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III. CONTEXTO

Angola tem tido pouca paz desde que, em 1975, se tornou independente de Portugal. O conflito interno inflamou-se quando os três grupos nacionalistas que tinham combatido o colonialismo português - o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) - lutaram entre si pelo controle da capital, Luanda, antes da partida oficial de Portugal, a 11 de Novembro de 1975.

A União Soviética e Cuba suportavam o MPLA, que controlava a cidade de Luanda e pouco mais. A África do Sul invadiu Angola em apoio à UNITA. O Zaire invadiu-a em apoio à FNLA. Os EUA forneceram ajuda extensiva tanto à UNITA como à FNLA. Em Outubro de 1975, o transporte aéreo de quantidades enormes de armas e soldados cubanos, organizado pelos soviéticos, mudou a situação, favorecendo o MPLA. As tropas sul-africanas e zairenses retiraram-se, e o MPLA conseguiu formar um governo socialista unipartidário, que conseguiu obter grande reconhecimento diplomático, embora não dos EUA nem da África do Sul.

A UNITA e a FNLA juntaram-se então contra o MPLA. A UNITA começou por ser expulsa do seu quartel-general no Huambo, sendo as suas forças dispersas e impelidas para o mato. Mais tarde, porém, o partido reagrupou-se, iniciando uma guerra longa e devastadora contra o governo do MPLA, que considerava assimilado (urbano, educado e com uma orientação portuguesa), mestiço (de raça mista) e dominado pelas tribos do norte. A UNITA apresentava-se como sendo anti-marxista e pró-ocidental, mas tinha também raízes regionais, principalmente na população Ovimbundu do sul e centro de Angola.

A guerra generalizou-se, conseguindo a UNITA vitórias regulares, com o apoio de forças sul-africanas envolvidas em operações esporádicas em Angola, em suporte da UNITA. As maiores incursões sul-africanas ocorreram entre 1981 e 1993, em parte como retaliação pelo apoio que a MPLA dava à guerra de guerrilha lançada pela SWAPO (Organização Popular do Sudoeste Africano) contra a África do Sul, que ocupava a Namíbia. Durante este período, as forças sul-africanas ocuparam partes do extremo sul de Angola.

Em fins de 1983 o Conselho de Segurança da ONU exigiu que a África do Sul se retirasse de Angola. Pouco depois os dois países assinaram o Acordo de Lusaka, segundo o qual a África do Sul concordava em retirar-se se Angola deixasse de apoiar a SWAPO. Todavia em 1985 a África do Sul iniciou outra invasão a fim de contra-atacar uma grande ofensiva do governo do MPLA contra a UNITA, executada com a ajuda de 50 mil tropas cubanas.

A ajuda dissimulada que os EUA estavam a dar à UNITA tinha sido proibida pelo congresso americano através da Emenda de Clark, em 1976, mas voltou a estabelecer-se após a revogação da emenda, em 1985. A ajuda dissimulada fornecida pelos EUA atingiu um total de cerca de U.S.$250 milhões entre 1986 e 1991, tornando este o segundo maior programa dissimulado norte-americano, excedido apenas pela assistência oferecida aos mujahedeen do Afeganistão.

Em 1987, uma série de grandes batalhas no sul de Angola culminou no cerco do Kuito Cuanavale, por forças da África do Sul e da UNITA. Embora esta situação redundasse num empate militar, o resultado foi ainda uma derrota psicológica para as Forças Militares Sul-Africanas (SADF), que então acreditaram não ser possível obter uma vitória militar em Angola, pelo que foi levada a cabo uma reformulação da estratégia militar sul-africana.

O Kuito Cuanavale marcava também o início de novos esforços diplomáticos no sentido de terminar o conflito. Em 1988 a União Soviética indicara que já não estava preparada para armar indefinidamente o MPLA. Em Janeiro de 1989 o Presidente Eduardo dos Santos fez uma proposta ao líder da UNITA, Jonas Savimbi, a qual resultou num processo de paz negociado por dezoito nações africanas. Numa reunião em Gbadolite, no Zaire, em Junho de 1989, Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi apertaram as mãos e concordaram num cessar-fogo imediato. Mas este desintegrou-se rapidamente quando surgiu uma disputa sobre o teor dos seus acordos orais e, especialmente, sobre a natureza da futura posição de Savimbi.1

Nos dezoito meses que se seguiram fizeram-se os esforços mais obstinados no sentido de alcançar uma resolução pacífica, tendo também lugar as lutas mais ferozes de toda a guerra. Entre Abril de 90 e Maio de 91 tiveram lugar seis sessões de conversações de paz entre a UNITA e o governo. As negociações tiveram lugar em Portugal, com observadores dos Estados Unidos e da União Soviética. Deu-se mais tarde a estas nações o nome de Troika Observadora. Em Maio de 1991 as conversações resultaram num acordo a que se deu o nome de Acordos de Bicesse, que temporariamente puseram fim a um conflito que já tinha reclamado entre 100 mil e 350 mil vidas.2 O acordo foi possibilitado em parte pelo fim da Guerra Fria, o que facilitara a cooperação entre os EUA e os soviéticos, e também em parte pelo desejo que a União Soviética e Cuba tinham de reduzir os seus encargos financeiros com Angola.

Os acordos ratificavam um cessar-fogo e apelavam às forças da UNITA e do governo, para que integrassem as suas forças nas Forças Armadas Angolanas (FAA), uma força militar de 50 mil elementos. Os acordos continham uma cláusula a que se chamou `Triplo Zero', a qual proibia ambos os lados de adquirirem novos abastecimentos de armas. Segundo os acordos, o MPLA continuava o governo legítimo e internacionalmente reconhecido, ficando responsável pela função do estado durante o período interino, e por marcar a data das eleições. Uma equipe da Missão de Verificação da ONU em Angola (a UNAVEM), de 576 indivíduos, ficou responsável pela monitorização durante este período interino.

As primeiras eleições nacionais angolanas foram realizadas nos últimos dois dias de Setembro de 1992. As eleições ofereceram aos angolanos a primeira oportunidade de expressarem a sua vontade no que a ONU e outros observadores estrangeiros concluíram ter sido um processo "geralmente livre e justo" .3 Com uma afluência de mais de 91 por cento (4,4 milhões) de eleitores registados, o Presidente Eduardo dos Santos, candidato do MPLA, obteve 49,6 por cento dos votos, contra os 40,7 por cento de Savimbi. Nas eleições para a legislatura, o MPLA obteve 54 por cento dos votos contra os 34 por cento da UNITA. A lei angolana prevê uma segunda volta eleitoral caso o vencedor das eleições presidenciais não obtenha mais de 50 por cento dos votos, o que, contudo, não veio a acontecer. Em vez disso, a UNITA rejeitou os resultados e reencetou a guerra civil para o que tornou a mobilizar as suas forças em todo o país. Menos de um mês após as eleições, iniciava-se a "Terceira Guerra", que duraria até Novembro de 1994.4

Este conflito extremamente destrutivo tornou-se notável pelas violações sistemáticas das leis da guerra tanto pelo governo como pelos rebeldes da UNITA. Esta efectuava o bombardeamento indiscriminado de cidades sitiadas repletas de civis famintos, resultando numa destruição enorme e na perda de um número sem conta de vidas de civis. O bombardeamento indiscriminado realizado pelo governo também reclamou muitas vidas civis, assim como as minas terrestres, a fome e as doenças. Calcula-se que 300.000 angolanos - 3 por cento da população - tenha morrido como resultado das lutas entre Outubro de 1992 e fins de 1994; provavelmente mais pessoas do que nos precedentes 16 anos de guerra. A ONU participou que entre Maio e Outubro de 1993 morriam todos os dias cerca de 1000 pessoas em Angola - mais do que em qualquer outro conflito mundial na época.5

Em fins de 1993 já a UNITA controlava mais de 70 por cento do território angolano. No decorrer de 1994, contudo, as vitórias militares obtidas pelo governo forçavam a UNITA a fazer concessões ainda maiores nas conversações de paz de Lusaka, e a aceitar propostas para a reconciliação nacional. Visto estar a perder territórios a uma proporção cada vez mais rápida, a UNITA prometeu assinar o protocolo, num esforço para persuadir o governo a interromper os seus avanços militares. Ambos os lados rubricaram o Protocolo de Lusaka a 31 de Outubro de 1994, tendo o presidente Eduardo dos Santos prometido aos EUA e à ONU que as forças do governo não capturariam o quartel-general da UNITA, em Huambo. Mas as forças do governo continuavam a avançar e, como a UNITA se tinha retirado, o governo capturou rapidamente a cidade. Em Novembro de 94 as ofensivas do governo tinham reduzido o controle territorial da UNITA para 40 por cento do país.6

1 Abiodun Williams, "Negotiations and the End of the Angolan Civil War," em David Smock (ed.), Making War and Waging Peace: Foreign Intervention in Africa (Washington D.C: U.S. Institute of Peace Press, 1993).

2 Os relatórios feitos pela Human Rights Watch sobre este conflito são: Africa Watch, Landmines in Angola (Nova Iorque: Human Rights Watch, 1993); Africa Watch, "Angola: Civilians Devastated by 15-Year War," Fevereiro de 1991; e Africa Watch, Angola: Violations of the Laws of War by Both Sides (Nova Iorque: Human Rights Watch, 1989).

3 Artigo II (7) dos acordos de Bicesse citados em Ministério da Justiça, Angola: Livro Branco Sobre O Processo de Paz; Volume 1, 31 de Maio de 1991 - 31 de Maio de 1993 (Luanda: Ministério da Justiça, 1995), p.51.

4 Alex Vines, One Hand Tied: Angola and the U.N. (Londres: Catholic Institute of International Relations, 1993).

5 Human Rights Watch Arms Project e Human Rights Watch/Africa, Angola: Arms Trade and Violations of the Laws of War Since the 1992 Elections, (Nova Iorque: Human Rights Watch, 1994).

6 Alex Vines, La troisième guerre angolaise, L'Angola dans la guerre, Politique Africaine, n.º57, Março 1995, pp.27- 40.

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