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Um passo positivo no apoio às pessoas com deficiência

O compromisso de Buenos Aires reforça o direito de escolha e a autonomia

Publicado em: Los Angeles Times

Sendo alguém com uma deficiência física que requer formas intensas de apoio, posso facilmente me identificar com as histórias compartilhadas por outras pessoas com deficiência sobre suas lutas quando lhes é negado o acesso a sistemas de apoio e cuidados de qualidade que promovem independência e a capacidade de fazer escolhas sobre suas próprias vidas.

A esse respeito, a 15ª Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, organizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), em 11 de novembro, trouxe boas notícias ao adotar o Compromisso de Buenos Aires. Todos os Estados membros da Comissão, 46 no total, concordaram em “reconhecer a importância para as pessoas com deficiência de sua autonomia e independência individual, incluindo a liberdade de fazer suas próprias escolhas”.

Ler relatos como o de Mark O'Brien em seu livro “How I Became a Human Being” sobre os abusos que sofreu enquanto foi forçado a viver em um hospital público por dois anos, realmente são de arrepiar. Em uma ocasião, uma enfermeira que alimentava Mark estava entediada e com pressa, e começou a enfiar comida em sua boca, fazendo-o tossir e se engasgar. A enfermeira então chamou outra enfermeira para pedir ajuda, e elas decidiram que ele tinha problemas para engolir, ordenando que a cozinha do hospital lhe fornecesse apenas refeições líquidas ou pastosas. A decisão foi tomada sem seu consentimento, muito menos sua opinião. Por causa do comportamento negligente da enfermeira, ele perdeu o controle sobre o tipo de comida que queria comer.

Abusos como esse não acontecem apenas em hospitais e instituições para pessoas com deficiência.

Infelizmente, eles também acontecem dentro de casa, com as famílias. Durante minha pesquisa para um relatório de 2020 sobre violência familiar no México, conversei com pessoas que ficaram totalmente dependentes de suas famílias para cuidados e apoio. Como Mark, elas não podiam opinar nas decisões básicas sobre suas vidas. Javier (nome fictício), 27, que tem paralisia cerebral, me disse que sua mãe queria controlá-lo completamente.

“Quando vou para a escola, preciso pegar uma van por uma parte do tempo e não consigo segurar a urina”, disse ele. “Eu pedi para ela colocar uma fralda em mim para não me molhar, mas ela se recusa, e se eu fizer xixi nas calças, ela me castiga não me deixando ir à escola, que é… a única vez que estou longe de casa.” A falta de opções fez com que Javier ficasse financeiramente dependente de sua família e se sentindo, em suas palavras, “preso”.

Esses relatos ilustram como, tanto em uma instituição quanto em casa, as pessoas com deficiência são destituídas de poder, privadas de qualquer controle sobre o apoio e os cuidados de que precisam e correm o risco de sofrer violência. Muitas pessoas com deficiência pelo mundo não têm outro recurso a não ser aceitar quão precária é sua situação. A Human Rights Watch documentou abusos causados ​​pela institucionalização em vários países, incluindo Brasil, Índia e Rússia.

 Os sistemas de cuidado muitas vezes fracassam em reconhecer a capacidade das pessoas de atuar por si mesmas, algo que resulta mais notório quanto as pessoas que recebem cuidados, mas também naquelas que fornecem cuidado, em sua grande maioria mulheres. Tais sistemas são inconsistentes com o Direito Internacional de Direitos Humanos. Qualquer proposta coerente de política pública sólida destinada a fornecer serviços de apoio e cuidados deveria empoderar tanto os provedores quanto os destinatários, enquanto trata os destinatários como agentes de seu próprio desenvolvimento e bem-estar, não como objetos passivos.

A falta de sistemas nacionais abrangentes de apoio e cuidado, conforme documentado em estudos por todo o mundo, obriga alguns membros da família a prestar cuidados 24 horas por dia, 7 dias por semana, comprometendo seu próprio bem-estar e desenvolvimento pessoal e econômico.

Para que os países cumpram o compromisso de Buenos Aires, eles precisam criar e implementar políticas, serviços e infraestrutura acessível para proteger o direito das pessoas com deficiência de fornecer e receber cuidados e autocuidado, considerando suas necessidades específicas. Embora a resolução em si não tenha força de lei, todos os membros da CEPAL ratificaram a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que é vinculante e estabelece obrigações.

Os formuladores de políticas e outros atores em todo o mundo precisam dialogar com as organizações de pessoas com deficiência e incluí-las nas discussões sobre a formulação e a implementação de sistemas de apoio e assistência que estão desenvolvendo. O Comitê dos Direitos das Pessoas com Deficiência desenvolveu padrões e diretrizes sobre obrigações internacionais para os Estados que ratificaram o tratado da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência.

Essas obrigações essenciais do Direito Internacional das Pessoas com Deficiência incluem o direito das pessoas com deficiência de fazer escolhas sobre suas vidas. O Compromisso de Buenos Aires é um grande começo para promover a autonomia e os direitos das pessoas com deficiência. Fornece orientação fundamental para a elaboração de sistemas nacionais de apoio e cuidados que estão sendo desenvolvidos em muitos países das Américas.

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