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<<precedente | índice | seguinte>> ContextoA província Angolana de Cabinda está separada das outras dezessete províncias por uma faixa estreita de terra pertencente à RDC. Sua população de 300.000 habitantes convive com a guerra há mais de quarenta anos. Desde 1963, a FLEC e seus grupos secundários utilizam a guerrilha com o objectivo de obter a independência da província. Inicialmente, a FLEC lutou para libertar o país de Portugal, mas seguiu com sua luta separatista depois da independência de Angola em 11 de Novembro de 1975.1 Ao tornar-se independente, a presidência de Angola foi assumida pelo líder do MPLA, Agostinho Neto. O movimento rival, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) nunca reconheceu o controle do MPLA e os dois partidos permaneceram em guerra quase continua pelos vinte e sete anos seguintes.2 Após a independência de Angola, a FLEC tentou tomar o poder em Cabinda, apoiada por Mobuto Sese Seko, do ex-Zaire (actual República Democrática do Congo, RDC). O governo do MPLA, no entanto, tomou o controle da maior parte de Cabinda, inclusive de seus poços de petróleo em alto mar, com o apoio militar de Cuba. Durante a maior parte do período transcorrido desde a independência até finais de 2002, o conflito armado em Cabinda era de uma guerrilha de baixa intensidade, uma vez que a FLEC nunca teve o efectivo ou os armamentos de um exército convencional. Esporadicamente, a FLEC atacava o reduzido contingente de tropas federais enviadas a Cabinda, além de alvos económicos, inclusive sequestrando funcionários estrangeiros que trabalhavam nas áreas de petróleo, madeira, ouro e construção da província.3 Durante esse período, a FLEC controlava principalmente o território de densas florestas no interior da província, mas nunca ameaçou ocupar os grandes centros populacionais. Sua eficácia foi prejudicada por várias cisões entre as suas facções, destacadamente a cisão entre a FLEC-Renovada (FLEC-R) e a FLEC-FAC (Forças Armadas de Cabinda), provocada em 1984 por diferenças mais pessoais do que políticas ou ideológicas.4 A luta armada aumentou no início de 1993 quando o governo de Angola enviou cerca de 15.000 soldados a Cabinda.5 Em 1997-98, as aldeias suspeitas de apoiarem os separatistas foram alvo de operações militares, causando deslocamentos em grande escala da população civil. A FLEC-R e a FLEC-FAC também aumentaram seus ataques contra as FAA. Em Setembro de 1998, o Relator Especial da ONU sobre a Tortura divulgou que as forças do governo e o grupo paramilitar Polícia de Intervenção Rápida (PIR) cometeram actos de tortura e maus-tratos generalizados contra pessoas das quais os soldados do governo tentavam obter informações; contra outros civis, em represália a ataques armados por grupos separatistas; ou contra suspeitos de apoiarem a FLEC assim como oponentes políticos.6 Em 2001, a situação em Cabinda já estava mais calma, a tal ponto que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) deu início a uma repatriação dos Cabindenses refugiados na República do Congo, ao declarar o enclave a única região segura em Angola.7 Em 2002, após o fim do conflito armado entre o MPLA e a UNITA na parte contígua de Angola, a luta e as correspondentes agressões contra a população civil transferiu-se para Cabinda.8 As FAA remeteram cerca de 30.000 soldados para Cabinda numa tentativa de derrotar militarmente a FLEC.9 Estas tropas incluem um número desconhecido de forças especiais denominados comandos caçadores. Relatórios de 2002 e 2003, preparados por activistas dos direitos humanos em Cabinda, alegam que as FAA cometeram agressões generalizadas contra combatentes capturados e civis, inclusive execução sumária de suspeitos combatentes ou simpatizantes da FLEC; estupro e casamento forçado de mulheres e raparigas; detenção arbitrária; tortura e outros maus-tratos; trabalho forçado; excessivas restrições do acesso civil às áreas agrícolas, rios e territórios de caça.10 Um grande número dessas agressões teria ocorrido entre Outubro de 2002 e meados de 2003. Os relatórios atribuem um pequeno número desses abusos, inclusive o sequestro e execuções sumárias de supostos colaboradores do governo, às forças da FLEC. A partir de meados de 2003, houve uma queda no número de violações cometidas pelas FAA como consequência da redução dos conflitos na província que se seguiu à destruição pelas FAA das principais bases da FLEC, inclusive aquelas na República do Congo e na RDC. Os combatentes da FLEC também abandonaram seus esconderijos na selva para se valerem dos benefícios do programa de desmobilização promovido pelo governo. Os simpatizantes da FLEC, assim como seus opositores, reconhecem que o movimento foi reduzido a um número pequeno de bandos errantes de guerrilha com armas leves e nenhuma base logística permanente. O comandante regional das FAA em Cabinda estimou que haja apenas cerca de setenta a oitenta soldados da FLEC na selva de Maoimbe.11 A região de Maoimbe é de selva densa, limitando as operações militares das FAA contra as forças restantes da FLEC. À época de preparação deste relatório, o comandante regional das FAA e outros afirmaram que nenhum ataque da FLEC havia ocorrido desde o início de 2004.12 Apesar do aparente cessar das operações de ambos os lados, as FAA ainda não reduziram o seu contingente de 30.000 soldados enviados a Cabinda. O comandante regional das FAA informou à Human Rights Watch que o número elevado de soldados era necessário para defender o enclave da agressão externa e expressou preocupação sobre a situação instável da RDC.13 Também informou à Human Rights Watch que o conflito armado em Cabinda havia terminado mas o governo não havia feito uma declaração oficial nesse sentido em Angola. Em entrevistas, o Ministro da Defesa de Angola indicou que a situação em Cabinda não era de conflito armado: Cabinda não é mais um problema militar, e Cabinda está totalmente sob o controle das FAA.14 O Presidente dos Santos teria declarado durante a sua visita aos Estados Unidos em Maio de 2004 que não há mais guerra em Cabinda e que o governo continua empenhado no diálogo.15 Isto parece indicar que o governo acredita agora que a segurança em Cabinda pode ser alcançada pelo cumprimento da lei ao invés da força militar, embora o governo ainda mantenha uma força militar de 30.000 homens em Cabinda. [1] Após o golpe de 25 de Abril de 1974, o novo governo de Portugal começou um processo de diálogo com os três movimentos rivais de libertação nacional que competiam pelo poder em Angola: o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA); a Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). A FLEC foi excluída desse processo uma vez que Portugal nunca reconheceu esse movimento como interlocutor do movimento de independência. [2] As forças do terceiro movimento nacional de libertação, a FNLA, foram virtualmente destruídas em 1975-76. Tony Hodges, Angola from Afro-Stalinism to Petro-Diamond Capitalism (London: James Currey, 2001), pp. 10-11. Após a morte de Agostinho Neto em 1979, José Eduardo dos Santos tornou-se presidente e, posteriormente, foi eleito Presidente de Angola nas primeiras eleições realizadas no país, em 1992. [3] Ver, por exemplo, BBC News Online, Angola separatist group says holding Portuguese, 13 de Março, 2001, em http://news.bbc.co.uk/2/hi/africa/1218021.stm. [4] João Gomes Porto, Occasional Paper 77 - Cabinda: Notes on a soon-to-be-forgotten war, Pretoria: Institute for Security Studies, Agosto de 2003, p.8. [5] Ibid. [6] Nações Unidas, Civil and Political Rights, including questions of torture and detention, Relatório do Relator Especial, Sir Nigel Rodley, enviado ad hoc, à Comissão de Direitos Humanos, Resolução 1998/38 (New York: United Nations, 1999), E/CN.4/1999/61, parág. 42. [7] UNHCR, Congo: Angolans to be repatriated to Cabinda, 31 de Julho, 2001, em . O plano de repatriamento dos refugiados de 2001 incluía 822 refugiados. Segundo o ACNUR, 13.000 refugiados angolanos de Cabinda permaneceram na República do Congo, e provavelmente mais de 30.000 na República Democrática do Congo em 2001. [8] Depois que as FAA isolaram e finalmente assassinaram o líder da UNITA Jonas Savimbi em 22 de Fevereiro de 2002, as FAA e a UNITA negociaram o fim do conflito, ao assinar, em 4 de Abril de 2002, um memorando de entendimento restabelecendo o Protocolo de Lusaka de 1994. [9] Entrevistas da Human Rights Watch com agentes de assistência humanitária, Luanda, Julho e Agosto de 2004. [10] Ver, Ad-hoc Commission for Human Rights in Cabinda Coalition for Citizens Rights, Reconciliation and Transparency, Terror in Cabinda (Cabinda: Ad-hoc Commission for Human Rights in Cabinda, 2002) e Cabinda 2003: A Year of Pain (Cabinda: Ad-hoc Commission for Human Rights in Cabinda, 2003). A Human Rights Watch não pôde verificar as violações informadas nesses relatórios. [11] Entrevista da Human Rights Watch com o General Marques Correia Banza ( comandante regional das FAA em Cabinda), Cidade de Cabinda, 16 de Agosto, 2004 [12] Ibid. [13] Ibid. [14]Radio France International, Ministro da Defesa de Angola disse que a guerra em Cabinda está praticamente resolvida, 12 de Dezembro, 2003 e Agência Lusa de notícias, Chefe das Forças Armadas diz que Cabinda está sob controle, 17 de Fevereiro, 2004. [15] IRIN, President denies ongoing unrest in Cabinda, 17 de Maio, 2004.
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