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II.  RECOMENDAÇÕES

O Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (DEGASE) do Rio de Janeiro, órgão da secretaria estadual de justiça, tem responsabilidade primordial pela administração do sistema de detenção juvenil do estado.  Ele deve implementar o Estatuto da Criança e do Adolescente de forma coerente com as normas internacionais de justiça juvenil.  Ao fazê-lo, deve orientar-se pelas recomendações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), do relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, do relator especial da ONU sobre tortura, e da Comitê sobre os Direitos da Criança.12

O governo federal do Brasil fornece em grande parte os recursos que permitem aos estados manterem os centros de detenção, contratarem monitores e fornecer os serviços necessários aos jovens detidos. Dentro de um plano de ação presidencial anunciado em outubro de 2003, o governo federal dedicou recursos adicionais para ampliar a capacidade dos estados de investigar e punir os casos de tortura, violência e outros abusos perpetrados nos centros de detenção juvenil. Muitos dos objetivos do plano de ação ainda não tinham sido alcançados à época de preparação deste informe, um ano depois.13

A Human Rights Watch recomenda que o DEGASE e, se apropriado, outras entidades estaduais e federais, tomem as seguintes providências para proteger os direitos humanos de jovens sujeitos atualmente ao sistema de detenção juvenil do estado.

Detenção provisória

Os juízes, o DEGASE, a polícia, os promotores públicos e a Defensoria Pública Geral do Estado devem garantir que os jovens não sejam detidos na fase prévia ao julgamento por um período superior aos 45 dias autorizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive qualquer período que tenham passado em cárceres policiais.  O período passado em cárceres policiais nunca deve ser superior ao limite legal de cinco dias, devendo ser monitorado estritamente para garantir o respeito aos direitos dos jovens, inclusive o direito de não sofrerem tortura e outros tratamentos e punições cruéis, desumanos e degradantes.

Práticas disciplinares

O DEGASE deve estabelecer regras claras de comportamento para os jovens em detenção. Estas regras devem especificar as conseqüências em caso de não cumprimento.  Este órgão deve adotar as seguintes medidas para garantir que as práticas disciplinares se conformem às normas internacionais:

  • Proibir o uso de medidas disciplinares que incluam confinamento fechado ou em solitária ou qualquer outra punição que possa comprometer a saúde física ou mental do jovem.

  • Uso do confinamento na cela somente quando absolutamente necessário para a proteção do jovem.  Se necessário, ele deve ser empregado pelo menor período de tempo possível e sujeito a reconsiderações rápidas e sistemáticas.

  • Oferecer diretrizes claras ao pessoal do centro de detenção que impõe medidas de disciplina.

    Mecanismos de queixa e monitoração

    O DEGASE deve estabelecer um sistema de apresentação de queixas que seja independente dos monitores.  Todas as queixas devem ser investigadas integralmente.  O pessoal do centro de detenção que agir com violência deve ser disciplinado de forma condizente e afastado de funções que impliquem no seu contato com os jovens.  Os casos particularmente graves devem ser encaminhados ao promotor de justiça e autoridades judiciárias para que se proceda a uma investigação.  O DEGASE deve também permitir uma observação independente das condições de detenção, seja por parte de organizações não governamentais que promovem os direitos humanos das crianças ou por comissões comunitárias criadas com este fim.

    O DEGASE deveria reestruturar seu sistema de prontuário para que se possa acompanhar as alegações contra monitores particulares que cometem abusos e saber a que ações disciplinares eles foram submetidos.  A manutenção de registros históricos de emprego que sejam precisos e completos pode ser um forte elemento de dissuasão contra os abusos, além de ser uma ferramenta administrativa muito útil.

    Supervisão pela promotoria

    De forma condizente com seu papel no acompanhamento e proteção dos direitos das crianças e adolescentes, os promotores públicos da Promotoria da Infância e da Juventude devem inspecionar freqüentemente os centros de detenção, fazendo visitas inesperadas.  Eles devem se reunir com os diretores dos centros de detenção para comunicar quaisquer deficiências que tenham observado nas condições de detenção e devem agir de forma apropriada contra os diretores que não tomarem providências para sanar tais deficiências.  Se receberem denúncias de que os monitores cometeram abusos contra os jovens em detenção, devem investigar tais denúncias e, se for o caso, apresentar queixas formais contra as pessoas responsabilizadas.

    Defensores públicos

    Os defensores públicos têm um papel vital ao dar assistência aos jovens para sua defesa contra acusações de delinqüência e ao assessorá-los na apresentação de queixas por tratamento abusivo ou por condições inaceitáveis de detenção.  Remuneração e treinamento adequados são essenciais para permitir que os defensores públicos cumpram sua missão.  O legislativo estadual deve defender uma remuneração dos defensores públicos nos mesmos níveis da oferecida aos promotores públicos.

    Condições do confinamento

    O DEGASE e outras autoridades estaduais apropriadas devem procurar garantir que as condições de confinamento dos jovens atendam a todas as exigências de saúde, segurança e dignidade humana e cumpram todos os requisitos do Estatuto da Criança e do Adolescente.  Como questão prioritária, o DEGASE deve procurar garantir que os jovens sejam abrigados separadamente, de acordo com sua idade, desenvolvimento físico e gravidade do delito, como exigem a lei brasileira e as normas internacionais; os adultos jovens, de idade entre 18 e 21 anos, devem ser colocados em centros de detenção separados ou em alas separadas dos centros de detenção que recebem também jovens com menos de 18 anos.  O DEGASE e outras autoridades devem garantir os direitos dos jovens de receber instrução escolar e treinamento profissional, de serem tratados com dignidade e respeito, de receberem visitas pelo menos semanalmente e de terem acesso a itens necessários à manutenção da higiene e limpeza pessoal, como exige o Artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente.  Como a reabilitação é auxiliada pelo contato regular com familiares e membros da comunidade, o DEGASE deve trabalhar com outras instituições estaduais e não governamentais para oferecer atividades externas a jovens que tenham passado por uma triagem apropriada, como se autoriza no Artigo 121, Seção 1 do Estatuto.

    Muitas instalações de detenção do Rio de Janeiro apresentam-se superlotadas e em péssimas condições de conservação e, portanto, não podem oferecer condições de saúde, segurança e dignidade para os jovens detidos.  Estas instalações devem ser reformadas ou substituídas.  Ao fazê-lo, o DEGASE deve observar os seguintes princípios:

  • Tendo em vista as recomendações do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), toda nova instalação de detenção deve ser projetada para um máximo de 40 internados.

  • Quando da reforma das instalações existentes ou da construção de novas instalações, as áreas de convívio devem ser projetadas como pequenos dormitórios ou quartos ao invés de celas, com instalações sanitárias às quais se tenha acesso a partir das áreas de habitação comum.

  • Devem haver áreas comuns para facilitar a interação entre os jovens.  Deve haver programação educacional e de reabilitação.

    Saúde e higiene

    O DEGASE e a Secretaria de Saúde deve tomar as seguintes providências prioritárias para garantir condições básicas de saúde e higiene para os jovens detidos:

  • Realizar exames médicos completos de todos os jovens dos centros de detenção Escola Santo Expedito, Instituto Padre Severino e CAI-Baixada.

  • Fornecer tratamento imediato a todos os jovens infectados com sarna e quaisquer outras doenças infecciosas e continuar tal tratamento conforme for necessário.

  • Lavar com água fervente todo o vestuário e roupas de cama e seguir os outros passos previstos pela unidade de saúde do DEGASE para impedir a reincidência da doença.

  • Providenciar sabão para os jovens, bem como oportunidades adequadas de se banharem.

  • Dar a cada jovem seu próprio colchão e roupa de cama.

  • Garantir que as áreas de convívio e instalações sanitárias sejam limpas com freqüência suficiente para atender a todos os requisitos da saúde e da dignidade humana.

    O DEGASE e a Secretaria de Saúde devem também garantir que haja profissionais médicos qualificados em toda instalação de detenção para prestar assistência de saúde aos jovens.  De acordo com a recomendação do relator especial da ONU sobre a tortura, profissionais médicos qualificados devem examinar todas as pessoas recebidas ou liberadas de um local de detenção.

    Além disso, deve haver pessoal qualificado para dar aos jovens informação e instrução sobre a prevenção e controle dos problemas de saúde mais relevantes para os mesmos, dando atenção especial à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e ao abuso das drogas.  Em particular, todos os jovens em detenção devem ter acesso a informações, instruções, exames voluntários e orientação sobre AIDS, bem como aos meios de prevenção desta doença, inclusive os preservativos.  Em atenção às normas internacionais, os exames de HIV dos jovens em detenção somente devem ser realizados sob seu consentimento explícito e, em todos os casos, deve-se oferecer orientação e aconselhamento tanto antes como depois dos exames.

    Educação

    Em atendimento à legislação brasileira e às normas internacionais, o DEGASE e as autoridades estaduais de educação devem prover a todas as pessoas que se encontram em centros de detenção juvenil uma educação apropriada às suas necessidades e habilidades, concebida de forma a preparar tais pessoas para o seu retorno à sociedade e entrada na força de trabalho.  O DEGASE deve trabalhar com as autoridades estaduais de educação para garantir que a educação oferecida nos centros de detenção juvenil seja reconhecida nas escolas normais, fora do sistema de detenção, para que os jovens possam continuar aí sua educação após cumprirem suas sentenças.

    Quadrilhas do tráfico de drogas

    Mais de um terço dos jovens presos no Estado do Rio de Janeiro são acusados de delitos ligados ao comércio de drogas, inclusive o tráfico de drogas. Os centros de detenção deveriam fornecer treinamento profissionalizante a estes jovens, bem como outros programas especializados que lhes apresentem outras alternativas ao comércio de drogas, tendo em visto o objetivo de reabilitação e a missão “sócio-educativa” do sistema de justiça juvenil.

    Os centros de detenção devem tomar medidas para eliminar o poder e a influência das gangues ligadas às drogas sobre os jovens internados.  Mais particularmente, os centros que separam automaticamente os jovens segundo sua lealdade – real ou suposta – às facções do tráfico devem examinar a possibilidade de integrar gradualmente os jovens através de programas pilotos, dando especial atenção à questão da segurança institucional.  Como parte deste esforço, o DEGASE deve aumentar o contingente de pessoal alocado às unidades a serem integradas, além de oferecer a este pessoal um treinamento adicional especializado sobre técnicas de controle do comportamento adolescente.  Na medida em que forem abertos centros de detenção menores e descentralizados, estes devem ser integrados de acordo com o modelo dos centros CAI-Baixada e João Luis Alves.

    Meninas e moças em detenção

    O DEGASE deve providenciar serviços médicos básicos que sejam apropriados para meninas e moças detidas, inclusive exames ginecológicos de rotina no momento mais conveniente, além de prestar atendimento prenatal a moças que dele necessitarem.  O treinamento profissionalizante também deve estar disponível às meninas e moças em detenção, conforme exige o Estatuto da Criança e do Adolescente.  As jovens devem ter oportunidades adequadas de recreação e exercício físico, inclusive dos músculos maiores.

    Coleta de dados

    O DEGASE deve trabalhar em conjunto com os tribunais juvenis para coletar dados estatísticos precisos, abrangentes e registrados de forma uniforme sobre os jovens condenados em tribunais juvenis, as sentenças que recebem e os centros de detenção aos quais são enviados, como meio de entender mais completamente as dimensões dos delitos praticados pelos jovens.  Estes dados devem estar disponíveis ao público de uma forma que respeite integralmente a privacidade dos jovens envolvidos.  Como exemplo de uma iniciativa deste tipo, as autoridades do Rio de Janeiro devem  considerar os esforços empreendidos pela Secretaria de Administração e Reforma do Estado de Pernambuco, através do seu programa InfoINFRA, para coletar dados para o Sistema Nacional de Informação para a Infância e Adolescência.

    Recursos federais

    A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, de âmbito federal, deve explicitamente levar em consideração as normas internacionais ao repassar recursos federais ao DEGASE e a outros órgãos estaduais envolvidos na detenção juvenil.  Parte destes fundos deveriam ser dedicados ao treinamento do pessoal dos centros de detenção sobre as normas internacionais relevantes, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as estratégias usadas para lidar com os jovens de uma maneira apropriada e condizente com tais normas.  Como condição para o repasse de recursos para a construção de novas unidades de detenção ou renovação das existentes, a secretaria especial deve exigir que tal construção ou renovação atenda às exigências da saúde e da dignidade humana e ao objetivo reabilitador do tratamento residencial, além de levar em consideração as necessidades dos jovens quanto à privacidade, estímulos sensoriais, oportunidades de convívio com colegas e amigos, e participação em esportes, exercícios físicos e atividades de lazer.




    [12] Ver, por exemplo, Conselho Econômico e Social da ONU, Comissão dos Direitos Humanos, 60ª. sessão, item 11(b) da agenda provisória, Execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias:  Informe do Relator Especial, Asma Jahangir, Adendo:  Missão ao Brasil, Conselho Econômico e Social da ONU, Comissão dos Direitos Humanos, 57ª. sessão, item 11(a) da agenda, Informe do Relator Especial, Sir Nigel Rodley, apresentado em atendimento à Resolução 2000/43 da Comissão de Direitos Humanos, Adendo:  Visita ao Brasil, U.N. Doc. E/CN.4/2001/Add.2 (2001), parágrafos 157-69;  Comitê sobre os Direitos da Criança, Observações de conclusão do Comitê sobre os Direitos da Criança:  Brasil, U.N. Doc. CRC/C/15/Add.241 (2004), parágrafo 39-40, 67-69.

    [13] See Presidência da República, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Plano Presidente Amigo da Criança e do Adolescente, plano de ação, 2004-2007 (Brasília:  Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003); Rede de Monitoramento Amiga da Criança, Um Brasil para as crianças e adolescentes:  A sociedade brasileira monitorando os objetivos do milênio relevantes para a infância e a adolescencia (s.l.:  Rede de Monitoramento Amiga de Criança, 2004).


    <<precedente  |  índice  |  seguinte>>dezembro de 2004