Pouco antes de deixar o cargo no último mês, o então Ministro da Justiça Eugênio Aragão deu um sinal positivo sobre a capacidade do Brasil de acolher refugiados. Com ajuda internacional, segundo ele, o país poderia acolher “até 100.000 sírios, em grupos de 20.000 por ano”. Na última quinta-feira, o Itamaraty reafirmou a disposição do Brasil “em seguir colaborando, como tem feito, por meio da recepção de imigrantes em nosso território”.
Neste Dia Mundial do Refugiado, o povo brasileiro pode se orgulhar dos primeiros passos tomados, em meio a uma profunda crise política, no sentido de proteger aqueles que fogem da guerra e da perseguição. Independentemente da nossa futura situação política, devemos continuar neste caminho.
Em 2013, o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) autorizou as embaixadas do país a emitirem vistos humanitários para pessoas tentando escapar do conflito armado na Síria. “É, sem dúvidas, um exemplo a ser seguido”, disse à época o representante do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) no Brasil, Andrés Ramirez.
O Brasil emitiu 8.450 vistos humanitários a sírios desde o início do conflito; mais de 2.000 já foram reconhecidos como refugiados no país. Embora o número seja pequeno comparado aos 4.84 milhões de refugiados que chegaram aos países vizinhos da Síria, Ramirez reconhece o Brasil por ter “mantido uma política de portas abertas para refugiados sírios”.
Com políticas insuficientes de reassentamento e outros auxílios na Europa e América do Norte, os países vizinhos da Síria começaram a fechar suas fronteiras aos solicitantes de refúgio.
Cerca de 70.000 sírios estão confinados em uma faixa de deserto na fronteira do país com a Jordânia. Além disso, desde agosto de 2015, a Turquia tem repelido sírios de suas fronteiras. Em dois incidentes diferentes, desde o início do ano, guardas turcos dispararam contra refugiados que se aproximavam da fronteira, ferindo 14 pessoas e matando cinco – incluindo uma criança.
O Brasil tem a chance de fazer a diferença. Se o país assumisse o compromisso de reassentar 100.000 refugiados sírios durante os encontros sobre o compartilhamento de responsabilidade internacional, que ocorrerão à época da abertura da sessão de setembro da Assembleia Geral da ONU, poderia assim pressionar positivamente países desenvolvidos que não estão cumprindo seu papel no enfrentamento do problema.
A política de portas abertas do Brasil não deve apenas continuar, mas ainda incluir aperfeiçoamentos na nossa capacidade de promover uma verdadeira integração, respeitar os direitos dos refugiados e oferecer apoio específico aos mais vulneráveis. A avaliação do ACNUR sobre programas de reassentamento de refugiados no país, a maioria vinda da própria América Latina, indica que ainda há espaço para melhorias, mas também que 85% dos refugiados que se reestabeleceram aqui, no âmbito desses programas, permanecem no país, a maior proporção entre todos os países do Cone Sul.
Refugiados bem integrados podem representar uma grande vantagem ao país. Uma injeção de sangue novo pode ajudar a recuperar uma economia em recessão. Como declarou Ken Roth, diretor executivo da Human Rights Watch, sobre os sírios na Europa, “a vinda de pessoas que possuem a comprovada perseverança e inteligência para escapar da guerra e da repressão em seu país e atravessar todos os riscos letais inerentes à travessia até a Europa pode oferecer o ânimo e a energia de que o continente precisa”. O mesmo vale para o Brasil.
Acolher refugiados não é uma questão de filantropia, é uma questão de solidariedade e compartilhamento de responsabilidade. Ao receber refugiados e se comprometer com afinco com sua integração, o Brasil será um líder global na demonstração de respeito aos direitos humanos e compaixão. O país já começou bem; é preciso continuar nesse caminho.