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À Excelentíssima secretária nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Anna Paula Feminella

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania

Brasília - Brasil

 

Excelentíssima Senhora Secretária Anna Paula Feminella,

É com satisfação que escrevo para compartilhar com a senhora as recomendações da Human Rights Watch à revisão do Plano Viver sem Limites II, enviadas pelo formulário e pelo portal Fala.br, e para solicitar uma audiência com a senhora entre os dias 4 e 5 de setembro, em Brasília, por ocasião da visita do diretor-adjunto da divisão dos direitos das pessoas com deficiência da Human Rights Watch, Carlos Ríos, ao Brasil.

A Human Rights Watch é uma organização não internacional de direitos humanos, cujo mandato é realizar investigações sobre abusos e violações de direitos humanos em mais de 100 países ao redor do mundo. Em 2018 publicamos um relatório sobre a situação de pessoas com deficiência no Brasil forçadas a viver em instituições, elaborado pelo Carlos Ríos. O título do relatório é uma citação de uma das funcionárias de uma instituição que disse que as pessoas com deficiência ficavam nas instituições até morrer, quando questionada sobre o tempo médio de permanência.

Não há um número consolidado de quantas pessoas com deficiência vivem em instituições por diferentes razões, uma delas sendo as diferentes nomenclaturas que o país usa para categorizar as pessoas com deficiência. Mas os dados disponíveis indicam que milhares de pessoas com deficiência vivem hoje em instituições no Brasil. 

As pessoas com condições de saúde mental ou deficiência psicossocial (“doença mental”) não são consideradas pessoas com deficiência e, embora muitas vivam em instituições, é difícil ter fontes robustas para determinar um número preciso. Além disso, as instituições que abrigam pessoas com deficiência são monitoradas por diferentes áreas do poder público; há aquelas que estão sob a alçada do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e outras que são monitoradas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

As pessoas com deficiência não deveriam ser forçadas a viver em instituições ou em ambientes que não escolham. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em agosto de 2008, com status constitucional, estabelece que as pessoas com deficiência deveriam ter o direito de viver de forma independente e serem incluídas na comunidade, ou seja, deveriam ter controle sobre onde e com quem vivem, com os adequados sistemas de apoio que lhes permitam prosperar na comunidade.

A nova iniciativa do governo brasileiro de relançar o programa “Viver Sem Limites 2” é uma oportunidade perfeita para criar políticas voltadas a garantir que, progressivamente, as pessoas com deficiência possam viver de forma independente e serem incluídas em suas comunidades. A Human Rights Watch agradece a oportunidade ter suas recomendações específicas sobre o tema consideradas no debate público.

Para isso, gostaríamos de compartilhar as recomendações anexas, e principalmente ter a oportunidade de discuti-las pessoalmente com a senhora durante nossa visita à Brasília, entre os dias 4 e 5 de setembro e poderíamos nos adaptar ao horário que lhe for mais conveniente.

No mais, reiterando votos da mais alta estima e consideração e no aguardo de sua manifestação, permanecemos à inteira disposição para quaisquer esclarecimentos.

Atenciosamente, 

Maria Laura Canineu

Diretora da Human Rights Watch Brasil

 

Recomendações

ACESSO A DIREITOS

Estabelecer um plano e cronograma para a desinstitucionalização

  • O Brasil deveria desenvolver um plano e cronograma para dar fim à institucionalização de crianças e adultos e desenvolver serviços na comunidade para pessoas com deficiência e famílias de crianças com deficiência.
    • Isso deveria incluir esforços para realocar o orçamento público e outros programas governamentais de apoio às instituições para maior assistência em suas comunidades, para que as pessoas com deficiência possam viver de forma independente, e para que crianças com deficiências possam crescer com suas famílias em casa.
  • Assegurar que pessoas com deficiência, organizações de pessoas com deficiência, organizações não-governamentais relevantes, o Ministério Público e a Defensoria Pública sejam convidados a participar da elaboração deste plano;
  • Determinar que nenhum financiamento fornecido pelo Sistema Único de Assistência Social seja empregado na construção de novas instituições, em grandes projetos de reformas de instituições existentes e na renovação e financiamento de novas parcerias com instituições de acolhimento administradas por organizações não governamentais, pessoas físicas e corporações, ou governos locais e regionais. O governo deve buscar cooperar com entidades privadas e governos locais para desenvolver e apoiar serviços providos na comunidade;
  • Com relação a crianças com deficiência, desenvolver e apoiar suficientemente os programas de apoio familiar para prevenir a separação de uma criança de sua família biológica;
  • Desenvolver programas emergenciais de acolhimento familiar, em particular para bebês e outras crianças pequenas, como alternativas à institucionalização;
  • Assistir e fortalecer as famílias biológicas de crianças atualmente em instituições ou em acolhimento familiar com o objetivo de reintegrar a criança com sua família biológica;
  • Assegurar que os sistemas de adoção e acolhimento familiar estejam plenamente operantes no momento em que as crianças forem desinstitucionalizadas, e não após a transformação das instituições;
  • Garantir apoio material, financeiro, psicológico e outros a todas as famílias (biológica, adotiva, acolhedora) após a colocação de uma criança na família para garantir uma transição efetiva e limitar o risco de retorno das crianças às instituições;
  • Estabelecer e manter uma gama de serviços direcionados, acessíveis e diversificados, providos na comunidade, para famílias em situações difíceis, bem como para pessoas com deficiência, incluindo crianças com deficiência e suas famílias, para evitar a institucionalização e apoiar famílias a criarem seus filhos em casa.
  • Ao realizar a desinstitucionalização de crianças e adultos de instituições, garantir a implementação de planos individuais para a saída de cada pessoa, incluindo um plano que inclua apoio e serviços oferecidos na comunidade que sejam necessários. Os planos individuais deveriam ser desenvolvidos em tempo adequado e cumpridos em um prazo razoável para que não se tornem obsoletos. Assegurar o envolvimento de longo prazo dos profissionais que acompanham casos e monitorem regularmente a implementação de planos individuais;
  • Incluir adolescentes com deficiência em repúblicas para jovens ou em outros programas destinados a facilitar a transição de adolescentes de uma vida institucionalizada para uma vida independente;
  • Para os adultos com deficiências atualmente vivendo em instituições, progressivamente integrá-los na comunidade e desenvolver serviços e sistemas para garantir sua vida independente

 

Rever e expandir o programa de residências inclusivas

Revisitar o programa para garantir que as residências inclusivas aumentem as competências básicas de vida autônoma das pessoas com deficiência, com vistas a promover a vida independente, fora de uma instituição. Residências inclusivas devem:

  • Garantir que as pessoas com deficiência que nela vivam, o façam com base em seu consentimento livre e informado;
  • Garantir que sejam acessíveis e que as pessoas disponham de ambientes com adaptações razoáveis;
  • Garantir que todas as pessoas com deficiência que vivem nela vivam sejam consultadas em todas as questões relativas à gestão da residência;
  • Desenvolver uma ampla gama de competências básicas de vida para que os residentes tenham uma vida independente, incluindo:
    • ​alimentação, planejamento alimentar e culinária
    • ​saúde e higiene pessoal
    • ​oportunidades de emprego, incluindo fora da residência
    • ​gestão da sua vida financeira, transações bancárias e finanças domésticas
    • identificação e escolha de moradia
    • ​serviços de limpeza
    • relacionamentos e matrimônio, planejamento familiar
    • maternidade ou paternidade.
  • Restabelecer a capacidade legal para os residentes que dela foram destituídos. Criar mecanismos para garantir a tomada de decisão apoiada para residentes que a solicitem;

 

Reformas Legais

O governo federal deveria apoiar e promover reformas legislativas com vistas a reconhecer a plena capacidade legal das pessoas com deficiência e o direito de fazer escolhas em suas vidas.  Para isso, deve defender especificamente reformas legislativas necessárias para:

  • Reconhecer plenamente a capacidade legal de todas as pessoas com deficiência, em igualdade de condições com as demais pessoas, independentemente da natureza de sua deficiência, revogando qualquer dispositivo que perpetue o sistema de tomada de decisão substitutiva e desenvolvam um modelo de tomada de decisão apoiada que assegure a autonomia, vontade e preferências das pessoas com deficiência;
  • Harmonizem a Lei Brasileira de Inclusão, o Código Civil e o Código de Processo Civil para criar um sistema no qual as pessoas com deficiência contem com a tomada de decisão apoiada, se necessário e solicitado por elas, em vez de privadas de sua capacidade legal. As reformas devem ainda assegurar que quaisquer medidas legislativas relativas à capacidade legal se apliquem igualmente à população geral no Brasil, e não com base na deficiência;
  • Reformar a Lei Brasileira de Inclusão para garantir o acesso a serviços de apoio e atendente pessoal com base nas necessidades das pessoas, independentemente do seu status de emprego, e fornecer serviços com base em todos os recursos disponíveis.

 

GESTÃO PÚBLICA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Melhorar a Coleta e Publicação de Dados

  • Coletar e publicar, nas bases de informações públicas, dados desagregados sobre o número de pessoas com deficiência, desagregados por tipo de deficiência e outros marcadores demográficos, como idade, sexo, etnia, local e tipo de residência, incluindo residências inclusivas e instituições de acolhimento. Dados precisos são essenciais para o desenvolvimento de políticas, planos e programas eficientes e eficazes;
  • Garantir mecanismos de compartilhamento, intercâmbio, transferência e harmonização de dados entre diferentes órgãos.

 

 

 

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