Os exilados

Uma viagem às fronteiras evidencia a crise humanitária na Venezuela

Por TAMARA TARACIUK BRONER

 

Nunca tinha visto isso com tanta clareza como quando testemunhei de perto venezuelanos fugindo da devastadora crise de direitos humanos, humanitária, política e econômica que seu governo criou.

Em julho do ano passado, parei na ponte Simon Bolivar – que liga Cúcuta, na Colômbia, ao estado de Táchira, na Venezuela – e assisti centenas de pessoas atravessando para ambas as direções durante o dia todo, sob o sol escaldante. Carregavam uma ou duas malas, com as roupas nas costas. Tirando isso, muitos dos que cruzavam a fronteira não tinham nada além das lembranças de uma vida que deixavam para trás.

Um grupo de pessoas cruza a ponte Simón Bolívar, que conecta o estado Táchira, na Venezuela, com Cúcuta, Colômbia. 28 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch 2018.

Os rostos eram sombrios, com toda razão. Os venezuelanos estão sendo empurrados para fora de seu país por muitos motivos – escassez severa de comida e remédios, uma repressão impiedosa por parte do governo, crimes violentos e hiperinflação. Três milhões de pessoas deixaram o país desde 2014, segundo a Organização das Nações Unidas, gerando uma crise migratória sem precedentes nas Américas. Este número não inclui muitos que não se registraram com as autoridades.

Um grupo de venezuelanos sobre a ponte Simón Bolívar, que conecta Cúcuta, na Colômbia, ao estado Táchira, na Venezuela. 25 de julho de 2018. @ 2018 Human Rights Watch.

Para avaliar a dimensão da crise humanitária da qual essas pessoas estão fugindo – em um país cujo governo parou de divulgar dados sobre saúde e nutrição e que nega a realidade no país –, viajei às fronteiras da Colômbia e do Brasil com a Venezuela junto a uma equipe de médicos e profissionais de saúde pública do Centro de Saúde Pública e Direitos Humanos da Universidade Johns Hopkins e do Centro de Saúde Humanitária. Encontramos desespero e histórias que ilustram uma crise de saúde devastadora, incluindo surtos de doenças previníveis e fracasso no tratamento de condições de saúde potencialmente fatais.

Tamara Taraciuk Broner, pesquisadora sênior para as Américas na Human Rights Watch, conversa com um homem venezuelano após entrevista em Cúcuta, Colômbia. 30 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch 2018.

A Venezuela já foi uma terra de refúgio para muitas pessoas que fugiram de regimes repressivos na América do Sul, incluindo minha família, que fugiu da ditadura militar na Argentina em 1976 e morou vários anos em Caracas, onde nasci. Também recebeu dezenas de milhares de refugiados que fugiram do conflito armado interno da Colômbia. Atualmente, em vez disso, observamos o enorme êxodo de venezuelanos.

Venezuelanos esperam para vacinar seus filhos em um posto de vacinação administrado pela Organização Panamericana de Saúde, ao lado colombiano da fronteira com a Venezuela. 28 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch 2018.

Dentre aqueles que fugiram da crise humanitária estão pessoas que não escaparam somente da escassez de alimentos e medicamentos, mas também da perseguição política. Conversar com membros de forças de segurança que foram ameaçados com denúncias arbitrárias em razão de se colocarem na oposição do governo, em um país sem independência do judiciário, ou com professores de escolas públicas que temiam represálias por se manifestarem, foi uma dura lembrança de que embora não esteja mais nas manchetes internacionais, a repressão ainda é um grande problema em diferentes segmentos da sociedade na Venezuela de hoje.

Venezuelanos cruzam a ponte Símon Bolívar, do estado de Táchira a Cúcuta, na Colômbia. 28 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch 2018.

Mas a maioria dos venezuelanos que atravessam as fronteiras atualmente não foge da perseguição política. A maioria contará que não havia outra opção senão partir devido à escassez severa de alimentos e medicamento – muitos inclusive deixando familiares para trás, tornando a separação de famílias, infelizmente, uma característica da emigração venezuelana. Sejam eles considerados ou não refugiados sob o direito internacional (e considerando a definição mais ampla de refugiados em muitos países da região, provavelmente muitos seriam qualificados desta forma), eles precisam urgentemente de proteção e assistência humanitária.

Edgar Cabezas, de 24 anos, e Carmen García, de 43, descansam ao lado de uma estrada que conecta a fronteira colombo-venezuelana ao resto da Colômbia, após terem caminhado por várias horas. Cabezas trabalhava antes na policía investigativa venezuelana e García em um salão de cabeleireiros. Ambos afirmaram que era difícil comprar comida e medicamentos em seu país. 29 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Os caminhantes na Colômbia

Diariamente, mais de 35.000 pessoas cruzam a fronteira da Venezuela com a Colômbia através dos sete postos de controle oficiais, conforme funcionários do governo colombiano nos contaram. Muitos atravessam para se alimentar, comprar comida, ou receber assistência médica, e então retornam; pelo menos 3.000 ficam na Colômbia todos os dias. Muitos outros cruzam irregularmente as fronteiras através de aproximadamente 270 cruzamentos não oficiais ao longo do caminho.

Um grupo de venezuelanos descansa em um posto da Cruz Vermelha colombiana durante o trajeto a pé da fronteira com a Venezuela até outras cidades na Colômbia, Equador, ou Peru, em 29 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Para muitos, o alívio temporário de escapar pela fronteira dura pouco. Mais de 1.000 venezuelanos – os chamados “caminhantes” – partem a pé todos os dias de Cúcuta para viajar centenas de quilômetros até outras cidades da Colômbia, Equador ou Peru em busca de empregos e um lugar para recomeçar.

Mulher venezuelana caminha à beira de uma estrada que sai de Cúcuta, na fronteira com a Venezuela, até seu destino final na Colômbia, Equador, ou Peru. 29 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Uma pesquisa realizada em julho pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) revelou que os venezuelanos que saem de Cúcuta a pé caminham diariamente uma média de 16 horas e estima-se que caminham durante cerca de 13 dias. Poucos têm recursos suficientes para cobrir suas jornadas: muitos não estão comendo o suficiente e mais de 90% têm que dormir nas ruas.

Duas mulheres venezuelanas caminham pela beira de uma estrada que sai de Cúcuta, uma cidade colombiana que faz fronteira com a Venezuela. O objetivo delas é seguir a pé até o Peru. 29 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Abrigos para Refugiados no Brasil

Em média, 650 venezuelanos atravessam a fronteira para o Brasil todos os dias, segundo as autoridades brasileiras na fronteira. A maioria não consegue sair de Roraima, um estado remoto no norte do Brasil com pouca conexão com o resto do país, quanto mais para outras localidades da região.

Crianças venezuelanas jogam em um abrigo para refugiados em Boa Vista, Roraima. 26 de agosto de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

 

No estado de Roraima, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) criou 13 abrigos para refugiados, os quais acolhem mais de 5.500 venezuelanos. É a primeira vez que a agência para refugiados da ONU organiza esse tipo de resposta na América Latina.

Em dois dos abrigos, centenas de membros da comunidade indígena Warao dormem em redes e recebem comida para cozinhar suas próprias refeições. Em outros, venezuelanos de todas as partes do país recebem três refeições por dia e dormem em tendas brancas do ACNUR ou unidades especiais constituídas de pequenas cabanas de poliuretano com pouca ventilação para o clima extremamente quente e úmido de Roraima. Crianças enfrentam dificuldades para estudar e adultos lutam para encontrar um emprego. As condições de higiene são difíceis, especialmente para aqueles com problemas de saúde.

Duas crianças de uma comunidade indígena venezuelana em um abrigo para a população Warao no estado de Roraima, em 26 de agosto de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Uma das pessoas que encontrei durante uma visita aos abrigos, em agosto, foi Brenyer Caballero González. O garoto, 10 anos, jogava no time de futebol do estado de Anzoátegui, no nordeste da Venezuela, até ser diagnosticado com câncer em março.

Seus pais tiveram dificuldades para encontrar comida e garantir a ele uma dieta balanceada e tratamento para o câncer. Eles conseguiram a quimioterapia no mercado negro, que só puderam custear graças a doações de um grupo estrangeiro. Em duas ocasiões utilizaram remédios quimioterápicos que tinham passado da validade, pois era o máximo que puderam encontrar. Em agosto, os três fugiram para o Brasil em busca de tratamento para Brenyer. Eles passaram semanas vivendo em um abrigo. Em outubro, com apoio do ACNUR, Brenyer foi transferido para Brasília a fim de obter atendimento médico. Seu sonho é se sentir melhor para jogar futebol.

Mesmo com as dificuldades para proteger o filho do calor e para obter os cuidados médicos necessários, a mãe de Brenyer foi uma das tantas pessoas que disseram estar melhor ali do que na Venezuela, apesar das complicadas circunstâncias.

Isso mostra que os venezuelanos estão fugindo de uma crise muito grave.

Vacinação

Dezenas de venezuelanos cruzam a fronteira todos os dias e chegam a Colômbia e ao Brasil para obter vacinas que não conseguem encontrar na Venezuela. O governo colombiano disse que forneceu aos venezuelanos mais de meio milhão de doses de vacinas entre agosto de 2017 e agosto de 2018. Muitos retornam à Venezuela após receberem a vacinação na fronteira. As autoridades brasileiras oferecem vacina a todo venezuelano que busca refúgio ou residência temporária na fronteira; em agosto, um general brasileiro na fronteira nos disse que atendiam entre 200 e 300 pessoas por dia.

Dra. Katlheen Page da Johns Hopkins University avalia um paciente venezuelano no principal hospital de Boa Vista, Roraima, em 24 de agosto de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Atualmente, a Venezuela enfrenta de forma rotineira surtos de doenças que são previníveis por meio de vacinação e haviam sido eliminadas no país. Estes surtos indicam sérios problemas com a cobertura vacinal.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde:

  • Desde junho de 2017, mais de 7.300 casos de sarampo foram notificados na Venezuela, incluindo 5.500 casos confirmados e 64 mortes até setembro de 2018. Nenhum caso de sarampo havia sido registrado na Venezuela entre 2008 e 2015, exceto um caso isolado em 2012.
  • Entre julho de 2016 e setembro de 2018, mais de 2.000 casos suspeitos de difteria foram relatados. Mais de 1.200 foram confirmados e mais de 200 pessoas morreram. Em contraste, entre 2006 e 2015, nenhum caso da doença, que é facilmente previnível, por meio da vacina, havia sido relatado na Venezuela.

Dra. Katlheen Page da Johns Hopkins University avalia um paciente venezuelano no principal hospital de Boa Vista, Roraima, em 24 de agosto de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Malária

Em julho, após três semanas com febre, diarreia e tontura, Gregory Martínez, 10 anos, atravessou a fronteira colombiana com sua mãe, Mary Gelvez, para ir ao principal hospital de Cúcuta. Mary contou que procurou tratamento na Venezuela, mas não encontrou um médico no posto de saúde local. No posto de saúde perto da casa de seu irmão, em uma cidade mais próxima da fronteira, ela achou um médico, mas não havia suprimentos necessários para que seu filho pudesse fazer o exame de malária. Depois que Gregory desmaiou em um ônibus, sua mãe o levou para o hospital na Colômbia. Os médicos suspeitavam que ele tinha malária e aguardavam a confirmação dos resultados do exame quando os entrevistamos. Mary disse que estava com dificuldade de encontrar comida para alimentar sua família; Gregory pesava 23 kg no momento da entrevista – o peso médio de uma criança de sete anos.

O número de casos de malária suspeitos e confirmados na Venezuela aumentou de forma consistente nos últimos anos – subiu de quase 36.000 em 2009 para mais de 406.000 em 2017, segundo a Organização Mundial de Saúde. A malária é atualmente uma epidemia identificada em nove estados venezuelanos, sendo atribuída por especialistas em saúde às reduções nas atividades de controle de mosquitos, escassez de medicamentos para tratar a doença e atividades ilegais de mineração que criam reservatórios de água e facilitam a propagação de mosquitos.

Tuberculose

Mariana de la Luz, 15 anos, é uma indígena Warao que foi diagnosticada com tuberculose há 8 anos em seu estado natal, Delta Amacuro, na Venezuela. Desde o primeiro diagnóstico, o hospital conseguiu fornecer somente ciclos incompletos de tratamento, a qual foi submetida diversas vezes. Em 2017, os médicos disseram a sua mãe, Yuri Magdalena Silva Rivero, que ela não estava mais respondendo ao tratamento e que não havia esperança de cura. Quando a irmã de Silva Rivero morreu de malária em fevereiro de 2018, depois de ser informada de que não havia medicamentos para o tratamento, Silva Rivero e seu marido levaram Mariana de la Luz para o Brasil. Quando chegaram, ela pesava 15 quilos. No hospital, os médicos descobriram que Mariana estava profundamente desnutrida e anêmica. Também a diagnosticaram com tuberculose multirresistente, que requer um tratamento mais longo e complexo. Ela começou a receber tratamento três vezes por semana no hospital principal de Roraima e, quando conversamos, estava ganhando peso.

O número de casos notificados de tuberculose na Venezuela aumentou de 6.000 em 2014 para 7.800 em 2016, e os relatórios preliminares indicam que houve mais de 10.000 casos em 2017, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde. A taxa de incidência de tuberculose em 2017 (32,4 por 100.000) foi a mais alta na Venezuela em 40 anos.

HIV

Nilsa Hernández, 61 anos, recebeu o teste positivo para HIV há 13 anos. Ela começou a tomar medicamentos antirretrovirais nove anos depois, recebendo o tratamento sem interrupções, até que de repente os remédios ficaram indisponíveis na Venezuela. Ela passou quase dois anos sem acesso ao tratamento antirretroviral e ficou cada vez mais temerosa por sua vida. Em janeiro de 2018, ela se mudou do estado de Bolívar para o Brasil. "Eu quero viver", ela contou, explicando que se ela pudésse teria deixado a Venezuela antes para receber tratamento, mas não tinha como pagar a viagem. Nilsa agora recebe tratamento no Brasil e criou um projeto chamado “Brave People For Life” (“Pessoas Corajosas Pela Vida”), o qual fornece apoio a outros venezuelanos com HIV que vêm para o Brasil a fim de obter o tratamento médico que não encontram na Venezuela. Para financiar seu projeto, Nilsa vende sorvete na rua e recebe o apoio – incluindo suporte financeiro para alugar sua casa – de uma jornalista brasileira que havia a entrevistado assim que chegou em Boa Vista e estava morando na rua.

Um relatório da Organização Pan-Americana da Saúde, UNAIDs, e o Ministério da Saúde da Venezuela afirmam que o número de novos casos de HIV na Venezuela aumentou 24% entre 2010 e 2016, com 6.500 novos diagnósticos em 2016. O número real de novas infecções por HIV é com certeza maior, sobretudo porque muitos centros de saúde não conseguem mais realizar os testes de HIV.

Segundo as estatísticas oficiais citadas pela Organização Pan-Americana da Saúde, 87% de mais de 79 mil pessoas com HIV não estão recebendo o tratamento antirretroviral para o qual estão registradas no governo venezuelano. Quinze dos 25 medicamentos antirretrovirais que o governo comprava anteriormente estão fora de estoque há mais de 9 meses, e o fornecimento de medicamentos para tratar infecções oportunistas é limitado, segundo um relatório de junho da Organização Pan-Americana da Saúde.

Mulher sentada em um banco de um abrigo para refugiados em Cúcuta, Colômbia, após ter fugido da Venezuela. Foi diagnosticada com HIV há dois anos, e saiu da Venezuela depois de não encontrar tratamento antiretroviral por três meses em Caracas. 28 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch 2018.

Atravessando a fronteira para dar à luz

Muitas mulheres atravessam a fronteira para dar à luz na Colômbia ou no Brasil. Os médicos nos hospitais dizem que muitas chegam com complicações e que a maioria não recebeu cuidados pré-natais adequados na Venezuela.

Ariana González, 20 anos, mora no estado de Táchira, a poucas horas da fronteira. Durante sua gravidez, na Venezuela, ela fez apenas alguns exames de pré-natal, pelos quais precisou pagar em uma clínica particular. Quando estava grávida de sete meses, ela procurou um hospital na Venezuela porque estava há vários dias com fortes dores de cabeça, um possível sinal de complicações sérias. Mas os médicos não puderam medir sua pressão arterial, pois não tinham um aparelho de pressão arterial funcionando. Como a dor de cabeça persistia, ela cruzou para a Colômbia, onde um médico realizou uma cesariana de emergência após identificar que sua vida estava em risco devido a uma hipertensão. Seu bebê nasceu com apenas 1,6 kg e passou seis dias em tratamento intensivo; Ariana também passou três dias na UTI. Quando a entrevistamos em meados de julho, 11 dias após ter sido internada no hospital, ela se preparava para receber alta, mas o bebê permanecia internado em uma incubadora.

Os últimos dados oficiais disponíveis do Ministério da Saúde venezuelano indicam que, em 2016, a mortalidade materna aumentou 65% e a mortalidade infantil aumentou 30% em apenas um ano. A ministra da saúde foi demitida alguns depois de divulgar essas estatísticas no início de 2017.

Desnutrição

As complicações médicas enfrentadas pelos pacientes na Venezuela ainda são agravadas pela severa escassez de alimentos e pelo acesso limitado a uma alimentação adequada. Muitas das dezenas de venezuelanos que entrevistamos disseram que perderam peso e, quando estavam em casa, comiam uma ou duas refeições por dia, o que para alguns consistia apenas em mandioca ou sardinha.

Luis Alejandro Vergara Suárez, 16 anos, foi levado às pressas para o pronto-socorro do principal hospital de Cúcuta acompanhado do irmão mais velho, Agustín. Eles haviam cruzado a fronteira com a mãe e seis outros irmãos no dia anterior, a fim de chegar a uma cidade rural na Colômbia, onde vivem seus avós. Quando estavam atravessando, funcionários públicos locais e médicos avistaram Luis Alejandro, que aparentava severamente desnutrido, e o levaram para um posto de saúde administrado pelos Capacetes Brancos argentinos perto da fronteira. De lá, Luis Alejandro foi transferido para um pequeno hospital nas proximidades antes de ser levado ao hospital principal de Cúcuta.

Luis Alejandro tem epilepsia, e durante anos conseguiu administrar sua condição com medicação. Quando os remédios sumiram das farmácias venezuelanas sua família começou a comprá-los na Colômbia, até que eles não puderam mais arcar com os custos. Ele passou vários meses sem tratamento antes de cruzar para a Colômbia, onde Agustín e seus pais haviam nascido. Todos na família estavam com dificuldades de encontrar comida e, fazendo uma refeição por dia, tinham emagrecido. Mas o impacto da escassez foi maior para Luis Alejandro devido à epilepsia, com convulsões que muitas vezes dificultavam ainda mais comer a pouca comida que conseguiam obter. Quando o entrevistamos, Alejandro pesava apenas 16 quilos, o peso típico de uma criança de quatro anos. Agustín nos disse que ele também havia perdido peso – mais de 20 quilos – na Venezuela.

O governo venezuelano não publica dados nacionais de desnutrição desde 2007, mas as evidências disponíveis sugerem que a desnutrição está aumentando:

  • A Cáritas Venezuela, uma organização humanitária católica que monitora a situação nutricional no país e fornece assistência nutricional a crianças de comunidades de baixa renda em Caracas e em vários estados, informou que a desnutrição aguda grave e moderada entre crianças menores de cinco anos aumentou de 10% em fevereiro de 2017 para 17 por cento em março de 2018 – um nível indicativo de crise, segundo os padrões da Organização Mundial da Saúde. Em julho de 2018, a Cáritas Venezuela informou que a média havia caído para 13,5%, mas os números foram significativamente maiores em Caracas (16,7%) e no estado de Vargas (quase 20%).
  • Uma pesquisa da Cáritas de 2018 revelou que 48% das mulheres grávidas nessas comunidades de baixa renda tinham desnutrição aguda moderada ou grave.
  • Hospitais em diferentes localidades do país estão relatando aumento no número de internações pediátricas devido à desnutrição aguda moderada ou grave, e a proporção de crianças admitidas em hospitais com desnutrição aguda é alta, variando de 18 a 40%.
  • Uma pesquisa nacionalmente representativa realizada por três universidades renomadas na Venezuela concluiu que 80% das famílias venezuelanas enfrentam insegurança alimentar e que as pessoas que participaram da pesquisa perderam uma média de 11 quilos em 2017.

Crianças venezuelanas tomam café da manhã em um refeitório comunitário em Cúcuta, do lado colombiano da fronteira com a Venezuela. Em julho, o refeitório comunitário alimentou mais de 2.500 venezuelanos por dia. 31 de julho de 2018. © 2018 Human Rights Watch.

Em desespero, centenas de venezuelanos atravessam a fronteira apenas para comer. Em julho, um refeitório público em Cúcuta, operado pela Igreja Católica com o apoio de agências da ONU, alimentou 2.500 venezuelanos por dia, incluindo muitas crianças e idosos.

Fernando Arvelo (pseudônimo), 74, mudou-se para o estado de Táchira de seu estado natal – uma viagem de 20 horas – após sua esposa, filhos e netos fugirem da crise para o exterior. Ele não queria ser um fardo para sua família e sentiu que não poderia recomeçar em outro lugar neste momento da sua vida. Fernando atravessa a fronteira todos os dias, caminhando sob um calor sufocante de até 40 graus, para comer no refeitório em Cúcuta. Fernando contou que costumava pesar 85 quilos, mas que agora pesa menos de 50. Na Venezuela, ele sofre para encontrar remédios para problemas cardíacos e respiratórios, glaucoma e catarata. Em algumas ocasiões precisou comprar e tomar medicamentos vencidos, porque era o máximo que conseguiu encontrar.

A maioria dos venezuelanos que conheci na fronteira, e por toda a América Latina, gostaria de voltar para suas casas na Venezuela. Porém não sabem quando – ou se – isso será possível. Os países onde buscam refúgio devem recebê-los enquanto trabalham para que chegue o dia em que essas pessoas possam retornar a uma Venezuela democrática.