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IV. A Liberdade de Imprensa em Angola em Contexto

Apesar das várias obrigações internacionais decorrentes das disposições legais mencionadas no capítulo anterior, a legislação angolana e os atos do governo de Angola violaram, no passado, os padrões internacionais relativos à liberdade de expressão e informação. Pesquisas anteriores realizadas pela Human Rights Watch demonstraram que inadequações em várias disposições da legislação sobre liberdade de imprensa e do Código Penal Angolano comprometiam seriamente o exercício da liberdade de imprensa no país, especialmente pela mídia privada.15

A Constituição Angolana protege o “direito à honra” 16 e o Código Penal garante essa proteção através de sanções em caso de difamação ou injúria (atribuição de características negativas a alguém, que possam afetar a sua dignidade moral). No passado, autoridades públicas abusivamente invocaram essa legislação contra jornalistas para silenciar críticas na imprensa sobre suas atividades públicas ou privadas. Jornalistas que criticavam abertamente autoridades governamentais foram por vezes condenados por difamação e sentenciados a pena de prisão, além de terem sido multados.17 Alguns desses processos ainda encontram-se em aberto, apesar de vários anos terem-se passado desde a ocorrência dos fatos levados a juízo. Embora os jornalistas envolvidos não tenham sido presos e continuem a exercer a profissão, permanecem, de fato, sob a constante ameaça de que seus processos voltem a correr e eles venham a ser condenados por difamação.18

Sobre um desses casos, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu que o governo Angolano violou suas obrigações sob o artigo 19 do PIDCP ao impor restrições desnecessárias e desproporcionais à liberdade de expressão. No referido caso, a detenção do jornalista por 40 dias, inclusive 10 dias em regime incommunicado, foi condenada pelo Comitê como constituindo detenção arbitrária, em violação do artigo 9 do PIDCP. 19  

Muitas outras violações ao direito à liberdade de expressão já foram documentadas pela Human Rights Watch, inclusive a prisão arbitrária e violência contra jornalistas e editores que publicaram matérias negativas sobre o governo (sobre temas como corrupção ou incompetência na gestão de recursos ou instituições). Muitos jornalistas e editores foram também ameaçados para que não publicassem artigos sobre certos assuntos. A principal estação de rádio privada do país – a emissora Rádio Eclésia, dirigida pela Igreja Católica –– tem sofrido várias restrições que a impedem de transmitir nacionalmente, apesar de possuir as condições técnicas para tal. Além disso, vários jornalistas da imprensa privada tiveram o acesso a documentos oficiais e eventos públicos negado.20

A longa guerra civil em Angola e os muitos anos sob o regime de partido único plantaram entre os jornalistas o temor da censura. Ainda hoje esse legado muitas vezes se traduz em auto-censura quando os jornalistas tratam questões que possam ser consideradas controversas pelo governo.21 

Embora a Human Rights Watch não tenha conhecimento de qualquer incidente grave de violência ou prisão arbitrária contra jornalistas ocorrido em 2006, algumas outras ocorrências demonstram que o ambiente em que os jornalistas exercem sua profissão não está completamente livre da interferência governamental.

Alguns jornalistas relataram à Human Rights Watch que sérios obstáculos ainda existem à circulação de jornais privados por todo o país. Os custos de papel e de impressão são muito altos e exacerbados por impostos excessivos. O transporte é extremamente difícil e custoso devido ao grau de destruição da infra-estrutura do país após a guerra. Esses obstáculos são agravados por casos esparsos em que exemplares contendo artigos críticos ao governo foram apreendidos por indivíduos não identificados ao chegarem para distribuição nas províncias ou por casos em que se constatou que subsídios estatais foram fornecidos unicamente aos veículos de comunicação social do estado.22 Essa situação compromete seriamente o acesso à informação.

Jornalistas da imprensa privada também mencionaram que é comum o governo divulgar oficialmente informações importantes às sextas-feiras, quando os semanários privados já estão na impressão e podem apenas comentar o assunto na semana seguinte, quando a notícia já é “assunto velho.”23 Um jornalista relatou que esse foi o caso, por exemplo, há alguns meses quando o governo anunciou no sábado, 1º de abril de 2006, os resultados da Comissão de Sindicância que investigou as circunstâncias da exoneração do ex-chefe dos Serviços de Inteligência Externa, General Fernando Miala.24 

Em algumas ocasiões, jornalistas foram proibidos de usar câmeras na cobertura de fatos noticiosos ou tiveram suas câmeras apreendidas pela polícia quando tentavam faze-lo. Um jornalista do jornal O Angolense contou a Human Rights Watch que foi avisado pela polícia para que não carregasse a sua câmera quando em visita ao bairro de São Paulo, onde investigava denúncias de intimidação policial contra vendedores ambulantes. Outro jornalista contou à Human Rights Watch que não se permite que jornalistas façam uso de câmeras quando cobrindo eventos de despejos forçados ou demolições.25    

O capítulo seguinte analisará as disposições da nova Lei de Imprensa à luz das normas internacionais de liberdade de expressão e informação.




15 Human Rights Watch, Democracia Inacabada: A Mídia e a Liberdade Política em Angola, 14 de Julho de 20004, http://hrw.org/backgrounder/africa/angola/2004/.

16 Lei Constitucional, art. 20.

17 Human Rights Watch, Democracia Inacabada: Mídia e Liberdade Política em Angola, pp. 18, 20.

18 Entrevista da Human Rights Watch com jornalista local membro de uma organização internacional com base em Angola, Abril de 2006, (entrevista subsequente por via eletrônica em Outubro de 2006). 

19 Comunicação no. 1128/2002 do Comité de Direitos Humanos, CCPR/C/83/1128/2002, 18 de Abril de 2005.

20 Human Rights Watch, Democracia Inacabada: A Mídia e a Liberdade Política em Angola, pp. 17-25.

21 Entrevistas da Human Rights Watch com jornalistas e funcionários de organizações internacionais, Luanda, Abril e Agosto de 2006. 

22 Human Rights Watch, Democracia Inacabada: A Mídia e a Liberdade Política em Angola, p. 24; Entrevista da Human Rights Watch com jornalista angolano, Luanda, Abril de 2006. 

23 Todos os jornais privados em Angola são semanários distribuidos aos sábados.

24 Entrevista da Human Rights Watch com jornalista angolano, Luanda, Abril de 2006.

25 Entrevista da Human Rights Watch com jornalista angolano, Luanda, Abril de 2006. São vários os casos de despejo forçado e demolições ocorridos em Luanda ao longo dos últimos cinco anos. Em 2006 um desses incidentes, o despejo ocorrido nas Cambambas em 13 e 14 de março, atraiu maior atenção da imprensa.