Home Publicações Sobre HRW
Angola

BRIEFING SOBRE ANGOLA APRESENTADO AO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS AO ABRIGO DA FÓRMULA ARRIA
NOVA IORQUE 5 DE MARÇO DE 2002

A morte de Jonas Savimbi, líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), na semana passada, chamou mais uma vez a atenção da comunidade internacional para o problema angolano. Há mais de trinta anos que Angola se encontra em guerra e com um registo regularmente débil em termos de direitos humanos. Infelizmente a paz tem sido uma meta difícil a alcançar, sendo por isso, prematuro considerá-la antecipadamente como a conclusão para a situação angolana.

O Impacto da Guerra
Têm sido contínuos, neste conflito, os abusos dos direitos humanos e as violações do direito internacional humanitário. As lutas entre as forças do Governo e os rebeldes da UNITA têm incluído ataques deliberados a populações civis, bombardeamentos indiscriminados e dirigidos aos civis, e também um emprego muito difundido de minas terrestres anti-pessoal. Desde que se reataram as lutas, em 1998, o generalizado clima de medo e terror no seio da população angolana tem aumentado, devido à volatilidade da situação nas zonas afectadas pela guerra e também ao aumento dos abusos e violências perpetrados contra os civis.1

A ajuda humanitária atinge apenas cerca de 10 a 15 por cento do país, em zonas limitadas dentro e nos arredores das principais cidades de cada província, zonas essas aonde se pode garantir a segurança do pessoal envolvido nas distribuições. Nas áreas controladas pela UNITA o acesso à ajuda humanitária é praticamente inexistente. Os distribuidores da ajuda humanitária trabalham em condições extremamente difíceis e até perigosas, para além dos perigos costantes dos ataques armados, os actos de banditismo e das minas terrestres. Esta falta de acesso é exacerbada pela quase total distruição das infra-estruturas, falta me manutenção, saques e pelo uso de minas.

O Problema dos Deslocados no Próprio País
A protecção dos deslocados internos é o mais urgente dos problemas de direitos humanos em Angola. O número actual de deslocados internos tem aumentado e ultrapassou já os quatro milhões, correspondendo assim a cerca de 31 por cento da população. Existem ainda aproximadamente 435 mil refugiados fora do país.

O controlo da população civil faz parte integrante da estratégia militar utilizada para a continuação do conflito sendo por razão, uma das causas dos deslocamento. Tanto o Governo como a UNITA têm obrigado as pessoas a abandonar as suas casas a fim de despovoarem determinadas áreas e de alcançarem assim os seus objectivos militares, ou como forma de castigo em casos de suspeita de ajuda ao inimigo. Os combatentes consideram muitas vezes que as populações civis com que deparam em território inimigo colaboram com o mesmo, e encaram-nas com desconfiança e suspeitas. Como resultado, muitos membros da população de Angola, principalmente os pequenos agricultores de subsistência, viram-se obrigados a deslocarem-se ou fugiram das suas terras em grandes números depois de serem atacados ou com medo de serem atacados.

O Governo de Angola
O Governo angolano tem sido incapaz de cumprir a sua responsabilidade primordial em relação aos deslocados internos: a protecção dos direitos humanos dos mesmos. Têm-se noticiado deslocalizações forçadas, assassínios e saques perpetrados pelas forças do Governo, para além da utilização dos mesmos como fonte de trabalho explorável. Em 2001 o Governo resolveu incorporar os Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos, formulados em 1998 pela ONU, na legislação angolana - facto que aplaudimos - e criou vários grupos de trabalho e planos de acção para assegurar a protecção dos deslocados internos. Todavia estas iniciativas não melhoraram as condições dos deslocados. O sistema judicial é fraco, o que constrange ainda mais as vítimas de violações dos direitos humanos, que não têm como obter reparação.

A UNITA
Milhões de deslocados internos angolanos têm sido assassinados, mutilados, violados, raptados para ingressarem nas forças armadas e para trabalhos forçados, torturados e saqueados por membros da UNITA. Como, porém, as regiões controladas pela UNITA se encontram virtualmente inacessíveis, não sabemos ainda até que ponto as populações civis têm sido vítimas de violações.

A Organização das Nações Unidas (ONU)
Entre os obstáculos fundamentais que dificultam a protecção dos deslocados internos contam-se a incapacidade da ONU de monitorar casos individuais de abuso, e a aparente relutância da organização em confrontar o Governo angolano relativamente aos abusos cometidos. Para ajudar a remediar o problema, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) deveria assumir uma função mais activa na protecção dos deslocados internos e a responsabilidade pelo Grupo de Trabalho de Protecção dos Deslocados Internos, estabelecido em fins de 2001. Funcionários da ONU deveriam ser colocados nas províncias, para a monitorização dos problemas individuais de protecção dos deslocados, e para a apresentação dos casos de abuso ao Governo assim como criar grupos informais de participantes na sociedade civil, incluindo representantes das comunidades de deslocados e das de residentes, para que se analisem os casos de falta de protecção dos deslocados.

As Minas Terrestres
As minas terrestres continuam a ser um problema muito urgente em Angola. 70 por cento dos acidentes que ocorreram como resultado de accionamento de minas terrestres em 2001, atingiram preferencialmente alvos civis. Mais de metade das vítimas eram deslocados que tentavam fugir dos combates. Embora o número de minas anti-pessoal utilizadas pelo governo pareça ter diminuído, tem havido relatos indicando que o mesmo tem estado a adquirir novas minas. A UNITA continua a plantar minas para impedir que os residentes das áreas em questão fujam para as zonas controladas pelo Governo, e têm utilizado minas anti-veículo para interromper a passagem dos transportes.2

A Liberdade de Expressão e de Associação
Nas zonas firmemente controladas pelo Governo, como por exemplo Luanda e certas áreas da costa angolana, exite uma certa tolerância relativamente as discussões sobre os direitos humanos e as questões de interesse público, especialmente quando publicadas ou transmitidas nos meios de comunicação particulares, baseados em Luanda. Isto porém não inclui maior tolerância das actividades políticas organizadas, continuando o Governo a atacar os partidos da oposição, e negando-lhes a liberdade de associação e de reunião.

O Governo continua a suprimir ou a desencorajar as discussões detalhadas sobre a forma como o mesmo administra as receitas das indústrias petrolífera e de diamantes. Actualmente o Governo recusa-se a permitir uma verificação completa da sua contabilidade relativamente à indústria de diamantes, apesar de suportar o processo Kimberley de processamento e exportação de diamantes. É igualmente difícil conseguir estabelecer a transparência na fonte principal de receitas em Angola: o petróleo.

A Transparência e a Obrigação de Prestar Contas
A falta de cumprimento e de prestação de contas por parte do Governo, tanto de maneira geral como em termos da sua utilização das receitas provenintes da indústria do petrólio, entravam progressos no respeito dos direitos humanos no longo prazo. O aumento do respeito pelos direitos humanos por parte do Governo, assim como a paz duradoura e o desenvolvimento significativo do país dependem da dedicação do Governo ao estabelecimento de níveis elevados de transparência e responsabilidade das suas actividades perante o seu próprio povo. A transparência é uma qualidade que se encontra firmemente ao alcance do governo - mesmo na ausência da paz .

Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África a sul do Sahara, a seguir à Nigéria. A receita do petróleo tem sido e continua a ser a principal fonte de rendimento do Governo angolano. A 23 de Fevereiro de 2001, por exemplo, o Governo angolano anunciou que as receitas de petróleo equivalentes a U.S.$ 3,18 bilhões, correspondiam a 90,5 por cento do orçamento para 2001. A produção petrolífera pode vir a aumentar consideravelmente, à medida que se forem integrando os mais recentes blocos de produção no mar. Com uma população de cerca de 13 milhões de habitantes, Angola possui suficientes riquezas naturais para se tornar um modelo de desenvolvimento. Apesar disso, o país ocupa o 146º dos 162 países que figuram no mais recente Índice de Desenvolvimento Humano no relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

Além disso, a opacidade do orçamento e despesas do Governo angolano têm causado preocupações a vários institutos financeiros multilaterais, organizações não governamentais, sociedades e governos, assim como a várias entidades angolanas, dada a possibilidade destas receitas estarem a ser muito mal administradas.

Entre os problemas em consideração contam-se a utilização de fundos públicos, derivados das receitas de petróleo, para o financiamento secreto de aquisições de armamentos, e o comprometimento de futuras receitas de petróleo em troca de empréstimos imediatos feitos ao Governo. Em certos casos, recentemente observados, as receitas de petróleo não foram processadas pelo Ministério de Finanças nem pelo Banco Nacional de Angola, passando antes pela companhia petrolífera estatal Sonangol ou pela Presidência da República, tendo sido utilizadas secretamente para a aquisição de armamentos. Estas ocorrências originaram também alegações de corrupção no sector público. Os recentes escândalos que implicaram negócios de armas em troca de petróleo, efectuados entre o Governo e companhias francesas e checas, serviram para acentuar mais ainda estes problemas.

A tentativa de obtenção de informações sobre a posição financeira do Governo, por parte de un determinado grupo, tem resultado em prisões ou outros tipos de perseguição. Por exemplo, no dia 24 de Janeiro de 2001 a polícia bateu e prendeu oito membros de um partido da oposição, o Partido de Apoio Democrático e Progresso de Angola (PADPA), que tinham organizado uma greve de fome pacífica em frente à residência do Presidente Eduardo dos Santos, apelando para que este se demitisse por razões de má administração económica e corrupção. Os protestantes apelaram também para que se divulgassem os detalhes das transacções de armas em troca de petróleo, feitas com determinada firma francesa, criticando a interrupção das negociações de paz entre o Governo e a UNITA. Depois desse incidente, a Rádio Nacional de Angola transmitiu uma declaração oficial avisando a população para não se manifestasse contra o Governo. Dois dos oito protestantes foram logo postos em liberdade, mas os outros seis foram acusados de terem feito uma "demonstração ilegal", embora as acusações tivessem sido rejeitadas quando os acusados foram a tribunal, no dia 29 de Janeiro de 2001.

Para ajudar a resolver estes problemas e fomentar a adopção de um programa de reforma económica em geral, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Governo angolano anunciaram o início, a 3 de Abril de 2000, do Programa "Staff Monitired". Tratava-se de um acordo ambicioso para a implementação de uma série de reformas económicas e institucionais em Angola, reformas essas que permitiriam a concessão de mais empréstimos e programas de cooperação como o FMI e com o Banco Mundial. O programa incluía uma cláusula para a monitorização das receitas de petróleo, a que se deu o nome de "Diagnóstico do Petróleo".3 A Human Rights Watch crê que, a devida implementação do Diagnóstico do Petróleo poderá assinalar o início de um pequeno mas efectivo desenvolvimento para a promoção da transparência e da responsabilidade e, em última análise, de mais respeito pelos direitos humanos.4

No entanto, este programa tem sido implementado de forma muito negativa por parte do Governo que até agora não fez nenhuma revelação significativa sobre os dados relativos ás receitas do petróleo, em não publicar os relatórios do Diagnóstico do Petróleo e muito menos em termos de dar conta da forma como tem utilizado, de maneira geral, as receitas provenientes do petróleo e outras despesas correspondentes. A situação piorou de tal maneira que em Agosto de 2001 o FMI anunciou que se tinha atingido o termo da vigência do Programa Monitorizado de Pessoal, já que não se tinham satisfeito tantos dos requisitos delineados no mesmo. O Governo não publicou nenhuns dados sobre os resultados dos estudos do Diagnóstico do Petróleo nem sobre quaisquer outras informações. O Governo e o FMI acordaram com o facto de que "a publicação de dados sobre as receitas do petróleo e outras receitas e despesas do Governo, assim como sobre a dívida externa", e as verificações das contas do banco central, seriam algumas das pré-condições para a continuação da colaboração entre o Governo e o FMI. Cremos que o FMI tenha insistido na necessidade de se satisfazerem estes requisitos antes de levar em consideração a continuação da sua colaboração com o Governo, e cremos que a posição do FMI seja apropriada .5

Infelizmente o Governo não satisfez estes requisitos essenciais. Após a sua missão mais recente a Angola, em Fevereiro de 2002, o FMI anunciou que tinha havido pouco progresso em termos das reformas, e que a situação económica tinha efectivamente piorado desde fins de 2001 até princípios de 2002. O FMI reiterou também a necessidade do Governo "publicar dados sobre as receitas do petróleo e sobre as outras receitas e despesas governamentais, assim como sobre a dívida externa; e efectuar verificações financeiras independentes dos registos contabilísticos da Sonangol e do Banco Nacioonal em 2001."6

Dentro deste contexto, cremos que a revelação pública dos dados relativos às quantias e emprego das receitas de petróleo seja de importância primordial para a introdução de melhorias em termos dos direitos humanos. Mais especificamente, o Governo angolano deve adoptar as seguintes medidas:

· Colocar à disposição do público os relatórios actuais e futuros do Diagnóstico do Petróleo.
· Fornecer uma análise detalhada e a intervalos regulares das suas despesas, em particular das que dizem respeito ao petróleo e às dívidas obtidas com base no petróleo. Esta análise deve incluir as quantias específicas e o emprego do bónus que se calcula equivaler a $500 milhões e que corresponde ao pagamento feito pelas companhias de exploração petrolífera às quais se concedeu a exploração do bloco 34 no mar alto.

· Efectuar e publicar verificações contabilísticas do Banco Nacional e da Sonangol.
Estas medidas básicas podem vir a ter um efeito muito positivo na governação de Angola, podendo ajudar a estabelecer a base de melhoramentos no campo de direitos humanos.

Sumário
Agradecemos mais uma vez os membros do Conselho de Segurança por nos ter proporcionado esta oportunidade para expormos a presente situação em Angola. Esperamos que a situação melhore, especialmente nas áreas de protecção dos deslocados internos e de transparência no emprego das receitas governamentais.


1 Para obter um sumário completo, consultar o capítulo relativo a Angola na obra da Human Rights Watch, World Report 2002, Janeiro de 2002, que se encontra em http://www.org/wr2k2/africa1.html

2 Consultar o capítulo sobre Angola na publicação Landmine Monitor, edição de Setembro de 2001, que se encontra em http://www.icbl.org/lm/2001/angola/

3 Para além do Diagnóstico do Petróleo, o programa de monitorização estabelece uma série de reformas ambiciosas que o Governo deve empreender antes de se tornar elegível para os empréstimos de FRAE (Facilidade para Redução da Pobreza e Ajustamento Estrutural, ou ESAF, Enhanced Structured Adjustment Facility) concedidos pelas instituições financeiras internacionais, incluindo: a criação de um sistema integrado de gestão financeira; a eliminação dos subsídios de combustível domésticos; a limitação de subsídios às empresas estatais endividadas; a eliminação de isenções fiscais que não façam parte de acordos internacionais; a eliminação de licenças de importação e de obstáculos não tarifários; a simplificação dos processos de concessão de licenças comerciais; o ajuste progressivo das tarifas de serviços públicos tais como água e electricidade de forma a enquadrá-las nos níveis do mercado; a liquidação da Caixa de Crédito Agropecuária (CAP); a definição de uma estratégia para resolver o problema da dívida externa nacional; a liquidação de pagamentos atrasados às instituições financeiras multilaterais; a eliminação gradual dos créditos comerciais externos ao Banco Nacional; a criação de um registo dos pagamentos de serviços de dívidas, incluindo os de empréstimos baseados no petróleo; a preparação de uma restruturação do sistema financeiro, incluindo a privatização dos bancos estatais; a revisão do regime especial de operações cambiais; a apresentação do documento de uma política de privatização; a implementação de um programa piloto incluindo a privatização de cinco companhias estatais; a publicação de estatísticas completas sobre a situação contabilística do governo e os seus índices macro-económicos; e a preparação de um plano para uma reforma fiscal.

4 Consultar: Human Rights Watch, "The Oil Diagnostic in Angola: An Update," Março de 2001, que se encontra em http://www.hrw.org/backgrounder/africa/angola/index.htm.

5 Fundo Monetário Internacional, "Preliminary Conclusions of the IMF Mission", 14 de Agosto de 2001, em http://www.imf.org/external/np/ms/2001/081401.htm

6 Fundo Monetário Internacional, "Angola Article IV Consultation: Preliminary Conclusions of the IMF Mission," 19 de Fevereiro de 2002, em http://www.imf.org/external/np/ms/2002/021902.htm.


Voltar
Organização das Nações Unidas: Protecção dos Deslocados Internos em Angola
Comunicado de imprensa, 5 de Março de 2002

Para imprimir a versão em formado PDF, 9 páginas
HRW Logo

Copyright Human Rights Watch 2000
350 Fifth Avenue, 34th Floor, New York, NY 10118 Estados Unidos