Relatório Global 1998
Human Rights Watch/Americas (Divisão das Américas)

Brasil

Acontecimentos na área de direitos Humanos

Diversos incidentes de brutalidade e corrupção policial amplamente publicados e divulgados constituíram os principais acontecimentos na área de direitos humanos no Brasil em 1997. Embora esforços encorajadores e de boa fé por parte de várias autoridades, inclusive a nível do executivo federal, as violações aos direitos humanos continuaram severas e variadas.

Em 31 de março, o Jornal Nacional exibiu um vídeo amador mostrando a polícia militar extorquindo, espancando, torturando e humilhando pessoas abordadas ao acaso em uma blitz na Favela Naval, em Diadema, subúrbio de São Paulo. Em uma das cenas, a polícia, sem motivo, atira e mata um passageiro desarmado dentro de um carro que tinha sido vistoriado pela blitz policial. As imagens explícitas, filmadas em pelo menos duas ocasiões diferentes, indignaram o Brasil e o mundo. Os vídeos confirmaram o que grupos de direitos humanos vinham alertando sobre a natureza freqüentemente violenta e pouco profissional da polícia militar em São Paulo. Investigações jornalísticas subsequentes revelaram que nos meses que antecederam o episódio televisionado, em Diadema, dezenas de denúncias de violência e corrupção policial foram encaminhadas às autoridades locais sem que estas tomassem qualquer providência.

Uma semana depois, no dia 7 de abril, o mesmo noticiário exibiu outro vídeo amador, desta vez, retratando cenas de extorsão, graves espancamentos e humilhações infringidos pela polícia militar do Rio de Janeiro na Cidade de Deus, subúrbio da capital. Esse outro incidente transferiu o foco do debate à natureza nacional do problema, abordando inclusive, os programas do Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro que promoveram e premiaram policiais envolvidos em atos de bravura. Nos dias que seguiram a transmissão do vídeo, reportagens demostraram que três dos seis policiais envolvidos no incidente recebiam gratificações por bravura. Em meio a esse debate, a Human Rights Watch lançou seu detalhado relatório denunciando que, na prática, a gratificação por bravura era oferecida a policiais envolvidos na morte de suspeitos criminosos sem a devida apuração das circunstâncias das mortes.

A pesquisa da Human Rights Watch demonstrou que em período de um ano (de maio de 1995 a abril de 1996), pelo menos 179 policiais foram promovidos no Rio de Janeiro em decorrência de incidentes que custaram a vida de setenta e dois civis e seis policiais. As autópsias das vítimas demonstravam que em alguns casos estas foram, na verdade, vítimas de execuções sumárias e não de tiroteios como apontavam os relatórios autorizando as gratificações por bravura.

Durante todo o ano de 1997, as autoridades do Rio de Janeiro continuaram a promover e premiar policiais envolvidos em atos de bravura. Em abril, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, citando o relatório da Human Rights Watch, contestou em juízo, sem sucesso, a constitucionalidade das gratificações por bravura. Após reportagens jornalísticas, em setembro, de que quatorze oficiais da polícia militar do Rio de Janeiro denunciados por envolvimento no jogo do bicho recebiam gratificações por bravura, o Deputado Estadual Carlos Minc apresentou projeto de lei na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro visando limitar as gratificações e promoções aos policiais sem processo por crimes graves. Em outubro, o Instituto Superior de Estudos Religiosos- ISER, eminente organização não-governamental (ONG), lançou relatório demonstrando que a polícia fluminense matara pelo menos 942 civis na cidade do Rio, entre o período de 1 de janeiro de 1993 e 31 de julho de 1996. A pesquisa do ISER inclui análises dos laudos do Instituto Médico Legal demonstrando que pelo menos quarenta dos 942 civis foram vítimas de execuções sumárias, mortos à queima-roupa. A alta incidência de balas na cabeça e no tórax das vítimas e o percentual de tiros pelas costas sugerem que o número de execuções sumárias foi substancialmente mais alto. A pesquisa também demonstra que o índice de homicídios cometidos pela polícia na cidade do Rio de Janeiro aumentou de dezesseis mortes por mês antes de maio de 1995, mês no qual o atual Secretário de Segurança Pública, Gen. Nílton Cerqueira tomou posse, para trinta e dois mortos por mês após a sua posse. Nesse mesmo período, a polícia do Rio matou 3,4 vezes mais civis do que feriu.

Embora o foco das atenções tenha se voltado para a polícia militar de São Paulo, devido ao incidente de Diadema, dados oficiais mostram que em 1997 as mortes de civis causadas pela polícia militar paulista continuaram a diminuir. Nos primeiros oito meses de 1997, a polícia militar, na grande São Paulo matou oitenta e seis civis durante expediente e mais cinqüenta e um civis enquanto estavam de folga. Nesses mesmos oito meses, a polícia militar teve oito policiais mortos em serviço e vinte e quatro em período de folga. Em 1996, o número de civis mortos pela polícia militar na grande São Paulo, tanto em expediente quanto de folga diminuiu para 183, o menor índice anual em uma década. Vinte e sete policiais (vinte e um estando de folga) foram mortos durante o mesmo período. Para contraste, quatro anos antes, em 1992, a polícia militar matou 1.190 civis na grande São Paulo nos quais, cinqüenta e cinco policiais morreram. Acredita-se amplamente que essas reduções estão relacionadas à criação e contínua atuação do serviço de Ouvidoria da polícia, assim como o Programa de Acompanhamento de Policiais Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco (PROAR) que requer que os policiais envolvidos em tiroteios fatais sejam retirados, ao menos temporariamente, de serviço nas ruas. Em dezembro de 1995, o Secretário de Segurança Pública expandiu o programa PROAR para incluir policiais envolvidos em mortes enquanto estes estavam fora de expediente.

Mesmo assim, ao longo do ano de 1997, a polícia de São Paulo violou os direitos humanos básicos. No dia 20 de maio, a polícia militar invadiu a Fazenda da Juta, conjunto habitacional que fora ocupado por sem-teto vários meses antes. Quando os sem-teto resistiram a ordem de despejo, atirando pedras e paus, a polícia, sem treinamento para tal operação e sem equipamentos adequados tais como, escudos e capacetes, abriu fogo contra os sem-teto, matando três deles. Uma das vítimas foi morta por uma única bala na nuca, sugerindo execução sumária. Outro sem-teto foi morto com tiros no peito, enquanto o policial afirmou ter atirado em defesa própria depois de ter sido derrubado ao chão. No entanto, segundo o relatório do médico legista, a vítima fora alvo de dois tiros que atravessaram o peito em linha reta, gerando dúvidas quanto a versão do policial envolvido.

Em setembro, o envolvimento de dois policiais militares de São Paulo no seqüestro e assassinato de um garoto de oito anos de idade levou o Secretário de Segurança Pública à demitir o comandante da Polícia Militar. Durante a mesma semana, veio à tona em Brasília, o envolvimento de policiais militares no seqüestro da filha de um deputado federal, que foi libertada após operação de resgate. Esses dois incidentes, mais uma vez, geraram intenso debate sobre a violência e corrupção policial a nível nacional.

Nos meses de abril e maio, logo após as imagens televisionadas de Diadema e Cidade de Deus, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do estado de Minas Gerais juntou provas da ampla prática de tortura nas delegacias policiais de Belo Horizonte. Membros da CPI visitaram uma das delegacias de pior reputação do estado munidos de câmara de vídeo, flagrando e filmando um quarto descrito previamente por detentos como centro de torturas. O vídeo comprovou os depoimentos dos detentos para a CPI, tanto em termos do local do centro de tortura quanto às suas características: o quarto incluía uma parede com escoro para pendurar um pau-de-arara, uma barra que encaixava na parede, uma torneira e fios de eletricidade expostos, presumidamente para uso em torturas com choque elétrico. Apesar dessas e outras evidências, o Governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, negou que a polícia mineira praticasse tortura e recusou-se a pedir maiores investigações.

Dois meses depois, a polícia militar de Minas Gerais organizou uma greve compacta demandando melhores salários - a polícia militar mineira recebia salário base de cerca de US$400,00 por mês - a greve das polícias paralisou o estado por duas semanas no mês de junho. Ainda em junho, o governador cedeu às demandas dos policiais em greve, autorizando um aumento de 50% do salário base. A disputa travada em Minas Gerais inspirou protestos semelhantes ou reivindicações salariais na maioria dos estados brasileiros no período de julho a agosto.

Pressionado pela inquietude das polícias e pela crescente vigília popular e da mídia quanto aos graves problemas da violência e corrupção policial, um grupo nacional liderado pelo recém designado Secretário Nacional dos Direitos Humanos, José Gregori, estudou possíveis mudanças e melhorias na segurança pública por todo o Brasil. Em setembro, como resultado do trabalho desenvolvido por esse grupo, o Presidente Fernando Henrique Cardoso propôs uma série de alterações legislativas e constitucionais na estrutura da polícia, incluindo uma emenda para extinguir completamente a Justiça Militar, autorizar os Estados à unificar as polícias civis e militares se assim preferissem trabalhar e proteger testemunhas de incidentes com abuso policial. Se implementadas, essas medidas poderiam representar significante redução da incidência total de violações aos direitos humanos cometidos por agentes do estado. No entanto, não está claro se a essas medidas será dado prioridade perante o Congresso Nacional que, aliás, em 1997, continua deixando a desejar quanto à aprovação de medidas em prol dos direitos humanos. No momento de elaboração deste texto, as medidas legislativas continuam pendentes no Congresso. Também estão pendentes várias outras propostas importantes incluídas no Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em 13 de maio de 1996. Desde então, o Congresso Brasileiro conseguiu aprovar poucas dessas medidas. Exceto a lei de tipificação da tortura, aprovada em meio a indignação nacional causada pelo incidente de Diadema, a única outra reforma de segurança pública aprovada pelo Congresso desde o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos foi a Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, que criminaliza o porte ilegal de armas.

As condições carcerárias por todo o Brasil continuam a violar as normas internacionais em 1997. As principais violações abrangem a violência policial direcionada aos detentos ou cumplicidade em casos de violência entre eles; superlotação; condições insalubres; falta de acesso ao trabalho, educação, lazer e outros benefícios. As condições básicas são ainda piores em delegacias de polícia, onde os presos são detidos por meses e até anos. Em São Paulo, aproximadamente 30.000 detentos foram mantidos em delegacias, que segundo as mais generosas estimativas oficiais, possuíam capacidade para menos de 16.000 detentos. A Folha de S. Paulo noticiou, oitenta casos de rebelião em delegacias e onze casos em penitenciárias do estado durante o primeiro semestre de 1997, números bastante superiores aos setenta e um casos de rebelião em delegacias e oito rebeliões em presídios durante todo o ano de 1996. Até o início de outubro, o número de rebeliões em penitenciárias aumentou para quinze casos. Em setembro, as autoridades de São Paulo anunciaram novos contratos para construção de sete prisões com capacidade total para 5.544 detentos. Se concluída no prazo estabelecido, juntamente com o projeto de construção de outras quatorze prisões, esses centros de detenção oferecerão espaço adicional para 17.520 presos até o fim de 1998.

Cabe mencionar que as autoridades paulistas raramente usaram força letal para controlar motins ou rebeliões. Por outro lado, esse não foi o caso em outros estados do Brasil em 1997. No dia 29 de julho, a polícia militar entrou no presídio do Róger em João Pessoa, Paraíba, para por fim a um motim no qual um grupo de presos mantinha como reféns o diretor, três guardas e dois outros presos. Exames médicos subsequentes demonstraram que sete dos oito presos mortos nessa operação foram severamente espancados e provavelmente torturados antes de serem sumariamente executados, conclusão esta aceita pelo próprio Governador do Estado. Dois meses depois, a polícia militar respondeu a nova rebelião no mesmo presídio matando um detento. Investigações da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de João Pessoa mostraram que os presos estavam armados apenas com paus e que a resposta da polícia fora, no mínimo, desproporcional. Em outubro, mais dois presos foram mortos durante tentativa de fuga.

O problema da superlotação dos presídios e delegacias foi exacerbado em 1997 pela existência de presos detidos nessas facilidades por tempo superior aos termos de suas sentenças. No mês de setembro, mutirões compostos por membros da Ordem dos Advogados do Brasil, a Procuradoria Geral do Estado e representantes da Assembléia Legislativa documentaram irregularidades observadas durante visitas surpresas aos lugares de detenção do estado de São Paulo. Por exemplo, os mutirões encontraram diversos detentos presos além dos termos de suas sentenças, grande número de outros presos com direito a regime aberto, semi aberto, ou liberdade condicional, assim como um preso detido por mais de dois anos com base num mandado de prisão, por período renovável de 30 dias.

Em 1997, conflitos de terra continuaram a dominar as manchetes enquanto o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST intensificava seus esforços de pressionar o governo para que este adotasse medidas visando uma reforma agrária. Em vários incidentes ao longo do ano de 1997, ocupações do MST e de outros grupos de sem-terras resultaram em conflitos violentos. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), até meados de outubro de 1997, vinte e cinco civis morreram em conflitos de terra. Se por um lado a polícia militar foi responsável pela maioria dos casos envolvendo mortes nos conflitos de terra em 1996 (incluindo dezenove sem-terras em um único incidente em El Dourado dos Carajás, em 17 de abril de 1996), ainda segundo a CPT, em 1997, jagunços de aluguel foram os responsáveis pela maioria dos casos resultando em mortes nas disputas por terras.

Dados de 1996 e dados parciais de 1997 demonstram um aumento tanto no número de conflitos pela terra quanto no grau de violência praticada na resolução desses. Em 1996, quarenta e seis indivíduos foram mortos em conflitos de terra contra trinta e nove mortes em 1995. A CPT registrou ainda um aumento significativo no número de conflitos em 1996 (653) comparado à 1995 (440), assim como o número total de pessoas envolvidas, que aumentou de 318.458 em 1995 para 481.490 em 1997. Embora os dados para 1997 não estejam concluídos, a CPT anunciou que essa tendência de aumento dos conflitos e crescente uso de violência permeia também o ano de 1997.

Um avanço positivo na campanha contra a violência rural e a impunidade foi o julgamento e condenação, em 27 e 29 de junho, em Imperatriz, Maranhão, de três fazendeiros por ordenarem o assassinato, em 1986, do Padre Josimo Moraes Tavares, diretor regional da Comissão Pastoral da Terra. Guiomar Teodoro da Silva, Adailson Gomes Vieira e Geraldo Paulo Vieira, presos em 1994 e detidos aguardando julgamento desde então, foram sentenciados a quatorze, dezoito e dezenove anos de prisão, respectivamente. A condenação dos autores intelectuais nesse caso foi excepcional: segundo a CPT, de 976 casos de assassinatos relacionados a conflitos de terra e 891 casos de tentativa de homicídio registrados desde 1985 até o início de 1997, somente cinqüenta e seis casos foram julgados. Destes, em apenas quatorze, aqueles que ordenaram as mortes foram processados e somente sete foram condenados.

Em Pedro Canário, Espírito Santo, um júri condenou, em 10 de junho, o líder dos sem-terra, José Rainha, pelos assassinatos, em 1989, do fazendeiro, José Machado Neto, e o policial militar Sérgio Narciso, no que foi uma manipulação infeliz do Sistema Judiciário. Mesmo com farta evidência de que José Rainha estava a centenas de quilômetros de distância de onde ocorreram os assassinatos, o júri condenou-o e um juiz o sentenciou a vinte e seis anos e seis meses de prisão, sob a acusação de que ele organizara ocupações de terra e ajudara os camponeses a fugir após o assassinato. Testemunhas a favor de José Rainha incluíam um coronel da polícia militar do Ceará, o então secretário da agricultura do estado do Ceará (atualmente deputado federal) e outras autoridades públicas do Ceará. Todos testemunharam que José Rainha estava no estado do Ceará e não no Espírito Santo durante os acontecimentos em questão. O julgamento foi marcado por outras irregularidades, incluindo a presença no júri de várias pessoas que possuíam ligações com uma das vítimas. No momento de elaboração deste texto, nenhuma data foi estabelecida para um segundo julgamento de José Rainha, direito garantido pela lei brasileira.

O trabalho escravo, prática em que trabalhadores são recrutados com promessas falsas de altos salários e então mantidos contra suas vontades em campos de trabalho, continuam a ocorrer em 1997, embora acredite-se que a índices menores que durante os anos anteriores. Os dados da CPT para 1996 mostram uma redução significativa no número de vítimas envolvidas em trabalho escravo comparativamente ao ano de 1995. Enquanto o número de casos de trabalho escravo sofreu singela redução de vinte e um para dezenove, o número de vítimas despencou de 26.047 para 2.487. Essa redução dramática foi amplamente creditada aos resultados de programas conjuntos entre a sociedade civil, principalmente a CPT e sindicatos de trabalhadores rurais e o Ministério do Trabalho, principalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Particularmente nesse estado, no qual milhares de vítimas foram mantidas em cativeiro em carvoarias, anos anteriores, esforços para erradicar o trabalho escravo alcançaram relativo sucesso. Em Minas Gerais, o trabalho de uma Comissão Parlamentar de Inquérito ajudou a reduzir o número de vítimas registradas de trabalho escravo de 10.040, em 1995, para 790, em 1996.

Em setembro, autoridades federais anunciaram planos de desapropriação de terras usadas para trabalho-escravo. O Ministro da Reforma Agrária anunciou que aqueles trabalhadores que foram forçados em dívidas na fazenda Flor da Mata, em São Félix do Xingu, sul do Pará, seriam assentados naquela mesma fazenda e o governo aplicaria essa nova política em outras áreas onde o trabalho escravo fosse praticado. Por outro lado, juristas argumentam que tal desapropriação está além da competência do governo federal e requer emenda legislativa especifica que autorize as desapropriações. Até o presente momento, legislação que daria ao governo federal tal poder de desapropriação das terras utilizadas para trabalho-escravo ainda está pendente no Congresso Nacional.

Após as condenações de abril e novembro de 1996 dos dois primeiros policiais militares julgados pelo envolvimento, em julho 1983, da chacina de oito adolescentes que dormiam na praça da Candelária, região central do Rio de Janeiro, a acusação sofreu sérias derrotas nos fins de 96 e início de 97. Primeiramente, em dezembro de 1996, dois policiais e um civil foram absorvidos depois que a acusação falhou na condução do caso com vigor, mesmo portando fortes evidências que incluíam depoimentos de testemunhas atestando o envolvimento de dois dos homens. Em abril de 1997, o ex-policial Nelson Cunha, que fora condenado em novembro de 96 e sentenciado a 261 anos de prisão, foi absolvido de todas as acusações de homicídio no segundo julgamento. Isto, mesmo após a confissão de Nelson Cunha na qual ele afirmara ter estado no carro com os assassinos e ter pessoalmente atirado e ferido na cabeça a testemunha ocular Wagner dos Santos. Nelson que admitiu ter apontado um revólver contra a cabeça do Wagner, disse depois que o revólver atirou acidentalmente enquanto o carro se movia. Nelson cumpre outra sentença de dezoito anos por tentativa de homicídio baseado na sua condenação inicial.

Para outros graves massacres, a impunidade continua a ser a regra. Mais de cinco anos depois do massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram executados, mesmo com a transferência do caso da Justiça Militar para a Justiça Comum, ninguém ainda foi levado a julgamento. O processo contra o policial responsável pelo massacre de vinte e um residentes da favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, em agosto de 1993, pouco avançou em 1997. Em abril, um júri condenou o ex-policial Paulo Alvarenga, o primeiro de mais de cinqüenta acusados a serem julgados, a mais 400 anos de prisão, dos quais ele terá que servir trinta anos.

Na madrugada do dia 20 de Abril de 1997, quatro rapazes e um adolescente atiraram gasolina no índio Pataxó Galdino Jesus dos Santos que dormia num banco público em Brasília, em seguida, atiçaram fogo nele produzindo queimaduras graves que causaram sua morte horas mais tarde em hospital local. Galdino Jesus participava de uma conferência sobre os direitos indígenas parte das comemorações do Dia do Índio. Ele retornou à sua pensão um pouco depois que esta fechara e fora assim forçado a dormir na rua. Investigações subsequentes indicam que os rapazes tinham visto o índio Galdino dormir, foram a um posto de gasolina e então voltaram para incendiá-lo. Mesmo com essas e outras evidências, a juíza Sandra de Santis Mello reduziu as acusações de homicídio contra os rapazes para lesão corporal seguida de morte, aceitando o argumento da defesa de que eles não tinham intenção de matar ou ferir seriamente o índio Galdino. Tanto o incidente quanto a decisão judicial geraram protestos e reivindicações por maiores esforços governamentais na proteção dos direitos dos povos indígenas. No momento da elaboração deste relatório, os acusados ainda estão sendo processados.

Uma tendência encorajadora, durante 1997, foi a maior cooperação entre as autoridades governamentais e a sociedade civil na área de direitos humanos. No estado de Pernambuco, o governo estadual continua a financiar um programa de proteção à testemunha dirigido por uma ONG local. Em 1997, o Ministério da Justiça atuou juntamente a autoridades governamentais locais para instalar esse programa em outros cinco estados brasileiros. Em junho, o governo federal criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos dentro do Ministério da Justiça. Esta trabalhou bem próxima a ONGs de direitos humanos desenvolvendo programas conjuntos e pressionando pela implementação das medidas incluídas no Programa Nacional de Direitos Humanos. Em São Paulo, a ouvidoria da polícia com sua vigília energética sobre os abusos policiais contribuiu para significantes reduções da violência policial contra civis. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados continua denunciando violações dos direitos humanos por todo o Brasil, celebrando numerosas audiências em diversas regiões para denunciar abusos e abrir espaço para ativistas locais. A Comissão também pressionou a Câmara dos Deputados e o Senado para aprovação de projetos de lei em matéria de direitos humanos de importância fundamental. No Rio Grande do Sul, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa publicou seu terceiro Relatório Azul, o relatório mais abrangente sobre as violações dos direitos humanos no estado. Por todo o país, as Assembléias Legislativas ou formaram comissões de direitos humanos ou fortaleceram aquelas já existentes, paralelamente, se dava o mesmo a nível municipal. Por meio dessas medidas, agentes governamentais fortaleceram as relações com organizações não-governamentais enquanto assumiam também maiores responsabilidades pelos direitos dos cidadãos.

O governo brasileiro participou em Oslo das negociações de preparação do tratado sobre Minas Terrestres. O Ministério de Relações Exteriores expressou intenção de participar da conferência de Ottawa em dezembro e assinar, na ocasião, o tratado sobre Minas Terrestres. Em março, o Brasil tomou o primeiro passo no reconhecimento da ilegalidade da ocupação do Timor Leste enviando sua primeira delegação oficial a ex-colônia Portuguesa desde a invasão da Indonésia em 1975. O Brasil também recebeu em setembro a visita do prêmio Nobel José Ramos Horta. Durante visita anterior ao Brasil, em novembro de 1996, Ramos Horta foi recebido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

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