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Despejos e demolições forçadas em Luanda

A pesquisa da Human Rights Watch e SOS Habitat apurou que, entre 2002 e 2006, o Governo de Angola levou a cabo pelo menos 18 despejos em massa envolvendo violência e utilização excessiva da força, em violação das suas obrigações internacionais e nacionais.38 Para além disso, o Governo não respeitou as salvaguardas processuais consagradas no direito internacional e interno nem concedeu uma indemnização adequada. O Governo ignorou as consequências humanitárias dos despejos, particularmente sobre grupos vulneráveis como as mulheres e as crianças. Não apurou também se os moradores tinham direitos sobre as suas terras ou habitações, e que direitos eram esses, antes de proceder ao seu despejo.

Os despejos envolveram frequentemente intimidação, bem como violência e destruição desnecessárias, que originaram por vezes reacções de confronto das pessoas que perderam as suas casas e os seus bens. Os moradores foram sujeitos a “despejos surpresa” traumatizantes, em que as pessoas foram apanhadas desprevenidas pela chegada não anunciada da polícia, dos bulldozers e dos camiões. Estes “despejos surpresa” são ilícitos à luz do direito internacional.

Intimidação e violência

Utilização excessiva da força

As vítimas de despejo entrevistadas pela Human Rights Watch declararam terem sido sujeitas a manobras de intimidação e ameaças por parte de agentes policiais fardados e de fiscais da administração provincial e municipal. Pessoas despejadas do bairro de Wengi Maka, por exemplo, disseram à Human Rights Watch que os polícias “passaram dizendo ‘vocês são atrevidos, nós vamos partir mais essas casas.’”39 Muitas declararam que os mesmos agentes utilizaram força excessiva contra os moradores no decurso das operações de despejo. Dispararam tiros, bateram em pessoas, utilizaram linguagem agressiva e empurraram os moradores para fora das suas casas quando estes estavam a tentar retirar os seus pertences:

Eram muitos…os carros da polícia estavam cheios. A gente nem podia contar naquela confusão…a gente só via poeira por todo o lado, homens a serem batidos, gente atirada nos carros da polícia, tiros…era como na guerra civil. Eles vieram de manhãzinha e cercaram o bairro todo.40

Existem denúncias de que, em muitas operações de despejo e demolição, os funcionários públicos (funcionários da administração municipal e provincial acompanhados por agentes policiais) responderam violentamente aos moradores que tentaram questionar os fundamentos com base nos quais estavam a ser despejados e as suas casas demolidas. Pessoas despejadas de Soba Kopassa e Cambamba I disseram à Human Rights Watch:

Em Junho 2005 eles vieram nos demolir. Eu fui pedir explicações e me bateram com a coronha da arma.41

O meu marido, quando chegou disse: “estão a partir a minha casa, onde é que eu vou viver agora?” Eles atiraram para o assustar…Aqueles que diziam alguma coisa apanhavam. Ninguém podia dizer nada naquela altura. Só podia olhar, ficar ali e deixar passar…” 42

Em seis dos bairros onde a Human Rights Watch e a SOS Habitat documentaram operações de despejo (Cambamba I, Cambamba II, Soba Kopassa, Bairro da Cidadania, Benfica e Wengi Maka), muitas das pessoas sujeitas a despejo declararam terem sido fisicamente maltratadas por polícias fardados que utilizaram diversas armas, incluindo cabos de vassoura, bastões, coronhas de armas e pistolas e catanas:43

Eu fui retirar a minha mulher e criança da casa. Saímos abraçados e eles nos bateram. Continuaram a nos bater com coronhadas, nos empurraram e jogaram no chão. No fim tinha 8 polícias a me bater e na esposa e segurávamos o bebé de um ano. Jogaram-me no carro da polícia… Bateram-me com pau de vassoura na esquadra…Disseram que nos iam dar 30 catanadas cada um, 15 na mão e 15 no rabo.44

O direito internacional exige que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei apenas utilizem armas de fogo em casos de grave perigo e quando não estiverem disponíveis outros meios menos gravosos para alcançar os mesmos objectivos.45 Nos despejos analisados para este relatório, contudo, agentes policiais transportando espingardas de assalto semi-automáticas AK47 apontaram as suas armas a indivíduos desarmados, incluindo crianças e idosos, gesticulando de forma agressiva, imediatamente depois de chegarem aos locais de despejo e durante o processo de demolição e desocupação.

Eu tentei me defender. Avancei com a minha neta no colo na direcção do polícia. Ele apontou [a arma] para mim. Eu disse “quer disparar isso? Quer me matar? Pode me matar.”46

Em muitos casos, a polícia disparou tiros para o ar ou para o chão a fim de intimidar os moradores. Em diversos incidentes, foram disparados tiros de forma aparentemente indiscriminada contra pessoas que protestavam contra os despejos. Por exemplo, durante os despejos em Cambamba I e II a 13 de Março de 2006, foram disparados tiros contra a multidão, atingindo uma criança pequena e causando-lhe ferimentos no joelho esquerdo.47 O pessoal de organizações nacionais e internacionais que testemunhou esta operação de despejo específica declarou que a população estava desarmada. O Gabinete de Direitos Humanos das Nações Unidas em Angola descreveu o sucedido:

Enquanto levavam a cabo os despejos, elementos da Policia Nacional, elementos da Polícia Fiscal, bem como agentes de uma empresa de segurança privada, dispararam contra a multidão de moradores, deram pontapés e agrediram pessoas com armas e chicotes. Uma criança de 4-5 anos ficou gravemente ferida por uma bala no joelho esquerdo e teve de ser transportada para o hospital. Outro dos casos que testemunhámos foi o de três mulheres que foram espancadas durante a captura (uma das quais, grávida de oito meses, foi pontapeada no abdómen, provocando-lhe uma hemorragia), bem como o de um jovem repetidamente chicoteado durante a captura que continuou a ser espancado na esquadra de polícia. Os agentes responsáveis pela aplicação da lei actuaram utilizando a força de forma excessiva e utilizaram armas de fogo que não foram proporcionais ao nível de resistência oferecido pela população desarmada.48

Em Junho de 2004, um homem foi alvejado na cabeça por agentes policiais durante um despejo do bairro de Wengi Maka, resultando em graves incapacidades motoras e da fala.49 C.L., outra das pessoas despejadas de Wengi Maka que foi alvejada quatro vezes na perna direita e, em consequência, coxeia visivelmente, partilhou a sua experiência com a Human Rights Watch:

Eles vieram pelas 5 horas da manhã… estávamos os quatro a andar. Só escutámos o tiro e depois ouvi que diziam que éramos agitadores. Os homens que atiraram fugiram e o povo nos levou ao hospital….Eu levei 4 tiros na perna. Eu era pedreiro. Agora não posso trabalhar.50

V.L., que acompanhava C.L. nesse momento, descreveu também o sucedido:

Nós fomos lá ver o que estava a passar na área em que começaram as demolições. Na volta cruzámos com elementos da polícia. Quando estávamos a uns 50 metros de distância os homens começaram a dizer que nos éramos agitadores e atiraram. Eram três homens [a vítima identificou os três polícias pelo primeiro nome ou pela alcunha por que são conhecidos]. O [nome omitido] começou e atirou e depois os outros. Levei três tiros na perna direita. O povo veio e os polícias fugiram. As pessoas nos levaram para o hospital e eu fiquei lá uma semana.51

Muitas vítimas de despejo, bem como pessoal de ONG internacionais e nacionais e funcionários das Nações Unidas, disseram à Human Rights Watch que agentes de segurança privada de uma empresa chamada Visgo estiveram presentes durante os despejos em Cambamba I e II a 13 de Março de 2006.52 Testemunhas disseram que os agentes de segurança privada que transportavam armas actuaram juntamente com a polícia, bateram em moradores e estiveram entre aqueles que abriram fogo.53

O polícia [que me estava a bater] estava fardado de azul escuro…Deram uma corrida na gente com tiro. Atiraram no chão, perto dos pés das pessoas. Também tinha polícias com fardas azul oceano e segurança privada de verde. Dispararam as armas quando começou a confusão…eu vi os polícias privados também disparar.54

Segundo o Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas em Angola, “os indivíduos fardados e armados identificados como membros da empresa de segurança privada Visgo utilizaram as suas armas de fogo pesadas (AK47) contra a população e participaram juntamente com a polícia em vários actos de violência contra os moradores”. O Escritório das Nações Unidas questionou o mandato legal de uma empresa de segurança privada para tomar tais medidas contra a população.55

Nos termos das normas e princípios de direito internacional, o Governo de Angola é responsável pelos abusos de direitos humanos cometidos por sujeitos privados e tem a obrigação de “garantir que as medidas legislativas e de outra natureza são adequadas para prevenir e, sendo caso disso, punir as desocupações forçadas levadas a cabo, sem salvaguardas adequadas, por pessoas ou organismos privados.” 56

Detenção arbitrária e maus tratos à guarda da polícia

Nos termos do direito internacional, ninguém pode ser privado de liberdade a não ser por motivo e em conformidade com processos previstos na lei. Qualquer pessoa detida tem de ser informada, no momento da detenção, das razões da mesma e será prontamente informada de quaisquer acusações formuladas contra si.57 O artigo 39.º da Constituição de Angola consagra a mesma disposição.

Nos termos da legislação angolana, as pessoas só podem ser presas preventivamente se apanhadas em flagrante delito, se existirem razões para supor que a pessoa possa fugir ou prejudicar uma investigação policial, ou se existir uma suspeita forte e fundamentada de que a pessoa cometeu um crime punível com pena de prisão superior a um ano.58 A polícia tem de levar qualquer pessoa detida à presença de um agente do Ministério Público para confirmação da legalidade da detenção no mesmo dia em que a mesma ocorrer.59

A Human Rights Watch entrevistou vítimas e testemunhas oculares das detenções de mais de 50 moradores, as quais não respeitaram as normas jurídicas acima referidas. Estas detenções ocorreram durante ou imediatamente após despejos realizados em Cambamba I e II, Banga We, Bairro da Cidadania, Benfica, Wengi Maka, Maria Eugénia Neto e Soba Kopassa. Em todos os casos documentados, a polícia não informou as pessoas do motivo da detenção e não podia deter legalmente tais pessoas uma vez que não foram apanhadas a cometer um crime ou a prejudicar um investigação penal em curso. A maioria dos casos documentados consistiu em detenções por curtos períodos – geralmente poucas horas – mas, em alguns casos, a polícia deteve indivíduos durante vários dias ou semanas.60

Um morador do sexo masculino do bairro Maria Eugénia Neto foi detido por funcionários do governo local durante uma operação de despejo a 16 de Agosto de 2001, depois de se ter queixado da operação. Foi-lhe dito que não tinha quaisquer fundamentos para se queixar e foi levado numa viatura particular para a esquadra de polícia da VII Divisão, onde permaneceu detido durante dois dias. Foi então transferido para a prisão de Palenca onde permaneceu mais quatro dias. Em momento algum lhe foram comunicados os motivos da sua detenção nem teve a oportunidade de consultar um advogado. Depois de seis dias de detenção, foi levado à presença de um juiz que autorizou a continuação da detenção por mais 15 dias, que cumpriu na Prisão Central de Luanda. Embora tenha estado representado na audiência por um defensor oficioso, o homem vítima de despejo alegou que o advogado não preparou consigo a sua defesa nem o informou do delito pelo qual estava detido.

O homem acabou por ser libertado a 7 de Setembro de 2001. O seu termo de soltura, que deveria identificar o crime pelo qual foi detido e preso, declarava que tal crime era “não especificado.”61 O facto de um detido não ser informado dos motivos da sua captura torna a detenção arbitrária e ilícita à luz das normas internacionais. Em termos práticos, a negação de informação básica como o alegado crime de que se é acusado também torna impossível verificar se a pessoa permaneceu preventivamente detida para além dos prazos máximos estabelecidos pela legislação angolana, uma vez que estes variam em função do delito.62

A Human Rights Watch entrevistou uma mulher despejada de Wengi Maka que, em 2004, foi detida com os seus quatro filhos, que tinham respectivamente oito anos, seis anos, dois anos e seis meses de idade. A mulher e o seu marido estavam a reconstruir a sua casa, que tinha sido demolida dois anos antes, quando agentes policiais chegaram e lhes disseram que tinham de se ir embora. Os agentes partiram após uma acesa discussão que envolveu outras pessoas presentes no local e durante a qual dispararam para o ar. A polícia regressou algumas horas mais tarde. Não tendo encontrado o homem, levaram a mulher e as crianças para a 33.ª esquadra policial da V Divisão e disseram-lhe que só seria libertada quando o seu marido se apresentasse. A mulher não foi acusada nem informada de qualquer crime que pudesse ter cometido e parece ter sido mantida como refém para garantir o acesso ao homem. A família dormiu três noites numa cela. As três crianças mais velhas passaram períodos sozinhas, enquanto a mãe era libertada com o bebé uma vez por dia para ir a casa preparar as suas refeições.63 A criança de oito anos disse à Human Rights Watch: “Teve tiro…eu dormi no chão dentro da cela com cadeado. Era só eu e os irmãos…Ficávamos sozinhos lá quando a mãe ia buscar comida.”64 Mesmo que esta mulher tivesse sido detida legalmente, pelo menos os seus filhos mais velhos não deviam ter sido encarcerados com ela, uma vez que eram menores e não estavam acusados de qualquer crime. Devia ter sido tomada uma providência alternativa, como a entrega das crianças a membros familiares ou a sua colocação numa instituição de assistência à infância. A mulher e as crianças acabaram por ser libertadas três dias depois, na sequência de reclamações da comissão de moradores de Wengi Maka.

Num caso ocorrido em Outubro de 2005, as pessoas despejadas foram detidas quando se deslocaram à administração municipal de Kilamba Kiaxi para tentar obter informação sobre a demolição das suas casas que tinha ocorrido no dia anterior. A polícia deteve cerca de 20 pessoas, algumas em celas e outras nos corredores da esquadra de polícia da V Divisão, desde manhã cedo e até às 6 ou 7 da tarde. Nenhuma delas foi formalmente acusada de qualquer crime ou recebeu qualquer justificação para a sua detenção. Uma destas pessoas descreveu a detenção:

[Perguntámos o que se estava a passar e] nos falaram que devíamos ir à administração [municipal] no dia seguinte. Fomos lá, uns 20. Nos disseram que estávamos ali para invadir a administração. O administrador chamou a polícia e fomos levados para a esquadra. Quando chegámos lá disseram que tínhamos faltado ao respeito à administração e tínhamos que ficar presos.65

Durante uma operação de despejo em Junho de 2005 em Soba Kopassa, um agente policial bateu com a coronha da sua arma num homem vítima de despejo que exigia explicações para a desocupação forçada. O polícia obrigou-o a entrar num veículo policial e levou-o para a esquadra de polícia de Vila Estoril. O homem permaneceu aí duas noites e foi então libertado com a ajuda da SOS Habitat. Não lhe foi comunicado o motivo da detenção nem foi formalmente acusado de qualquer crime.66

Muitas outras vítimas de despejo declararam terem sido espancadas com a parte plana/lateral de catanas:

Eu e mais três pessoas fomos levados para a esquadra da polícia mais próxima. Bateram com porrete num quartinho. Eu fui libertada porque tinha crianças para cuidar. Mas os homens dormiram lá.67

Nelas não bateram, mas bateram nos senhores. Na esquadra do projecto [Nova Vida] usaram pau de vassoura mas partiu e depois usaram pá de ferro. Quando nos levaram para [outra esquadra n]os prédios usaram catana. Eu vi.68

Eles nos levaram para um quarto e bateram. Eram uns cinco polícias. Depois levaram a gente para [a esquadra n]o Golfe e lá bateram com catana, 30 vezes para cada. 69

Na última demolição eu tentei mostrar os documentos que tinha apresentado na DNIC [Direcção Nacional de Investigação Criminal].70 Mas não teve conversa. Eles me bateram e algemaram. Eu e mais 8 pessoas ficámos lá [no local dos despejos] algemados das 9 às 14 horas. Eu e mais umas 4 pessoas fomos levados ao comando da VII Divisão. Não ficámos lá mais de uma hora…71

Destruição e perda de propriedade privada

No decorrer da maioria dos despejos investigados pela Human Rights Watch e SOS Habitat, os funcionários públicos e agentes policiais interferiram de forma pouco razoável na privacidade das pessoas tomando medidas desproporcionadas como a destruição de bens pessoais. Os relatos das vítimas de despejo indicam que as acções do Governo durante estes despejos foram excessivas e causaram danos evitáveis nos seus bens pessoais e meios de sustento. Muitas pessoas declararam terem sido ameaçadas ou espancadas por agentes policiais quando tentavam retirar os seus bens das suas casas antes de os bulldozers as demolirem. Outras vítimas de despejo disseram à Human Rights Watch que os funcionários municipais e provinciais e os agentes policiais que levaram a cabo os despejos não lhes permitiram esvaziar as suas casas. Uma pessoa despejada de Cambamba II relatou a sua experiência com agentes policiais a 13 de Março de 2006:

Eles chegaram e não conversaram com ninguém…E partiram as casas…Não avisaram ninguém…Não deu tempo de nada…não deu tempo de tirar nada. Partiram a minha cama, fogão, pisaram tudo. Estava a tirar as coisas e me meteram no carro da polícia…A casa era de bloco. 72

Pessoas despejadas no bairro Cambamba I© 2006 Paula Martins/Human Rights Watch

Os moradores mais idosos, as mulheres e mesmo as crianças que não tiveram os meios ou a capacidade para retirar objectos maiores ou mais pesados, como camas e fogões, perderam tudo. Uma mulher contou à Human Rights Watch que, quando viu a polícia e os bulldozers, correu para proteger os seus filhos e deixou tudo para trás: “Ficámos só com as roupas do corpo.”73

Pessoas despejadas disseram também que os bulldozers destruíram as suas casas e colheitas e depois cobriram os destroços com terra para que as pessoas não pudessem voltar a utilizá-los. Os bens pessoais de muitas pessoas que não tiveram tempo para esvaziar as suas casas ficaram enterrados sob os escombros. Tiveram de escavar nos locais onde se situavam originalmente as suas casas em busca de objectos que pudessem ser salvos. Muitos perderam os seus documentos de identificação e outra documentação. Diversas vítimas de despejo relataram a sua experiência de destruição no decorrer das operações de despejo:

Eles taparam os tanques da água. Cobriram os móveis com a terra. Destruíram nossas mandiocas e mangueiras. 74

Eles entraram com máquinas e camiões, e estavam a levar chapas, barrotes e tudo que encontravam. Não tinha falar. Algumas coisas não consegui tirar; só tirei o fogão e as roupas. A máquina partia e cobria os escombros.75

Eu vim para cá no tempo da [nome omitido de uma mulher que chegou em 1996]. [A minha casa] foi partida em 26 de Setembro de 2006. Não consegui tirar nada de dentro. Tinha 14 por 9 metros quadrados. Era rebocada e pintada. Se sobra coisa boa, porta, janela, eles levam. Só fiquei com isto [mostrando a maçaneta da porta].76

Nos bairros de Wengi Maka e Bairro da Cidadania, pessoas despejadas disseram à Human Rights Watchand SOS Habitat que, sempre que as portas, chapas metálicas ou quaisquer outras partes das casas ficaram intactas após as demolições, civis não identificados que acompanhavam os funcionários municipais e os agentes policiais recolheram esses materiais, colocaram-nos em camiões e levaram-nos:

Eles foram além no mercado e trouxeram uns moços – ofereceram dinheiro – para virem os ajudar nas demolições. Eles partiram as casas e depois esses moços vinham e levavam as chapas, portas, o que sobrava. 77

O Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais disse claramente que todos quantos levam a cabo os despejos devem estar devidamente identificados a fim de proteger os moradores contra abusos.78 A utilização de pessoas não treinadas e não responsabilizáveis para executar os despejos aumenta em geral o risco de que a segurança física e os bens das pessoas despejadas fiquem ameaçados, e de que haja escassa possibilidade de recurso caso tais incidentes venham a ocorrer.

Perseguição de activistas de Associações Cívicas

Os agentes policiais também intimidaram membros de organizações de direitos humanos que testemunharam as operações de despejo. Segundo uma jornalista presente durante o despejo de 13 de Março de 2006 em Cambamba:

Eu cheguei depois das primeiras demolições desse dia…Eu estava lá com o Luiz Araújo da ONG SOS Habitat e dois representantes dos direitos humanos das Nações Unidas. A polícia falou de forma muito agressiva para eles os três. 79

O director da SOS Habitat, Luiz Araújo, foi preso durante despejos levados a cabo na área de Cambamba I, Cambamba II e Banga Wé, em 24 de Novembro de 2005. Araújo chegou ao local por volta das 9:30 da manhã e pouco depois dirigiu-se aos agentes da polícia que estavam no local para pedir informações sobre a ordem de despejo. Ele foi cercado por quatro ou cinco polícias que lhe bateram, o puseram num veículo da polícia e o levaram, juntamente com 12 moradores do bairro, para a esquadra de polícia localizada no projecto Nova Vida. Aqui ele foi mantido no escritório do comandante da esquadra. No mesmo dia foi transferido para outra esquadra de polícia no Golfe, colocado numa cela e não foi autorizado a falar com um advogado. No dia seguinte ele e os 12 moradores foram levados pela polícia ao tribunal. Os moradores foram obrigados a fazer a viagem de carro sem camisa. No tribunal Araújo foi autorizado a falar com um advogado durante 10 minutos antes de ser presente ao juiz. O juiz ouviu um fiscal e um polícia. Em nenhum momento durante este processo foi Araújo informado da razão para a sua detenção ou ouvido pelo juiz. O juiz decidiu reenviar o caso à DNIC para continuar a investigação e libertou Araújo e os outros sob termo de identidade e residência.80    

O activista da SOS Habitat Rafael Morais foi detido a 5 de Maio de 2006, no decorrer de um despejo no Bairro da Cidadania. Foi detido por membros do Comando da Unidade de Protecção dos Objectivos Estratégicos (CUPOE) quando tentava explicar os direitos dos moradores. Acusaram-no de ser um “agitador” e levaram-no para a administração municipal. Durante o período de detenção, mantiveram-no descalço e sem camisa. Foi libertado mais tarde, nesse mesmo dia, depois de uma intervenção de pessoal das Nações Unidas e de um advogado da Ordem dos Advogados de Angola.81

Durante operações de despejo realizadas em Wengi Maka no ano anterior (26 de Junho de 2005) o mesmo activista foi também detido arbitrariamente. A polícia não o informou das razões da sua detenção e ele não estava a cometer qualquer crime. Segundo o Director da SOS Habitat, Luiz Araújo, Rafael Morais “identificando-se como activista da SOS Habitat, dirigiu-se ao agente que chefiava o grupo de polícias, solicitando-lhes o esclarecimento sobre a legalidade dos actos que estavam a protagonizar. Sem obter qualquer resposta, foi imediatamente detido junto com o cidadão [nome omitido] e de seguida foram transportados, numa viatura da polícia, para a Esquadra da Polícia na Calemba II”.82

Luiz Araújo foi à esquadra de polícia para saber informações sobre a detenção do seu colega e, enquanto estava na esquadra foi também detido e levado para o comando da V Divisão:

Chamado por outro activista da SOS Habitat, fui lá acompanhado do Dr. Adriano Parreira. Juntos fomos à esquadra onde estava o Rafael para sabermos de que crime o acusavam. Estávamos lá dentro a falar com um oficial e enquanto isso, moradores do Wengi Maka concentraram-se em frente à esquadra. De repente a polícia começou a disparar para dispersar as pessoas, prenderam a [nome omitido de uma residente do Wengi Maka] mais outros vizinhos. Depois transportaram-nos para o Comando da divisão e lá soubemos que nos acusavam de tentativa de invasão da esquadra. Passámos lá todo o dia. Na presença do Dr. [advogado]Luís Nascimento soubemos afinal que não estávamos detidos nem retidos. 83

Uma testemunha ocular do despejo ocorrido a 13 de Março de 2006 nas Cambambas afirmou que os activistas da SOS Habitat foram perseguidos noutros momentos:

A polícia queria levar o Luiz Araújo, que recusou ir com eles. Eles [polícia] vieram falar connosco e queriam as nossas máquinas fotográficas…Quando já íamos embora, a polícia estava a preparar-se para prender um dos activistas da SOS. Ele foi levado para a esquadra.84

Incumprimento da aplicação de salvaguardas processuais mínimas

Falta de informação e de consulta

As entrevistas da Human Rights Watch a vítimas de despejo indicam que as mesmas não estavam suficientemente informadas, nem foram consultadas, sobre as operações de despejo que estavam planeadas. Os contactos entre o Governo e a população afectada antes e durante as operações de despejo variaram muito de bairro para bairro. Contudo, em todos os 18 despejos em massa documentados pela Human Rights Watch e SOS Habitat, as pessoas despejadas queixaram-se de falta de informação, ou de informação insuficiente, sobre: (a) a autoridade que ordenou o despejo e a razão que motivou o mesmo (justificação); (b) a utilização concreta a dar aos terrenos desocupados após o despejo; (c) a indemnização para os moradores deslocados; (d) o estatuto jurídico ou a duração da sua ocupação ou posse da terra; e (e) possíveis alternativas à sua deslocação. A maioria das pessoas despejadas declarou nunca ter sido informada de que o Governo “iria necessitar das suas terras” antes do dia do despejo.

Pessoas despejadas de Cambamba I e II, Banga We, Soba Kopassa, Talatona, Benfica, Onga, Mbondo Chapé e Munlevos declararam que funcionários municipais visitaram os seus bairros sem aviso prévio e numeraram as casas das pessoas. Embora os moradores não saibam precisar as datas em que ocorreu a numeração, geralmente aconteceu alguns dias antes do primeiro despejo. Na maioria destes casos, os funcionários não deram qualquer informação sobre o objectivo da numeração, mesmo quando os moradores lhes perguntaram directamente.85

Pessoas despejadas de Benfica disseram à Human Rights Watch que só foram assinaladas as habitações dos indivíduos que se encontravam em casa no dia da numeração. Foram ignoradas as casas de todos os que não estavam presentes. Mais tarde, quando foram despejados e as suas casas demolidas, só aqueles cujas casas haviam sido assinaladas foram realojados.

Casas assinaladas para demolição pelo Governo Provincial em Mbondo Chape.
© 2006 Paula Martins/Human Rights Watch

F.T. disse à Human Rights Watch que vivia em Benfica desde 2000, mas que estava em viagem quando marcaram as casas: “Como não avisaram, muita gente não estava em casa. Quem não estava, não recebeu nada. Quando fomos reclamar, fomos informados que já não havia casas [de realojamento].”86

Em Munlevos, aconteceu o contrário. Quando os funcionários municipais foram marcar as casas, em Setembro de 2005, assinalaram apenas aquelas cujos moradores não estavam presentes e apenas as casas assinaladas deveriam ser demolidas:

Eles puseram números em todas as casas em que as pessoas não estavam presentes. Se o morador não estivesse em casa punham número. Mas não falaram porquê, não disseram mais nada. (Quando voltaram uns dias mais tarde) não falaram nada com ninguém. Só apontavam “essa casa aqui” e o tractor vem e empurra. No começo só destruíram as casas com número, mas depois acabaram derrubando mesmo sem número. A minha irmã, por exemplo, teve a casa sem número destruída e agora vive comigo.87

No bairro de Cambambas, em Novembro de 2005, a numeração das casas antecedeu também as demolições:

Em 2005 eles apareceram com fiscais e polícia e marcaram GPL (Governo Provincial de Luanda) nas casas. Deixaram notificação pedindo que a Comissão de Moradores devia comparecer na administração da Samba (Cambambas está sob responsabilidade do município de Kilamba Kiaxi e não da Samba) no dia seguinte às 10h. Neste dia, às 6 da matina, quando os membros da Comissão estavam a discutir a visita à administração, chegaram e começaram a demolir.88

A razão exacta para a marcação das casas, conforme indicado pelos relatos acima referidos, variou muito de um bairro para outro. Uma vez que o Governo não presta informação clara (ou não presta informação alguma) aos moradores, a numeração de casas provoca frequentemente medo, suspeita e confusão.

Muitas vítimas de despejo disseram à Human Rights Watch e à SOS Habitat que tentaram obter informação sobre as operações de despejo junto do município ou do governo da província, mas que os funcionários não os receberam. Uma pessoa despejada de Sapu Vacaria disse à Human Rights Watchque quando ela própria e o seu vizinho tentaram obter informação sobre o seu iminente despejo após a numeração das casas, as autoridades municipais e provinciais “mandaram-nos de um lado para o outro.”89 Pessoas despejadas de Mbondo Chapé afirmaram que funcionários locais lhes disseram repetidamente para voltarem noutro dia depois de esperarem durante horas e que partiram sem qualquer resposta excepto a marcação de uma nova data para a reunião, altura em que a mesma situação se voltaria a repetir.90

Funcionários municipais disseram a camponeses de Bem-Vindo que as suas terras seriam expropriadas para a construção de um hospital público. Quando os camponeses contactaram o governo da província e o Ministério da Saúde para discutir a sua saída, funcionários de ambas as instituições disseram-lhes desconhecer projectos em desenvolvimento nessa área:

A gente fez uma reunião com o GPL [Governo Provincial de Luanda] e a Saúde que negaram conhecer os projectos de um hospital nesta área. Mas as placas estão lá a dizer “autorizado pelo GPL”!” Nós mandámos cartas à DNIC [Direcção Nacional de Investigação Criminal] e à administração da Samba mas até agora nada.91 Como tem guardas lá a gente não pode chegar nos nossos terrenos. Os trabalhos de construção já estão a começar.92

Tal como descrito mais acima neste relatório, a legislação angolana exige que o Governo proceda a uma avaliação de impacto, incluindo uma audição pública às comunidades afectadas, ao planear um projecto de desenvolvimento com impacto social ou ambiental significativo.93 Nenhuma das vítimas de despejo entrevistadas pela Human Rights Watch tinha estado envolvida ou tinha conhecimento de qualquer avaliação de impacto ou consultas desse tipo nos seus respectivos bairros.

Diversos moradores de áreas sob ameaça constante de despejos disseram à Human Rights Watch e à SOS Habitat que nunca sabem “quem está a dizer a verdade” e que queriam que tivesse lugar um processo formal e transparente para que pudessem compreender melhor o que estava a acontecer às suas terras. Uma pessoa despejada do Bairro da Cidadania que permaneceu no local do despejo depois de este se ter verificado aguardando negociações com o Governo acerca de uma adequada indemnização ou realojamento, explicou: “[E]le [administrador municipal] tem muitas ‘línguas’. Ora diz que o terreno é do [nome de um investidor privado omitido],94 ora diz que é para uma área industrial, ora diz que temos que sair mesmo que isso é do Estado.”95

Aviso prévio insuficiente

Embora o direito internacional não prescreva um prazo concreto para aviso prévio dos despejos, o Relator Especial da ONU sobre Alojamento Suficiente recomendou a existência de um prazo mínimo de 90 dias antes do realojamento.96 O prazo geral previsto na lei angolana para a notificação aos indivíduos de quaisquer decisões da administração pública é de, no mínimo, oito dias.97

Na maioria dos despejos investigados pela Human Rights Watch e SOS Habitat, o Governo não efectuou qualquer notificação formal antes da chegada dos funcionários municipais e das forças policiais para levar a cabo as operações de despejo. Os bulldozers começaram a demolir as casas e a destruir as colheitas logo que chegaram e sem qualquer aviso prévio. Muitas das vítimas de despejo não estavam presentes quando as suas habitações foram demolidas e quando regressaram a casa encontraram apenas os destroços daquilo que costumavam ser as suas casas:

Quando chegaram não disseram nada; não pediram documentos. Só partiram as casas. Não trouxeram mandato [ordem de tribunal ou autoridade competente] nem tinham enviado notificação.98

Eu fui ao serviço e quando vim tinha a casa partida. Só alguns vizinhos conseguiram salvar a chapa que cobria a casa. Tudo o que estava dentro foi partido…eu reconstruí um abrigo com os restos da casa.99

Nos poucos casos em que as pessoas foram claramente avisadas de que os despejos iriam acontecer e quando, a notificação chegou depois de vários outros despejos terem já ocorrido, não foi emitida por uma autoridade competente ou não foi efectuada com antecedência suficiente. Por exemplo, nas Cambambas, em Fevereiro de 2006, o director do projecto de desenvolvimento naquele local (Nova Vida) deu às pessoas 72 horas para abandonarem os seus terrenos através de um anúncio na Rádio Eclesia.100 Tais anúncios gerais são contrários à obrigação jurídica estabelecida pela legislação angolana de notificar cada indivíduo afectado pelas decisões da Administração. Eles prejudicam também a capacidade das vítimas de despejo para apresentarem queixas individuais de impugnação ou recurso das ordens de despejo, uma vez que não contêm informação suficiente para a preparação de uma petição administrativa ou judicial.

Na Boa Vista, a 20 de Maio de 2004, as pessoas foram oralmente informadas por funcionários municipais de que teriam de sair no dia seguinte: “Eles vinham e diziam que tínhamos que estar preparados...Um dia apareceram uma sexta à tardinha, pelas 18h, a dizer que no dia seguinte às 7h seríamos removidos.”101

No Bairro da Cidadania, em Abril de 2006, pessoas a despejar receberam uma notificação escrita, mas apenas 48 horas antes da data prevista para os despejos. Apenas 12 famílias receberam a notificação, embora quase 300 viessem a ser afectadas pelo despejo. A notificação não definia com precisão o objectivo dos despejos e não incluía uma referência adequada à sua base legal:

Vimos por intermédio da presente, levar para seu conhecimento que, a parcela que ocupa, ilegalmente, constitui reserva do Estado.

Igualmente alertamos ao Exmo. Senhor que o estado pretende levar a cabo o projecto concebido para a mencionada parcela, devendo por este facto, deixa-la livre de pessoas e bens.

Para colmatar a sua necessidade, queremos informar que a Administração Municipal, tem criadas as condições para conceder um outro espaço convista a satisfazer a sua necessidade a Habitação, se voluntariamente retirar-se do já referido espaço, dentro das próximas 48 horas da data da recepção do presente documento.

Findo o prazo referido no parágrafo anterior, esta Administração lançará mão ao expediente contido na lei numero 10/87 e seus regulamentos retirando compulsivamente tudo quanto se encontre erguido no local e sem direito a qualquer outros benefícios.102

Durante todos os despejos em massa documentados pela Human Rights Watch, os funcionários municipais e as forças policiais, quando lhes foi solicitada a apresentação de ordens de despejo emitidas por uma autoridade competente, não forneceram qualquer documento indicando as razões do despejo e designando a autoridade responsável pelo mesmo (vide também a secção sobre a perseguição a activistas de associações cívicas).

Indemnização desadequada

Segundo o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, os Estados Partes no PIDESC deverão assegurar-se de que todo o indivíduo tem direito a uma indemnização adequada por qualquer bem, móvel ou imóvel, que lhe pertença e seja afectado pela ordem de despejo.103 A legislação angolana também obriga o Estado a indemnizar.104 As normas jurídicas internacionais e nacionais não definem com precisão o que constitui uma indemnização “adequada” pelo despejo, ou que forma esta pode assumir. Nos países de direito românico, como Angola, os Governos concedem em geral uma indemnização monetária, uma indemnização em espécie (habitação ou terreno alternativo, material de reconstrução, etc.) ou uma combinação de ambas. Um perito em legislação fundiária angolana confirmou à Human Rights Watch ser prática comum em Angola em termos legais que as autoridades atribuam terrenos ou habitações alternativas em vez de dinheiro como forma de indemnização às famílias despejadas das suas terras ou residências. Este perito observou que o pressuposto subjacente à indemnização é a criação de uma situação tão próxima quanto possível da situação existente antes do despejo.105 Segundo a informação recolhida pela Human Rights Watch e SOS Habitat, na maioria das situações o Governo angolano concedeu algum tipo de indemnização, mas sem a aplicação de um procedimento uniforme para determinar a sua forma ou o seu montante. Contudo, muitas pessoas despejadas não receberam qualquer indemnização:

A gente quer expor a situação. Se o Governo quer o terreno, que indemnize os custos de compra e regularização ou dê outro local decente para viver, onde tenha escola e hospital. Não estamos a exigir este terreno mas o nosso prejuízo; os nossos direitos.106

Nunca teve indemnização, nem uma saca de cimento, nada.107

No dia que vieram partir a minha casa, trouxeram para aqui [para a área de realojamento], nos largaram na chuva e deram 20 pregos.108

Em 2002 eles demoliram as casas além para construir o hospital. A Administração disse que ia indemnizar, mas eu não conheço ninguém que recebeu.109

Quando tiraram da Onga não falaram nada. Chegando aqui [Fubu] disseram que iam dar material [para construção] mas só deram pregos. Nunca recebi indemnização.110

Em vários bairros onde as pessoas despejadas receberam algum tipo de indemnização, estas pessoas descreveram o processo de concessão de tal indemnização como imperfeito, irregular ou injusto: “[e]les contavam que ia ter pouca gente mas afinal havia muita e o dinheiro acabou. Eles começaram a pagar bem mas agora já não pagam que chegue.”111 Testemunhas disseram à Human Rights Watch e à SOS Habitat que as pessoas por vezes receberam dinheiro em envelopes e foram obrigadas a assinar recibos antes de verem o seu conteúdo: “[p]rimeiro mandam as pessoas assinar; quando as pessoas vêem o valor reclamam. Mas eles dizem ‘agora já assinaram.’”112

Pessoas despejadas de Bem-Vindo disseram que apenas cerca de 30 a 35 agricultores, dos 105 afectados pelos despejos neste bairro, tinham recebido algum dinheiro a título de indemnização quando a Human Rights Watch visitou a área em Agosto de 2006. Os que não concordaram com os montantes inicialmente propostos estavam a tentar negociar uma indemnização desde Agosto de 2005 quando funcionários da administração local visitaram pela primeira vez a zona e lhes disseram que o Governo necessitava das suas terras. Em Novembro de 2005, diversas parcelas de terreno tinham sido vedadas sem o consentimento dos camponeses e sem que se tivesse chegado a acordo quanto a uma indemnização. Muitos camponeses e moradores abandonaram entretanto a área, quer porque acabaram por concordar com a indemnização proposta, quer porque estavam desencorajados devido à falta de progressos e às manobras de intimidação, quer ainda porque já não dispunham de acesso às suas terras.113

Em Benfica, Mbondo Chapé e Bem-Vindo, algumas pessoas despejadas que receberam indemnização financeira pela destruição das suas casas ou terrenos consideraram os montantes insuficientes e muito mais baixos do que o valor de mercado que estimavam poder obter pelos seus bens.114 Em Mbondo Chapé e Onga, pessoas despejadas declararam que, no seu bairro, os moradores receberam diferentes quantias em dinheiro a título de indemnização, embora não tenha sido efectuada qualquer avaliação para apurar a dimensão e o valor exactos de cada unidade habitacional ou parcela de terreno.115 Em Bem-Vindo, algumas pessoas despejadas receberam indemnização e outras não – sem qualquer justificação ou critério aparente para a diferença de tratamento:

Ficámos à espera. Quando ele chamou rasgou um papel ao meio e pediu para assinar. Eu não quis assinar sem saber o valor. Era 30.000 kuanza [aproximadamente US$375]. Não aceitei. Quando fui lá para pagarem, já tinham destruído a minha lavra [terra cultivada por camponesa no Mbondo Chape desde 1975].116

O dia 28 era o dia acordado para pagar às pessoas...Deram 11,000 kuanza a 30.000 kuanza às pessoas. As pessoas começaram a se revoltar com os valores...O Sr. [nome omitido] foi ameaçado...A partir dali as pessoas estavam com medo.117

Pessoas despejadas de Cambamba I relataram uma experiência semelhante. Disseram à Human Rights Watch que o projecto habitacional Governo que está a ser desenvolvido naquela área atribuiu indemnização aos moradores inicialmente despejados em 2001, mas não dos despejados em 2004, 2005 e 2006.118 A 18 de Abril de 2006, quando as pessoas estavam a viver em barracas improvisadas há quase um ano e o bairro estava quase todo destruído, o director do projecto enviou dois representantes à comunidade para registar as pessoas despejadas que restavam, alegadamente a fim de garantir o seu realojamento.119 O documento que nomeava estes dois representantes, contudo, nada dizia acerca do objectivo do registo e quando a Human Rights Watch visitou o local novamente, em Dezembro de 2006, essas vítimas de despejo não haviam sido realojadas.

O pessoal da SOS Habitat acompanhou um grupo de pessoas despejadas de Bem-Vindo à administração municipal de Samba a fim de as apoiar no pedido de informação sobre os critérios utilizados para definir os montantes da indemnização. Segundo um colaborador da SOS Habitat, esta foi a reacção do administrador:

O Sr. [nome omitido] disse que o Estado não ia continuar a comprar terra dos camponeses e que os valores concedidos correspondem a uma espécie de reembolso pelo tempo que os camponeses passaram a trabalhar na terra. Não deviam pensar em valores altos...O Sr. [nome omitido] disse que os camponeses podiam ir procurar uma solução onde quisessem, mas deviam saber que o Estado nunca perde nos tribunais e que, na sua capacidade de funcionário público, a lei estava sempre do seu lado.120

Indemnização por via do realojamento ou da reinstalação

No decorrer desta pesquisa, a Human Rights Watch e a SOS Habitat identificaram cinco locais de realojamento e reinstalação disponibilizados pelo Governo: Zangu, Panguila, Sapu, Camama e Fubu.121 A Human Rights Watch entrevistou pessoas despejadas de Onga, Benfica e Boa Vista que haviam recebido habitações ou terrenos alternativos nas áreas de realojamento de Fubu e Panguila.122 Pessoas despejadas de Onga e Benfica disseram à Human Rights Watch que não se tinham querido mudar para Fubu ou Panguila, mas que não haviam tido opção porque as suas casas tinham sido destruídas e não tinham qualquer outro sítio para ir:

As pessoas não queriam vir para cá, foram obrigados porque não tinham para onde ir e tiveram sua casa partida.123

Teve muita gente que disse ‘aqui não tem comida, não tem água, fica longe da estrada’; O que vou fazer aqui? Eles partiram os meus blocos [tijolos], como vou construir outra casa neste sítio?124

Uma mulher despejada da Boavista em Maio de 2005 e realojada em Panguila disse à Human Rights Watch que os moradores não foram informados de que iam para Panguila até depois do despejo e no próprio dia em que foram transportados para o novo local em camiões.125 Duas outras jovens mulheres realojadas no mesmo dia declararam que foi o condutor do camião que lhes disse para onde iam.126 No Bairro da Cidadania, a administração municipal ofereceu aos moradores terrenos vazios em Sapu a título de indemnização, mas só depois de os despejos terem tido lugar e quando confrontada com pessoas despejadas que permaneceram na área em condições de vida muito duras, insistindo na obtenção de condições de reinstalação adequadas.127

Numa reunião com a Human Rights Watch, o Ministro angolano do Urbanismo e Ambiente prestou informação geral sobre unidades habitacionais para pessoas com baixos rendimentos (habitação social) construídas pelo Governo nos últimos anos, algumas das quais foram utilizadas para reinstalar pessoas despejadas de várias áreas de Luanda. Porém, os dados do Ministério não incluíam informação precisa sobre o número total de pessoas despejadas que receberam parcelas de terreno ou habitações a título de indemnização na sequência de despejos das áreas analisadas para este relatório.128

Em alguns dos bairros pesquisados pela Human Rights WatcheSOS Habitat, pessoas despejadas declararam que funcionários do governo local chegaram à zona e recolheram alguma informação sobre as famílias, as respectivas datas de chegada e instalação na área e o número de moradores do bairro. Em muitos destes casos, os funcionários deram aos moradores uma ficha com um número e muitas vezes disseram-lhes que tais fichas tinham sido escritas com vista à atribuição de uma indemnização.129 Porém, esses funcionários não forneceram qualquer outra informação nem consultaram os moradores sobre os montantes da indemnização ou sobre possíveis locais de realojamento. As pessoas despejadas declararam que, muitas vezes, os funcionários nunca regressaram ao bairro, disseram continuamente às pessoas para esperar ou simplesmente interromperam o processo quando perceberam que os moradores não concordavam com os montantes de indemnização ou as áreas de realojamento propostas.130

Ausência de determinação dos direitos dos moradores

Nos despejos em massa pesquisados pela Human Rights Watch e SOS Habitat, o Governo não determinou se as pessoas tinham qualquer título formal ou outro direito legal à terra antes de as despejar.

Uma pessoa despejada de Talatona disse às duas organizações que “o Governo nunca pediu documento, não importava se as pessoas tinham documento ou não, só disseram que o Governo precisava da terra.”131 Pessoas despejadas de Gaiolas, Soba Kopassa e Fubu disseram-nos que isto sucedeu também nos seus bairros: “Eles enxotaram quem tinha e quem não tinha documento. Nunca perguntaram.”132

Para além de ser ilegal, também não é razoável fazer depender os devidos procedimentos de expropriação e indemnização da existência de títulos formais numa cidade onde a informalidade é tão predominante e onde o Governo não garante há décadas um mecanismo de registo predial eficaz e acessível. (Vide mais adiante a secção relativa à segurança da posse.)

Despejos repetidos das mesmas áreas

No período compreendido entre 2002 e 2006, muitas áreas habitacionais de carácter informal testemunharam despejos repetidos em diferentes momentos. Muitas famílias, que não tinham para onde ir após as primeiras operações de despejo e reconstruíram os seus abrigos na mesma área, foram novamente despejadas mais tarde.

Nos bairros das Cambambas, Banga We e 28 de Agosto, os moradores já enfrentaram seis operações de despejo; no Bairro da Cidadania os moradores enfrentaram cinco operações de despejo. Estes bairros foram completamente demolidos, mas algumas das pessoas despejadas permanecem nas áreas aguardando um realojamento adequado:

Eles vieram seis vezes partir as casas. Eles vêm sempre com armas na mão. A polícia vem. Teve tiros. Tem tiros todas as vezes.133

Moradores em diferentes partes de Maria Eugénia Neto foram sujeitos a despejos e demolições em cinco momentos diferentes e a maioria reconstruiu as suas casas com os seus próprios meios. O bairro de Benfica viveu quatro despejos e foi completamente desocupado.

Soba Kopassa experimentou demolições por três vezes e a maioria dos moradores reconstruiu as suas casas desde o último despejo em Setembro de 2005. Uma pessoa despejada de Soba Kopassa partilhou a sua experiência com a Human Rights Watch:

Eles partiram tudo, mas as pessoas não tinham para onde ir, então fizeram de novo casas com chapa...Em Junho 2005 eles vieram outra vez; sem aviso, sem mandato [ordem de tribunal ou de autoridade competente], chegaram partindo tudo...A gente queixou-se a muita gente...à Rádio Eclésia, ao governo provincial, aos políticos, ao Presidente...Acho que é por isso que eles não voltaram desde a última vez. Eu ainda estou aqui a viver, numa casa de chapa com os meus filhos.134

As pessoas permanecem em alguns dos locais de despejo ou regressam aos mesmos pouco tempo depois porque não têm outro sítio para onde ir e muitas vezes os terrenos de onde foram despejadas continuam sem serem utilizados. Por exemplo, em Soba Kopassa e no Bairro da Cidadania, as pessoas foram despejadas respectivamente para o alargamento de um hospital público e para a criação de uma zona industrial, não tendo nenhum dos dois projectos sido levado a cabo até ao momento em que o presente relatório foi escrito. O Governo podia ter esperado até ao início da construção para despejar legalmente as pessoas e usado esse tempo para as consultar e explorar alternativas adequadas para o seu realojamento.

A repetição dos despejos torna evidente que o apoio prestado pelo Governo às pessoas imediatamente após o despejo não foi adequado – se o Governo tivesse concedido uma indemnização apropriada ou, pelo menos, abrigo de emergência imediatamente depois de um despejo, as pessoas não teriam provavelmente voltado a viver em abrigos improvisados sitos em locais de onde já tinham sido despejadas (vide infra a secção relativa a um abrigo inadequado depois dos despejos).

Consequências dos despejos

Abrigo inadequado imediatamente depois dos despejos

As normas internacionais de direitos humanos afirmam claramente que os despejos não devem levar as pessoas a ficar sem abrigo nem torná-las vulneráveis à violação de outros direitos humanos.135 O Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU esclareceu que “[c]aso os afectados sejam incapazes de prover às suas necessidades, o Governo deverá tomar todas as medidas apropriadas … para assegurar a disponibilização de uma adequada habitação alternativa, reinstalação ou acesso a terrenos produtivos, conforme o caso.”136 Em muitas das situações estudadas pela Human Rights Watch e SOS Habitat, os despejos resultaram em privações e em alguns casos deixaram as pessoas sem abrigo. Uma pessoa despejada disse à Human Rights Watch:

Eram umas 300 e tal famílias. Vieram [para o local de realojamento] por etapas. Alguns foram trazidos por camião; outros tiveram que alugar carro. Alguns tiveram as casas partidas e viveram ao relento por um mês até vir [para] aqui. As pessoas não queriam vir para cá, foram obrigadas porque não tinham para onde ir.137

Não estava aqui quando destruíram a lavra. Não sobrou nada...Não tem como comer, onde trabalhar. Quem vai me dar emprego com esta idade?138

Em Cambamba I e II, a Human Rights Watch visitou pessoas despejadas que, na sequência dos despejos repetidos de 2004, 2005 e 2006 (o último dos quais a 13 de Março de 2006), viviam em abrigos improvisados construídos com plásticos velhos e materiais recuperados dos destroços das demolições. Os pesquisadores da Human Rights Watch visitaram a área das Cambambas três vezes no ano de 2006 juntamente com activistas da SOS Habitat. Durante uma visita em Abril de 2006, duas mulheres despejadas de Cambamba II disseram-nos “[a] gente não tem para onde ir, então ficamos aqui à espera.”139 Em Agosto de 2006, a Human Rights Watchtestemunhou as condições precárias em que as pessoas ainda viviam durante a estação fria em Angola. Nesse momento, mais de 100 famílias esperavam ainda por uma decisão do Governo a respeito da indemnização ou de um realojamento alternativo para as famílias afectadas. Quando a Human Rights Watch visitou novamente o local em princípios de Dezembro de 2006, a situação não se tinha alterado. O Governo não havia proporcionado qualquer abrigo de emergência ou assistência a estas famílias.

Pessoas despejadas de Cambamba II vivendo em barracas depois de uma série de operações de despejo em que demoliram as suas residências originais. © 2006 Paula Martins/Human Rights Watch

O governo provincial deu parcelas de terreno vazias em áreas de realojamento a algumas pessoas despejadas de Onga. Estas pessoas afirmaram não terem recebido quaisquer materiais de construção para construir novas casas a fim de substituir as que foram destruídas, ou para a construção de abrigos de emergência. Viveram em barracas durante meses enquanto poupavam dinheiro para a construção:

O Fubu estava loteado no capim. Estaquearam e puseram as pessoas aqui. Não deram material nenhum. Construímos abrigos e só agora – pode ver a construção – estamos a construir casas de bloco.140

Pessoas despejadas de Benfica disseram-nos que, após o seu primeiro despejo em Setembro de 2002, funcionários do governo local levaram-nas para uma parcela de terreno sito não muito longe do seu local de residência original. Alguns dias mais tarde, pessoas que se diziam proprietárias deste novo terreno disseram às vítimas de despejo para se irem embora porque estavam em propriedade privada. As pessoas despejadas regressaram ao local original do despejo pelos seus próprios meios e foram novamente despejadas mais tarde:

Eles [funcionários do Governo] tiraram a gente e nos puseram num deserto - era umas lavras que pertencia a outra gente. Fomos para lá numa Quarta e no Sábado os donos da terra apareceram para nos mandar embora. Eles disseram “vocês têm que sair em 24 horas. Se não saírem a bem saem a mal.” Tivemos que pagar carros para voltar [para o local de onde tinham sido expulsos inicialmente].141

Quando a Human Rights Watch visitou o Bairro da Cidadania em Abril de 2006, um pequeno grupo de pessoas despejadas do bairro tinha aceitado uma oferta do Governo de terrenos vazios em Sapu a título de indemnização. A Human Rights Watch não realizou entrevistas em Sapu mas visitou o local, que ficava muito distante e isolado da estrada principal para o centro de Luanda. As pessoas viviam aí em barracas improvisadas e não existia fornecimento de água nem saneamento básico. Os despejados que permaneceram no Bairro da Cidadania para tentar negociar com as autoridades locais com vista à obtenção de um melhor local de realojamento a título de indemnização pelo seu despejo não receberam qualquer auxílio de emergência. Quando a Human Rights Watch e a SOS Habitat efectuaram uma visita em Abril de 2006, viviam em barracas feitas com destroços das suas antigas casas. Quando a Human Rights Watch visitou novamente o mesmo local em Agosto de 2006, as pessoas despejadas tinham sido mudadas algumas centenas de metros mas o seu alojamento era o mesmo.

Impacto no acesso ao emprego, aos cuidados de saúde e à educação

Na sua maioria, os indivíduos entrevistados pela Human Rights Watch que foram realojados haviam sido despejados de áreas no extremo sul da cidade e reinstalados na parte norte, a vários municípios de distância.142 A distância média entre o local de residência inicial e o local de realojamento era superior a 30 quilómetros, o que afectou o acesso das pessoas despejadas aos seus empregos, aos cuidados de saúde e à educação.

Uma pessoa despejada de Benfica e realojada em Panguila disse à Human Rights Watch que ainda hoje pode demorar três horas a chegar ao trabalho em Benfica.143 A mulher disse que, inicialmente, os transportes públicos só funcionavam em Panguila das 6 da manhã às 4 da tarde. Outra pessoa despejada disse à Human Rights Watchque, quando chegou a Panguila, saía do trabalho pouco depois das 6 da tarde e só chegava a casa cerca da meia-noite, porque a essa hora os candongueiros (transportes públicos informais em Luanda) não serviam Panguila.144

Duas jovens despejadas da Boavista disseram-nos que a sua irmã mais velha perdeu o seu emprego após a reinstalação em Panguila uma vez que não conseguia chegar tão cedo quanto o exigido pelo empregador, também devido à distância e à falta de transportes.145 Uma rapariga despejada actualmente a viver em Panguila disse-nos que o seu pai também teve de procurar outro emprego após o realojamento em Benfica na sequência dos despejos. A sua mãe ainda trabalhava em Benfica, mas tinha de lá ficar a dormir vários dias com outros familiares uma vez que era demasiado distante e tornava-se difícil vir a casa todos os dias.146 O acesso aos transportes nas áreas de realojamento visitadas pela Human Rights Watch melhorou (por exemplo, actualmente os autocarros servem Panguila até às 7 da tarde), mas os moradores destas áreas ainda se queixam de que não há autocarros suficientes ou de que deixam de funcionar demasiado cedo.

As pessoas despejadas que foram realojadas em Fubu foram instaladas numa área que dista em mais de um quilómetro da estrada central para Luanda, servida pelos transportes públicos.147 Muitas disseram-nos que, quando foram realojadas, nem mesmo os candongueiros serviam a área.

As mulheres foram particularmente afectadas pela interrupção de actividades geradoras de rendimentos como a venda de bolos e pipocas caseiros e de legumes cultivados nos quintais, em mercados próximos:148

Quando vivia na Onga trabalhava no mercado de lá, a vender. Aqui, não tem nada. As pessoas não compram nada e não tem mercado aqui perto.149

Lá eu costumava vender água para viver; eles partiram o meu tanque e não me pagaram nada.150

Uma percentagem significativa de mulheres vítimas de despejo entrevistadas pela Human Rights Watch era chefe de família; muitas delas eram viúvas que perderam os seus maridos durante a guerra civil:

Tinha muitas viúvas e não tínhamos marido para discutir com eles. Ali havia muita mães solteiras e acho que foi por isso que não nos deram atenção...quem está a sofrer somos nós – as mães solteiras que não têm apoio.151

Em Panguila, não existiam centros médicos em funcionamento quando o primeiro grupo de pessoas despejadas chegou, em Março de 2003. Mesmo hoje, os moradores de Panguila e especialmente de Fubu têm de percorrer uma longa distância (20 quilómetros no caso de Fubu) para chegar ao hospital mais próximo. Os centros médicos mais perto são privados e cobram pelos tratamentos.

Aqui não tem hospital...é um problema sério. As pessoas não podem viver sem hospital. As coisas estão mal. Aqui, para chegar ao hospital, só na Maria Pia [noutro município]. Quando lá chega já vai morto!152

Em alguns casos, o acesso das crianças à educação foi também perturbado devido aos despejos. Em certas situações não estavam disponíveis escolas nos locais de realojamento quando as pessoas despejadas se mudaram para lá. A distância e a falta de transportes tornavam difícil o acesso a escolas noutras áreas. Aquando da visita da Human Rights Watch, os locais de realojamento de Panguila e Fubu só dispunham de escolas primárias. Os adolescentes do ensino médio tinham de caminhar diariamente durante duas horas para chegar à escola.

O Governo não está preocupado se tem escola no bairro – este povo não pode ficar sem ler e escrever – então a igreja católica decidiu abrir aqui uma escola. Mas nada do governo. A empresa de urbanização pôs além uma escola, mas isso foi só há dias. Quando cá chegámos não tinha nada.153

Duas jovens realojadas da Boavista para Panguila contaram à Human Rights Watch as dificuldades que ainda enfrentam para ir e voltar da escola no centro de Luanda:

Fazemos por etapas. Daqui ao Cacuaco e do Cacuaco a Luanda...Quando regressamos depois da escola, os candongueiros só passam até às 20h e os autocarros até às 19h. Às vezes, quando chegamos ao Cacuaco já não há autocarros. Os candongueiros também são um problema. Às vezes não há candongueiros, então temos de ir à boleia. Chegamos aqui pela vontade de Deus. Temos que ver se há alguém conhecido para dar uma boleia. Senão é um problema.154

Esta situação representa um risco potencial para estas jovens mulheres, que têm de caminhar sozinhas no escuro e por vezes atravessar áreas isoladas numa cidade marcada pela criminalidade. A falta de transportes pode tornar estas raparigas vulneráveis a ataques e abusos, incluindo violência sexual.

Em Cambamba I duas pessoas despejadas disseram à Human Rights Watch que não puderam enviar os seus filhos para a escola durante mais de um ano. Tentaram matricular os seus filhos na escola pública mais próxima situada no projecto habitacional Nova Vida (desenvolvido nos terrenos de onde foram despejadas), mas o conselho directivo da escola não permitiu que o fizessem. Hoje, estas crianças frequentam escolas muito distantes:

Fui lá [à escola no projecto Nova Vida] o ano passado no acto da matrícula. Ia matricular três. Me disseram “aqui só pode estudar quem pertence ao projecto Nova Vida, vocês que pertence ao bairro das casas partidas não pode”. Conversei com a Directora da escola… Ela disse que o director do projecto Nova Vida disse “das casa demolidas não”. A minha vizinha F.F. também tentou e disseram o mesmo”…[As crianças] vão a pé para a escola. Leva uma hora e tal. Lhes deixo lá para poderem voltar. Vêm sozinhos mas de manhã não conseguem ir porque a via está cheia de moços que ameaçam as crianças. Então eu vou levar e volto para trabalhar.155

Fui lá com 5 crianças e tinha que se falar com ao directora [da escola]. Disseram “nós não estamos orientados para receber criança que veio desse bairro demolido” e eu disse “o que eu vou fazer agora?” Agora estão numa escola a 4Km. Um de 6, um de 8, uma de 9, um de 12 e uma de 14…Vão a pé para a escola e demora uma hora. Às vezes sozinhos, às vezes tentamos de acompanhar quando está de folga, senão vão sozinhos.156

Protecção contra as Desocupações Forçadas: Segurança da Posse

Os Estados Partes devem […] tomar imediatamente medidas destinadas a garantir a segurança jurídica da posse às pessoas e agregados familiares que careçam actualmente de tal protecção, em consulta genuína com as pessoas e grupos afectados.157

A segurança da posse da terra confere aos moradores claros direitos jurídicos face ao Governo ou aos sujeitos privados com reivindicações concorrentes sobre os terrenos. Caso ocorram despejos, direitos claros sobre a terra colocam os moradores numa posição mais forte para negociar condições razoáveis para a desocupação das suas casas ou terrenos e para a obtenção de uma indemnização adequada. O Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais considera que, independentemente do tipo de posse, todas as pessoas deverão beneficiar de algum grau de segurança da posse que lhes garanta uma protecção jurídica contra as desocupações forçadas, a perseguição e outras ameaças.158

Nos casos estudados pela Human Rights Watch e SOS Habitat, a insegurança da posse fez com que os moradores ficassem particularmente vulneráveis a desocupações forçadas. Nestes casos, a insegurança da posse resultou de três factores principais: legislação fundiária desadequada e falta de informação pública sobre os direitos fundiários e as políticas de urbanismo; procedimentos de registo inadequados; e uma consequente falsa noção de segurança da posse por parte dos moradores.

Legislação fundiária desadequada e falta de informação pública sobre os direitos fundiários e as políticas de urbanismo

O enquadramento jurídico dos direitos reais em Angola que tem estado em vigor desde a independência é complexo e confuso. Os juristas e especialistas em direitos reais em Angola têm vindo a sublinhar esta situação:

É caótica a situação global nacional da identificação dos direitos que efectiva e regularmente incidem sobre os terrenos, gerada por múltiplos factores ocorridos no Pós-Independência, designadamente, pela sobreposição de direitos reais sobre a mesma coisa, incluindo os do Estado, por via de nacionalização ou confisco, ou da evolução de diferentes regimes e direitos concedidos implementados desde a I República, agravados pelo estado de desactualização senão mesmo vazio dos registos prediais que não retratam as situações reais.159

Depois de 1975, a propriedade privada estabelecida ao abrigo das leis coloniais e não nacionalizada ou confiscada foi respeitada, mas os indivíduos deixaram de poder adquirir novos direitos de propriedade privada.160 Em vez disso, foram-lhes concedidos direitos de “superfície” ou de “posse” (direito de uso e exploração) sobre os terrenos propriedade do Estado, incluindo terrenos que haviam sido nacionalizados ou confiscados.161 A posse era – e ainda é – protegida por lei, na medida em que mesmo os possuidores de má fé (os que sabiam que a terra que ocupavam pertencia a outrem) têm direito a indemnização pelas despesas realizadas com benfeitorias necessárias em caso de despejo pelo legítimo proprietário. Adicionalmente, as pessoas na posse de bens durante um prazo alargado (cinco a 20 anos, dependendo das circunstâncias em que se estabeleceu a posse) podem adquirir direitos de propriedade sobre um terreno.162

A Lei Constitucional aprovada em 1992 declarou que “[o] Estado respeita e protege a propriedade das pessoas… e a propriedade e a posse da terra pelos camponeses.”163 Porém, declarou também que “[a] terra … constitui propriedade originária do Estado.” O significado exacto desta disposição nunca foi esclarecido e os especialistas em direitos fundiários em Angola interpretam-na actualmente de formas diferentes.164 A primeira Lei da Terra de uma Angola independente, também aprovada em 1992, reconhecia as ocupações e concessões de terra anteriores à sua entrada em vigor, tanto antes como depois da independência.165 Porém, esta lei dizia sobretudo respeito aos terrenos rurais. A ocupação de áreas urbanas permaneceu essencialmente não regulada até 2004, quando o Governo aprovou a nova Lei de Terras166 e a Lei do Ordenamento do Território.167

Estas duas leis proporcionam um enquadramento global para a concessão, aquisição e exercício de direitos fundiários nas áreas urbanas e rurais mas, até agora, não foram efectivamente aplicadas. O Governo demorou vários anos a aprovar os seus regulamentos gerais de aplicação.168 Não aprovou também até agora outra regulamentação mais específica exigida por estas leis e susceptível de proteger as pessoas contra as desocupações forçadas.169 Finalmente, o Governo não elaborou os planos urbanísticos exigidos por lei que deviam definir os terrenos reservados pelo Estado e as áreas destinadas a actividades residenciais, comerciais, industriais ou outras.170

Em alguns centros urbanos como Luanda, foram aprovados e aplicados instrumentos de planeamento alternativos em substituição dos planos urbanísticos. Contudo, tais instrumentos não respeitam as normas consagradas na legislação em matéria de ordenamento territorial e não envolveram a consulta aos moradores das áreas abrangidas nem foram amplamente divulgados junto destes últimos. Na maioria dos casos estudados pela Human Rights Watch e SOS Habitat, as pessoas despejadas tinham ouvido rumores sobre os projectos a desenvolver nas suas áreas de residência, mas não receberam informação coerente e exacta das autoridades públicas, especialmente antes dos despejos.171

Finalmente, Angola não adoptou legislação específica enunciando como e quando as desocupações forçadas podem ser legalmente efectuadas. Isto significa que quando tiveram lugar os despejos documentados no presente relatório, não estavam definidas por lei as condições em que a administração central e local ou os sujeitos privados (ou ambos em associação) podiam levar a cabo tais operações. Na ausência de tal legislação, as normas que permitem avaliar se os despejos foram ou não legais são as normas consagradas nas leis e regulamentos relativos à gestão de terras e ao ordenamento territorial e nas disposições gerais em matéria de procedimento administrativo acima descritas, que não foram observadas nos despejos analisados neste relatório.

Em resultado desta complexa situação jurídica, as pessoas não conseguem saber com certeza em que locais se podem legalmente instalar para fins de residência ou outros. Não se pode, por isso, presumir que ocupavam ilegalmente (nem, na verdade, que sabiam que ocupavam ilegalmente) os terrenos de onde foram despejadas. As acções do Governo, contudo, indicam que ele presume que as pessoas estão a ocupar os terrenos ilegalmente e que não apura se isto é de facto assim em cada caso concreto. As pessoas afectadas também não sabem exactamente que direitos têm, ou o que o Governo pode legitimamente fazer para prosseguir os seus objectivos. A sua posse da terra é inevitavelmente insegura, o que pode levar a violações de direitos humanos como as que ocorreram no contexto das desocupações forçadas acima documentadas.

Ineficácia dos mecanismos de registo predial

Para além da confusão e sobreposição da legislação acima referida, o sistema de registo predial em Angola esteve basicamente inactivo durante o período da guerra devido a escassez de recursos humanos, materiais e financeiros.

A prática em Angola no passado demonstra que o processamento dos pedidos de regularização pode ser uma tarefa muito difícil.172 A Lei da Terra de 1992 estabeleceu um prazo de regularização da posse informal da terra, mas o Governo não conseguiu levar a bom porto esta tarefa – sobretudo por causa da guerra, mas também devido a insuficiência de recursos e ao facto de a população não estar suficientemente informada sobre esse processo.173

Estima-se que as áreas informais de Luanda abrangem actualmente cerca de 400,000 agregados familiares.174 Uma análise dos processos oficiais levada a cabo por uma organização angolana que trabalha no domínio das questões fundiárias sugere que apenas cerca de cinco por cento dos pedidos de regularização apresentados por indivíduos ao Governo em 2005 foram devidamente tramitados.175 Os restantes 95 por cento não foram processados devido à escassez de recursos materiais, humanos e financeiros. O Governo angolano está consciente desta situação. Segundo Sita José, Ministro do Urbanismo e Ambiente:

Aqui na província de Luanda há uma certa lentidão em responder aos pedidos de regularização. As pessoas acabam por construir [independentemente da autorização].176

O Ministro reconheceu que outros problemas tornaram também difícil o processo de regularização:

Os instrumentos de planeamento consagrados na Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo ainda não estão completos. Na ausência destes instrumentos, é difícil autorizar o registo [de propriedade].177

Da perspectiva de um privado que pretenda obter um título formal, o processo parece dispendioso—outra barreira para os pobres:

Dependendo do terreno não é fácil legalizar. Financeiramente, não tenho possibilidades. Tem que se pagar mas nunca sabemos se vamos ter resposta.178

Não é fácil ter o título do terreno; tem muita despesa e muita espera.179

Nos despejos em massa pesquisados para este relatório em que as pessoas foram realojadas pelo Governo, estas pessoas não receberam qualquer título ou protecção formal da nova terra ou habitação, deixando-as vulneráveis a novos despejos. Pessoas despejadas de Benfica e realojadas em Panguila disseram à Human Rights Watch que o Governo destruiu as casas que tinham construído com as suas poupanças e recursos e lhes concedeu uma habitação alternativa da qual são apenas locatárias.180 Em Fubu, pessoas despejadas disseram ter recebido um cartão de reinstalação, mas este cartão nada dizia acerca do estatuto jurídico do terreno ou habitação ou dos seus direitos sobre o mesmo. Alguma pessoas despejadas possuidoras de tais cartões tiveram problemas com funcionários da administração local, que chegaram e lhes disseram que não podiam construir nos terrenos onde haviam sido realojadas.181

A Lei de Terras de 2004, que entrou em vigor a 7 de Fevereiro de 2005, trata dos problemas acima descritos estabelecendo um prazo de três anos para a regularização da posse não titulada de terrenos.182 Isto significa que o Governo, reconhecendo o grau esmagador da informalidade da ocupação da terra, bem como as suas próprias limitações para assegurar o registo predial no passado, decidiu ser necessário definir um período específico dentro do qual os cidadãos pudessem regularizar a sua situação. Porém, muitos dos despejos documentados neste relatório foram levados a cabo depois da promulgação da Lei de Terras, mas antes da introdução dos seus regulamentos de aplicação, de formas que contrariam a intenção potencialmente protectora deste diploma. Embora este facto possa não ter sido tecnicamente ilegal, sugere ainda assim má fé e um desrespeito pelos direitos dos pobres.

De forma igualmente significativa, a Lei da Terra estabelece um prazo para a regularização, mas não define as responsabilidades do Governo de assegurar a) que consegue efectivamente aplicar a lei e, b) que as pessoas terão na prática uma oportunidade genuína para legalizar a sua situação. A não definição destas responsabilidades levanta a preocupação de que, após expirado o prazo de três anos, venham a ter lugar despejos forçados sob o disfarce de uma aparente legalidade - porque os indivíduos não regularizaram os seus terrenos - sem que o governo tenha, na realidade, disponibilizado recursos suficientes ou estabelecido procedimentos adequados para garantir que tem capacidade para promover e processar os pedidos de regularização. Esta preocupação é agravada pelo facto de, no passado, o Governo não ter garantido a existência de capacidade suficiente para processar todos os pedidos de regularização.

Segundo a Lei de Terras, cada pessoa tem o ónus de solicitar a regularização. Se, decorrido o prazo de três anos, os indivíduos não tiverem apresentado às autoridades um pedido de regularização, o Governo está autorizado a utilizar meios judiciais ou a recorrer à força para obter os terrenos que ocupam.183 Este recurso à força (acção directa) compreende: (a) a “apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa”; (b) a “eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito [do Estado sobre o terreno]”; e (c) outro “acto análogo”. Estas medidas não só estão formuladas em termos vagos e pouco claros, como a sua utilização está subordinada a apenas duas condições: a acção tem de ser “indispensável” para evitar a inutilização prática do direito [do Estado sobre a terra] e não pode exceder o “necessário” para evitar prejudicar esse direito.184 Isto significa que, após o período de três anos, o Estado ficará autorizado, por lei, a usar a força para despejar as pessoas numa situação de ocupação não titulada com sujeição a um conjunto mínimo de condições que não reflectem as salvaguardas exigidas pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e acima descritas neste relatório.

O impacto desta medida não pode ser subestimado, dado que a maioria da população de Luanda vive em áreas informais:

Isto [período de regularização de três anos] vai afectar a maioria da população de Luanda. É uma espécie de criminalização dos pobres. Talvez não tenha sido essa a intenção, mas é assim.185

Para dar conteúdo prático ao princípio da segurança da posse, o Governo angolano deve adoptar medidas concretas e eficazes para registar durante o período de três anos os terrenos actualmente em situação de posse informal, e deve garantir que os procedimentos de regularização continuem a estar disponíveis depois de expirado esse prazo. Se isto não for feito, o prazo de regularização resultará na prática num aumento da insegurança da posse, deixando muitos dos residentes de Luanda vulneráveis a desocupações forçadas.

Falsa noção de segurança da posse por parte dos moradores das áreas informais

Tal como mencionado mais acima neste relatório, devido à situação dos bens imobiliários (propriedades) imediatamente após a independência, a ocupação informal ou não titulada de terrenos e casas tornou-se uma forma comum de posse em Luanda. A deslocação de populações durante a guerra fez com que esta situação se generalizasse.186 Isto não significa, porém, que as pessoas tivessem necessariamente noção de que a sua posse era insegura. Recibos de transacções informais de terrenos ou casas, pagamento de licenças de construção ou outras taxas a funcionários municipais e a ocupação de longa duração sem oposição das autoridades levaram muitos moradores a acreditar que estavam legalmente instalados nos terrenos que ocupavam.187

Em Maria Eugénia Neto, vítimas de despejo disseram à Human Rights Watch e SOS Habitatque “[e]m Março de 2002 eles vieram ao bairro e pediram para organizar o bairro e fazer o pedido de legalização. Nós fizemos já em 2002.”188 Pessoas despejadas do Bairro da Cidadania disseram que ainda em 2004 compraram terrenos a funcionários municipais ou seus representantes, por isso acreditavam que a sua instalação na área era legal. Mais tarde vieram a ser informados de que esta venda fora ilegal porque os funcionários que cederam os terrenos não tinham competência para o fazer.189

Nas Cambambas, representantes do projecto Nova Vida disseram aos moradores, durante a primeira fase do projecto (que acabou em Novembro de 2005), que a área que ocupavam não era necessária ao Estado e que, se o Governo necessitasse das suas terras, viria e falaria com eles. Depois disso, funcionários públicos vieram para os despejar e demoliram as suas casas sem qualquer discussão ou aviso prévio.190

Até ser confrontada com as desocupações forçadas, a maioria dos moradores das áreas informais não acredita ter necessidade de obter um registo formal ou a titularidade dos terrenos para garantir a sua posse. Devido a legislação e procedimentos de registo inadequados e à falta de informação pública sobre os mesmos, os moradores não sabem muitas vezes o que devem fazer para registar os terrenos ou que devem registar direitos fundiários que tenham adquirido ao longo dos anos.191 Uma mulher de 47 anos despejada de Mbondo Chapé disse à Human Rights Watch que não registou o terreno que ocupava e cultivava há mais de 20 anos porque não sabia que podia ou devia fazê-lo. Sabe agora que tem de contactar as autoridades locais, mas não sabe exactamente onde ir ou o que fazer.192

Embora nos despejos em massa analisados neste relatório os casos em que existiam previamente registos e títulos prediais formais constituam uma excepção, diversas pessoas despejadas disseram à Human Rights Watch que tinham documentos que provavam terem pedido autorização para a construção de habitações ou a regularização de habitações existentes.193 Segundo as Normas do Procedimento e da Actividade Administrativa de Angola, quando tais pedidos são apresentados às autoridades centrais ou locais por um cidadão e não lhes é dada resposta no prazo de 90 dias, estes consideram-se tacitamente deferidos.194 Nesta conformidade, qualquer pessoa que tenha apresentado tal pedido às autoridades e não tenha recebido resposta dentro desse prazo teve, com efeito, a sua ocupação autorizada pelo Governo. Estas pessoas podem legitimamente esperar ter uma certa segurança da posse que as proteja contra as desocupações forçadas. Porém, esta noção de segurança da posse é destruída quando o Governo procede ao despejo de pessoas sem verificar se elas apresentaram tais pedidos. Por exemplo, os moradores do Bairro da Cidadania apresentaram pedidos de regularização da sua ocupação. Entre Fevereiro e Abril de 2005, cerca de 290 pessoas apresentaram requerimentos individuais ao governo da província de Luanda. Até Junho de 2006, nenhum tinha tido resposta, mas o governo ainda assim efectuou desocupações forçadas nesta área em 2005 e 2006.195

Em Talatona, Bem-Vindo, Gaiolas e Rio Seco, os planos iniciais para o despejo de camponeses foram suspensos uma vez que estes se queixaram. As associações de camponeses e comissões de moradores destas áreas estão a tentar negociar condições adequadas de realojamento e indemnização com as autoridades locais e os representantes dos projectos de desenvolvimento dessas zonas, mas aguarda-se ainda uma solução final. Em Wengi Maka, o projecto de construção anunciado para a área não foi iniciado e as pessoas que continuam no local encontram-se em risco de novos despejos quando começarem os trabalhos de construção. Se a actuação do Governo não se alterar significativamente em relação às práticas documentadas no presente relatório, os projectos de reconstrução e desenvolvimento destinados a abranger zonas informais terão provavelmente como consequência novas desocupações forçadas em Luanda.




38 Embora não existam estatísticas ou dados fidedignos sobre o número exacto de pessoas despejadas em cada uma das desocupações forçadas analisadas para este relatório, a Human Rights Watch documentou pelo menos 18 operações de despejo que afectaram mais de 100 pessoas. A Human Rights Watch documentou também muitos despejos em menor escala que tiveram lugar nas mesmas áreas durante o período abrangido (2002-2006) e que foram também incluídos no presente relatório.

39 Entrevista da Human Rights Watch a B.C., pessoa de 78 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006. Os nomes de todas as vítimas de despejo e de algumas testemunhas citadas neste relatório foram alterados a fim de proteger a sua privacidade e impedir eventuais retaliações.

40 Entrevista da Human Rights Watch a R.J., pessoa de 66 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 10 de Agosto de 2006, sobre despejos ocorridos em 2005 e 2006.

41 Entrevista da Human Rights Watch a K.B., pessoa de 42 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006.

42 Entrevista da Human Rights Watch a R.R., pessoa de 24 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 10 de Agosto de 2006.

43 As vítimas de despejo denunciaram casos de violência policial nas operações de despejo que tiveram lugar em Cambamba I e Cambamba II a 9 de Setembro de 2004, 24 de Novembro de 2005 e 13 de Março de 2006; em Soba Kopassa em Junho de 2005, ulteriormente prosseguidas em Agosto, Setembro e Outubro de 2005; no Bairro da Cidadania a 9 de Setembro de 2004, 10 de Outubro de 2004, 26 de Setembro de 2005 e 5 de Maio de 2006; em Benfica a 9 de Setembro de 2002, 19 de Março de 2003 e 22 de Maio de 2006; em Wengi Maka a 4, 5 e 10 de Dezembro de 2003 e a 21 de Junho de 2004.

44 Entrevista da Human Rights Watch a H.J., pessoa de 22 anos despejada de Cambamba II, Luanda, 29 de Julho de 2006. Muitas vítimas de despejo disseram à Human Rights Watch que lhes bateram com catanas. Todas explicaram que foi utilizada a parte plana/lateral da catana, nunca a lâmina.

45 Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Adoptados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, Havana, 27 de Agosto a 7 de Setembro de 1990, documento das Nações Unidas A/CONF.144/28/Rev.1 a p. 112 (1990).

46 Entrevista da Human Rights Watch a M.M., pessoa de 57 anos despejada de Cambamba II, Luanda, 29 de Julho de 2006.

47 O Hospital Geral Especializado de Kilamba Kiaxi emitiu um relatório médico dirigido às Nações Unidas e à SOS Habitat a 18 de Abril de 2006, confirmando que esta criança foi atingida por uma bala no joelho esquerdo que lhe provocou um ferimento no tecido muscular (cópia nos arquivos da Human Rights Watch e SOS Habitat).

48 Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas em Angola, Nota Informativa, “Desocupações e demolições forçadas de casas em Luanda, município de Kilamba Kiaxi (Bairro Cambamba I e II) a 13 de Março de 2006” (Nota Informativa, “Desocupações forçadas em Luanda”).

49 Entrevista da Human Rights Watch a R.W., pessoa de 28 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006.

50 Entrevista da Human Rights Watch a C.L., pessoa de 34 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006.

51 Entrevista da Human Rights Watch a V.L., pessoa de 25 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006.

52 Em entrevistas com a Human Rights Watch, muitas vítimas de despejo geralmente identificaram os autores de violência como agentes policiais. Porém, quando interrogadas sobre se os autores usavam farda, diversas vítimas afirmaram terem visto presentes homens com três fardas diferentes: agentes policiais com farda azul escura (Polícia de Intervenção Rápida) ou farda azul oceano (Polícia de Segurança Pública), ambas pertencentes à Polícia Nacional, bem como homens com fardas verdes usadas pela empresa de segurança privada Visgo.

53 Entre as testemunhas conta-se pessoal da OXFAM e do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas em Angola, um padre católico da ACC, e activistas da SOS Habitat.

54 Entrevista da Human Rights Watch a L.R., pessoa de 31 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006.

55 Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas em Angola, Nota Informativa, “Desocupações forçadas em Luanda.”

56 Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentário Geral N.º 7, parágrafo 9. A Prática das Desocupações Forçadas: Directrizes Gerais de Direitos Humanos sobre a Deslocação Baseada no Desenvolvimento, adoptadas pelo Seminário de Peritos sobre a Prática das Desocupações Forçadas, Genebra, 11-13 de Junho de 1997, http://www1.umn.edu/humanrts/instree/forcedevictions.htm (acedido a 20 de Fevereiro de 2007). O artigo 5.º das Directrizes declara: “Embora as desocupações forçadas possam ser levadas a cabo, sancionadas, exigidas, propostas, iniciadas ou toleradas por uma multiplicidade de diferentes sujeitos, a responsabilidade pelas desocupações forçadas nos termos do direito internacional, em última análise, recai sobre os Estados.” Também Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodriguez, Sentença de 29 de Julho de 1988, Inter-Am.Ct.H.R., (Ser.C) N.º 4 (1988). No parágrafo 174, o Tribunal Interamericano considerou que “O Estado tem o dever jurídico de tomar providências razoáveis para prevenir violações de direitos humanos e de utilizar os meios à sua disposição para efectuar uma séria investigação das violações cometidas no âmbito da sua jurisdição, identificar os responsáveis, impor as sanções apropriadas e assegurar à vítima uma indemnização adequada.”

57 PIDCP, artigo 9.º.

58 Entrevistas telefónicas e presenciais da Human Rights Watch ao advogado angolano David Mendes, Luanda, Novembro e Dezembro de 2006 e Fevereiro de 2007. Entrevista telefónica da Human Rights Watch à Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), ONG angolana de direitos humanos cujo trabalho se centra no sistema de justiça penal, Luanda, 13 de Março de 2007.

59 Entrevista telefónica da Human Rights Watch a um perito em justiça penal angolana da AJPD, Luanda, 14 de Março de 2007.

60 Em 27 entrevistas realizadas pela Human Rights Watch em Cambamba I e II, Banga We, Bairro da Cidadania, Benfica, Wengi Maka, Maria Eugénia Neto e Soba Kopassa, pessoas despejadas declararam terem sido detidas ou terem testemunhado a detenção de indivíduos ou grupos de indivíduos (variando entre dois ou três e cerca de 20). Segundo estes relatos, os indivíduos detidos foram mantidos à guarda da polícia por períodos de algumas horas, por vezes um ou dois dias e, ou nada lhes disseram sobre o motivo da sua detenção, ou disseram-lhes simplesmente que estavam a “agitar” a população ou tinham desobedecido aos funcionários que levaram a cabo os despejos.

61 Entrevista da Human Rights Watch a H.T., pessoa de 40 anos despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006.

62 O prazo legal de prisão preventiva varia segundo o tipo de crime e o tipo de pena aplicável a determinado crime. Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória, Lei 18A/92, de 17 de Julho de 1992.

63 Entrevista da Human Rights Watch a B.K., pessoa de 26 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006.

64 Entrevista da Human Rights Watch a J.C., criança de 8 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006.

65 Entrevista da Human Rights Watch a A.M., pessoa de 40 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006.

66 Entrevista da Human Rights Watch a K.B., pessoa despejada de Soba Kopassa, Luanda, 8 de Agosto de 2006.

67 Entrevista da Human Rights Watch a B.X., pessoa de 30 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006, sobre um incidente ocorrido em Julho de 2005, durante despejos iniciados no mês anterior.

68 Entrevista da Human Rights Watch a T.B., mulher de 33 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006, sobre um incidente ocorrido a 13 de Março de 2006. O Projecto Nova Vida é um projecto habitacional do Governo que está a ser desenvolvido na área de Banga We, Cambamba I e Cambamba II. A segunda fase do desenvolvimento deste projecto está a ser executada desde Novembro de 2005. Vide http://www.imogestin.com/index.html (acedido a 21 de Março de 2007).

69 Entrevista da Human Rights Watch a L.R., pessoa de 31 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006, sobre a detenção efectuada durante os despejos de Março de 2006.

70 A Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) é a divisão da Polícia Nacional encarregada da investigação criminal.

71 Entrevista da Human Rights Watch a G.T., pessoa de 54 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre um incidente ocorrido em Maio de 2006, a quinta vez que foram destruídas casas na área em operações de desocupação forçada.

72 Entrevista da Human Rights Watch a C.A., pessoa de 35 anos despejada de Cambamba II, Luanda, 29 de Julho de 2006.

73 Entrevista da Human Rights Watch a M.M., pessoa de 57 anos despejada de Cambamba II, Luanda, 29 de Julho de 2006, sobre despejos ocorridos em Novembro de 2005. M.M. tinha já sido despejada da área vizinha de Banga We alguns anos antes.

74 Entrevista da Human Rights Watch a K.M., pessoa de 44 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre um incidente ocorrido a 5 de Maio de 2006. K.M. cultivava as suas terras na área desde 1981 e residia aí desde 1997.

75 Entrevista da Human Rights Watch a F.M., mulher de 43 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006, sobre um incidente ocorrido a 24 de Novembro de 2005. A mulher estava nesta terra desde 1976 e fora-lhe dito por funcionários locais que poderia aí permanecer.

76 Entrevista da Human Rights Watch a F.G., pessoa de 90 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006. O abrigo de F. G. foi novamente destruído em Maio de 2006.

77 Entrevista da Human Rights Watch a J.K., pessoa de 60 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006.

78 Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentário Geral n.º 7, parágrafo 15 (e).

79 Entrevista da Human Rights Watch, por correio electrónico, a Sarah Grainger, jornalista da BBC, Londres, 22 de Junho de 2006.

80 Entrevistas da Human Rights Watch a Luiz Araújo, Luanda e Lisboa, Dezembro de 2006 e Março e Maio de 2007.

81 Entrevista telefónica da Human Rights Watch a Rafael Morais, colaborador da SOS Habitat, 12 de Junho de 2006.

82 Exposição da SOS Habitat ao Ministério Público, datada de 28 de Junho de 2005 (cópia nos arquivos da Human Rights Watch e SOS Habitat).

83 Comentários escritos do Director da SOS Habitat, Luíz Araújo, à Human Rights Watch, Lisboa, 28 de Fevereiro de 2007; Exposição da SOS Habitat ao Ministério Público, datada de 28 de Junho de 2005 (cópia nos arquivos da Human Rights Watch e SOS Habitat).

84 Entrevista telefónica da Human Rights Watch a C. P., colaborador de uma organização de direitos humanos baseada em Luanda que pediu o anonimato, Luanda, 4 de Julho de 2006.

85 Entrevista da Human Rights Watch a P.S., pessoa despejada de Wengi Maka, Luanda, 3 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a P.M., pessoa despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a L.H. e K.T., pessoas despejadas de Benfica, Luanda, 5 e 8 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a P.R., pessoa despejada de Benfica e realojada em Panguila, Luanda, 5 de Agosto de 2006.

86 Entrevista da Human Rights Watch a F.T., pessoa de 25 anos despejada de Benfica, Luanda, 7 de Agosto de 2006.

87 Entrevista da Human Rights Watch a V.E., pessoa de 45 anos residente em Munlevos, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre um despejo ocorrido a 3 de Julho de 2006 e a numeração das casas nos dias imediatamente anteriores ao despejo.

88 Entrevista da Human Rights Watch a W.R., homem de 37 anos despejado de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006. W.R. era um soldado desmobilizado despejado em Novembro de 2005. Nessa altura foi detido antes mesmo de a sua casa ter sido demolida.

89 Entrevista da Human Rights Watch a C.C., pessoa de 60 anos despejada de Sapu Vacaria, Luanda, 3 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos a 19 de Março de 2003; entrevista da Human Rights Watch a T.R., pessoa de 56 anos despejada de Talatona, 7 de Agosto de 2006.

90 Entrevista da Human Rights Watch a P.Q., pessoa de 47 anos despejada de Mbondo Chapé, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos em Julho de 2006.

91 Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC).

92 Entrevista da Human Rights Watch a N.H., pessoa de 49 anos camponês em Bem-Vindo desde 1983, Luanda, 8 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos em 2006.

93 Lei de Bases do Ambiente, artigos 15.º e 16.º.

94 As autoridades municipais alegaram que esta pessoa singular era proprietária dos terrenos actualmente conhecidos como Bairro da Cidadania (ou Km 25). As pessoas despejadas nunca viram o indivíduo nem cópias dos alegados títulos de propriedade. A Human Rights Watch teve acesso a duas cartas do município de Viana, uma dirigida à Associação de Moradores do Bairro da Cidadania e datada de 24 de Março de 2006, e a outra dirigida a um indivíduo residente no local e datada de 18 de Abril de 2006. A primeira informava os moradores do bairro de que a empresa Bauherr (não foram incluídos na carta quaisquer outros dados sobre a empresa) fora autorizada a vedar os terrenos que, segundo a carta, pertenciam a essa pessoa singular. A segunda carta consiste numa notificação concedendo ao morador N.W. 48 horas para desocupar a área, declarando que a área fora reservada pelo Estado para desenvolvimento industrial. Isto significa que foram apresentadas aos moradores duas razões diferentes, em dois momentos diferentes, para o seu despejo. Nenhum dos documentos indicava detalhes completos das leis e disposições legislativas que constituíam a base jurídica para o despejo.

95 Entrevista da Human Rights Watch a K.M., pessoa de 44 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006.

96 Comissão de Direitos Humanos da ONU, Relatório do Relator Especial sobre Alojamento Suficiente enquanto Componente do Direito a um Nível de Vida Suficiente, e sobre o direito à não discriminação neste contexto, Miloon Kothari, E/CN.4/2006/41, 14 de Março de 2006, parágrafo 56 j).

97 Normas de Procedimento, art. 41.º. O regulamento de aplicação da Lei da Terra, que não estava em vigor no momento em que este relatório foi escrito mas que havia sido finalmente aprovado pelo Governo, e ao qual a Human Rights Watch teve acesso, estabelece que em caso de expropriação para fins de utilidade pública o Governo tem de notificar os indivíduos com um mínimo de seis meses de antecedência (art. 132.º).

98 Entrevista da Human Rights Watch a P.M., mulher de 37 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006.

99 Entrevista da Human Rights Watch a T.U., pessoa de 25 anos despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre a forma como a sua casa foi destruída várias vezes entre 1998 e 2005.

100 Comunicado público da SOS Habitat, datado de 6 de Fevereiro de 2006, dirigido ao Presidente da Assembleia Nacional, ao governador da província de Luanda e ao administrador municipal de Kilamba Kiaxi, entre outros (cópia nos arquivos da Human Rights Watch e SOS Habitat).

101 Entrevista da Human Rights Watch a M.L., pessoa de 20 anos despejada de Boa Vista, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre uma operação de despejo ocorrida a 21 de Julho de 2004.

102 Nota da Administração Municipal de Viana, datada de 18 de Abril de 2006, dirigida a P.N., residente no Bairro da Cidadania (cópia nos arquivos da Human Rights Watch e SOS Habitat). Uma referência adequada à lei mencionada na notificação exigiria pelo menos a data exacta da lei e os artigos nos quais se baseia a notificação.

103 Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, Comentário Geral n.º 7, parágrafo 13.

104 Lei da Terra, art. 12.º, n.º 3.

105 Entrevista telefónica da Human Rights Watch a Z.B., perito em legislação fundiária angolana que solicitou o anonimato, 1 de Fevereiro de 2007.

106 Entrevista da Human Rights Watch a G.T., pessoa de 54 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre várias operações de despejo que ocorreram nesta área, a última das quais a 5 de Maio de 2006. G.T. pagou a sua parcela de terreno e a sua casa veio ulteriormente a ser demolida duas vezes.

107 Entrevista da Human Rights Watch a H.T., pessoa de 40 anos despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006, referindo várias operações de despejo nesta área.

108 Entrevista da Human Rights Watch a B.A., pessoa de 33 anos despejada de Onga e realojada em Fubu, Luanda, 4 de Agosto de 2006.

109 Entrevista da Human Rights Watch a B.X., mulher de 30 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006, sobre despejos ocorridos em 2002 quando a sua irmã vivia na área. B.X. mudou-se para a área com a sua família em 2005 e a sua casa foi também destruída em operações de despejo realizadas em Março e Junho desse ano.

110 Entrevista da Human Rights Watch a C.T., pessoa de 33 anos despejada de Onga e realojada em Fubu, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos em 2003.

111 Entrevista da Human Rights Watch a P.U., mulher de 48 anos despejada de Mbondo Chapé, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre a atribuição de indemnização em 2006. P.U. ocupava o seu terreno em Mbondo Chapé desde 1975.

112 Entrevista da Human Rights Watch a V.V., 85 anos, N.H., 49 anos, J.L., 64 anos, e D.F., 44 anos, pessoas despejadas de Bem-Vindo, Luanda, 8 de Agosto de 2006.

113 Entrevista da Human Rights Watch a V.V., 85 anos, N.H., 49 anos, J.L., 64 anos, e D.F., 44 anos, pessoas despejadas de Bem-Vindo, Luanda, 8 de Agosto de 2006, sobre a situação em matéria de indemnização até 2006.

114 Segundo uma pesquisa do Development Workshop (DW) e dados do Ministério do Urbanismo e Ambiente, o mercado imobiliário em Luanda é sobretudo informal. No mercado formal, as pessoas só podem obter terrenos a partir de três cooperativas de habitação e da Empresa de Desenvolvimento Urbano Lda. (EDURB, que gere a urbanização de uma vasta área do sul de Luanda). Estas entidades concedem direitos sobre terrenos que lhes foram concessionados pelo Estado. O valor formal de mercado no sul de Luanda, segundo uma proposta da EDURB à qual a Human Rights Watch teve acesso, é de 45 dólares americanos por metro quadrado. Este valor foi também confirmado por informação fornecida pelos residentes de Talatona que receberam uma oferta para comprar os terrenos que já ocupavam a fim de evitar serem retirados dos mesmos, e por um colaborador de uma organização sedeada em Luanda que trabalha na área das questões fundiárias e que solicitou o anonimato.

115 Entrevista da Human Rights Watch a E.Q., pessoa de 36 anos despejada de Onga e realojada em Fubu, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre acontecimentos ocorridos em Onga em 2003.

116 Entrevista da Human Rights Watch a R.V., camponesa de 46 anos de Mbondo Chapé, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos em Julho de 2006.

117 Entrevista da Human Rights Watch a N.H., pessoa de 49 anos despejada de Bem-Vindo, Luanda, 8 de Agosto de 2006.

118 Entrevista da Human Rights Watch a K.O., pessoa de 43 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 27 de Julho de 2006. K.O. pagou a funcionários da administração local com vista à regularização do seu terreno em 2004, mas viu a sua casa demolida em Novembro de 2005.

119 Credencial do Ministério das Obras Públicas, Projecto Nova Vida, datada de 18 de Abril de 2006 e assinada pelo Director do projecto (cópia nos arquivos da Human Rights Watch e SOS Habitat).

120 Memorando de Situação da SOS Habitat sobre o caso de Bem-Vindo, datado de 13 de Outubro de 2005.

121 Fubu é o nome pelo qual uma área de realojamento dentro da área mais vasta de Mbonde Chape é conhecida pelos moradores locais.

122 A Human Rights Watch também visitou Fubu mas não realizou entrevistas neste local.

123 Entrevista da Human Rights Watch a E.Q., pessoa de 36 anos despejada de Onga, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre acontecimentos ocorridos em 2003.

124 Entrevista da Human Rights Watch a C.T., pessoa de 33 anos despejada de Onga, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre o seu realojamento em Panguila.

125 Entrevista da Human Rights Watch a L.F., pessoa despejada da Boavista e realojada em Panguila, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre a situação em 2006.

126 Entrevista da Human Rights Watch a B.V. e M.L., pessoas do sexo feminino despejadas da Boavista e realojadas em Panguila, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre acontecimentos ocorridos em 2004.

127 Entrevista da Human Rights Watch a P.E., mulher de 50 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006. P.E. pagou o seu terreno a funcionários da administração local em 2004, mas a sua casa foi demolida a 5 de Maio de 2006.

128 Segundo dados do Ministério do Urbanismo e Ambiente, entre 1993 e 2005 o Governo construiu 6,000 “habitações sociais” (casas construídas para efeitos de reinstalação) em Zangu, 3,000 em Panguila, 1,000 em Sapu e 102 em Camama. A maior parte de Zangu foi atribuída a famílias despejadas da Boa Vista (estima-se que 4,000 famílias em 2001 e muitas outras – não existe estimativa fidedigna – entre 2002 e 2006). O resto das casas foi atribuído a pessoas despejadas em diversas operações de despejo em menor escala, incluindo pessoas despejadas de Onga (aproximadamente 300 famílias despejadas) e Benfica (aproximadamente 470 famílias). Porém, os dados do Governo não indicam quantas destas casas foram de facto atribuídas a título de indemnização aos despejados de outras áreas de Luanda, especialmente das áreas analisadas no presente relatório. Também não fornecem informação sobre qualquer processo de consulta às comunidades afectadas quanto ao seu realojamento nestes locais nem sobre quantas pessoas despejadas não foram aí reinstaladas e porquê. Entrevista da Human Rights Watch ao Ministro do Urbanismo e Ambiente Sita José, Luanda, 10 de Agosto de 2006.

129 Entrevista da Human Rights Watch a K.A., R.J. e R.R., pessoas despejadas de Cambamba I, Luanda, 10 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a H.J., pessoa despejada de Cambamba II, Luanda, 27 de Julho de 2006; entrevista da Human Rights Watch a I.O., pessoa despejada de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006; entrevista da Human Rights Watch a F.A., pessoa despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a H.Y., pessoa despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a U.T., pessoa despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006.

130 Entrevista da Human Rights Watch a H.Y., pessoa de 24 anos despejada de Maria Eugénia Neto, 4 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a B.X., pessoa despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a O.A., 48 anos de idade, T.U., 76 anos, D.O., 67 anos, S.P., 36 anos, M.G., 45 anos, e M.A., 42 anos, pessoas despejadas de Gaiolas, Luanda, 7 de Agosto de 2006.

131 Entrevista da Human Rights Watch a T.R., homem de 56 anos despejado de Talatona, Luanda, 7 de Agosto de 2006.

132 Entrevista da Human Rights Watch a B.A., mulher de 33 anos despejada de Fubu, 4 de Agosto de 2006. Também entrevista da Human Rights Watch a O.A., 48 anos de idade, T.U., 76 anos, D.O., 67 anos, S.P., 36 anos, M.G., 45 anos, e M.A., 42 anos, pessoas despejadas de Gaiolas, Luanda, 7 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a A.M., homem de 40 anos despejado de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006.

133 Entrevista da Human Rights Watch a P.P., pessoa despejada, residente em Cambamba I desde 1947, Luanda, 10 de Abril de 2006.

134 Entrevista da Human Rights Watch a P.M., mulher de 37 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006, sobre um incidente ocorrido em Junho de 2005.

135 Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentário Geral n.º 7, parágrafo 16.

136 Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentário Geral n.º 7, parágrafo 16.

137 Entrevista da Human Rights Watch a S.J., pessoa de 33 anos despejada de Onga, Luanda, 4 de Agosto de 2006.

138 Entrevista da Human Rights Watch a H.G., camponês de 85 anos que cultivava terras em Bem-Vindo desde 1954 e que perdeu os seus terrenos em 2005, Luanda, 10 de Abril de 2006.

139 Entrevista de grupo da Human Rights Watch nas Cambambas, Abril de 2006, sobre a situação das pessoas despejadas imediatamente após o despejo de 13 de Março de 2006.

140 Entrevista da Human Rights Watch a E.E., pessoa de 36 anos despejada de Onga, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre a situação em 2006.

141 Entrevista da Human Rights Watch a V.X., mulher de 47 anos despejada de Benfica, Luanda, 5 de Agosto de 2006. V.X foi das primeiras pessoas despejadas a serem realojadas em Panguila a 18 de Março de 2003.

142 Fubu constitui uma excepção, uma vez que se localiza também na parte sul de Luanda.

143 Entrevista da Human Rights Watch a L.H., mulher de 30 anos despejada de Benfica, Luanda, 7 de Agosto de 2006, sobre a situação dos transportes em Panguila, onde foi realojada depois da demolição da sua casa durante despejos ocorridos em 2003.

144 Entrevista da Human Rights Watch a K.T., homem de 39 anos despejado de Benfica e realojado em Panguila, Luanda, 7 de Agosto de 2006. Os transportes públicos em Luanda são essencialmente assegurados por pequenas carrinhas designadas, tal como os seus condutores, por candongueiros.

145 Entrevista da Human Rights Watch a B.V. e M.L., mulheres de 25 e 20 anos despejadas de Benfica e realojadas em Panguila, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre a situação na sua actual área de residência, após o despejo da Boavista a 21 de Maio de 2004.

146 Entrevista da Human Rights Watch a G.H., jovem de 17 anos despejada de Benfica e realojada em Panguila, Luanda, 5 de Agosto de 2006. G.H. residia em Benfica desde 2001, mas aqueles terrenos pertenciam à sua família há vários anos.

147 Pesquisadores da Human Rights Watch e pessoal da SOS Habitat visitaram este local a 4 de Agosto de 2006.

148 O Relator Especial da ONU sobre Habitação Condigna manifestou profunda preocupação com os efeitos das desocupações forçadas sobre alguns grupos: “[a]s desocupações forçadas agravam a desigualdade, o conflito social, a segregação e a “guetização”, afectando invariavelmente os mais pobres, os sectores da sociedade mais vulneráveis em termos sociais e económicos e mais marginalizados, especialmente mulheres, crianças […].” (Relator Especial da ONU sobre Habitação Condigna enquanto Componente do Direito a um Nível de Vida Adequado, Directrizes e Princípios Básicos sobre Despejos e Deslocações Baseados no Desenvolvimento, E/CN.4/2006/41, pág. 15, parágrafo 7). O impacto desproporcionado sobre as mulheres dos realojamentos forçados e das desocupações forçadas foi também reconhecido pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, que instou os Governos a ponderar estas questões (Comissão de Direitos Humanos da ONU, Igualdade das mulheres em matéria de propriedade, acesso e controlo sobre a terra e igualdade em termos dos direitos à propriedade e a um habitação condigna E/CN.4/RES/2005/25).

149 Entrevista da Human Rights Watch a T.A., mulher de 29 anos despejada de Onga e realojada em Fubu, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre a situação no local de realojamento em 2006.

150 Entrevista da Human Rights Watch a L.F., mulher de 47 anos despejada da Boavista e realojada em Panguila, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos a 21 de Maio de 2004.

151 Entrevista da Human Rights Watch a L.F., pessoa de 47 anos despejada da Boavista, Luanda, 5 de Agosto de 2006, sobre acontecimentos ocorridos a 21 de Maio de 2004.

152 Entrevista da Human Rights Watch a T.A., pessoa despejada de Onga, Luanda, 4 de Agosto de 2006.

153 Entrevista da Human Rights Watch a S.J., pessoa de 33 anos despejada de Onga e realojada em Panguila, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre as condições do local de realojamento em 2006.

154 Entrevista da Human Rights Watch a M.L., jovem de 20 anos despejada da Boa Vista e realojada em Panguila, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre a situação no local de realojamento em 2006.

155 Entrevista da Human Rights Watch a L.B., pessoa despejada de Cambamba I, Luanda, 9 de Dezembro de 2006.

156 Entrevista da Human Rights Watch a W.R, pessoa despejada de Cambamba I, Luanda, 9 de Dezembro de 2006, sobre as dificuldades enfrentadas pelos seus filhos para frequentarem a escola após os despejos nesta área em 2004 e 2005.

157 Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentário Geral n.º 4, parágrafo 8 a).

158 “Posse da terra” é o modo pelo qual a terra é detida ou possuída, ou o conjunto de relações entre as pessoas relativamente à utilização dos terrenos. Vide Geoffrey Payne, Urban Land Tenure and Property Rights in Developing Countries (London: Intermediate Technology Publications: Overseas Development Administration, 1997), p. 3. O Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, a Comissão de Direitos Humanos da ONU e a Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos interpretaram uma posse segura como sendo uma titularidade jurídica resultante do direito a uma habitação condigna (vide, por exemplo, Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentários Gerais Nºs 4 e 7; Comissão de Direitos Humanos da ONU, Resoluções 2004/28 e 1993/77; e Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, Comunicação 155/96 (2001)). “A posse assume uma diversidade de formas, incluindo o arrendamento (público e privado), a hospedagem, a habitação cooperativa, a locação, a ocupação pelo proprietário, o alojamento de emergência e as instalações informais, incluindo a ocupação de terrenos ou propriedades”, Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais da ONU, Comentário Geral N.º 4, parágrafo 8 a).

159 José Armando Morais Guerra, Temas de Direito Fundiário e de Direito do Ordenamento do Território (Lisboa: Edição própria do autor, 2002), p. 104.

160 A Lei Constitucional de 1975 estabeleceu um regime socialista com “propriedade colectiva” de todos os meios de produção, incluindo a terra. Entrevista telefónica da Human Rights Watch a Z.B., perito angolano em questões fundiárias que pediu o anonimato, 1 de Fevereiro de 2007.

161 Os direitos de “superfície” ou de “posse” são regulados pelo Código Civil de 1966 que permaneceu em vigor após a independência e até à actualidade, embora várias das suas disposições tenham entretanto sido alteradas por outras leis.

162 Este é o mecanismo designado no Código Civil como “usucapião”. Embora ao abrigo da Lei de Terras de 2004 os direitos fundiários já não possam adquirir-se por usucapião, a lei não tem efeitos retroactivos, logo os direitos adquiridos desta forma antes da sua entrada em vigor deverão ser respeitados.

163 Lei Constitucional de Angola, Lei n.º 23/92, 16 de Setembro de 1992, art. 12.º.

164 A Lei da Terra de 1992 (Lei sobre a Concessão e Titularidade do Uso e Aproveitamento da Terra, Lei N.º 21-C/92, de 28 de Agosto de 1992) foi o único instrumento jurídico que tentou definir o significado de “propriedade originária do Estado” no seu preâmbulo, mas já não se encontra em vigor. Juristas angolanos e especialistas em direitos fundiários em Angola divergem sobre a interpretação desta expressão. Alguns acreditam que significa que toda a terra em Angola pertence ao Governo, que não necessita de emitir qualquer documento específico para afirmar o seu direito a utilizar determinadas parcelas de terra para os seus projectos de interesse público; outros crêem que “Estado” designa o povo angolano no seu conjunto, por isso o Governo necessita de emitir um decreto específico quando pretende reclamar determinado terreno para sua utilização. Contudo, todos os peritos entrevistados pela Human Rights Watch concordam que, independentemente de ter ou não de emitir um instrumento específico ao reclamar a terra para sua utilização, quando o Governo pretende desenvolver projectos específicos em determinada área, tem de seguir certos procedimentos e divulgar amplamente junto dos moradores a utilização a dar aos terrenos. Entrevistas da Human Rights Watch a Z.B., perito angolano em questões fundiárias que solicitou anonimato, Luanda, Abril e Dezembro de 2006 e Fevereiro de 2007. Entrevista da Human Rights Watch a David Mendes, advogado angolano, Luanda 5 de Dezembro de 2006.

165 Lei da Terra de 1992 (Lei n.º 21-C/92), art. 30.º, n.º 1.

166 Lei de Terras. Esta lei estabelece o regime jurídico para a sucessão, constituição, exercício e extinção de direitos reais.

167 Lei do Ordenamento do Território. Esta lei define a política e os instrumentos de planeamento para o ordenamento territorial de Angola.

168 A regulamentação da Lei do Ordenamento do Território foi publicada a 23 de Janeiro de 2006 e a regulamentação da Lei de Terras foi aprovada pelo Governo mas aguardava ainda publicação no jornal oficial no momento em que este relatório seguiu para impressão.

169 Regulamento dos Planos Urbanísticos, art. 98.º. Este regulamento exige a aprovação de outros regulamentos sobre a reabilitação de áreas inicialmente ilegais; a demolição e as restrições à demolição de edifícios; as expropriações para a execução de projectos de interesse público; os despejos para a reabilitação de imóveis deteriorados; e as operações de realojamento.

170 É importante notar que a concessão e o exercício dos direitos consagrados na Lei de Terras devem ser efectuados em conformidade com os fins e objectivos de tais planos. Vide Lei de Terras, art. 15.º.

171 Entrevista da Human Rights Watch a J.T., homem de 53 anos despejado do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006. A casa de J.T. foi demolida durante uma operação de despejo realizada nesta área em Setembro e Outubro de 2004. Depois do despejo, em 2005, a administração local concedeu-lhe uma licença de construção para a mesma área.

172 Os pedidos de regularização em Luanda são da responsabilidade do governo provincial, mas a concessão de terrenos rurais (os quais abrangem muitas das áreas da periferia de Luanda onde se desenvolveram áreas urbanas de carácter informal) é da responsabilidade do Ministério da Agricultura. As administrações municipais não têm qualquer competência para a concessão de terrenos mas, na prática, outorgaram tais concessões durante o período da guerra. Quando é apresentado um pedido de regularização, as autoridades públicas deverão localizar e visitar o imóvel em questão a fim de verificar a sua actual ocupação. Depois, deverão consultar o registo predial para apurar se existe algum registo prévio sobre o mesmo imóvel. Se for o caso, o governo deverá fazer um aviso público no jornal oficial com vista a verificar se o proprietário anteriormente registado abandonou o imóvel ou ainda tem um direito válido sobre o mesmo. Esclarecida esta questão, procede-se a uma avaliação técnica do projecto à luz das políticas de planeamento urbano e de construção. Se o projecto for aprovado, é concedido ao requerente da regularização um título provisório por dois anos. Development Workshop  e Centro para o Meio Ambiente e Assentamentos Humanos, Terra, p. 139.

173 Development Workshop, Terra, p. 59.

174 Development Workshop, Terra, p. 59.

175 Entrevista da Human Rights Watch a Z.B., perito angolano em questões fundiárias que pediu o anonimato, Luanda, 1 de Agosto de 2006.

176 Entrevista da Human Rights Watch a Sita José, Ministro do Urbanismo e Ambiente, Luanda, 10 de Agosto de 2006.

177 Entrevista da Human Rights Watch ao Ministro Sita José, Luanda, 10 de Agosto de 2006.

178 Entrevista da Human Rights Watch a L.O., pessoa de 44 anos despejada de Banga Wé, Luanda, 29 de Julho de 2006.

179 Entrevista da Human Rights Watch a Q.U., homem de 41 anos despejado de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre as dificuldades de obtenção de títulos de registo – até Agosto de 2006, não tinha recebido resposta ao seu pedido apresentado à administração local em 2000.

180 Entrevista da Human Rights Watch a P.R., pessoa de 47 anos despejada de Benfica e realojada em Panguila, 5 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a K.T., pessoa de 39 anos despejada de Benfica e realojada em Panguila, 7 de Agosto de 2006, sobre a situação relativa à segurança da posse em Panguila, onde foi realojada pelo Governo depois das desocupações forçadas de Benfica em Março de 2003.

181 Entrevista da Human Rights Watch a I.F, pessoa de 62 anos despejada de Fubu (Mbondo Chapé) e realojada na mesma área, Luanda, 4 de Agosto de 2006. Fubu é uma vasta área e algumas pessoas foram daí despejadas para o realojamento de pessoas despejadas de outras áreas da cidade.

182 Lei de Terras, art. 84.º. Nos termos da Lei de Terras, este prazo de três anos começa a contar a partir da publicação do seu regulamento de aplicação, que fornece detalhes sobre a forma como os indivíduos devem proceder a fim de regularizar os seus terrenos. Nos termos da Lei, o Governo devia ter aprovado o seu regulamento ou regulamentos de aplicação no prazo de seis meses a partir da entrada em vigor da Lei a 7 de Fevereiro de 2005 (Lei de Terras, art. 85.º). Quando este relatório seguiu para impressão, a regulamentação tinha sido aprovada pelo Governo (a Human Rights Watch teve acesso ao projecto aprovado pelo Conselho de Ministros) mas aguardava ainda publicação no jornal oficial.

183 Lei de Terras, art. 84.º; Código Civil, art. 1276.º.

184 Lei de Terras, art. 84.º; Código Civil, artigos 1276.º e 336.º. Segundo o artigo 336.º pode recorrer-se legitimamente à força (a) quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática do direito; e (b) desde que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.

185 Entrevista da Human Rights Watch a Z.A., Director de uma organização sedeada em Luanda que trabalha questões fundiárias na área urbana e rural em Angola e que pediu o anonimato, Luanda, 6 de Abril de 2006.

186 Vide a secção sobre os antecedentes.

187 Entrevista da Human Rights Watch a P.M., pessoa de 32 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a M.U., homem de 40 anos despejado de Cambamba II, Luanda, 29 de Julho de 2006; entrevista da Human Rights Watch a P.K., pessoa de 42 anos despejada de Soba Kopassa, Luanda, 2 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a K.A., R.J. e R.R., pessoas despejadas de Cambamba I, Luanda, 10 de Agosto de 2006. Segundo organizações nacionais entrevistadas pela Human Rights Watch em Abril de 2006, muitas famílias com baixos rendimentos e IDP que adquiriram terrenos/habitações no mercado informal desconheciam as disposições jurídicas relativas ao registo de propriedade e partiram do princípio de que o pagamento aos anteriores moradores ou camponeses lhes dava automaticamente um título jurídico sobre o terreno ou a habitação que estavam a adquirir. A Human Rights Watch entrevistou 29 pessoas despejadas de Benfica, Bairro da Cidadania, Wengi Maka, Cambamba I e II, Maria Eugénia Neto, Mbondo Chapé/Fubu, Cacuaco, Bem-Vindo, Sapu, Munlevos, Gaiolas e Talatona, que nos disseram ter antigos documentos reconhecendo a sua instalação ou a dos seus antepassados nas áreas de onde foram despejadas.

188 Entrevista da Human Rights Watch a F.F., pessoa de 41 anos despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006, sobre incidentes ocorridos em 2002 que provocaram uma falsa impressão de segurança da posse.

189 Entrevista da Human Rights Watch a P.E., pessoa de 50 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a M.H., pessoa de 50 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a J.T., pessoa de 53 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a G.T., pessoa de 54 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006. O governo provincial de Luanda reconheceu terem existido casos de venda ilegal de terrenos por parte de funcionários municipais que abusaram dos seus poderes e até instaurou um inquérito sobre estes factos nos municípios de Kilamba Kiaxi, Samba e Viana (vide a secção seguinte, sobre as reacções a nível nacional e internacional às desocupações forçadas em Luanda).

190 Entrevista da Human Rights Watch a R.J., pessoa de 66 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 10 de Agosto de 2006, sobre acontecimentos ocorridos em 2005 e 2006.

191 Entrevista da Human Rights Watch a R.V., mulher de 47 anos despejada de Mbondo Chapé, Luanda, 1 de Agosto de 2006. É difícil aceder às leis em Angola. Embora sejam publicadas no jornal oficial, não estão amplamente acessíveis à população e mesmo as organizações nacionais e internacionais aí baseadas têm muitas vezes dificuldades para obter o texto dos diplomas legislativos. Acontece também decorrer muito tempo entre a aprovação da lei ou do decreto pelo Parlamento ou o Governo e a sua publicação no jornal oficial. Além disso, muitas vítimas de despejo entrevistadas pela Human Rights Watch têm um nível baixo de escolaridade.

192 Entrevista da Human Rights Watch a R.V., pessoa de 47 anos despejada de Mbondo Chapé, Luanda, 1 de Agosto de 2006, sobre a sua situação em 2006 relativamente ao registo de propriedade.

193 Entrevista da Human Rights Watch a K.M. e L.L., pessoas despejadas do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a G.T., pessoa de 54 anos despejada do Bairro da Cidadania, Luanda, 1 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a S.S., pessoa de 47 anos despejada de Wengi Maka, Luanda, 8 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a W.R., pessoa de 37 anos despejada de Cambamba I, Luanda, 30 de Julho de 2006; entrevista da Human Rights Watch a H.T., pessoa de 40 anos despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a T.C., pessoa de 48 anos despejada de Maria Eugénia Neto, Luanda, 4 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a V.E., pessoa de 45 anos despejada de Munlevos, Luanda, 1 de Agosto de 2006; entrevista da Human Rights Watch a R.E., pessoa de 48 anos despejada de Talatona, Luanda, 7 de Agosto de 2006.

194 Normas do Procedimento, art. 57.º.

195 Entrevista telefónica da Human Rights Watch a Rafael Morais, colaborador da SOS Habitat, 12 de Junho de 2006.