Brutalidade Policial Nos E.U.A

Resumo Do Relatório Da Human Rights Watch

Os problemas mais comuns nas cidades examinadas incluem:

  • Fraca fiscalização externa: Os órgãos externos de fiscalização com a incumbência de monitorar e, em alguns casos, investigar denúncias de uso de força excessiva recebem recursos aquém de suas necessidades, são fragilizadas por policiais que se recusam a cooperar com elas, sofrem ataques dos sindicatos dos policiais e outros e são sub-utilizadas pelo público. O controle civil externo deveria ser uma parte integrada da fiscalização da polícia e da formulação de políticas, ao invés disso tem sido deixado de lado na maioria das cidades pesquisadas.
  • Falta de liderança: Os chefes de polícia, as autoridades com maior responsabilidade nos casos de abuso policial, ainda não estão tratando do problema de forma séria. Reconhecidamente em Los Angeles, Philadelphia e Nova Orleans, entre outras cidades, casos com grande repercussão e fortes críticas da imprensa foram cruciais para produzir reformas necessárias. A falta de liderança é evidente no fraco desempenho das Corregedorias dos departamentos de polícia por todo o país, as quais freqüentemente conduzem investigações incompletas ou mal feitas que tendem a favorecer seus companheiros de trabalho. Sistemas para identificar e tratar policiais corruptos ou violentos não funcionam plenamente na maioria das cidades analisadas - mesmo com os resultados de comissões de fiscalização e investigações jornalísticas mostrando que uma pequena percentagem de policiais são responsáveis por um grande percentual dos abusos. Ações disciplinares contra policiais responsáveis por abusos são frouxas (ou) na mesma medida que atividades de controle interno continuam sob sigilo.
  • Reparações civis ineficazes: Em parte devido ao fato da polícia ser normalmente responsável pela fiscalização de ações através dos procedimentos administrativos e criminais, muitas vítimas de abuso policial ou suas famílias dependem exclusivamente de medidas civis como reparação. Na prática, processos civis normalmente permitem que os departamentos de polícia continuem a ignorar os abusos cometidos pelos policiais. Algumas vítimas conseguiram obter indenizações e uma pequena percentagem de processos civis impôs aos departamentos de polícia que fossem aceitas sua responsabilidade pelos abusos, levando a reformas no treinamento de policiais ou de políticas inadequadas. Ainda assim, a maioria dos departamentos de polícia por nós pesquisados não precisa pagar indenizações outorgadas na justiça; os pagamentos são oriundos do orçamento geral do município;(1) Embora um determinado comportamento de um policial possa custar à cidade milhões de dólares em pagamentos às vítimas, não existe uma ligação com a avaliação da atuação do policial - mesmo quando os processos tratam de sérios abusos. No fim, os contribuintes acabam pagando duas vezes pelo mal policial - paga o salário da polícia e as vítimas de seus abusos.
  • Passividade nos processos criminais: Processos criminais em nível local de policiais que cometeram violações aos direitos humanos são extremamente raros, agravado pelo fato de que muitos promotores locais não se dispõem a processar vigorosamente os policiais que normalmente os ajudam em casos criminais. Promotores na instância federal que podem processar policiais conforme legislação de proteção aos direitos civis quase nunca denunciam criminalmente nem os mais graves casos devido, em parte, ao alto nível de provas exigidas para vencer em tais casos e a falta de recursos. Das milhares de queixas que o Departamento de Justiça recebe anualmente, muito poucas são processadas. Embora os promotores federais aleguem que eles deveriam atuar dando cobertura (back-up) no processo de policiais violentos, eles raramente o fazem mesmo quando promotores locais recusam o trabalho ou conduzem-no de forma falha. No ano fiscal de 1996, por exemplo, das 11.721 queixas recebidas pela Divisão de Direitos Civis do Departamento de Justiça, apenas 37 casos envolvendo agentes da lei foram denunciados, com um total de vinte e nove condenações ou reconhecimento da responsabilidade pelo denunciado.

Quando todos esses agravantes em lidar com policiais que cometem violações aos direitos humanos são combinados, torna-se compreensível porque eles têm poucas razões para temer serem apanhados, punidos ou processados.

Embora sejam um assunto de interesse público, abusos policiais são difíceis de serem quantificados porque, as autoridades de todos os níveis governamentais fracassam completamente na sua fiscalização. A preocupação do público sobre casos de brutalidade policial de grande repercussão levou o Congresso, em 1994, a requerer que o Departamento de Justiça compilasse estatística sobre o uso excessivo de força pela polícia e publicasse um relatório anual sobre essa questão. Desde então o Departamento lançou dois relatórios preliminares, onde evitou-se analisar o uso excessivo de força pela polícia. Os dados existentes no Departamento de Justiça sobre casos de abusos são incompletos. Em nível local, as promotorias e departamentos de polícia ou não possuem dados referentes ao assunto ou são relutantes em revelar os dados que possuem. Em várias ocasiões, a Human Rights Watch teve negado o acesso a informações que deveriam estar disponíveis ao público. Em uma das cidades pesquisadas nenhuma informação foi fornecida até que nós ameaçamos abrir um processo baseado na lei de acesso à informação do estado e, em outra cidade, embora tenhamos submetido uma solicitação formal invocando a lei de garantia de livre acesso à informação (Freedom of Information Act) já há quase dois anos, nenhuma informação nos foi fornecida.

Escândalos de abusos policiais nos últimos anos demostram que a falta de vontade em vigor na cúpula dos departamentos de polícia permite que os abusos tornem a ocorrer. Por exemplo:

  • Em Nova Iorque, queixas de abusos aumentaram depois que a polícia começou a perseguir agressivamente pequenos infratores em 1994, com sérias denúncias regulares de abusos por policias em serviço ou não. Vários casos recentes, inclusive a denúncia de tortura de um imigrante haitiano, Abner Louima, em agosto de 1997, têm aumentado as tensões. O prefeito piorou as coisas quando ignorou as conclusões e recomendações de um grupo de trabalho composto por membros da polícia e da sociedade civil, criado depois do incidente Louima. Grandes escândalos de corrupção policial, recorrentes a cada vinte anos, implicaram, recentemente, na investigação independente da Comissão Mollen sobre corrupção, salientando a ligação desta com a brutalidade policial. Mas, muitas das recomendações da Comissão, expressas em julho de 1994, até a elaboração deste relatório, ainda não tinham sido implementadas.
  • Na Philadelphia, um escândalo veio à tona em 1995, revelando a ampla e evidente corrupção policial, freqüentemente acompanhada por brutalidade que, aparentemente tolerada até então tanto pelas autoridades policiais quanto pelos promotores, -- gerando desconfiança generalizada na população. Como resultado, dezenas de condenações conseguidas através dos testemunhos de policiais corruptos foram revogadas por autoridades policiais. Os cofres públicos desembolsaram milhões de dólares gastos em processos contra o município responsabilizado pela má conduta de policiais nos últimos quatro anos. Algumas das sentenças ou indenizações outorgadas por júri estão diretamente relacionadas ao recente escândalo de corrupção; outras resultam da reputação negativa da polícia que faz com que os jurados estejam mais dispostos a responsabilizar policiais e também que autoridades estejam dispostas a chegar a acordos com vítimas de abuso.
  • Em Nova Orleans, o conhecimento público da corrupção policial e abusos atingiu seu pico em meio aos anos 90, quando dúzias de policiais foram processados por graves delitos, incluindo assassinatos, roubos à mão armada e tráfico de drogas. Esses escândalos foram conseqüência de décadas de comportamento ultrajante. Nos últimos anos, um policial local foi condenado por contratar um assassino profissional para matar uma mulher que encaminhara denúncia de brutalidade contra ele; antes disso, ele já havia sido alvo de pelo menos vinte denúncias de brutalidade ou intimidação por força física. Em outro caso, uma policial foi condenada pelo assassinato de três pessoas, suas conhecidas, incluindo um policial de folga; nesse caso, embora a condenado demonstrasse ser psicologicamente desequilibrada durante os exames do concurso para entrar no serviço público, as preocupações de seus companheiros sobre sua saúde mental foram aparentemente ignorados. Devido a cobertura excepcional da mídia nesses casos, os policiais foram processados.
  • Em Los Angeles, após o espancamento de Rodney King em março de 1991 seguida da absolvição, em abril de 1992, dos quatro policiais acusados, diversos motins explodiram, tndo como estopim, em parte, a frustração diante dos abusos policiais e a inexistência de fiscalização nesse sentido. Um relatório inédito da Comissão Christopher (Christopher Commission) de 1991 que clamava por "uma nova visão de fiscalização" ("new standard of accountability"), tem ocasionado, vagarosamente, a reformas. Ainda assim, a força policial deixa a desejar em muitas áreas, como notado nos primeiros relatórios lançados em 1997 pelo inspetor geral da Comissão de Polícia. (Em uma indicação da morosidade das reformas, levou-se cinco anos para preencher a vaga de inspetor geral).
  • Em Chicago, segundo relatos, mais de sessenta suspeitos teriam sido torturados por detetives policiais entre 1972 e 1991. A prefeitura negou o fato durante anos até que um relatório da agência de investigação da polícia, o Departamento por Normas Profissionais (Office of Professional Standards OPS) descobriu que o abuso "era sistemático [e]... não se limitava aos espancamentos usuais, mas abrangia áreas esotéricas como técnicas psicológicas e tortura planejada." A cidade tentou então manter documentos das investigações internas em segredo até que um tribunal ordenou a sua divulgação. Enfrentando processos civis substanciais, a cidade reconheceu que pelo menos duas vítimas tinham sido torturadas mas argumentou que as medidas adotadas pelos detetives estavam além do escopo de suas atribuições e por isso ela não deveria ser responsável financeiramente por atos desses agentes. O comandante envolvido nos abusos foi eventualmente afastado (nove anos depois que os relatórios de tortura vieram à tona), mas os detetives que trabalhavam com ele, denunciados por violações dos direitos humanos, continuam na força policial e, em alguns casos, foram promovidos. Nenhum processo contra qualquer um dos detetives foi levado a cabo.

Após o aparente sucesso da experiência nova iorquina com início em 1994, o policiamento agressivo com "qualidade de vida" (tolerância reduzida para com crimes não violentos e infrações) vem sendo copiado em muitas cidades dos Estados Unidos, inclusive Washington D.C e Nova Orleans, enquanto outras cidades estudam sua implantação. Autoridades policiais e seus aliados sustentam que essa abordagem naturalmente leva a um aumento das denúncias de abuso, uma vez que policiais interrogam e prendem mais indivíduos. Ou, como uma chamada telefônica para um colunista do New York Times colocou, "A criminalidade está baixa. Se a policia tem que quebrar pau um pouco para tornar a cidade mais segura, que o faça." Entre aqueles que discordam desse pressuposto está um ex-chefe da polícia de Washington D.C que em 1992, como efetivo, foi responsável pelo maior número de prisões sem nunca ter sido alvo de denúncias de abuso, demonstrando que um policial pode ser agressivo sem atrair queixas de brutalidade.

Não há dúvida de que a relação entre a polícia e a comunidade sofreu nos bairros das minorias onde alguns moradores inicialmente deram as boas vindas ao aumento da presença policial mas depois reclamaram do policiamento agressivo que normalmente traduzia-se em tormento. Em Nova Iorque, queixas por toda a cidade aumentaram mais de 37% entre 1993 e 1994, depois que a nova iniciativa policial de "qualidade de vida" foi adotada, e as queixas até o fim de 1996 teriam aumentado de 56% em relação à 1993. Depois do incidente Abner Louima em agosto de 1997 (no qual Louima denunciou ter sido torturado por policiais, espancado e violentado com um cabo de madeira inserido no ânus em um banheiro de uma delegacia do Brooklyn), houve um grande aumento do número de queixas de cidadãos, talvez revelando um ressentimento latente com a polícia. No ano de 1997 o total de queixas foi menor que o do ano anterior e durante os dois primeiros meses de 1998 houve 36% a mais de queixas prestadas ao órgão externo de fiscalização do que nos dois primeiros meses de 1997, de qualquer forma, as queixas continuam sendo apresentadas em ritmo muito maior do que antes da adoção do policiamento da "qualidade de vida".

Um avanço positivo recente têm sido as investigações civis do governo federal para determinar a existência de um padrão de violações aos direitos civis, conhecido como investigações de "padrão e prática" (pattern and practice), e acordos subsequentes iniciados pelo Departamento de Justiça (Justice Department's Civil Rights Division). Em Pittsburgh, Pennsylvania, e Steubenville, Ohio, a Divisão dos Direitos Civis do Departamento de Justiça tem examinado as falhas da fiscalização dos abusos contra os direitos humanos nos departamentos de polícia dessas cidades; tais cidades concordaram em implementar reformas para extinguir práticas violentas ao invés de arriscarem ser processadas pelo Departamento de Justiça em ações que poderiam levar à restruturação da polícia por ordem judicial. As reformas propostas pelo Departamento de Justiça eram semelhantes àquelas por muito tempo sugeridas por ativistas da comunidade e grupos de direitos civis - incluindo melhor treinamento para o uso da força, mecanismos de denúncia mais fortes, criação de sistemas para identificar policiais de risco ou policiais com risco potencial de incorrer em abusos e melhoras dos procedimentos disciplinares. O Departamento de Justiça normalmente não divulga ao público a escolha das cidades a serem investigadas, mas, segundo relatos, vários outros departamentos, inclusive os de Los Angeles, Nova Orleans, Nova Iorque, e Philadelphia estariam sob investigação da Divisão de Direitos Civis.

O relatório contem dezenas de recomendações para extinguir os abusos, melhorar os sistemas de fiscalização e sintonizar os Estados Unidos com as normas de direitos humanos internacionais. Entre as nossas recomendações estão:

  • Condicionar o apoio federal: Diretamente e indiretamente, os departamentos de polícia locais recebem bilhões de dólares anualmente em fundos do governo federal para programas de treinamento, relações com a comunidade, contratação de pessoal e aquisição de equipamentos. Todavia, o governo federal não condicionaliza esse apoio a um patamar mínimo de performance ou tratamento aceitável de suspeitos e outros. O Congresso deveria promulgar uma lei que suspenderia esses fundos aos departamentos de polícia ou as cidades em questão caso não seja fornecida informação relevante sobre o uso excessivo de força, ficando os financiamentos suspensos caso demonstrado que o departamento de polícia que requeria fundos falhe no pleno respeito aos direitos humanos. Especificamente, quando o Departamento de Justiça, como parte de suas novas investigações de "padrão e prática" identificar amplas violações aos direitos humanos em um determinado departamento de polícia, o financiamento do governo federal ao departamento deve cessar caso o mesmo falhe ou demonstre falta de vontade na implementação das reformas.
  • Melhorar a liderança policial e política: As autoridades policiais devem tornar claro para os novos policiais assim como para os veteranos que violações dos direitos humanos são inaceitáveis. Os comandantes de mais alto escalão devem também responsabilizar autoridades superiores que ignoraram ou toleraram abusos cometidos por policiais sob seu comando. Os departamentos de polícia e autoridades municipais devem dedicar parte dos recursos para investigar policiais de forma rápida, plena, imparcial e processá-los administrativamente para que as devidas medidas disciplinares sejam tomadas. Sistemas para detectar policiais violentos ou corruptos devem ser criados e utilizados para identificar e tratar policiais "problema" ou "de risco", aqueles que mais provavelmente cometerão novos abusos.
  • Dar apoio político e financeiro para mecanismos externos de fiscalização: As prefeituras deveriam criar e financiar órgãos externos eficazes de fiscalização e remover obstáculos ao encaminhamento de denúncias contra policiais para permitir que estes cumpram suas funções.
  • Criar promotorias especiais em cada estado: Devido a comum relutância dos promotores públicos de municípios e condados em processar policiais acusados de violações aos direitos humanos, cada estado deveria criar uma promotoria especial, encarregada de lidar com processos criminais de policiais acusados de atos criminosos, inclusive nos casos de brutalidade e corrupção.
1. Diferentementedo Brasil, nos EUA as forças policiais, na sua grande maioria, são organizadas ao nível do município e não do estado.