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V. Analisando a Lei de Imprensa

Responsabilidade criminal por determinadas condutas

1. Definição dos Crimes

A Lei de Imprensa define duas categorias específicas de conduta que podem constituir crimes: os “crimes de abuso da liberdade de imprensa” e os “crimes de desobediência.” Algumas dessas condutas também são definidas como crimes pelo Código Penal, mas na Lei de Imprensa são formuladas de maneira diferente ou direcionadas às circunstancias especificas nas quais o crime é cometido por empresas ou profissionais da mídia. 

A definição dos “crimes de abuso da liberdade de imprensa”, em especial, encontra-se em desacordo com os padrões internacionais relativos à liberdade de expressão. Segundo o artigo 74 da Lei de Imprensa, “os crimes de abuso da liberdade de imprensa” incluem:

  • Divulgar informações que incitem a secessão do país.
  • Divulgar informações que causem perturbações da ordem e tranquilidade públicas, pânico social ou desconfiança no sistema financeiro ou bancário.
  • Promoção dolosa de campanha de perseguição e difamação, através da divulgação sistemática e contínua de informação parcial ou totalmente falsa sobre fatos, atitudes, desempenho profissional, administrativo ou comercial de qualquer pessoa.26

A Human Rights Watch entende que, como princípio, a criminalização da difamação é desnecessária, desproporcional e constitui por si só uma violação ao direito à liberdade de expressão. O Relator Especial das Nações Unidas para a Promoção e Proteção do Direito de Liberdade de Opinião e Expressão (Relator Especial) também recomendou que os processos judiciais por difamação resultem somente em responsabilização na esfera civil e não criminal.27

O artigo 74 da lei também define difamação em termos muito amplos e passíveis de manipulação política. O Relator Especial da ONU definiu difamação como “uma comunicação intencionalmente falsa que fere a reputação de uma pessoa, sendo a comunicação sem o consentimento da pessoa alegadamente alvo da difamação.”28 Os conceitos de “perseguição” e “informação parcialmente falsa” vão além deste âmbito e são indeterminados. Outros crimes de “abuso de liberdade de imprensa” destacados acima também são definidos em termos genéricos que permitem interpretação excessivamente ampla (tais como “perturbações da ordem e tranquilidade públicas”, “pânico social” ou “desconfiança no sistema financeiro e bancário”).

Tendo em vista o histórico de supressão da liberdade de expressão em Angola, tais direitos seriam melhor protegidos através da adoção de regulamentos que detalhem o conteúdo de tais categorias. Tal medida também garantiria que a aplicação das disposições da Lei de Imprensa não contrarie o princípio de tipicidade da lei, segundo o qual um crime deve ser definido da maneira mais clara possível e em termos muito específicos para que os cidadãos saibam exatamente quais condutas constituem crime e quais as penalidades a ele associadas.    

2. Das Penas

Segundo a nova Lei de Imprensa, os “crimes de abuso da liberdade de imprensa” são punidos com a pena de multa prevista pelo Código Penal “se outra pena superior não couber.”29 A lei, no entanto, não define o que são “penas superiores” nem tampouco refere-se às condições que possam gerar tais penalidades. A interpretação legal usual do termo “penas superiores” incluiria a pena de prisão nos casos e circunstâncias determinados pelo Código Penal.30 Penas de prisão estão previstas no Código Penal tanto para difamação quanto para injúria. Embora a injúria não conste na Lei de Imprensa como um “crime de abuso da liberdade de imprensa”, publicações podem ser suspensas caso divulguem informações que dêem origem a condenações por este crime. 31 (ver abaixo).

 

“Crimes de desobediência” são punidos apenas com multas, porém o detalhamento destas penalidades foi relegado à regulamentação futura.

Qualquer veículo de mídia que publique um texto ou imagem que dê origem a 3 condenações por difamação, injúria, “desobediência” ou “abuso de liberdade de imprensa” durante um período de 3 anos será suspenso por decisão judicial por períodos que variam de algumas semanas a um ano.  32 O diretor de um órgão de comunicação social condenado por 3 crimes cometidos “através da imprensa, radiodifusão ou televisão” ficará proibido de exercer cargo diretivo em qualquer órgão de comunicação social pelo prazo de 3 anos.33 A circulação de publicações estrangeiras contendo textos ou imagens “susceptíveis de incriminação” poderá ser suspensa pelo tribunal, mediante requisição do Ministério Público.34 

O Relator Especial da ONU declarou que a “suspensão do direito de se expressar através de qualquer forma de mídia, ou a suspensão do exercício da profissão de jornalista ou qualquer outra profissão Nesses termos, as disposições da lei Angolana acima referidas são claramente excessivas. Um exemplo deste excesso é a suspensão de publicações estrangeiras por requisição do Ministério Público que alegue utilização de conteúdo susceptível de incriminação nos termos da lei angolana, independentemente de condenação judicial por difamação ou qualquer outro crime. Isso significa que uma publicação estrangeira pode ser suspensa sem ter a oportunidade de defender-se contra uma acusação criminal e antes que o tribunal emita uma sentença definitiva sobre o caso. Na prática, esta medida pode também ser financeiramente inviável para publicações que não tem condições econômicas de esperar o tempo que seria necessário para questionar a suspensão nos tribunais. Além disso, a suspensão por uma infração não comprovada é ainda mais restritiva do que a própria censura prévia, amplamente condenada pelo direito internacional, salvo em casos excepcionais.

Processos criminais em Angola seguem, em regra, um procedimento descrito pelo Código de Processo Penal. Tal procedimento estabelece atos e prazos processuais com o objetivo de garantir o devido processo legal e a imparcialidade. Segundo a nova Lei de Imprensa, processos por “crimes de abuso de liberdade de imprensa” são considerados urgentes (não é fornecida na lei qualquer justificativa para a natureza urgente desses processos). Como casos urgentes, aplicam-se a estes processos todos os prazos processuais previstos no Código de Processo Penal reduzidos pela metade. Como em Angola os processos judiciais são comumente considerados demasiadamente lentos, essa disposição legal pode ser considerada uma medida positiva. No entanto, os juízes atuantes em tais casos deverão garantir que ao aplicar tal regra não se restrinja o tempo mínimo adequado para que o acusado prepare a sua defesa. 

Uma das disposições da antiga Lei de Imprensa impedia que um jornalista acusado de difamação contra o Presidente da República ou outros chefes de Estado usasse a prova da veracidade dos fatos por ele alegados em sua defesa.36 Essa era uma exceção aplicável somente ao Presidente da República que permitia que jornalistas ficassem sujeitos a processos criminais, inclusive a penas de prisão, por qualquer alegação que desagradasse o chefe de estado—mesmo que tal alegação viesse a ser provada verdadeira. Essa disposição foi eliminada da nova Lei de Imprensa, harmonizando-a com as disposições do Código de Processo Penal neste assunto, que determinam que a admissibilidade da “veracidade dos fatos” seja decidida pelo juiz em cada caso específico.

Restam, no entanto, várias provisões do Código Penal que fornecem maior proteção contra difamação e injúria às personalidades públicas do que aos cidadãos comuns. O artigo 114 estabelece que as penas para os crimes de difamação serão aplicadas a qualquer ato que ofenda a consideração devida a uma autoridade pública.37 O artigo 181 também prevê prisão de um ano para qualquer pessoa que ofenda, através de palavras, ameaças ou atos, várias autoridades públicas, inclusive ministros, conselheiros de estado, membros do parlamento ou comandantes da força pública.38  

Essas disposições são contrárias ao princípio bem estabelecido em direito internacional segundo o qual a mídia deve ser especialmente protegida pela lei quando cobrindo assuntos de interesse público e segundo o qual políticos e outras figuras públicas devem tolerar maior nível de escrutínio e possíveis críticas. Tanto a Corte Européia de Direitos Humanos quanto a Comissão Inter-Americana sobre Direitos Humanos reafirmaram esses princípios em sua jurisprudência.39

 

Restrições ao exercício da liberdade de imprensa

A nova Lei de Imprensa Angolana dispõe que o exercício da liberdade de imprensa pode ser limitado pelos “princípios, valores e normas da Lei Constitucional e da lei” que visam “proteger e garantir o direito ao bom nome, à imagem e a palavra, e à reserva da intimidade da vida privada dos cidadãos.”40 Essas restrições, em princípio, não violam os padrões internacionais, que permitem restrições à liberdade de expressão quando necessárias para garantir o respeito aos direitos ou reputação de terceiros ou para a proteção da segurança nacional e da ordem, saúde e moralidade públicas. 41 No entanto, a implementação prática dessa disposição, especialmente a definição ou interpretação do que sejam “princípios e valores” que possam limitar de maneira legítima a liberdade de expressão, constitui motivo de preocupação à luz da frágil capacidade do judiciário angolano. 

A nova lei também determina que jornalistas não podem obter informações através de meios “desleais.”42 Uma vez que não há definição na Lei de Imprensa sobre o significado de “desleal” ou sobre quais atos possam ser considerados “desleais” e, tendo em vista que não existe ainda no judiciário de Angola uma tradição de proteção dos direitos humanos, uma palavra tão geral como “desleal” é um convite à criminalização abusiva da imprensa.

Procedimento para o licenciamento da atividade de radiodifusão e televisão

Em sociedades democráticas, as emissoras de rádio e televisão privadas têm um papel fundamental na garantia da disseminação de opiniões diversas e independentes. Elas facilitam o papel da mídia de divulgar e fiscalizar as ações governamentais. Contribuem também para assegurar a liberdade de expressão ao garantir diversidade de pontos de vista sobre políticas públicas e temas políticos e tornar públicos eventuais abusos cometidos nessa área. 

A nova Lei de Imprensa estabelece as regras básicas para a concessão de licenças para a atividade privada de radiodifusão e televisão. As licenças são concedidas através de concurso público, que deve ser autorizado pelo Conselho de Ministros mediante proposta dos Ministérios da Comunicação Social e dos Correios e Telecomunicações. Em seguida, um alvará é outorgado pelo Ministro da Comunicação Social, mas somente após parecer positivo do Ministério dos Correios e Telecomunicações. As empresas interessadas na atividade de radiodifusão e televisão devem conseguir um alvará diferente para cada tipo de onda em que pretendam transmitir.43

A Declaração sobre a Liberdade de Expressão em África estipula que um órgão regulador independente deve conceder licenças de transmissão e fiscalizar o respeito às condições da concessão.44 Embora critérios e procedimentos específicos para a concessão de licenças para a radiodifusão e televisão devam ser estabelecidas por legislação subsequente (ver secção sobre a necessidade de leis e regulamentos complementares, abaixo), as regras  básicas estabelecidas na Lei de Imprensa criaram um processo excessivamente burocrático e dependente de órgãos governamentais, e não de órgãos independentes como aconselhado pela boa pratica internacional.45 A Lei de Imprensa estabelece um órgão regulador independente – o Conselho Nacional de Comunicação Social (CNCS) – mas não estabelece suas funções ou poderes, inclusive em relação aos procedimentos de concessão de licença.

 

Atualmente não existem emissoras de TV privadas em Angola. Algumas poucas emissoras de rádio privada operam no país, embora nenhuma tenha cobertura nacional. Uma dessas emissoras—a rádio Católica, Rádio Eclésia—há tempos possui os meios técnicos para transmitir nacionalmente, mas o governo ainda não autorizou tal operação. 46  Segundo a Lei de Imprensa, empresas de rádio já atuantes no pais devem “ajustar-se a nova lei” 47 no prazo de seis meses, mas não existem quaisquer disposições que estabeleçam o procedimento para tal ajuste.

A necessidade de leis e regulamentos complementares

Várias disposições da Lei de Imprensa foram formuladas em termos gerais e carecem de detalhamento por meio de leis e regulamentações complementares ainda inexistentes.48

Segundo o artigo 87, “a presente lei deve ser regulamentada pelo Governo no prazo de 90 dias.” Essa regulamentação detalharia muitos dos princípios e procedimentos previstos na lei que, na ausência de regulamentação, permanecem inoperantes. Quando da publicação deste relatório, o prazo de 90 dias já havia expirado sem que tal regulamentação tivesse sido aprovada.49

Além disso, muitos artigos da nova lei estabelecem novos órgãos, códigos, estatutos e procedimentos que serão, segundo a Lei de Imprensa, detalhados por lei própria ou lei especial. Nenhum prazo é estabelecido na Lei de Imprensa para a entrada em vigor destas leis. A ausência de tal legislação faz com que várias das disposições da Lei de Imprensa sejam atualmente inaplicáveis.

O artigo 2 do PIDCP determina que os Estados-parte do Pacto devem “adotar leis ou outras medidas necessárias para tornar efetivos os direitos reconhecidos no...Pacto...” De acordo com suas obrigações internacionais, portanto, o governo de Angola deve adotar as necessárias leis e regulamentos complementares em caráter de urgência.

A nova Lei de Imprensa revoga a lei de imprensa anterior mas não estabelece mecanismos de transição para o período durante o qual permanecer pendente a adoção de sua regulamentação e da legislação complementar específica. Com isso, um “vazio legal” foi criado em relação a muitos aspectos da liberdade de imprensa, como detalharemos abaixo. Os textos das leis e regulamentos complementares a serem adotados pelo governo deverão refletir as normas internacionais relativas à liberdade de expressão.

1. Serviço Público de Informação

O artigo 9 da Lei de Imprensa prevê que o governo deve garantir a existência de um serviço público de informação e que a criação e funcionamento de tal serviço serão detalhados em lei específica. O estabelecimento desse serviço visa “garantir o direito dos cidadãos de informar, se informar e ser informado.”50 Embora serviços públicos semelhantes tenham sido criados em muitos países por todo o mundo, é fundamental que algumas garantias sejam também criadas para assegurar que tais serviços sejam imparciais e independentes. Isso é especialmente importante em Angola, onde o serviço público de TV e rádio é atribuído, respectivamente à Televisão Pública de Angola, TPA, e à Radio Nacional de Angola, RNA. 51 Ambas a TPA e a RNA são atualmente controladas pelo Estado e no caso da TPA, um monopólio estatal. A imparcialidade na transmissão de noticias e informações em ambos os veículos permanece uma preocupação, com atenção desproporcional sendo prestada às atividades do governo e do partido no poder. 

Tais preocupações relativas à imparcialidade política nos veículos de comunicação estatal são agravadas pelo fato de que atualmente ambas as Direções, tanto da TPA quanto da RNA, são nomeados pelo governo. Legislação complementar deve ser urgentemente aprovada para definir os princípios e o funcionamento das emissoras do serviço público de informação e para estabelecer as normas que regerão os respectivos contratos de concessão. Seu texto deve incluir disposições sobre financiamento, responsabilidade e regras de participação. Poderes e responsabilidades devem ser claramente estabelecidos e sua independência explicitamente garantida. O serviço público de informação deve ser dirigido por um conselho diretivo protegido contra interferência política, econômica ou de qualquer outra natureza; sua independência editorial deve ser assegurada; e seu orçamento deve ser protegido de possíveis interferências arbitrarias por parte do poder público. Serviços públicos de informação devem contribuir para a pluralidade de opiniões, fornecer informação precisa e imparcial e ser amplamente acessíveis a toda população. Devem garantir que o público receba informação politicamente equilibrada durante períodos eleitorais.

2. Conselho Nacional de Comunicação Social

O artigo 8 da Lei de Imprensa determina que “O Conselho Nacional de Comunicação Social é um órgão independente que tem por missão assegurar a objetividade e a isenção da informação e a salvaguarda da liberdade de expressão e de pensamento na imprensa.” A própria criação de um órgão estatutário para regular a mídia é, em si, uma preocupação. A prática internacional indica que a auto-regulamentação da mídia é altamente preferível, especialmente em países onde o estado de direito e a democracia ainda não estão consolidados. A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão em África afirma que “um sistema eficaz de auto-regulamentação é o melhor mecanismo para a promoção de padrões de rigor e profissionalismo da mídia.”52

O artigo 8 também determina que a composição, competência e funcionamento desse Conselho serão regulamentados por lei própria. 53 Existe hoje em Angola um conselho semelhante, mas seu mandato operacional encontra-se formalmente expirado. Enquanto o novo conselho aguarda a sua ativação através de lei específica e respectivas nomeações, o status do antigo conselho ainda em operação permanece indefinido. Uma nova lei deve ser urgentemente elaborada para evitar esta situação de indefinição e para estabelecer os princípios específicos e poderes sob os quais operará o novo conselho. Nesse sentido, é importante que a lei a ser elaborada garanta a real independência do conselho. O órgão atualmente em operação, por exemplo, possui membros que representam partidos políticos, o que pode tornar tal órgão vulnerável a interferência política.

3. A regulamentação da profissão de jornalista: o Estatuto dos Jornalistas, o Código Deontológico e a Comissão da Carteira e Ética

O artigo 21 da Lei de Imprensa estabelece que a profissão de jornalista deve ser regulada pelo Estatuto do Jornalista e pelo Código Deontológico. Ambos, estatuto e código, são importantes para proteger os direitos dos jornalistas, assim como para garantir o exercício responsável da profissão. A lei determina que o Estatuto do Jornalista será aprovado pelo governo e que os sindicatos e as associações de jornalistas devem ser consultados no processo de elaboração do estatuto. A lei, no entanto, não especifica a natureza ou a extensão de sua participação. O governo deve garantir uma participação significativa dos representantes dessas associações em todas as fases de elaboração do estatuto e suas preocupações e recomendações devem ser levadas em consideração pelos legisladores. Segundo a Lei de Imprensa, o estatuto deve definir quem é um jornalista, os direitos e deveres dos jornalistas e as condições para emissão, renovação e suspensão da carteira de jornalista.54 O governo deve também estabelecer sem demora a Comissão da Carteira e Ética, órgão composto por jornalistas e responsável pela emissão das carteiras de jornalistas. Por fim, é vital também que o governo respeite plenamente as disposições da Lei de Imprensa que determinam que são as associações profissionais as responsáveis pela redação e aprovação do Código de Deontológico.55

4. Licenciamento de transmissão radiofônica e televisiva

Os critérios e procedimentos para requisição de licença de radiodifusão ou televisão serão definidos por lei especial (ver secção sobre os procedimentos de concessão, acima).56 Tal lei deverá incluir disposições que garantam que os pedidos de licenciamento sejam avaliados de maneira transparente, segundo critérios claros e precisos e que, em caso de recusa, a mesma seja acompanhada de fundamentação por escrito.

5. O uso de línguas nacionais e o estabelecimento de rádios comunitárias

Algumas disposições da Lei de Imprensa poderiam ser melhor esclarecidas por regulamentação complementar, embora a inexistência de tal regulamentação não as torne totalmente ineficazes, diferentemente do que se viu nos casos mencionados nos itens anteriores.

O regulamento da Lei de Imprensa, quando elaborado, deve exigir que o governo engendre maiores esforços na remoção de obstáculos à circulação de jornais nas províncias do interior de Angola. Esse é um passo fundamental para garantir o acesso à informação nas zonas rurais, que tem sido constantemente identificado como um problema no país.57 No momento, a circulação de jornais privados fora de Luanda é bastante limitada. Os altos custos de impressão e transporte são, por exemplo, alguns dos obstáculos a uma maior circulação desses jornais. O governo poderia mudar essa situação através de medidas como a redução de impostos sobre o papel usado pela mídia impressa ou a facilitação do transporte de jornais a outras províncias pela empresa aérea estatal (TAAG). A circulação ampla e fácil de informação de fontes diversificadas é fundamental para garantir que a população tome decisões informadas nas próximas eleições. A Declaração sobre a Liberdade de Expressão em África determina que “esforços devem se feitos para aumentar a circulação da mídia impressa, particularmente às comunidades rurais.”58  

O acesso à informação também poderia ser aprimorado pela circulação de informação nas línguas nacionais faladas nas diversas províncias de Angola. Segundo a Lei de Imprensa, as empresas da mídia deveriam, em princípio, emitir informação nas línguas nacionais, nos termos de um regulamento ainda inexistente. 59 Embora as emissoras de rádio e televisão estatais transmitam programas nas línguas nacionais,60 não há atualmente incentivo para que a mídia privada também o faça.

O futuro regulamento da Lei de Imprensa deve esclarecer qual o procedimento a ser adotado para criação de rádios comunitárias, que até o momento não existem em Angola.61 Embora a criação de tais rádios esteja prevista na Lei de Imprensa, sua efetiva criação não pode ocorrer na ausência de leis e regulamentação complementares que definam os critérios e procedimentos para a concessão de licenças de radiodifusão. As rádios comunitárias podem desempenhar um papel fundamental na disseminação de informação nas zonas rurais no período pré-eleitoral. Isso é particularmente importante em Angola onde a taxa de analfabetismo é muito elevada e o rádio é o veículo da mídia que alcança a maior proporção da população nacional.




26 Lei da Imprensa, Lei no. 7/06, de 15 de Maio de 2006, art. 74 no. 2(b), (c), (d).

27 Comissão de Direitos Humanos da ONU, Relatório do Relator Especial para a Promoção e Proteção do Direito a Liberdade de Opinião e Expressão, Ambevi Lgabo (Relatório do Relator Especial Ambevi Ligabo), E/CN.4/2006/55, 30 de Dezembro, para. 51, 55.

28 Relatório do Relator Especial Ambeyi Ligabo, para. 45.

29 Lei da Imprensa 2006, art. 74 no. 3 (crimes de abuso da liberdade de imprensa).

30 Código Penal de Angola, Decreto de 16 de Setembro de 1886 (em vigor em virtude do artigo 58 da Lei Constitucional e subsequentemente emendado por diversas leis), art. 407, 410 (difamação e injúria).

31 Lei da Imprensa 2006, art. 77 no. 1 (suspensão de publicações).

32 Lei da Imprensa 2006, art. 77 no. 1, 2.

33 Lei da Imprensa 2006, art. 77 no. 4.

34 Lei da Imprensa 2006, art. 77 no. 3.

36 Lei da Imprensa, lei no. 22/91, 26 de Março de 1991, art. 46 (revogada pela Lei 7/06).

37 Código Penal, art. 414 (ofensas à autoridade pública).

38 Código Penal, art. 181 (injúrias contra as autoridades públicas).

39 Corte Européia de Direitos Humanos, Oberschlick vs. Austria, Julgamento de 23 de Maio de 1991, Série A no. 204, para. 59. Ver também, Lingens vs. Austria, Julgamento de 8 de Julho de 1986, Série A no. 103, para. 42.

40 Lei da Imprensa 2006, art. 7 no. 1(b). O “bom nome e reputação dos cidadãos” também estão protegidos pelo artigo 20 da Lei Constitucional.

41 PIDCP, art. 19(3).

42 Lei da Imprensa 2006, art. 7 no. 2 (restrições ao exercício da liberdade de imprensa).

43 Lei da Imprensa 2006, arts. 45 e 47 (licença e condições de exercício da atividade de radiodifusão e televisão).

44 Declaração da Liberdade de Expressão em África, princípio V (transmissão privada).

45 Lei da Imprensa 2006, arts. 45, 46, 47 (licença e condições de exercício da atividade de radiodifusão e televisão).

46 A Radio Eclésia e a Radio Luanda Antena Comercial transmitem para a província de Luanda. A Radio 2000 transmite em Huíla, A Radio Morena opera em Benguela e a Radio Comercial em Cabinda. A Radio Eclésia obteve licença de transmissão para todo o território Angolano ainda em época colonial. Após a independência seu patrimônio foi confiscado sendo somente re-autorizada a transmitir após 1992. Naquela época, as transmissões eram limitadas a Luanda, pois os transmissores utilizados para alcançar outras províncias não mais funcionavam. Uma vez que novamente operacional a direção da Rádio Eclésia solicitou em correspondência ao Ministério relevante que pretendia fazer testes de transmissão nacional. Em resposta o Ministro escreveu que tal operação seria considerada ilegal. Até ao momento, apesar de todos os esforços da Rádio Eclésia, o governo ainda não autorizou a extensão do seu sinal para fora de Luanda.

47 Lei da Imprensa 2006, arts. 48 no. 3 (exercício da atividade de radiodifusão).

48 É comum em países de tradição romano-germanica (civil law) a elaboração de leis amplas com provisões gerais, seguidas de legislação complementar que detalha os diferentes aspectos de sua aplicação prática. Quando a legislação complementar não é aprovada, ou quando sua elaboração é muito demorada, muitas disposições da lei tornam-se inoperantes. A Legislação complementar pode tomar a forma de regulamento, que é aprovado pelo Governo através de um decreto. Também pode tomar a forma de uma outra lei que é aprovada pela Assembléia. Normalmente a legislação complementar a uma lei toma a forma de regulamento aprovado através de decreto, mas dependendo das questões tratadas pode também tomar a forma de outra lei aprovada pela Assembléia. É comum, e é o caso da nova Lei de Imprensa, que uma lei não necessariamente especifique qual desses tipos de leis e regulamentações sejam necessários para sua aplicação, antes usando de expressões gerais tais como “lei ou legislação especial”, “lei própria” ou “diploma legal.”  

49 A Lei entrou em vigor em 15 de Maio de 2006, portanto os 90 dias previstos expiraram em 13 de Agosto de 2006.

50 Lei da Imprensa 2006, art. 9 (serviço público de informação).

51 Lei da Imprensa 2006, art. 50, 61 (operadores de radio e televisão pública).

52 Declaração sobre a Liberdade de Expressão em África, Princípio IX (Das queixas).

53 Lei da Imprensa 2006, art. 8 (Conselho Nacional de Comunicação Social).

54 A carteira de jornalista é basicamente uma licença para trabalhar como jornalista em Angola.

55 O art. 21(4) da Lei de Imprensa determina que “o Código Deontológico é adotado pelas associações de jornalistas em assembléia especialmente convocada para o efeito....”

56 Lei da Imprensa 2006, art. 46, 60 (procedimentos para a concessão de licença de radiodifusão e televisão).

57 Human Rights Watch, Democracia Inacabada: Mídia e Liberdade Política em Angola; Relatório Anual  2006, (Nova Iorque: Human Rights Watch, 2006), http://www.hrw.org/wr2k6/wr2006.pdf, p. 74. Associação Justiça, Paz e Democracia, “Angola: A Violação Escondida dos Meus Direitos na Pacificação e na Expectativa das Próximas Eleições”, Luanda, Maio de 2006, pp. 21-26.

58 Declaração sobre a Liberdade de Expressão em África, princípio VIII (imprensa)

59 Lei de Imprensa 2006, art. 12 (línguas nacionais).

60 Falantes de Português em Angola: 26 por cento; Umbundo: 30 por cento; Kinbundo: 16 por cento; Outras línguas: 28 por cento (dados de 1999).  Em Tony Hodges, Angola – Do Afro-Stalinismo ao Capitalismo Selvagem. (Lisboa: Principia, Março de 2003), p. 47.

61 Lei da Imprensa 2006, art. 54 (cobertura da rádio a nível nacional, regional e comunitário).