o acordo de paz de 1992, que pôs fim aos 16 anos de guerra civil em Moçambique, foi permitido ao líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, manter um exército armado privado de 300 homens. As impossibilidades sucessivas de integrar outros combatentes da RENAMO no exército nacional e na vida civil incentivaram antigos combatentes a juntarem-se aos exércitos privados e a instalarem-se em antigos campos de treino da RENAMO. Acredita-se que a RENAMO, partido político que detém, actualmente, 89 lugares no parlamento, dispõe de uma força armada com mais do dobro do permitido.
Nos últimos quatro anos, a tensão entre a RENAMO e o partido do governo, a FRELIMO, tem vindo a aumentar, incluindo uma escalada dos ataques armados por parte da RENAMO e de contra-ataques do governo. Os partidos assinaram um novo acordo de paz, em 2014, contudo, a RENAMO afirma que o governo não integrou combatentes da RENAMO no exército nacional e na polícia, conforme estipulado no acordo. O governo afirma que a RENAMO se recusou a entregar uma lista das suas milícias a integrar nas forças de segurança, pois pretende fazer o seu aproveitamento para negociações políticas. A FRELIMO ganhou as eleições em Outubro de 2014, mas a RENAMO afirma que pretende governar as seis províncias nas quais alega ter obtido mais votos.
Em Fevereiro de 2016, a Human Rights Watch documentou abusos cometidos pelas forças governamentais na província de Tete, onde a RENAMO tem um grande apoio da população, incluindo alegadas execuções sumárias e violência sexual. Pelo menos 6000 pessoas fugiram da zona para o vizinho Malawi. O gabinete do Malawi do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados afirma que a maioria destas pessoas já regressou a casa, depois de receber garantias de segurança por parte do governo moçambicano.
Em Maio, a comunicação social moçambicana e internacional noticiou a descoberta de vários corpos não identificados próximo da Gorongosa, entre as províncias de Manica e Sofala. A Human Rights Watch pediu às autoridades moçambicanas que investigassem de forma aprofundada o local onde se encontrava a vala, para identificar as vítimas e responsabilizar os autores do crime. O governo diz ter iniciado uma investigação em Junho, porém, ainda não anunciou as suas conclusões.